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A CORRELAÇÃO ENTRE O DIREITO BÍBLICO E DISPOSITIVOS DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Agenda 16/03/2014 às 14:51

O texto compara o conteúdo jurídico presente nas sagradas escrituras (BÍBLIA), em que Deus aparece como legislador, promotor, juiz e executor de penas, com alguns aspectos do nosso ordenamento jurídico, em especial do direito penal e processual penal.

A CORRELAÇÃO ENTRE O DIREITO BÍBLICO E DISPOSITIVOS DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.

         Ao estudarmos o texto bíblico, em especial alguns do Antigo Testamento como Gênesis, Êxodo, Levítico, Número e Deuteronômio, deparamo-nos com verdadeiro conjunto de leis, cujo objetivo era disciplinar e ordenar a conduta moral, social e religiosa de um povo (Judá). Além disso, há espaço para uma análise comparada destas leis com códigos muito conhecidos na história do Direito como o de Hamurabi, o direito Romano-Germânico, o Common Law (inglês) e o direito moderno, vigente.

         Desde o início, vemos Deus aparecendo como o Primeiro e Grande Legislador; a isso, no Direito se denomina Poder Legislativo. Entregou a Adão normas orais e exigiu-lhe obediência.

“E ordenou o SENHOR Deus ao homem, dizendo: De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore da ciência do bem e do mal, dela não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (2.16).

Tratava-se da primeira norma que, via de regra, primeiramente, prevê um fato e, depois, tem um comando, que é a sua parte dispositiva.  O fato era não comer do fruto de uma determinada árvore, denominada por Deus como “árvore da ciência do bem e do mal”,  e a punição para a infração era a morte. O que vemos, na sequência, foi o primeiro descumprimento de uma norma, ou seja, a primeira conduta contrária ao direito, quando Eva come do fruto e oferece a seu marido Adão. O direito regula atitudes, estabelecendo que comportamentos adversos ao previsto na norma tenha uma sanção específica. Há também a primeira citação da história quando Deus chama a  Adão e lhe diz:  

“E chamou o SENHOR Deus a Adão e disse-lhe: Onde estás?” (3.9).

Deus acusa Adão de ter comido da árvore “Comeste tu da árvore de que te ordenei que não comesses?” (3.11); na verdade, temos, aqui, a primeira acusação, o que ocupa hoje o lugar do Ministério Público que tem a função, dentre outras, de denunciar o crime ao Estado-juiz, para que este o julgue.

Em seguida, Adão – citado - faz a sua primeira defesa, ou seja, argumenta com Deus (Juiz) para se ver livre da acusação, além de transferir a terceiro a prática do ato infracional:

Então, disse Adão: A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e comi.” (3.12).

A mulher (Eva) também foi indagada: “por que fizeste isso” (3.13), ao que também se defendeu, atribuindo à serpente a responsabilidade do seu ato infracional. Vemos, aqui, duas pessoas cometendo uma infração, houve a primeira co-autoria. Deus, atuando como o Primeiro Juiz, rejeitou a defesa, proferiu a sentença, aplicando a primeira pena e executando a primeira sentença

“E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a tua dor e a tua conceição; com dor terás filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará. E a Adão disse: Porquanto deste ouvidos à voz de tua mulher e comeste da árvore de que te ordenei, dizendo: Não comerás dela, maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os dias da tua vida. Espinhos e cardos também te produzirá; e comerás a erva do campo. No suor do teu rosto, comerás o teu pão, até que te tornes à terra; porque dela foste tomado, porquanto és pó e em pó te tornarás. O SENHOR Deus, pois, o lançou fora do jardim do Éden, para lavrar a terra, de que fora tomado.”

        

Esta análise é um recorte dentro de um livro das Sagradas Escrituras com a finalidade de mostrar o direito presente na Bíblia, porém, podemos analisar do ponto de vista geral e comparar os livros do Antigo Testamento com outros códigos jurídicos. O direito romano, por exemplo, anteriormente ao surgimento das leis das XII tábuas, estava relacionado ao costume (direito consuetudinário) que ficava a cargo da família. Não havia a formalização do direito, mas isso não significava que não houvesse credibilidade, nem pressuposição de desobediência. Sabemos que o direito sagrado (fas) está estreitamente ligado ao direito humano (ius) e os pontífices exerciam o monopólio da ciência do direito, que em latim era chamada de Iurisprudentia (prudentia = ciência; Iuris = do direito).

Segundo Moreira Alves (1971, v. 1:25) “esse monopólio – em decorrência do rigoroso formalismo que caracterizava o direito arcaico – consistia em deterem os pontífices o conhecimento, não só dos dia em que era permitido comparecer a juízo (dias dos fatos, em contraposição aos nefastos, em que isso era proibido0), mas também das fórmulas com que se celebravam os contratos ou com que se intentavam as ações judiciais”

Em Israel, não era diferente, pois o chefe da família (patriarca) tinha o dever de transmitir aos seus descendentes os ordenamentos morais e religiosos (fas) passados de geração em geração que, para eles, tinham força de lei. No entanto, Deus reitera a Moisés os dez mandamentos (Deuteronômio cap 5, versículos  6-21), estabelecendo que o fim da lei é a obediência, assim como acorrera em Roma, por volta de 450 a.C. com  o surgimento da lei das XII Tábuas (o direito fundamental de Roma).

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         Nesse século, o V a.C., há uma explosão de criatividade em diversas partes do mundo, influenciando o direito e trabalhando muito forte com o conceito de justiça; no código babilônico de Hamurabi, havia a ideia de proteger os escravos,  as viúvas, os órfãos, ao que foi chamado de MISSARIM, que consiste em um ato de caridade. Na Torá, temos o MISHPAT, que equivale a salvar o oprimido do opressor (é um direito);  nas XII Tábuas, há a formalização do direito, com destaque para o direito privado, o direito da propriedade, fruto da ligação dos romanos com as conquistas, com a terra; na Grécia, temos o aprimoramento das leis de Sólon com Clístenes, no famigerado século das luzes, em que surge o conceito de democracia.

 Em Israel, segundo os textos bíblicos, os profetas – arautos de Deus – eram líderes não apenas religiosos, mas também políticos, cujas atividades cumpriam importantes funções de ordem política e social. No tocante a questão social, a legislação hebraica sobre o escravo hebreu era diferente da do escravo estrangeiro. Por razões de falência econômica, o israelita se vendia como escravo ao seu irmão, porém, Moisés limitou a escravidão de hebreus ao período máximo de seis anos, quando este devia ser liberto  “Se comprares um servo hebreu, seis anos servirá; mas, ao sétimo, sairá forro, de graça.” (Êxodo 21.2), suprindo-o generosamente com recursos suficientes para iniciar uma nova vida.

Em suma, na lei mosaica, a escravidão era mecanismo social destinado a proteger o pobre (Missarim / Mishpat), habilitando-o a alcançar a condição de auto-sustento.

         No direito moderno, atual, esse conceito de MISSARIM / MISHPAT é muito forte e presente, sobretudo, nos governos populares, de cunho assistencialista como o do atual presidente Lula que priorizou os pobres, fornecendo-lhe “bolsas-família”, o que elevou o seu índice de aprovação.

         Se olharmos com uma lupa no livro do Deuteronômio, veremos que ele pode ser entendido como segunda lei. Nele se repetem as leis promulgadas em Êxodo, Levíticos e Números. Deuteronômio não é uma simples repetição da lei, mas vai muito além, pois faz parte dos acontecimentos históricos dos livros anteriores, além de interpretar e fazer adaptações. Encontramos ideias expressas que vão desde a atuação de um juiz, passando por falso testemunho, punição aos filhos, difamação, juros, até direitos ao salários e transações comerciais.

“Então, vós me respondestes e dissestes: Bom é fazer a palavra que tens Tomei, pois, os cabeças de vossas tribos, homens sábios e experimentados, e os tenho posto por cabeças sobre vós, e por capitães de milhares, e por capitães de cem, e por capitães de cinqüenta, e por capitães de dez, e por governadores das vossas tribos. E, no mesmo tempo, mandei a vossos juízes, dizendo: Ouvi a causa entre vossos irmãos e julgai justamente entre o homem e seu irmão e entre o estrangeiro que está com ele.” (Dt 1. 14-16).

Vemos aqui a descrição do trabalho de um juiz. Podería ilustrar os demais exemplos com textos bíblicos, o que levaria muito tempo, por isso, preferi ficar somente com esse caso para ilustrar.

         Enfim, a Bíblia não é somente um livro religioso, como alguns pensam, mas também um livro histórico, poético, e jurídico, como vimos, cujos preceitos regularam a vida política, social e moral dos israelitas, serviram de base para outros povos contemporâneos e deixaram legados ao longo dos séculos, muitos deles presentes nas legislações dos nossos dias; não é de se estranhar que nos tribunais as partes litigantes jurem com a mão sobre a Bíblia, não somente porque ela prime pela verdade, mas, sobretudo, por ser também um código de verdade, um verdadeiro manual de direito que deve ser  visto e respeitado, em especial pelos operadores do direito.

Referência Bibliográficas.

BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém. 7 ed. rev. São Paulo: Paulus, 1995.

BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo Plenitude. Edição Revista e Corrigida. 1995.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.

AVENA, Norbertoo. Processo Penal Esquematizado. 4ª edição, Rio de Janeiro: Forense; São Paulo, MÉTODO, 2012.

Sobre o autor
Mauricio Correa

Sou servidor público no Tribunal de Justiça de São Paulo, curso Direito, 10º semestre, na Universidade Presbiteriana Mackenzie e sou formado em Letras na USP, português e alemão.

Informações sobre o texto

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