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Aquisição de terras brasileiras por estrangeiros

Agenda 19/03/2014 às 12:02

Os preceitos da lei 5.709/71, principalmente o § 1° do art. 1°, que submete a pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas.

1          PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Conjunto de normas que expõe a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins, os princípios são as normas eleitas pelo constituinte originário como fundamento ou qualificações essenciais da ordem jurídica.

No dizer de Celso Antônio Bandeira de Mello (230):

“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico [...].

Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais [...].”

1.1       Princípio da separação dos poderes

O princípio da separação dos poderes define papéis e estabelece limites. Ao legislativo cabe a criação do direito, ao executivo as funções administrativas, aplicação da lei de ofício e ao judiciário aplicar a lei contenciosamente.

Para pautar a própria conduta e dar cumprimento aos atos normativos o Executivo interpreta a lei, podendo deixar de aplicar os atos legislativos que considere inconstitucional.

O descumprimento ou não aplicação da lei, sob o fundamento de inconstitucionalidade ou não recepção da norma, antes que o vício haja sido proclamado pelo órgão competente, sujeita o autor às sanções prescritas pelo ordenamento. Antes da decisão judicial, quem não cumprir a lei o fará por sua conta e risco.

O princípio se traduz em duas regras de observância necessária:

a) não sendo evidente a não recepção, havendo dúvida ou a possibilidade de razoavelmente se considerar a norma como válida, deve o órgão competente abster-se da declaração;

b) havendo alguma interpretação possível que permita afirmar-se a compatibilidade da norma com a Constituição, em meio a outras que carreavam para ela um juízo de invalidade, deve o intérprete optar pela interpretação legitimadora, mantendo o preceito em vigor.

A doutrina e a jurisprudência já assentaram que a dúvida milita em favor da lei, que a violação da Constituição há de ser manifesta e que a inconstitucionalidade nunca se presume. 

O processo de interpretação conforme a constituição (letra a) pode ser decomposto em elementos:

1) escolha de uma interpretação da norma legal que a mantenha em harmonia com a Constituição, em meio a outra ou outras possibilidades interpretativas que o preceito admita;

2) tal interpretação busca encontrar um sentido possível para a norma, que não é o que mais evidentemente resulta da leitura de seu texto;

3) além da eleição de uma linha de interpretação, procede-se à exclusão expressa de outra ou outras interpretações possíveis, que conduziriam a resultado contrastante com a Constituição;

4) por via de consequência, a interpretação conforme a Constituição não é mero preceito hermenêutico, mas, também, um mecanismo de controle de constitucionalidade pelo qual se declara ilegítima uma determinada leitura da norma legal.

No dizer de Gilmar Ferreira Mendes (284):

“A interpretação conforme a Constituição só é legitima quando existe um espaço de decisão (= espaço de interpretação) em que são admissíveis várias propostas interpretativas, umas em conformidade com a constituição e que devem ser preferidas, e outras em desconformidade com ela.”

1.2  Princípio da soberania nacional

A soberania está incluída na Constituição Federal, inicialmente, como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, I). É requisito essencial para a formação do Estado nacional.

Segundo Angel Modesto Paredes (55), "la noción de soberania comprende: la idea de igualdad entre los Estados, la de su libertad y la de su independencia".

Igualmente, foi incluída também como princípio da Ordem Econômica Nacional, indicando cuidar-se de soberania econômica nacional. Trata-se de princípio constitucional impositivo. Na palavra de Eros Roberto Grau (246/247), deve cumprir dupla função, "como instrumental e como objetivo específico a ser alcançado".

Para ele, a soberania econômica nacional "não supõe o isolamento econômico, mas antes, pelo contrário, a modernização da economia - e da sociedade - e a ruptura de nossa situação de dependência em reação às sociedades desenvolvidas".

 Mesmo com a Emenda Constitucional nº 6, de 15/08/95, que, entre outras modificações revogou “in totum” o artigo 171 da Constituição, pretendendo, além de impedir discriminação contra empresas e capital estrangeiro, impedir o apoio, a proteção, a concessão de benefícios às empresas e ao capital nacional, deve prevalecer a orientação consubstanciada no intocado conceito de soberania nacional, no sentido de reger as atividades econômicas desenvolvidas no país.

No que diz respeito à eficácia e aplicabilidade do preceito de que se trata, é necessário asseverar que a soberania nacional, no contexto das normas de conteúdo econômico, possui plena eficácia e aplicabilidade, na forma da lição do professor José Afonso da Silva, no seu livro Aplicabilidade das Normas Constitucionais (1998).

O ilustre constitucionalista, na obra citada, traça um quadro sobre eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais em três categorias. Segundo ele, a norma constitucional pode ser de eficácia plena e aplicabilidade direta, imediata e integral; de eficácia contida e aplicabilidade direta e imediata, mas possivelmente não integral; e de eficácia limitada e de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida.

Assim, conceitua as normas constitucionais de eficácia plena, aplicabilidade direta, imediata e integral, como:

[...], aquelas que, desde a entrada em vigor da constituição, produzem, ou têm possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular (p.101).

Como explicitado pelo próprio Autor, os princípios da ordem econômica e social incluem-se na categoria de princípios políticos constitucionais conformadores, sendo aqueles que:

[...] exprimem as concepções políticas fundamentais do poder constituinte, todos os órgãos do poder devem considerá-lo como princípios rectores e operantes quer no momento da criação do Direito, quer no momento de sua aplicação, constituindo-se Direito imediatamente vigente e diretamente aplicável (p. 143).

Desta forma, a previsão do artigo 170, I da Constituição deve ser observada, na prática, tanto para a elaboração de políticas públicas no âmbito interno quanto para celebração de tratados e acordos internacionais.

Isto deve ser observado, não somente porque a ordem jurídica interna determina que assim se faça, mas porque, essencialmente, é capaz de viabilizar um projeto nacional em condições de colocar a sociedade brasileira diante de processo de integração econômica, de acordo com as especificidades que lhe são próprias.

Nesse sentido, além de prever que o país, no âmbito das relações internacionais, será regida pela independência nacional, a Constituição Federal dispõe que a soberania nacional é o instrumento que preserva a sua identidade nacional.

A preservação da soberania nacional deve ser vista como um eficiente mecanismo capaz de assegurar vantagens competitivas no âmbito internacional, pois garante a diferença entre os povos e entre os mercados.

Assim, a soberania deve orientar a busca pela realização dos fins do Estado (desenvolvimento nacional) e dos fins de toda e qualquer atividade econômica (existência digna do ser humano). Tanto mais, deve orientar o Estado na persecução de políticas públicas que viabilizem a inserção da sociedade brasileira, em condições de igualdade, no contexto mundial.

Da forma como inserto na Carta Política 1988, o princípio da soberania nacional não representa um despropósito ao desenvolvimento e à globalização, ao contrário, sinaliza a forma como o país deve promover a sua integração econômica, devendo ser plenamente observada pelos poderes infraconstitucionais.

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Portanto, insculpido como está, no Capítulo da Ordem Econômica e Financeira, é, antes de tudo, um instrumento que pode nos levar ao encontro da prosperidade, do progresso e do desenvolvimento, na direção da justiça social, e a fim de assegurar a todos a digna existência.

2          INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 190 DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

"Art. 190. A lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional".

Na classificação tricotômica, inspirada na doutrina italiana - do mestre José Afonso da Silva, estamos diante de uma norma constitucional de eficácia limitada ou reduzida, que não recebeu normatividade suficiente para sua aplicação, dependendo do legislador infraconstitucional para completar e regulamentar as matérias traçadas em princípios ou esquemas.

Cabe, portanto, ao legislador ordinário estabelecer os casos em que essas aquisições e arrendamentos vão se dar, editando nova lei ou modificando as que existirem, naquilo em que forem incompatíveis com a constituição.

Regular é o ato de estabelecer regras, de prescrever o que deve ser feito, como deve ser feito, quando deve ser feito, etc.

Limitar é determinar a extensão dos imóveis que poderão ser adquiridos e a extensão a partir da qual será necessária a autorização do Congresso.

Aquisição nada mais é que o ato pelo qual o domínio sobre um imóvel pertencente a uma pessoa é transferido para outra. Os modos de se adquirir a propriedade imobiliária são classificados em originários e derivados.

O modo originário de aquisição é aquele onde não há qualquer relação jurídica de causalidade entre o domínio atual e o anterior.

O modo derivado é quando existe uma relação de causalidade entre o domínio anterior e o atual, representado por um fato jurídico.  Provêm de um título pré-existente em nome do alienante do imóvel, devidamente registrado (ou transcrito, na terminologia antiga) no Registro de Imóveis (Lei 6.015/73).

Arrendamento é o contrato pelo qual uma pessoa, dona de bens imóveis, assegura a outrem, mediante contribuição fixa ou reajustável a prazo certo, o uso e gozo desses bens.

Propriedade Rural é o espaço físico no qual o homem emprega seu trabalho, visando à produção agrária. Bem de produção indispensável à manutenção da vida humana. Unido a um risco correlato, o homem, por seu trabalho sobre a terra, tem acesso a bens primários, necessários a sua subsistência e alimentação.

Tendo em mente essa importância, o legislador prescreve limitações ao seu exercício e gozo, modificando e particularizando o regime jurídico da propriedade. Limitações essas que exigem uma omissão (um não fazer) ou uma ação (fazer).

O fundamento dessas limitações é a função social da propriedade, a qual se mostra evidente quando considerada como autêntico bem de produção.

Em termos legais vem conceituado no artigo 4º da Lei 8.629/1993 como sendo "o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial".

Pessoa Física é analisado da seguinte forma: o termo “pessoa” (do latim persona) pode ser considerado em 3 acepções: a vulgar que seria sinônimo de ser humano, com certo grau de imprecisão; a filosófica que é o ente, dotado de razão, que realiza um fim moral e exerce seus atos de modo consciente e a jurídica que considera como pessoa todo ente físico ou moral, suscetível de direitos e obrigações.

“Pessoa física” é a designação usada na França e na Itália e na legislação brasileira para regulamentar impostos. No dizer de Maria Helena Diniz (82) é terminologia imprecisa, porque desnatura o homem, ao realçar o seu aspecto material, sem considerar suas qualidades morais e espirituais, que são elementos integrantes de sua personalidade.

O nosso ordenamento civil e os civilistas nacionais aderiram à denominação “pessoa natural”, para designar o ser humano considerado como sujeito de direitos e obrigações.

As pessoas jurídicas são os agrupamentos humanos destinados a atingir determinados fins e objetivos, aos quais são conferidas personalidade e capacidade jurídica.

Cunha Gonçalves (917) define-a como sendo "associações ou instituições formadas para a realização de um fim e reconhecidas pela ordem jurídica como sujeito de direito".

Podem-se classificar as pessoas jurídicas quanto à nacionalidade em nacionais e estrangeiras.

Neste ponto, é bom tecer alguns comentários sobre o capital estrangeiro, tendo em vista a forma principal como é investido, ou seja, participando do capital das empresas e dar um exemplo de sua atuação em nosso País.

O capital estrangeiro tem enorme influência nos destinos das nações em desenvolvimento, mas geralmente são emprestados a juros extorsivos e pessimamente gerenciados pelas elites que dominam o Estado. Além disso, vêm eles vinculados a aquisições de mercadorias e serviços dos países credores, por preços superiores aos do mercado livre internacional.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 172, preceitua:

“Art. 172. A lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros”.

Artigo este, no entender de Pinto Ferreira (376), “deliberadamente omissivo, pois já existem leis reguladoras, do capital estrangeiro, prejudiciais ao País. O legislador constituinte não ousou enfrentar corajosamente o tema, mas ficou de pés e mãos atadas à pressão dos grandes banqueiros”.

Entende se como capitais estrangeiros na lição de Aristóteles Moura (11) como “os procedentes de outros países e pertencentes a estrangeiros residentes no Exterior”.

A lei n.º 4.131, de 3 de setembro de 1962, assim define o capital estrangeiro:

“Art. 1º. Consideram-se capitais estrangeiros, para os efeitos desta lei, os bens máquinas e equipamentos entrados no Brasil sem dispêndio inicial de divisas, destinados à produção de bens ou serviços bem como os recursos financeiros ou monetários introduzidos no País para aplicação em atividade econômica desde que, em ambas as hipóteses, pertençam a pessoas físicas ou jurídicas, residentes, domiciliadas ou com sede no exterior”.

Então capitais estrangeiros são: os capitais físicos (bens de capital) e capitais financeiros (recursos financeiros e monetários). A constituição não enfrentou o problema não estatuindo os institutos disciplinadores do capital estrangeiro, como sugerido pela Comissão Afonso Arinos nos seguintes dispositivos:

"Art. 321. A lei disciplinará os investimentos de capital estrangeiro.

Parágrafo único. A lei regulará os meios e formas de nacionalização de empresas de capital estrangeiro, nos casos previstos nos planos de desenvolvimentos aprovados pelo Congresso Nacional.

Art. 322. A lei reguladora dos investimentos de capitais estrangeiros obedecerá, entre outros, os seguintes princípios:

I – função supletiva do capital estrangeiro;

II – regime especial, com limites máximos de remessa de juros, dividendos, royalties, pagamento de assistência técnica e bonificações, sendo obrigatória a divulgação pelas empresas das importâncias transferidas, em cada caso, para esclarecimento da opinião pública;

III – a proibição de transferência a estrangeiro das terras onde existem jazidas, minas, e outros recursos minerais e potenciais de energia elétrica.

Parágrafo único. As questões relativas à dívida externa, assumidas ou garantidas por pessoas jurídicas de direito público, serão aforadas no Distrito Federal.

Art. 323. “Só se considerará empresa nacional, para todos os fins de direito, aquela cujo controle de capital pertença a brasileiro e que, constituída e com sede no País, nele tenha o centro de suas decisões.”

A preocupação com os investimentos de capitais estrangeiros é universal, uma vez que o controle monopolístico de certas matérias-primas e manufaturados pode causar danos irreparáveis à economia de outros Estados, notadamente nas nações dependentes, desprovidas de instrumentos de defesa e resistência às competições predatórias, como é o caso da brasileira.

O capital estrangeiro pode ser benéfico ao desenvolvimento da economia, mas traz, em si mesmo, um extraordinário poder de corrupção e de domínio dos meios de comunicação, através dos quais consegue anestesiar a opinião pública e auferir lucros e benefícios superiores àqueles oriundos de seus produtos e serviços.

Conseguiu atuar na feitura, inclusive, de nossa Constituição incluindo dispositivos destinados a impedir seu controle e sua ação predatória.

Notórios administradores de multinacionais fizeram parte da Constituinte de 1987 e continuam atuando no Executivo e legislativo, após a elaboração da Constituição de 1988, desmantelando a nação brasileira, através de emendas e mais emendas (até dezembro de 2003 já eram 42), transformando-a em simples papel que tudo aceita e quando não aceita, pode ser revogada ou simplesmente ignorada, como no parecer do Advogado Geral da União n.º CQ 181, de 17 de dezembro de 1998, aprovando o parecer AGU/LA 04/97, exarado no processo n.º 21400.001082/93-02.

Quanto à nacionalidade das pessoas jurídica nos socorremos das lições do ilustre mestre Fábio Konder Comparato que afirma:

“Toda sociedade está ligada a um sistema jurídico nacional, na medida em que é constituída sob suas normas e por ele regida em seu funcionamento interno”.

As sociedades privadas são assimiladas aos cidadãos nacionais, ou, ao contrário, aos estrangeiros, para o exercício de certas atividades ou para a fruição de determinados direitos e prerrogativas, que a lei reserva aos nacionais.

Uma mesma sociedade pode ser, a um só tempo, considerada nacional e estrangeira: nacional, quanto à sua submissão ao direito do país em questão, relativamente ao seu funcionamento interno e ao seu reconhecimento como pessoa jurídica; estrangeira, pela exclusão de certos benefícios, vantagens ou privilégios, que a lei do mesmo país atribui unicamente aos cidadãos nacionais.

“Nesta última perspectiva, claro está, desconsidera-se a forma societária ou a autonomia patrimonial vinculada à personalidade jurídica, para se buscar, no corpo acionário, a pessoa ou as pessoas naturais que exercem efetivamente o poder de controle.”

Ora, esta afirmativa, em relação às pessoas jurídicas, é verdadeira, principalmente, quando comparamos com o direito da pessoa natural estrangeira. As naturais, quando admitidas no território de um país, gozam de direitos iguais aos nacionais quanto ao mínimo de segurança e propriedade.

Hans Kelsen sintetizou a situação jurídica do estrangeiro em terra alheia. "O Estado não tem obrigação de admitir estrangeiros em seu território. Mas uma vez admitidos devem-lhes ser concedido um mínimo de direitos, o que não significa que eles devam ter os mesmos direitos dos cidadãos".

Da mesma forma o Código de Bustamante (Convenção de Havana), no art. 1º, reza que os estrangeiros gozam, no território de outros Estados contratantes, dos mesmos direitos civis que se concedem aos nacionais, mas por motivos de ordem pública, podem ser recusados ou sujeitados a condições especiais o exercício destes direitos.

No art. 2º iguala o estrangeiro ao nacional, "salvo as restrições que em cada um estabeleçam a Constituição e as leis", não se estendendo a igualdade ao desempenho de funções públicas, ao direito de sufrágio e a outros direitos políticos.

O nosso ordenamento jurídico, em relação à pessoa natural, principalmente no art. 5º, caput, Constituição de 1988, enuncia que:

“Art. 5º todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]".

A residência no país só não se aplica ao recurso ao judiciário, que é estendido a qualquer estrangeiro, esteja o mesmo residindo ou não, ou mesmo de passagem pelo território nacional.

Nesta linha de raciocínio, devemos destacar a forma diferenciada de proteção da propriedade da pessoa natural estrangeira em relação ao nacional, contidas no ato complementar n.º 45/69.

O art. 1º prescreve que somente os brasileiros e os estrangeiros residentes (grifo nosso) no País é que poderão adquirir propriedade rural no território nacional; que residente no País, é tão somente aquele que possua permanência definitiva no território nacional; que lei especial determinará as condições, restrições, limitações e demais exigências a que ficará sujeita a aquisição de imóvel rural; que o objetivo do ato complementar é a defesa da integridade do território nacional, a segurança do Estado e a justa distribuição da propriedade.

A lei especial referida no ato complementar n.º 45/69 é a lei 5.709/71. Prescreve esta lei que: o estrangeiro (pessoa natural) residente no País só poderá adquirir imóvel rural na forma prevista nesta Lei; a aquisição de imóvel rural, por estas pessoas não poderá exceder a 50 (cinquenta) módulos de exploração indefinida, em área contínua ou descontínua; que se a área for inferior a três módulos, a aquisição é livre, ressalvada as exigências gerais determinadas em lei; que o poder executivo baixará normas para a aquisição de área compreendida entre 3 (três) e 50 (cinquenta) módulos de exploração indefinida; que nos loteamentos rurais feitos por empresas particulares de colonização, a aquisição e ocupação será de no mínimo 30% (trinta por cento) de brasileiros, obrigatoriamente; que se a área for indispensável à segurança nacional o assentimento prévio será da Secretária-Geral do Conselho de Segurança Nacional; que é da essência do ato de aquisição a escritura pública; que da escritura de aquisição deverá constar entre outros requisitos a autorização do órgão competente; entre outros, requisitos e consequências dos atos que contrariarem a lei e seu regulamento ( Dec. n.º 74.965/74).

Das restrições impostas à pessoa natural estrangeira residente no país, para aquisição de imóveis rurais, dá não admissibilidade de aquisição por aquelas não residentes, o ato complementar e a lei estendem seus efeitos a pessoa moral (jurídica) estrangeira, bem como às pessoas jurídicas brasileiras da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior. Sendo tais normas recepcionadas pelo artigo 190 da Constituição de 1988 ao prescrever que "a lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional".

Voltemos então aos ensinamentos do ilustre mestre Fábio Konder Comparato (58), distinguindo empresa nacional de estrangeira onde ensina:

Essa distinção, embora necessária e elementar, só foi claramente feita neste século (XX), mais exatamente a partir da guerra europeia de 1914 a 1918. Por isso, recente quanto à sua formulação, não logrou ela ainda penetrar em todos os meios e assentar-se na doutrina e na jurisprudência.

O primeiro autor a estabelecer claramente a distinção apontada foi Niboyete.

Principia Niboyete por distinguir entre a repartição dos sujeitos de direito pelos diferentes sistemas de direito e a fruição ou exercício efetivo de direitos, no quadro de um sistema jurídico nacional. A diferença, disse ele 'salta aos olhos, pois não se pode confundir um problema de repartição dos indivíduos no mundo, com os dos direitos de que gozam. Uma coisa é ser de tal nacionalidade ou ter seu domicílio em tal país; outra coisa é a busca dos direitos dos quais se pode ser sujeito'.     

No tocante às pessoas jurídicas, Niboyete contestou a ideia de nacionalidade, sustentando que esta não passava de uma expressão cômoda para designar a vinculação necessária dessas pessoas a um ordenamento jurídico, sem possibilidade de confundi-las com verdadeiros cidadãos de um país.

Até 1914, nos diferentes ordenamentos nacionais, 'o estatuto político das pessoas jurídicas era absorvido pelo seu estatuto jurídico'. Prevalecia, então, a ideia de que as pessoas jurídicas, sobretudo as sociedades de direito privado, possuíam um estatuto jurídico determinado, sob o qual elas se constituíam e agiam. Elas seriam, pois, tão nacionais quanto os cidadãos daquele país.

A partir da primeira grande guerra europeia deste século (XX), no entanto, esse unitarismo da condição jurídica das pessoas coletivas desapareceu: certas sociedades mercantis, por exemplo, embora constituídas em determinado país e com sua sede nele localizada, foram consideradas pelos tribunais como 'súditos inimigos' e, como tal, submetidas às sanções da legislação excepcional de guerras.

Para tanto, pôs-se em foco a noção de controle, como poder dominante no seio da sociedade. O que importava, doravante, era saber a nacionalidade dos homens que, de fato, impunham sua vontade às sociedades.

         É perfeitamente admissível um duplo regime jurídico: uma sociedade poder ser considerada nacional, porque subordinada à lei societária nacional, e ser tida ao mesmo tempo como estrangeira, no tocante ao uso e gozo de vantagens ou prerrogativas reservadas a empresas de controle nacional.

         O princípio de determinação da lei nacional aplicável, quanto à existência e funcionamento das sociedades de direito privado, é o constante do art. 11 da Lei de Introdução ao Código Civil: 'As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem'.

Tanto a lei de introdução ao Código Civil (art. 11, § 1º) quanto o Decreto-lei nº 2.627 (art. 64) impõe a autorização do Governo brasileiro para o funcionamento das sociedades estrangeiras entre nós. Miranda Valverde (324) entendia que "o preceito proibitivo visa à defesa da economia nacional. Impede que possam as companhias estrangeiras atuar, clandestinamente, dentro do país, sem que o Poder Público tenha, portanto, elementos para controlar ou fiscalizar a sua atividade".

Vê-se que ao legislador infraconstitucional foi dado, amplo e irrestrito poder para o estabelecimento das regras e quantidades, bem como a equiparação de outros agentes a categoria de estrangeiro.

Diante do exposto, analisemos o disposto no art. 1º da Lei 5.709/71, especialmente seu parágrafo 1º.

"§ 1º. Fica, todavia, sujeita ao regime estabelecido por esta Lei a pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior".

A sociedade brasileira equipara-se à sociedade estrangeira quando seu capital é controlado por estrangeiros, ficando, portanto, sujeita aos ditames do parágrafo acima reproduzido. Para reconhecimento do caráter estrangeiro do controle de capital de uma sociedade brasileira basta que as pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras, residentes ou não, domiciliadas ou não no Brasil, sejam proprietários de mais de 50% do capital votante da sociedade brasileira.

3          CONCLUSÃO

O território faz parte da substância do Estado como o conhecemos na atualidade. Deve ser cuidado e protegido contra interesses alienígenas. Infelizmente para nós brasileiros isso não vem ocorrendo.

A submissão de nossos governantes aos capitais estrangeiros é vergonhosa. Nossas Leis vêm sendo desrespeitadas a todo o momento para agradar a este ou aquele interesse momentâneo para conferir lucros máximos a uma elite mundial.

O povo, também substância do Estado, é relegado ao segundo plano, iludido pela mídia que vende a ilusão de estarmos vivendo num Estado Democrático de Direito.

A propalada independência de poderes é uma balela. O presidencialismo instalado no Brasil não passa de uma ditadura disfarçada. O chefe do Poder Executivo, ao tomar posse, esquece seus compromissos de campanha e de vida e em nome de tal governabilidade, bota tudo a perder.

A primeira providência tomada é sempre a mesma: vamos modernizar a administração. Isso significa adequar a legislação, inclusive a Constituição, aos interesses dos novos donos do poder.

Isso se processa de forma fácil. O Legislativo não tem poder algum, pois, não detém em suas mãos o orçamento. É através do orçamento que Deputados e Senadores são cooptados a dar sustentação legal ao Executivo.

O judiciário também, como bem observou o relator da ONU para assuntos de independência de juízes e advogados, Leandro Despouy, esta ligado aos setores que detêm o poder político e econômico.

No caso do presente trabalho tudo isso esta bem clara. O Executivo Federal por não achar viável, alterar o art. 190 da Constituição, temendo, talvez, uma reação da população, resolveu, simplesmente, ignorar o mencionado artigo. Através de simples Parecer escancarou nosso território à sanha estrangeira.

O cidadão brasileiro que detectar tais irregularidades e denunciá-las torna-se um exilado dentro do próprio país. O INCRA irá responder que a aquisição de imóveis rurais por empresas brasileiras, mesmo que sua capital pertença a estrangeiro não estão obrigadas aos ditames da Lei 5.709/71.

Se noticiar ao Ministério Público verá com o passar dos anos que o procedimento instaurado está esquecido em alguma gaveta sem providência alguma.

Noticiando aos notários e tabeliães não será ouvido, mesmo porque nas correições feitas anualmente, os juízes corregedores farão questão de nada ver e deixarão as coisas como estão.

E o cidadão continuará a ver seu país, o Brasil, sendo adquirido como se mercadoria fosse e a poucos pertencesse. Tal como aconteceu com um povo situado na região da Palestina, nos fins do século XIX, início do século XX, que vendeu suas terras áridas ao povo judeu e depois dela foi expulso, verá, tal cidadão, acontecer com o Brasil.

4          REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROSO, Lucas Abreu; MIRANDA, Alcir Gursen de; SOARES, Mário Lúcio Quintão; Organizadores e Colaboradores. O direito agrário na Constituição. Rio de Janeiro. 3ª ed. 2013. Editora Forense.

BORGES, Paulo Torminn. O imóvel rural e seus problemas jurídicos. São Paulo: Pró-Livro, 1976.

COMPARATO, Fábio Konder. Direito Empresarial - Estudos e Pareceres. 1ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1995.

CYSNEIROS, Vicente Cavalcanti. Aquisição de imóvel rural por estrangeiro. Brasília: Fundação Petrônio Portella. 1982.

DINIZ Maria Helena. Direito civil brasileiro. Vol. 4 – Direito Das Coisas - 28ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2014

DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado. 9ª ed. Rio de Janeiro: Livraria e Editora Renovar Ltda, 2008.

FERREIRA, Pinto. Manual de direito constitucional. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1990.

GUSMÃO, Mônica. Direito empresarial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 29ª ed. São Paulo: Editora Atlas S. A. 2013.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, Malheiros, 2001

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 36ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013.

Sobre o autor
Andre Vicente Leite de Freitas

Advogado em MG. Professor da Universidade Católica de Minas Gerais ( PUCMINAS). Professor de Direito em curso de Graduação e Pós Graduação. Prof. de Graduação em Sistemas de Informação. Relator da Comissão de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (pela OAB/MG); Pós-graduado lato sensu em Direito Processual pela Universidade Gama Filho - UGF; Mestre em Direitos Humanos, Processos de Integração e Constitucionalização do Direito Internacional pela Universidade Católica de Minas Gerais.

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