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A assistência social e o benefício da prestação continuada

A temática ora em reflexão, de vital importância social, inclusive, trata-se de uma sólida e necessária baliza de toda uma estrutura coletiva. Com efeito, falar da Assistência Social é o mesmo que aferir vigas de todo um sistema jurídico, político, econômico e social por excelência.

E tal fato, ou melhor, esse modelo, foi o idealizado pelo Poder Constituinte Originário, que elegeu a Assistência Social dentro de um planejamento eminentemente protetivo.

Por proteção social, o ideal maior de um Estado que prima pela previsibilidade normativa de direitos sociais, inegociáveis, supremos e fundamentais.

Logo, para tanto, visando concretizar esse fim, nosso sistema normativo arquitetou um arcabouço protetivo.

A este prisma, de resguardo e tutela desses direitos, como valores e pilastras fundamentais de qualquer sociedade organizada, o Professor Celso Barroso Leite, já apontava nesta direção, especificamente, no tocante a um almejado plano protetivo:

“(...) a proteção social tem como objetivo básico garantir ao ser humano a capacidade de consumo, a satisfação de suas necessidades essenciais, que não se esgotam na simples subsistência”. [1]

Também, Maria Helena Diniz qualifica este direito social regulado constitucionalmente como:

“Complexo de normas que têm por finalidade atingir o bem comum, auxiliando as pessoas físicas, que dependem do produto de seu trabalho para garantir a subsistência própria e de sua família, a satisfazerem convenientemente suas necessidades vitais e a terem acesso à propriedade privada”.[2]

Evidente que uma sociedade civil politicamente organizada precisa de ferramentas específicas para alcançar este bem-estar social, o que foi engendrado em nossa vigente Carta Constitucional.

No tempo, a proteção social dos indivíduos alcançou diversos níveis, desde as melhorais das condições de trabalho, até chegarmos em um mínimo existencial.

Hodiernamente, toda a nossa idéia de proteção atualmente bem orquestrada, tem por ponto de partida a tutela assistencial, ocorrida, por exemplo, como socorros públicos na Santa Casa da cidade de Santos.

Fortemente influenciado pelo sistema europeu de proteção a classe trabalhadora, a tutela previdenciária passa então a ser desenhada por leis específicas no país, contudo, sem se afastar também de ideários sociais.

Tendo como modelo o alemão, preconizado por Otto Von Bismark, nosso sistema previdenciário ganha um norte específico, mas é com o modelo inglês, que um sistema específico de proteção coletiva ganha vez e voz, passando assim a condensar políticas de previdência e também de assistência social.

Aqui, o surgimento da Seguridade Social.

Esse sistema, inserido em nossa dimensão constitucional, ganhando corpo jurídico próprio, orçamento específico, topografia jurídica singular e uma destacada e relevantíssima valoração na sociedade, a abarcou de uma só vez, uma tríplice estrutura, quer seja, Previdência, Saúde e Assistência Social, tal qual regulados no artigo 194 da Lei das Leis.

Por sua vez, como não poderia deixar de ser, abalizada doutrina, também explicita com singular maestria este organismo constitucional de proteção, senão vejamos conforme lição de Wagner Balera e Fábio Lopes Vilela Berbel respectivamente:

“O sistema securitário social consagra a proteção do indivíduo contra possíveis riscos que possam surgir, seja através da saúde, da assistência social e da previdência social”; [3]

“Desta forma, pode-se dizer, em princípio, que Sistema de Seguridade Social é o conjunto de regras e princípios estruturalmente alocados, com escopo de realizar a Seguridade Social que, a partir de uma visão meramente política, seria a proteção plena do indivíduo frente aos infortúnios da vida capazes de levá-lo à indigência, ou seja, a proteção social da infelicidade individual”.[4]

Evidente que qualquer ideário constitucional prescinde de mecanismos diversos que viabilizem sua concretude, para que não sejam somente conquistas abstratas, sem densidade factível alguma.

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É que valores, princípios, conquistas, axiomas, enfim, o fundamentalmente eleito precisa ser protegido, edificado, evoluído e também exercido.

Nesse contexto, a evolução da Assistência Social, como participante viva do sistema de seguridade social e constitucional por excelência.

 É bem verdade que as pretéritas Constituições não conferiram o atual e estruturado tratamento para esse ramo protetivo, sendo a vigente Carta Constitucional o ápice do modelo também assistencial de proteção.

Lado outro, um sistema normativo específico, como também uma estruturação política, são necessárias para essa almejada concretude constitucional. E isso ocorreu no cenário pátrio. Com efeito, a Lei 8.472/93 foi um grande e importante marco dentro da Assistência Social.

Passados 20 anos de sua edição, a questão que se coloca é: concretizamos esse ideário constitucional de proteção assistencial?

Pensamos que ainda não, mas temos um caminho traçado. É que aludida legislação ainda continua em profunda e importante evolução social, sendo aprimorada, interpretada, complementada, enfim, tudo a bem perseguir seus ideais.

Dentro do seu contexto, sabido e consabido que traz consigo importantes aspectos de políticas assistenciais, contudo, o que ora nos interessa é aferir a evolução do benefício assistencial trazido em seu bojo

Por primeiro, cabe registrar que certamente, faltaria algo na sua essência, se inexistisse a previsão de benefícios a seus assistidos. Como sabido trata-se de um benefício naturalmente assistencial, vale dizer, sem qualquer conotação previdenciária, apesar de atualmente ser gerido pelo INSS, a autarquia gestora do Regime Geral de Previdência.

A bem da verdade, deveria ser mantido e gerido por departamentos sociais dentro dos Municípios, mas, por questões outras, essa alternativa ainda se vê impossível no País.

Por assim dizer e para que o indivíduo necessitado e que deva ser assistido por um programa estatal, acabou a Previdência Social por realizar esta proteção direta, ainda que atipicamente.

O denominado BPC, ou seja, benefício de proteção continuada, trata-se de um autêntico auxílio governamental social, longe de ser enquadrado como uma prestação previdenciária, já que não é convertido em pensão por morte, tampouco é também adimplido como o abono, equivalente ao 13º salário.

Logo, evidente que não se trata de uma prestação previdenciária, mas sim, de uma prestação governamental assistencial.

Especificamente, é entregue aqueles necessitados idosos, acima de 60 anos e sem renda alguma, ou, que a renda familiar não ultrapasse a ¼ do salário-mínimo per capita, como também aqueles que são incapacitados para todos os atos da vida civil, seja, laborativa e também da vida independente.

Esse o painel objetivo da legislação em comento, no tocante a um auxílio financeiro e periódico. Oportuno ressaltar que este benefício assistencial, de muita praticidade diária, carrega em seu contexto um emaranhado e eternas discussões jurídicas, capazes de invocar a intervenção do Excelso Tribunal Federal.

 A bem da verdade, uma questão merece registro, foi a previsão legalista de que assim, o necessitado, sem renda alguma, seja pela idade ou por problemas outros de saúde, exercerá cidadania e terá resguardado a dignidade da pessoa humana, tal qual preservados no início das disposições constitucionais.

A questão que se coloca é: acertou a legislação nesse sentido? Ora, o benefício assistencial é de apenas um salário mínimo. Também, que pode ser revisado periodicamente e mais, impede que o necessitado aufira algum empréstimo bancário, como também, não há extensão para o abono anual, sem falar da ausência de sua conversão em pensão.

Evidente que não podemos usar do modelo previdenciário em seu contexto, mas, deveríamos de forma analógica, já que Previdência e Assistência, são co-ligadas, na Seguridade Social constitucional.

Assistir é atender, socorrer um necessitado e conferir-lhe, no mínimo, uma dignidade não só jurídica, mas social, existencial. Ademais, a legislação sofreu mudanças, ainda necessitando outras diversas. Questão interessante é a que pertine a renda, vale dizer, qual seria, essa, a líquida ou abruta? Se pensarmos a um contexto real e factível o que chega nas mãos do trabalhador é a renda bruta e não a líquida.

E mais, o que se entende por grupo familiar? Colocarmos esta realidade a todas as pessoais que residem debaixo do mesmo teto, seria o juridicamente mais plausível?

Por exemplo, um casal de idosos, que vivam com alguns sobrinhos, todos maiores, com renda, mas que estes idosos prescindem de tratamento médico e medicamentos específicos? Os sobrinhos seriam os responsáveis ou dependentes dos mesmos?

Pensamos que não. Logo, a legislação atualmente objetiva ilimitadamente uma situação que deveria ser limitada, mas subjetivamente. Um simples estudo social da Assistência Social da região, Prefeitura, enfim, daria mais certeza e equilíbrio a esta situação.

Lado outro, o parâmetro objetivo de ¼ se mostra como taxativo ou objetivo? As Cortes judiciárias já um bom tempo entendem que não, senão vejamos:

“JEFs. TNU. Previdenciário. Benefício assistencial. LOAS. Requisitos. Situação de miserabilidade. Renda mensal «per capita». Critério objetivo. Outros meios de comprovação. Possibilidade. O critério objetivo de aferição da renda mensal previsto no § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993 (que determina a existência ou não da miserabilidade a partir da renda «per capita») não é absoluto e não exclui a possibilidade de o julgador, ao analisar o caso concreto, lançar mão de outros elementos probatórios que confirmem ou não a condição de miserabilidade do solicitante e de sua família. Com esta decisão, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) estabeleceu um parâmetro para que os elementos concretos do processo sejam reexaminados pela Turma Recursal do Amazonas a partir desse entendimento. No caso em análise, a segurada procurou a TNU depois que a Turma Recursal do Amazonas negou o benefício assistencial à deficiente, diante da ausência do requisito objetivo do benefício pleiteado (a miserabilidade), considerando que a renda «per capita» apurada no decorrer do processo foi superior a 1/4 do salário mínimo. Entretanto, na Turma Nacional, a relatora do processo, Juíza Fed. MARISA CUCIO, deu um rumo diferente à história. Para ela, a renda «per capita» da parte autora ser ou não superior a 1/4 do salário mínimo não é determinante. «É entendimento esposado pela TNU e pelo STJ que, no caso concreto, o magistrado poderá se valer de outros meios para aferição da miserabilidade da parte autora, não sendo, desta feita um critério absoluto», destacou. (Proc. 0001332-54.2011.4.01.3200)”.[5]

E outras diversas discussões não param por aqui. Por exemplo, se um membro da família já recebe um benefício assistencial, por qual motivo, é computado com renda a excluir a participação do outro, na mesma pretensão?

Também, quando algum do grupo já aufere uma prestação previdenciária, mas no mínimo legal, por qual razão tal percebimento é óbice ao pretendente do benefício assistencial, se o valor equivalente ao mínimo legal, não representa em nada, a buscada dignidade humana? Contudo, não devemos esquecer sua grande importância em singularmente estruturar um idéario constitucional assistencial, visando a tutelar aqueles sujeitos que devem ser abrigados.

Assim, como ocorreu com o advento do Estatuto do Idoso, outros diplomas legais ainda virão e afetarão diretamente as pilastras da assistência social, de modo a provocar uma necessária e nova interpretação social, para que necessitados não sejam, excluídos, pela restrição da lei.

Neste sentido, com o passar dos anos, a assistência social caminhou para o crescimento, de maneira a abrigar, refugiar seus destinatários, ao invés de limitar o acesso.

Porém, longe estamos deste norte, mas, devemos reconhecer que o caminho existe e precisará sempre ser percorrido, para atingir o mais próximo do desejável, já que sem o contexto da proteção social, nenhum sistema estatal subsiste e se justifica.


Notas

[1] LEITE, Celso Barroso. Previdência Social: Atualidades e Tendências. 1ª ed. São Paulo: LTr, 1973, p.83.

[2] DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. 2ª ed. São Paulo: Saraiva.

[3] BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2009.

[4] BERBEL, Fabio Lopes Vilela. Teoria Geral da Previdência Social. 1ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

[5] http://www.ibdp.org.br/noticias2.asp?id=1266

Sobre os autores
Theodoro Vicente Agostinho

Mestre em Direito Previdenciário pela PUC/SP. Especialista em Direito Previdenciário pela EPD/SP. Coordenador e Professor em Cursos de Pós-Graduação em Direito Previdenciário do Complexo Jurídico Damásio de Jesus, Instituto Apromax e LEX Editora.

Sérgio Henrique Salvador

Especialista em Direito Previdenciário pela EPD/SP. Especialista em Processo Civil pela PUC/SP. Professor do IBEP/SP e do Curso de Direito da FEPI - Centro Universitário de Itajubá. Professor do Curso de Pós-Graduação em Direito Previdenciário da Rede Êxito.

Informações sobre o texto

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