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Direitos e garantias fundamentais e as pessoas jurídicas

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Agenda 03/04/2014 às 07:45

Embora os direitos e garantias fundamentais tenham sua origem vinculada à proteção das pessoas naturais é inevitável concluir pela possibilidade da sua legítima invocação pelas pessoas jurídicas, desde que o direito a ser protegido revele-se pertinente com a atividade desempenhada e com a situação concreta por ela vivida.

Sumário: Introdução. 1 Direitos e garantias fundamentais. 1.1 Historicidade dos direitos e garantias fundamentais. 1.2 Natureza jurídica dos direitos e garantias fundamentais 1.3 A Constituição de Federal de 1988. 2 As pessoas jurídicas e os direitos e garantias fundamentais. Conclusão.

Resumo: O presente artigo examina o instituto dos direitos e garantias fundamentais e sua aplicabilidade às pessoas jurídicas. Apresenta-se, assim, uma visão panorâmica dos direitos fundamentais, abordando suas bases históricas, com o propósito de demonstrar a influência que fatos passados exerceram na evolução e na vigente concepção dos direitos individuais. Descrevem-se as diversas formas de atuação e proteção, bem como o alcance e os destinatários dos direitos fundamentais. Após, traçam-se breves considerações sobre as pessoas jurídicas, para, em seguida, examinar os contornos jurídicos acerca da relação entre elas e os direitos fundamentais, apresentando-se pontuais posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do tema.

Palavras-Chave: Direitos e garantias fundamentais. Evolução. Pessoas jurídicas. Aplicabilidade.

Área do Direito: Direito Constitucional.


Introdução

Tradicionalmente, o estudo dos direitos e garantias fundamentais centrou-se no ser humano, em razão das constantes ameaças por ele sofridas pelo poder estatal. Por conseguinte, é fácil visualizar no universo dos direitos fundamentais a sua aplicabilidade à pessoa física, até em razão da literalidade do caput do art. 5º.

Por outro lado, esse caráter dos direitos individuais desperta o questionamento se as pessoas jurídicas estariam ou não albergadas pela sua proteção, e, por conseguinte, se seria legítima a sua invocação por tais entidades. Consoante se verá a frente, a literatura constitucional diverge sobre a matéria, encontrando-se defensores de uma e de outra corrente doutrinária.

Nesse contexto, o presente artigo examinará o tema, demonstrando o panorama jurídico pertinente, para, ao fim, apresentar sua conclusão a respeito do assunto.

Esclareça-se, por oportuno, que o trabalho em questão tratará de forma igual, por razões pragmáticas, as diversas expressões referentes aos direitos fundamentais, a exemplo de “diretos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas e direitos fundamentais do homem”[1], a despeito de não ignorar a diferença de significado de cada uma elas. 


1. Direitos e garantias fundamentais

1.1.Historicidade dos direitos e garantias fundamentais.

Destaca-se, dentre as características constantemente atribuídas aos direitos fundamentais pela doutrina, a da historicidade. Com efeito, o caráter histórico dos direitos individuais se revela imprescindível para compreender o seu conteúdo e a sua evolução.

A respeito, José Afonso da Silva leciona que a história dos direitos individuais encontra-se intrinsecamente ligada ao surgimento da propriedade privada. Ensina o Autor, que antes deste momento, os bens pertenciam a todos, o que gerava uma “comunhão democrática de interesses”.[2] Com o desenvolvimento do sistema de apropriação privada, o Estado desenvolveu um aparato necessário para a sustentação desse fenômeno. No entanto, segundo esse Autor, foi na idade média, que surgiram os antecedentes mais diretos dos direitos humanos, ressaltando a contribuição do direito natural, responsável pelo aparecimento do “princípio das leis fundamentais do Reino limitadores do poder do monarca, assim como o conjunto de princípios que se chamou humanismo”. [3]

O próximo passo foi o surgimento de pactos “outorgantes de proteção de direitos reflexamente individuais, embora diretamente grupais, estamentais”[4], dentre os quais, destaca-se a Magna Carta Inglesa (1215-1225). Saliente-se, contudo, que este documento não possuía natureza constitucional, pois era, sobretudo, uma carta feudal, que buscava garantir o privilégio dos barões e demais homens livres. Tal fato, entretanto, não reduz a importância do documento, haja vista ter sido fonte de construção da ordem jurídica inglesa.

Em 1688, surge, então, o Bill of rights decorrente da revolução de 1688, que instituiu na Inglaterra, a monarquia constitucional submetida à soberania popular, que teve em Locke seu principal teórico.[5] Sucederam-se várias cartas constitucionais, tais como a Declaração de Virgínia, ainda antes da Declaração de Independência dos EUA, ambas inspirada nas teorias de Locke, Rousseau e Montesquieu. Sobreveio, assim, em 1789, a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, que proclamava os princípios da liberdade, igualdade, propriedade e legalidade.

Por fim, já em 10.12.1948, na terceira sessão ordinária da Assembléia Geral da ONU, em Paris, foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que ao longo dos seu trinta artigos, prescreveu regras de direitos fundamentais, voltadas para as garantias individuais, direitos sociais e deveres das pessoas com a sociedade. Dentre os documentos atinentes à proteção de direitos e garantias fundamentais, merece ainda destaque a Declaração Americana de Direitos e Deveres do homem, de 02.05.1948, por ser a primeira de caráter multinacional, bem como o chamado Pacto de San José da Costa Rica, ou Convenção Americana de Direitos Humanos, de 22.11.69.

Entre nós, todas as constituições pátrias positivaram declaração de direitos do homem, merecendo destaque, contudo, a Carta de 1934, pois trouxe como novidade, o Título “Da Ordem Econômica e Social”, reconhecendo, ainda que de modo pouco eficaz, direitos econômicos e sociais do homem, e a Constituição de 1937, que, embora consagrasse as cláusulas pétreas, suspendeu diversas garantias, pois seu artigo 186 declarava “em todo país o estado de emergência”. Interessante ressaltar que esta mesma constituição permitia ao Congresso Nacional, mediante solicitação do presidente, tornar sem efeito os atos praticados pelo Poder Judiciário, bem como vedava ao Judiciário conhecer questões exclusivamente políticas.

A cláusula do Direito Adquirido, por sua vez, fez-se presente em quase todas as Constituições Pátrias, desde a do Império, em 1824, excluindo-se, tão somente, a Carta do Estado Novo, de 1937, estando concretizada na vigente Constituição Federal da República no artigo 5º, inciso XXXVI.

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Percebe-se, portanto, que acontecimentos históricos desempenharam papel relevante na concepção e desenvolvimento desses direitos. Com efeito, a história mostrou-se imprescindível para a criação e delimitação da extensão da proteção dos direitos e garantias fundamentais.

De fato, os direitos individuais, conforme o momento histórico em que vieram a surgir, passaram a se preocupar em preservar valores, que em determinado tempo se revelaram de extrema importância, por consubstanciarem diversas formas de proteção à pessoa, que não se excluíam, mas ao contrário, conviviam harmonicamente com os direitos das gerações seguintes, construindo-se situações nas quais a sociedade ora exigia um não fazer por parte do estado, ora pleiteava a sua atuação. Essas diferentes fases consistiram-se naquilo que a doutrina designou chamar de tricotomia dos direitos e garantias fundamentais, representados pelos direitos de primeira, segunda, terceira e quarta gerações ou dimensões.[6]

Observe-se, por oportuno, a lição de Paulo Gustavo Gonet Branco sobre o tema:[7]

“A visão dos direitos fundamentais em termos de gerações indica o caráter cumulativo da evolução desses direitos no tempo. Não se deve deixar de situar todos os direitos num contexto de unidade e indivisibilidade. Cada direito de cada geração interage com os das outras e, nesse processo, dá-se a compreensão.”

Os direitos de primeira geração emergiram como resultado de grandes revoluções burguesas, da revolução americana e da revolução francesa, em que se buscava jurisdicizar um regime liberalista, ou seja, proteger o cidadão contra a intervenção do Estado. Daí serem estes direitos relacionados a uma prestação negativa do Estado, efetivando valores assecuratórios da liberdade, da segurança e da propriedade, tais como direito à liberdade de consciência, inviolabilidade de domicílio, liberdade de culto e de reunião, dentre outros.

Conforme ensina Paulo Gustavo Gonet Branco, os direitos de primeira geração encontram-se ligados ao movimento do Constitucionalismo, que pretendia a jurisdicização do liberalismo, pois tal movimento era o que a economia capitalista necessitava para garantir a sua expansão.

O desenvolvimento da economia capitalista, contudo, fez surgir uma nova classe social, a dos trabalhadores, que passou, também, a exigir a efetivação de novos direitos. Teve, então, o Estado que assumir uma postura ativa na realização da buscada justiça social. Tais direitos são os que asseguram assistência à saúde, social, educação, trabalho, lazer, dentre outros. Paulo Gustavo Gonet Branco ensina, ainda, que os direitos de segunda geração não se referem apenas a direitos a prestação, mas também abrangem liberdades sociais, tais como a liberdade de sindicalização, direito de grave, direito a repouso semanal remunerado.

Já os direitos de terceira geração nascem inspirados no valor da solidariedade, sob o entendimento de que não se pode conceber uma sociedade igualitária, sem que se promova a efetivação da fraternidade, terceiro pilar do ideal revolucionário francês, ou seja, protegem-se os chamados direitos de solidariedade e fraternidade.

Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “a primeira geração seria a dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, a terceira, assim, complementaria o lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade”.[8]

O ilustre Ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Albino Zavascki[9], ilustra com perfeição a questão:

“O século XXI há de ser marcado, necessariamente, pelo signo da fraternidade.

O Estado do futuro não deverá ser apenas um Estado liberal, nem apenas um Estado do social: precisará ser um Estado da solidariedade entre os homens.”

Concretizam, assim, os direitos de terceira geração, direitos do homem não de forma individual ou isolada, mas, ao revés, como nítida manifestação do seu caráter solidário, direitos de titularidade coletiva ou difusa, tais como a autodeterminação dos povos, conservação do patrimônio histórico e cultural, saudável qualidade de vida, e, como já reconheceu o Supremo Tribunal Federal, o direito ao meio ambiente equilibrado (RE 134.297-8/SP e MS 22.164-0/SP).

Por fim, os direitos de quarta geração são, para Paulo Bonavides, “o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se o plano de todas as relações de convivência”.[10]

1.2 . Natureza jurídica dos Direitos e Garantias Fundamentais.

Segundo informa Flávia Piovesan e Daniela Ikawa[11], embasadas em Ronald Dworkin, o ordenamento jurídico compreende, ao lado das normas legais, princípios que incorporam valores de ética e de justiça, responsáveis por conceber suporte axiológico e estrutura harmônica ao sistema jurídico. Prosseguem as doutrinadoras firmando o entendimento de que o valor dos direitos e garantias fundamentais aliados aos valores da dignidade da pessoa humana consubstanciam um arcabouço axiológico a todo o sistema jurídico.

De fato, a lei, isoladamente, tem se mostrado insuficiente para realizar tais valores, conforme se percebe quando se recorda que os acusados pelos crimes da Segunda Guerra Mundial, invocaram o estrito cumprimento do dever legal, como forma de se escusar de suas responsabilidades. Tal aspecto histórico evidenciou a extrema importância de se conciliar valores éticos e extrajurídicos, ademais do texto legal, revelando a extrema importância de uma correta interpretação dos direitos fundamentais.

Os direitos e garantias fundamentais foram, assim, idealizados pelo constituinte originário como cláusulas pétreas, ou seja, imodificáveis e irreformáveis, verdadeiros alicerces da Constituição, só podendo ceder ante uma nova ordem jurídica constitucional, mediante manifestação do poder constituinte originário.

Dessa forma, os direitos e garantias fundamentais não podem ser suprimidos por meio de emendas constitucionais. De fato, a emenda constitucional apresenta um traço qualitativamente distinto da Constituição, pois, não encerrando manifestação originária do constituinte, não é, por decorrência, inicial, autônoma e incondicionada, sofrendo, assim, as limitações que advém da própria Constituição, pois encontram nela seu fundamento de validade. 

Acerca do Poder Constituinte originário, Raul Machado Horta ensina:[12]

“Não se submete à uma Constituição anterior, pois está acima da Constituição, como o criador em face da criatura. É superior a tudo que ele vai estabelecer na Constituição: órgãos, poderes, competências, escapando ao ordenamento constitucional por ele criado. Nessa perspectiva de rigorosa análise factual do poder constituinte, Burdeau o concebe como poder inicial, autônomo e incondicionado, mas disso não se deve inferir, afirma o consagrado mestre da Faculdade de Direito de Paris, que o poder constituinte não seja um poder de direito. É erro supor que o poder de direito seja unicamente aquele cuja existência e exercício se acham condicionados por estatuto jurídico anterior. Seria paradoxal recusar qualificação jurídica ao poder portador de idéia de direito que se imporá ao ordenamento jurídico no seu conjunto. A verdade, conclui Burdeau, é que esse singular poder não é comandado pelo direito positivo estatal. Admitindo que o direito preceda ao Estado, o poder constituinte converte-se na mais evidente prova dessa anterioridade.”

Não se trata de mera preocupação acadêmica quanto ao limite do poder de reforma. A Constituição, ao permitir ser modificada, autorizou a criação de emenda, estipulado, como pressuposto de validade, limites materiais e formais à sua edição. Objetivou, dessa forma, evitar que a emenda resultasse na desconfiguração, ruptura ou erosão dos fundamentos da Carta Magna, trazendo consigo uma constituição nova, diversa daquela que fora concebida pelo Poder Constituinte Originário, buscando-se, dessa maneira, preservar o “´centro comum de imputação´, que assegura a permanência das decisões políticas fundamentais reveladas pelo poder constituinte originário”.[13]

Raul Machado Horta leciona sobre a matéria:[14]

“O poder de reforma ou de emenda é poder limitado na sua atividade de constituinte de segundo grau. A emenda é incompatível com a ruptura da Constituição. É processo de alteração material sem a erosão dos fundamentos da Constituição, que se exteriorizam nas decisões políticas fundamentais, configuradoras do centro comum de imputação, para nos valermos da formulação conceitual de Francisco Campos.”

O artigo 60, § 4º, da Constituição Federal positiva o entendimento acima, elencando dentre os limites expressos a vedação de proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. Assim, são as cláusulas pétreas elementos consubstanciadores de identidade e continuidade da Constituição.

Não obstante a mencionada característica dos direitos fundamentais, não se olvide a penosa tarefa de se clarear ou justificar o porquê da existência dos mesmos. Paulo Gustavo Gonet Branco[15], após demonstrar a dificuldade, inclusive filosófica, de se explicar a existência dos direitos e garantias fundamentais, declinando as várias correntes criadas em razão de tal esforço – jusnaturalistas, positivistas, idealistas, realistas – ressaltando o ponto de vista de Bobbio, para quem a fixação de um fundamento absoluto seria contraproducente ao desenvolvimento desses direitos, salientando, ainda, que por serem os direitos fundamentais frutos de momentos históricos diversos, seria indispensável que o fundamento de positivação concretizasse justamente o “concurso de condições sociais e históricas”, invoca as lições de Viera de Andrade, que vislumbra no princípio da dignidade da pessoa humana, o ponto característico para definir um direito e garantia fundamental. 

Nesse contexto, o professor Paulo Gustavo Gonet Branco assevera:[16]

“De toda forma, embora haja direitos formalmente consagrados como fundamentais que não apresentam ligação direta com o princípio da dignidade humana, é esse princípio que inspira os típicos direitos fundamentais, atendendo à exigência de respeito à vida, à integridade física e íntima de cada ser humano e à segurança. É o princípio da dignidade humana que justifica o postulado da isonomia e que demanda fórmulas de limitação do poder, prevenindo o arbítrio e a injustiça.

Na medida, há que se convir em que ‘os direitos fundamentais, ao menos de forma geral, podem ser considerados concretizações das exigências do princípio da dignidade da pessoa humana.’”

Na esteira deste entendimento, qual seja, a preservação da dignidade da pessoa humana, revela a história ter no Poder Público a causa precípua dos direitos fundamentais, pois estes foram inicialmente concebidos justamente para estabelecer um espaço de proteção do indivíduo em face dos poderes públicos.

Daí advertir José Luiz Quadro de Magalhães que “diante dos direitos individuais, deve o Estado ter uma atitude de respeito; o Estado não pode violar, desrespeitar esses direitos”.[17] Nessa concepção, os direitos fundamentais exercem o papel de proteção, são direitos de defesa hábeis a impedir a prática de determinado ato pelo Estado, obrigando este a respeitar os direitos da pessoa humana encartados no artigo 5º.

Contudo, apesar de consignar os direitos e garantias fundamentais uma competência negativa do Poder Público, não se negue tantas outras funções presentes no instituto. Gilmar Ferreira Mendes ensina que os direitos fundamentais são, a um só tempo, direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva.

“Enquanto direitos subjetivos, os direitos fundamentais outorgam aos titulares a possibilidade de impor os seus interesses em face dos órgãos obrigados. Na sua dimensão como elemento fundamental da ordem constitucional objetiva, os direitos fundamentais – tanto aqueles que não asseguram, primariamente, um direito subjetivo quanto aqueloutros, concebidos como garantias individuais – formam a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito democrático.”[18]

A multiplicidade das funções dos direitos e garantias fundamentais gerou por decorrência, um elevado número de classificações buscando enquadrar os vários direitos, conforme seu conteúdo e sua eficácia. Dentre tais classificações, cabe comentar, ainda que sucintamente, a teoria dos quatro status de Jellinek. Flávio Galdino[19], ao dissertar sobre o tema, ensina que tal teoria consubstancia “uma primeira reação positivista ao predomínio do pensamento jusnaturalista, com o reconhecimento dos assim chamados direitos naturais, anteriores e superiores ao Estado”.[20] Jellinek, através da sua teoria, chamou de status as diversas situações/posições jurídicas em que o indivíduo pode se encontrar em face do Estado, do que decorrem deveres ou direitos dos envolvidos na relação.

Citamos abaixo, pela objetividade da síntese, texto de Flávio Galdino, que bem aborda a teoria: [21]

“Os vários direitos subjetivos (públicos) – em uma dada sociedade, em um dado momento histórico – são sistematizados, assim, a partir da categoria fulcral dos status, quais sejam, (i) passivo, no qual o indivíduo deve prestações ao Estado, (ii) negativo, no qual o indivíduo é livre em relação ao Estado, (iii) positivo, no qual o indivíduo possui pretensões positivas diante do Estado, e, (iv) ativo, no qual o indivíduo exercita direitos de participação política no Estado. Percebe-se claramente uma linha ascendente (dependendo do juízo de valor em questão), da submissão total, à participação no Estado.”

A lição de Jellinek encontra ressonância na orientação de Konrad Hess, para quem os princípios fundamentais não devem se fundar em uma estrutura unilateral, mas, ao revés, incorporar, parte da estrutura contrária, para, assim, evitar-se crise normativa constitucional.

Konrad Hess ensina:[22]

“Finalmente, a Constituição não deve assentar-se numa estrutura unilateral, se quiser preservar a sua força normativa num mundo em processo de permanente mudança político-social. Se pretende preservar a força normativa dos seus princípios fundamentais, deve ela incorporar, mediante meticulosa ponderação, parte da estrutura contrária. Direitos fundamentais não podem existir sem deveres, a divisão de poderes há de pressupor a possibilidade de concentração de poder, o federalismo não pode subsistir sem uma certa dose de unitarismo. Se a Constituição tentasse concretizar um desses princípios de forma absolutamente pura, ter-se-ia de constatar, inevitavelmente – no mais tardar em momento de acentuada crise – que ela ultrapassou os limites de sua força normativa.”

Tal característica demonstra que os direitos e garantias fundamentais não consubstanciam valores absolutos, eis que podem eventualmente entrar em conflito, situação que evidenciará a natureza relativa deles, pois, frente ao caso concreto, será necessário que um dos direitos conflitantes ceda espaço para aplicação do outro que concretize valor merecedor de aplicação, por efetivar de forma plena um direito ou uma garantia fundamental.  

1.3. A Constituição Federal de 1998

A Constituição Federal de 1988 trouxe o mais extenso conjunto de direitos fundamentais de todas as constituições brasileiras, e os elencou em rol não taxativo, fazendo incluir no seu artigo 5º, § 2º, uma cláusula elástica, consoante a qual os direitos e garantias individuais não se esgotam naquela enumeração constante do texto constitucional, haja vista a possibilidade de inclusão de outros “decorrentes dos regimes e princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República do Brasil seja parte.” (art. 5º, par. 2º). Segundo ensina Raul Machado Horta, a chamada cláusula elástica é uma característica do modelo brasileiro, pois se fez presente nas constituições de 1891, 1934, 1946, 1967, Emenda Constitucional de 1969, 1988.

O referido Autor explica:[23]

“Norma constitucional elástica autoriza a ampliação eventual do conteúdo constitucional, para admitir outras garantias e direitos não enumerados, localizados em outras fontes normativas do ordenamento jurídico, desde que resultantes da forma do governo estabelecida na Constituição e dos princípios que ele consigna.”

Essa norma subsidiou uma construção doutrinária alusiva a classificação dos direitos fundamentais em expressos, implícitos e decorrentes do regime e dos tratados internacionais, suportando a teoria de o ordenamento jurídico nacional ter adotado um sistema aberto de direitos fundamentais. O Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de se manifestar sobre a matéria[24], oportunidade em que firmou o entendimento de que o princípio da anterioridade tributária (art. 150, III, b, da CF) é cláusula pétrea, não obstante encontrar-se fora do catálogo dos direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5º.

A Emenda Constitucional 45, de 8 de Dezembro de 2006, acrescentou ao mencionado artigo dois parágrafos, nos quais se consignou a regra de que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos serão equivalentes as emendas constitucionais, desde que aprovadas com quorum de três quintos dos votos, em cada casa do Congresso, e, em dois turnos.

Sobre o autor
José Luciano Jost de Moraes

Procurador do Banco Central, Especialista em Direito Empresarial pelo Instituto de Educação Continuada (PUC-MG) e Pós-graduado em Direito Público pelo Instituto de Direito Público (Brasília-DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, José Luciano Jost. Direitos e garantias fundamentais e as pessoas jurídicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3928, 3 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27370. Acesso em: 25 dez. 2024.

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