3. Breve Painel da Preservação do Meio Ambiente Natural Ecologicamente Equilibrado e sua relação com o alcance e desdobramento da Dignidade da Pessoa Humana
Em sede de comentários inaugurais, cuida salientar que o meio ambiente natural, também denominado de físico, o qual, em sua estrutura, agasalha os fatores abióticos e bióticos, considerados como recursos ambientais. Nesta esteira de raciocínio, cumpre registrar, a partir de um viés jurídico, a acepção do tema em destaque, o qual vem disciplinado pela Lei Nº. 9.985, de 18 de Julho de 2000, que regulamenta o art. 225, §1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências, em seu artigo 2º, inciso IV, frisa que “recurso ambiental: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora”17. Nesta esteira, o termo fatores abióticos abriga a atmosfera, os elementos afetos à biosfera, as águas (inclusive aquelas que se encontram no mar territorial), pelo solo, pelo subsolo e pelos recursos minerais; já os fatores bióticos faz menção à fauna e à flora, como bem assinala Fiorillo18. Em razão da complexa interação entre os fatores abióticos e bióticos que ocorre o fenômeno da homeostase, consistente no equilíbrio dinâmico entre os seres vivos e o meio em que se encontram inseridos.
Consoante Rebello Filho e Bernardo, o meio ambiente natural “é constituído por todos os elementos responsáveis pelo equilíbrio entre os seres vivos e o meio em que vivem: solo, água, ar atmosférico, fauna e flora” 19. Nesta senda, com o escopo de fortalecer os argumentos apresentados, necessário se faz colocar em campo que os paradigmas que orientam a concepção recursos naturais como componentes que integram a paisagem, desde que não tenham sofrido maciças alterações pela ação antrópica a ponto de desnaturar o seu aspecto característico. Trata-se, com efeito, de uma conjunção de elementos e fatores que mantêm uma harmonia complexa e frágil, notadamente em razão dos avanços e degradações provocadas pelo ser humano. Neste sentido, é possível colacionar o entendimento jurisprudencial que:
Ambiental e processual civil. Ação civil pública. Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. Unidade de proteção integral. Suspensão de atividades agressoras ao meio ambiente. Recuperação do dano causado. Possibilidade. Preliminares de incompetência, decadência e nulidade processual rejeitadas. Agravo retido desprovido. [...] IV - O Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses é área de conservação da natureza, a merecer proteção integral, nos termos da Lei 9.985, de 18 de julho de 2000, tendo como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. É uma área de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei, e a visitação pública e a pesquisa científica, estão sujeitas às normas e restrições estabelecidas no Plano de Manejo da unidade, às normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua administração, e àquelas previstas em regulamento, hipótese não ocorrida, na espécie. V - Na hipótese dos autos, o imóvel descrito na petição inicial está localizado no interior de Área de Preservação Permanente - APP, encravado na Zona de Amortecimento do PARNA dos Lençóis Maranhenses (unidade de conservação da natureza de proteção integral), no Município de Barreirinhas, no Estado do maranhão, integra o patrimônio da União, em zona costeira, devendo ser demolido, no prazo de 60 (sessenta) dias, por inobservância das determinações legais pertinentes, com as medidas de precaução e de prevenção do meio ambiente, adotadas na sentença recorrida, sob pena de multa coercitiva, no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por dia de atraso no cumprimento desta decisão mandamental. VI - Apelação, remessa oficial e agravo retido desprovidos. Sentença confirmada.
(Tribunal Regional Federal da Primeira Região – Quinta Turma/ AC 0002797-29.2006.4.01.3700/MA/ Relator: Desembargador Federal Souza Prudente/ Publicado no DJe em 12.06.2012, p. 173).
Ao lado do esposado, faz-se carecido pontuar que os recursos naturais são considerados como tal em razão do destaque concedido pelo ser humano, com o passar dos séculos, conferindo-lhes valores de ordem econômica, social e cultural. Desta feita, tão somente é possível à compreensão do tema a partir da análise da relação homem-natureza, eis que a interação entre aqueles é preponderante para o desenvolvimento do ser humano em todas as suas potencialidades. Patente se faz ainda, em breves palavras, mencionar a classificação dos recursos naturais, notadamente em razão da importância daqueles no tema em testilha. O primeiro grupo compreende os recursos naturais renováveis, que são os elementos naturais, cuja correta utilização, propicia a renovação, a exemplo do que se observa na fauna, na flora e nos recursos hídricos.
Os recursos naturais não-renováveis fazem menção àqueles que não logram êxito na renovação ou, ainda, quando conseguem, esta se dá de maneira lenta em razão dos aspectos estruturais e característicos daqueles, como se observa no petróleo e nos metais em geral. Por derradeiro, os denominados recursos inesgotáveis agasalham aqueles que são “infindáveis”, como a luz solar e o vento. Salta aos olhos, a partir das ponderações estruturadas, que os recursos naturais, independente da seara em que se encontrem agrupados, apresentam como elemento comum de caracterização o fato de serem criados originariamente pela natureza. O meio ambiente natural encontra respaldo na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 225, caput e §1º, incisos I, III e IV.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; […]
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade20.
Ora, como bem manifestou o Ministro Carlos Britto, ao manifestar-se na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 3.540, “não se erige em área de proteção especial um espaço geográfico simplesmente a partir de sua vegetação, há outros elementos. Sabemos que fauna, flora, floresta, sítios arqueológicos concorrem para isso”21. Verifica-se, assim, que o espaço territorial especialmente protegido do direito constitucional ao meio ambiente hígido e equilibrado, em especial no que atina à estrutura e funções dos diversos e complexos ecossistemas. As denominadas “unidades de conservação”, neste aspecto de afirmação constitucional, enquanto instrumentos de preservação do meio ambiente natural, configuram áreas de maciço interesse ecológico que, em razão dos aspectos característicos naturais relevantes, recebem tratamento legal próprio, de maneira a reduzir a possibilidade de intervenções danosas ao meio ambiente.
Diante do exposto, o meio ambiente, em sua acepção macro e especificamente em seu desdobramento natural, configura elemento inerente ao indivíduo, atuando como sedimento a concreção da sadia qualidade de vida e, por extensão, ao fundamento estruturante da República Federativa do Brasil, consistente na materialização da dignidade da pessoa humana. Trata-se, assim, de núcleo sensível dotado de proeminência multifacetada, vindicando, pois, respaldo jurídico robusto. Ao lado disso, tal como pontuado algures, a Constituição da República estabelece, em seu artigo 225, o dever do Poder Público adotar medidas de proteção e preservação do ambiente natural. Aliás, tal dever é de competência político-administrativa de todos os entes políticos, devendo, para tanto, evitar que os espaços de proteção ambiental sejam utilizados de forma contrária à sua função – preservação das espécies nativas e, ainda, promover ostensiva fiscalização desses locais.
4. A Proteção das Águas Doces na Sistemática Constitucional: Notas à Proeminência do Princípio do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado
Sensível aos feixes principiológicos irradiados pelo corolário constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado, elevado à condição de conditio sine qua non para a concreção da dignidade da pessoa humana, verifica-se que a água doce apresenta-se como um dos mais importantes recursos para a existência da vida. Tal fato decorre da pluralidade de funções que são atendidas pela água doce, notadamente no que se refere ao abastecimento doméstico e industrial, irrigação, preservação da fauna e da flora, geração de energia, transporte e diluição de despejos. Neste cenário, em decorrência de ser um bem finito, é notório que sua preservação vindica empenho não apenas do Poder Público, mas em especial de toda coletividade, por meio de usos moderados, evitando-se desperdícios. Ao lado disso, é possível trazer à colação o entendimento jurisprudencial que explicita, com clareza solar, a proeminência da água doce no cenário jurídico, nacional e mundial, maiormente em decorrência dos influxos advindos da ramificação ambiental da Ciência Jurídica:
Administrativo. Recurso Especial. Exploração de Águas Subterrâneas por meio de poço artesiano. Necessidade de outorga.1. Quanto à aludida afronta aos artigos 12 e 20 da Lei Federal n. 9.433/1997 e 45 da Lei n. 11.445/2007, esta Corte possui posicionamento no sentido de que "o inciso II do art. 12. da Lei n.9.433/97 é claro ao determinar a necessidade de outorga para a extração de água do subterrâneo. Restrição essa justificada pela problemática mundial de escassez da água e que se coaduna com o advento da Constituição de 1988, que passou a considerar a água um recurso limitado, de domínio público e de expressivo valor econômico". 2. Note-se que o artigo 12, II, da Lei n. 9.433/1997, ao distinguir os usuários que tinham e os que não tinham acesso à fonte alternativa de água, revela-se como instrumento adequado para garantir o uso comum de um meio ambiente ecologicamente equilibrado pelas presentes e futuras gerações, segundo uma igualdade material, não meramente formal (artigo 225 da CRFB), sobretudo considerando a finitude do recurso natural em questão. 3. Agravo regimental não provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ AgRg no REsp 1.352.664/RJ/ Relator: Ministro Mauro Campbell Marques/ Julgado em 14.05.2013/ Publicado no DJe em 20.05.2013).
No Brasil, cuida colocar em destaque o Aquífero Guarani, enorme reservatório de águas subterrâneas, compreendendo-se, ainda, no território da Argentina e do Uruguai. “A Lei 9.433, de 8 de janeiro de 1997, instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, que regulamentou o inciso XIX do art. 21. da Constituição Federal, criando o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos”, como bem aponta Fiorillo22, todavia, cuida destacar que a legislação em comento padece de impropriedade, eis que concebe a água como bem de domínio público. Entrementes, há que se registrar que tal ótica não prospera na sistemática constitucional adotada, uma vez que a água é considerada como bem tipicamente ambiental, sendo, desta feita, de uso comum do povo. Trata-se, com efeito, de bem difuso não possuindo titularidade definida, mas sim pertence a toda coletividade, refletindo, de maneira determinante o ideário de solidariedade refletido nos direitos típicos de terceira dimensão, dentre os quais se computa o direito ao meio ambiente.
Três são os objetivos dorsais da Lei 9.433/1997, todos eles com repercussão na solução da presente demanda: a preservação da disponibilidade quantitativa e qualitativa de água, para as presentes e futuras gerações; a sustentabilidade dos usos da água, admitidos somente os de cunho racional; e a proteção das pessoas e do meio ambiente contra os eventos hidrológicos críticos, desiderato que ganha maior dimensão em época de mudanças climáticas. Além disso, a Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos apoia-se em uma série de princípios fundamentais, cabendo citar, entre os que incidem diretamente no litígio, o princípio da dominialidade pública (a água, dispõe a lei expressamente, é bem de domínio público), o princípio da finitude (a água é recurso natural limitado) e o princípio da gestão descentralizada e democrática. Denota-se, deste modo, que a lei de regência consagrou em sua estrutura bastiões que decorrem da proeminência dos direitos de terceira dimensão, notadamente no que toca ao ideário de solidariedade transgeracional.
5. Argumentos Inaugurais à Incidência do Corolário do Poluidor-Pagador na Política das Águas
Ab initio, quadra evidenciar que o corolário do poluidor-pagador, enquanto maciço axioma albergado pela tábua principiológica de sustentação da ramificação ambiental do Direito, é descrito como elementar na política ambiental, assumindo a feição de instrumento econômico que reclama do poluidor, uma vez identificado, suportar as despesas de prevenção, reparação e repressão dos danos ambientais provocados. Trata-se, com efeito, de um bastião dotado de aspecto econômico, eis que imputa ao poluidor os custos advindos da atividade poluente. Entrementes, para que ocorra a otimização dos resultados positivos na proteção do meio ambiente carecido se faz uma nova formulação desse preceito, a fim de ser alçado à condição de ordenança de bom senso econômico, jurídico e político. Neste sentido, é possível frisar, com grossos traços e cores quentes, que, “de acordo com o princípio poluidor-pagador, qualquer pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que contribuir, direta ou indiretamente, para a causação de dano ambiental, responde por sua prevenção, repressão ou reparação”23.
Coadunando com tais pressupostos, é possível, ainda, empregar, como vigoroso substrato, os ensinamentos de Tatiana de Oliveira Takeda, no qual assevera “tal princípio tem como maior objetivo que as chamadas externalidades ambientais, ou seja, os custos das medidas de proteção ao meio ambiente, repercutam nos custos finais de produtos e serviços cuja produção esteja na origem da atividade poluidora” 24 . Ora, é verificável, neste diapasão, que o dogma em comento reclama a necessidade de se promover a internalização total dos custos da poluição. “Para sua aplicação, os custos sociais externos que acompanham o processo de produção (v.g. valor econômico decorrentes de danos ambientais) devem ser internalizados”25, isto é, o custo advindo da poluição deve ser assumido pelos empreendedores de atividade potencialmente poluidoras, nos custos de proteção. Desta feita, salta aos olhos que o causador da poluição suportará com os custos imprescindíveis à minoração, eliminação ou neutralização do dano ambiental.
Com efeito, mister se faz anotar que, durante o processo produtivo, além do produto a ser comercializado, são produzidos, também, externalidades negativas. Ao lado disso, as externalidades recebem essa denominação em decorrência de, conquanto sejam resultantes da produção, são recepcionadas pela coletividade, diverso do lucro que é percebido tão somente pelo produtor privado, materializando, deste modo, a privatização dos lucros e a socialização das perdas. Sobreleva pontuar que o bastião em comento objetiva, justamente, corrigir este custo adicionado à sociedade, impondo-se, por via de consequência, a sua internalização. Neste sentido, é possível, inclusive, fazer alusão ao princípio dezesseis da Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento26 que propõe a internalização dos custos ambientais. Além disso, para se compreender o tema em testilha, cuida salientar que a existência de bens livres e o seu uso excessivo podem conduzir a determinadas falhas de mercado, as quais, consoante a nomenclatura empregada pelos economistas, são denominadas de externalidades negativas.
É possível pontuar, portanto, que as externalidades, enquanto efeitos externos negativos ou deseconomias externas, conferem concreção ao custo econômico que trafega externamente ao mercado e não são, deste modo, compensados pecuniariamente, porém transferidos sem preço, e suportados pela coletividade. Nesta esteira, ainda, cuida salientar que as externalidades negativas não fazem menção a fatos ocorridos além das unidades de produção, mas sim a efeitos decorrentes do processo econômico ocorrido extra ou paralelo ao mercado. Salta aos olhos, desta sorte, que a poluição e a degradação ambiental são alguns dos robustos efeitos externos negativos da atividade produtiva. Como a maioria dos recursos naturais são bens livres, e não integram o mercado, os indivíduos os empregam sem custo algum, produzindo, com isso, externalidades negativas. Com o escopo de promover as corrigendas referentes às externalidades negativas das atividades econômicas em relação à qualidade do meio ambiente, a coletividade, hodiernamente, se arrima na intervenção de um agente externo.
Ao lado do esposado, cuida salientar que, “na verdade, a mera potencialidade de dano já enseja a ação dos legitimados, não podendo a humanidade e o próprio Direito contentarem-se em reparar e reprimir a degradação ambiental que, como regra, é irreparável”27. Em regra, o agente é o Ente Estatal que por meio da estruturação de políticas públicas com o fito de convencer os agentes econômicos a considerar os custos sociais da degradação ambiental em seus cálculos privados. Nesta toada, é possível mencionar que “as políticas públicas podem ser implementadas através de mecanismos relevantes, como a regulação direta do comportamento dos agentes econômicos e a adoção de incentivos e instrumentos de natureza econômica que induzam o poluidor a não degradar a natureza”28. Ao adotar um prisma constitucional, é verificável que o corolário do poluidor-pagador assume duas interpretações distintas, quais sejam: (i) obrigação de reparação do dano ambiental provocado, devendo o poluidor assumir todas as consequências derivadas do dano produzido; e, (ii) incentivo negativo face àqueles que objetivam perpetrar conduta lesiva ao meio ambiente, devendo o poluidor, uma vez identificado, suportar as despesas de prevenção do dano ambiental.
Volvendo um olhar analítico para a primeira interpretação proporcionada, o dogma em apreço estabelece uma exigência direcionada ao poluidor para que assuma todas as consequências decorrentes do dano ambiental. Em consonância com esse entendimento, o dogma em tela se apresenta como a obrigação de reparar os danos e prejuízos provocados ao meio ambiente. “O poluidor-pagador, ao lesar o meio ambiente, desmatando a Mata Atlântica, sem autorização do órgão ambiental competente, apropria-se indevidamente de bens de todos, ou seja, priva a sociedade da qualidade de vida que esse recurso natural proporcionava”29. Ao lado disso, a fim de robustecer as ponderações aventadas até o momento, cuida trazer à colação o entendimento jurisprudencial que explicita este aspecto do preceito em tela:
Ambiental e Civil. Dano Ecológico. Vazamento de mercúrio em subestações ferroviárias. Artigo 14, §1°, da Lei N° 6.938/81. Obrigação “propter rem”. CETESB. Cobrança das despesas realizadas para limpeza local. Possibilidade. 1. A Constituição Federal, em seu artigo 225, erigiu a tutela do meio ambiente a direito difuso e social do homem. 2. Constatada a ocorrência de dano ambiental, vem à tona o princípio do poluidor-pagador, segundo o qual deve ser imputado ao poluidor o custo social da poluição por ele gerada (art. 225, §3º, da CF). Nessa esteira, o artigo 14, §1º, da Lei 6.938/81, fixou a responsabilidade objetiva das pessoas físicas ou jurídicas responsáveis pela degradação ao meio ambiente 3. A obrigação de conservação e recomposição do meio ambiente se qualifica como "propter rem", isto é, acompanha o proprietário do imóvel independentemente de sua participação na causação ou agravamento da degradação. 4. Revela-se pertinente enquadrar a hipótese ao comando inscrito no artigo 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81, na medida em que a CETESB, na condição de terceiro prejudicado, sofreu os impactos, ainda que mediatamente, da atividade poluidora. Precedentes do C. STJ. 5. Apelação a que se nega provimento.
(Tribunal Regional Federal da Terceira Região – Sexta Turma/ AC 0018009-77.2007.4.03.6100/ Relator: Desembargador Federal Mairan Maia/ Julgado em 23.02.2012/ Publicado no e-DJF3 Judicial 1 em 01.03.2012).
Ação Civil Pública. Preliminares de ilegitimidade e de carência de ação. Danos ambientais. Derramamento de óleo no mar. Princípio do poluidor-pagador. Responsabilidade objetivo. Valor da indenização. [...] Dentre os princípios do direito ambiental consagrados na Constituição Federal/88, encontra-se o do poluidor-pagador. 3- O direito ambiental, considerando a importância dos bens tutelados, adota a responsabilidade civil objetiva em relação aos danos ambientais, como se denota da Lei 6938/81, art. 14, § 1º. 4- Basta, à responsabilização do poluidor (entendido, nos termos da Lei 6938/81, art. 3º, IV, como a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental), que restem evidenciados a conduta (derramamento de óleo), o dano (poluição, geradora de degradação ambiental, tal como definida pelo Decreto 97.632/89, art. 2º, regulamentador do art. 2º, VIII, da referida Lei 6938/81) e o nexo causal entre ambos. [...] 7- Matéria preliminar rejeitada. Apelações improvidas.
(Tribunal Regional Federal da Terceira Região – Turma D/ AC 0204317-74.1991.4.03.6104/ Relator: Juiz Convocado Leonel Ferreira/ Julgado em 30.03.2011/ Publicado no e-DJF3 Judicial 1 em 29.04.2011, p. 1.105).
Em harmonia com outra interpretação, compatível com a primeira, o baldrame passa a ter um escopo dissuasivo, e não tanto restitutivo, em decorrência da premissa que a obrigação de pagar pelo dano causado atua, ou deveria atuar, como incentivo negativo a todos os que objetivem perpetrar uma conduta lesiva ao meio ambiente. A locução poluidor-pagador é objeto de críticas por parte dos doutrinadores, porquanto dá margem a interpretações distorcidas, notadamente a relacionada à premissa de quem paga pode poluir. . ora, impende salientar que o bastião em comento não se apresenta como um instrumento de validação da poluição, mediante o pagamento por parte do poluidor. Ainda nesta trilha de raciocínio, cuida afiançar que não há que se confundir que a cobrança imposta pelo princípio do poluidor-pagador corporifica uma singela tolerância a poluição. Ao contrário, haja vista que o sistema de cobrança arvorado pelo dogma supra tem como mola propulsora, sobretudo, como norte de aplicação que quanto menos se poluir, menor será a quantia a ser paga, o que, por si só, possibilita a mitigação os níveis de tratamentos adotados na atualidade. “Esse encargo [decorrente do princípio do poluidor-pagador], no entanto, não constitui simples mandamento de conversão do dano em pecúnia, mas imposição de recuperação total da área degradada, nos termos do princípio da reparação in integrum”30.
Digno de nota é que para aqueles poluidores cujo tratamento é demasiadamente barato e de fácil implantação, é “aceitável” ter altos índices de redução de lançamentos de poluição. Entrementes, aqueles que adotam tratamentos que apresentam maior onerosidade, as taxas de redução terá a tendência de ser menor, implicando, todavia, em uma arrecadação majorada. Dessa maneira, infere-se uma combinação entre três elementos distintos, quais sejam: racionalidade, eficiência e melhor alocação de valores, como tão bem pontua a articulista Takeda31. Cogente se faz realçar que o pagamento não dá direito o direito de poluir, ao revés, o meio-ambiente não está agasalhado pelos valores de individualidade, o que o torna um bem privado/particular, ao contrário, é coletivo/difuso, pertencente às presentes e futuras gerações. Acerca da temática, já se consolidou o entendimento que:
Ação Civil Pública Ambiental. Guarulhos. Córrego dos Cubas. Demolição das construções efetuadas em área de preservação permanente. [...] 2. Mata ciliar. Área de preservação permanente. Zona urbana. Função. A discussão sobre a aplicação do Código Florestal à zona urbana foi afastada pela LF nº 12.651/12. Nos termos do inciso II do art. 1º da LF nº 4.771/65 e do art. 3º II da LF nº 12.651/12, a área de preservação permanente, coberta ou não por vegetação nativa, tem a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas. As áreas protegidas não cumprem sempre as sete funções, mas aquelas às quais se destina; no caso presente, as matas ciliares visam à preservação dos recursos hídricos (evitar o assoreamento e manter a qualidade da água), a estabilidade geológica (evitar a erosão e o consequente assoreamento), com a função paralela (mas não a principal) de assegurar a biodiversidade e o fluxo gênico de fauna e flora. Na área urbana, a mata ciliar protege os recursos hídricos e, de modo secundário, as demais funções; pode-se dizer que a proteção dos recursos hídricos é a principal função ambiental da mata ciliar urbana. 3. Mata ciliar. Área de preservação permanente. Zona urbana. Função. Não vejo como atribuir à faixa ao longo do córrego canalizado, isolado da natureza, recomposta em florestas ou não, a função ecológica primitiva. A mata protetora nada protegerá, uma vez que as águas foram isoladas e não têm, nesse trecho, contato algum com a natureza; e não há sentido maior em impedir a ocupação que se amolde ao Plano Diretor e às posturas urbanas dos terrenos localizados depois da rua, se esta própria permanece onde está com o impacto ambiental que lhe é próprio. São circunstâncias que levam a uma flexibilidade do uso das áreas de preservação permanente na área urbana, conforme a Câmara Ambiental reconheceu em ocasião anterior. Procedência. Apelo da do réu, da Prefeitura e reexame providos para julgar a ação improcedente
(Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Primeira Câmara Reservada ao Meio Ambiente/ Apelação nº 0069112-83.2011.8.26.0224/ Relator: Desembargador Torres de Carvalho/ Julgado em 05.12.2013).
O pagamento pecuniário e a indenização não têm o condão de legitimar a atividade lesiva ao ambiente. O ponto nevrálgico está alicerçado na prevenção; porém, uma vez constatado o dano ao ambiente, incumbe ao poluidor repará-lo. O corolário do poluidor-pagador não é essencialmente um preceito de responsabilidade civil, eis que compreende distintas dimensões não enquadráveis neste último. De igual forma, não é um cânone que autoriza a poluição ou mesmo que permita a compra do direito de poluir, tão somente porque ele compreende o cálculo dos custos de reparação do dano ambiental, em uma órbita econômica, e a identificação do poluidor para que haja responsabilização, em uma seara jurídica, configurando um corolário orientador da política ambiental preventiva. Especificamente, em se tratando de poluição aos cursos d’água, salta aos olhos que o princípio do poluidor-pagador recebem, ainda mais, proeminência, sobretudo em razão dos aspectos característicos que emolduram o recurso natural em comento.