Do alcance do direito de propriedade da arrendante
Na operação de arrendamento mercantil (leasing financeiro) como é de trivial sabença, o arrendador detém o domínio do bem arrendado, conforme expressamente disposto no art. 1º, parágrafo único da Lei n.º 6.099, de 12.09.74:
"Art. 1º. P. único. Considera-se arrendamento mercantil operação realizada entre pessoas jurídicas, que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos a terceiros pela arrendadora, para fins de uso próprio da arrendatária e que atendam às especificações deste" (grifamos).
Esse aspecto – a propriedade do bem - aliás, constitui-se na maior segurança dos direitos do arrendador, o qual pode imediatamente reintegrar-se na posse, tão logo o arrendatário – detentor, desde o início da avença, da posse direita do bem – se mostre inadimplente.
Nesse exato sentido é a lição de Arnaldo Rizzardo (in Leasing – Arrendamento Mercantil no Direito Brasileiro" 2ª edição, 1996, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, pág. 110), citando Tavares Paes (in "Leasing", 1977, Editora Revista dos Tribunais, pág. 7):
"A garantia primordial da instituição financeira é o fato de conservar a propriedade do material utilizado."
Na espécie, uma vez retomada a posse direta injustamente mantida pelo arrendatário, estão assegurados à autora, em relação ao bem inicialmente arrendado, os demais direitos do proprietário previstos no art. 524 do Código Civil, quais sejam: os de usar, gozar e dispor dele (bem).
É do escólio do Prof. Washington de Barros Monteiro (in "Curso de Direito Civil", 3º volume, Direito das Coisas, 31ª edição, Editora Saraiva, 1994, SP, pág. 91) a clara e inquestionável definição, que pedimos venia para colacionar, acerca do que sejam os direitos elencados no dispositivo legal aduzido:
"O direito de usar compreende o de exigir da coisa todos os serviços que ela pode prestar, sem alterar-lhe a substância. O direito de gozar consiste em fazer frutificar a coisa a auferir-lhe os produtos. O direito de dispor, o mais importante dos três, consiste no poder de consumir a coisa, de aliená-la, de gravá-la de ônus e de submetê-la ao serviço de outrem." (grifos nossos)
Na hipótese em exame, assim que operou a rescisão contratual, diante da aplicação da cláusula resolutória expressa (art. 960 do Código Civil), a requerente já estava autorizada, como legítima proprietária, a dar ao bem o fim que melhor lhe aprouvesse, dentro das alternativas que a Resolução 980 do Banco Central, em seu Art. 13, lhe outorga, conforme leciona Arnaldo Rizzardo (in ob. Cit., pág. 166):
"Tornando o bem à posse da arrendante, seja pela recuperação ou por simples devolução, entra o mesmo no ativo imobilizado pelo prazo máximo de dois anos, autorizando-se, outrossim, a alienação ou a se proceder novo arrendamento para terceiros.
É o que prescreve o art. 13 da Res. 980".
Da legalidade e conveniência da venda limitada do veículo
Sendo a arrendadora a proprietária do veículo retomado – até porque no Certificado de Registro seu nome figura como detentora do domínio, nada impede que lhe dê a destinação que melhor lhe aprouver, dentro dos parâmetros legais (Res. 980 do BACEM, art. 13), obviamente em conseqüência dos poderes garantidos pelo art. 524 do Código Civil.
Inexiste qualquer óbice legal à imediata alienação do veículo automotor, aliás a venda de coisa litigiosa é expressamente prevista pela Lei Processual, conforme artigo 42 parágrafos 1º e 2º do Código de Processo Civil.
Neste sentido, o acórdão proferido na Apelação n.º 541.440-0/7 da 2ª Câmara do Egrégio 2º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo:
"Arrendamento Mercantil de bens Móveis. Reintegração de Posse. 1 – A liminar de reintegração de posse concedida em favor do arrendador não o torna depositário judicial sendo inadmissível a coerção de devolver o bem ou o equivalente em dinheiro, se a eficácia da liminar persiste, pois é legítima e legal a venda de bem litigioso. Inteligência do art. 42 parágrafos 1º e 2º do CPC." (grifos nossos)
O próprio Banco Central, repita-se, através da Resolução 980, em seu art. 13, de certa forma obriga que a alienação – se esta for a opção – seja feita desde logo, na medida em que não permite que o bem permaneça no ativo imobilizado do arrendando por mais de dois anos.
A venda dos bens na presente situação, é típica dos contratos leasing, diferentemente do que ocorre nos contratos de alienação fiduciária, que para ser realizada a venda do bem alienado, a posse e a propriedade devem ser consolidadas nas mãos dos credores fiduciários.
Nesse sentido o acórdão proferido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no Agravo de Instrumento n.º 052.791-4/9-00 do qual se extrai:
"LEASING – Alienação de bem após liminarmente reintegrado à arrendadora em virtude de inadimplemento. Admissibilidade – Resolução nº 980/84 do BACEN – Possibilidade decorrente da própria natureza do contrato cogitado – Hipótese, ademais, em que existente previsão contratual expressa – Recurso provido para determinar a entrega do bem à arrendadora."
Veja-se, ainda, esta outra decisão proferida pelo 2º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, no agravo de instrumento n.º 612008-00/9 e da qual se extrai o seguinte trecho:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO – Ação de reintegração de posse decorrente de arrendamento mercantil – Como efeito do ajuizamento da ação reintegratória, o que se torna litigioso é o direito de posse, e não o de propriedade, que segue íntegro. Se o pressuposto é de que foi rompida antecipadamente a relação do arrendamento, nem mesmo os direitos finais, de optar pela compra ou pela renovação do contrato, subsistem em favor do arrendador – É possível a venda do bem a terceiro, sem sequer haver preocupação de assegurar o respeito a eventuais direitos da outra parte." (grifos nossos)
Ora, é pública e notória a sobrecarga de trabalho existente no Poder Judiciário, o que impede, via de regra, que um processo transiste em julgado antes de um biênio, a contar da reintegração de posse. Portanto, exigir-se que a arrendante aguarde pela coisa julgada, seria desrespeitar-se a prefalada norma.
Ademais, não bastasse a licitude dessa venda, há outra razões, de ordem prática e econômica, que recomendam a imediata alienação.
Com efeito, aguardar-se pelo trânsito em julgado da sentença é medida que, praticamente, agrava a situação do arrendante e, o que é mais grave, do próprio arrendatário; afinal, são muitas as despesas que um automóvel gera: a sua guarda (estacionamento; vigilância); o pagamento de imposto; a manutenção; etc. A tudo isso acresça-se o desgaste, por ficar o veículo sem ser utilizado, deixando de funcionar regularmente, o que, sem dúvida, acelera o processo de desvalorização, hoje sofrido por todo e qualquer automóvel desde sua retirada da concessionária do fabricante.
Inegável, portanto, que a venda antecipada evita o aumento total da dívida, cujo saldo, após a alienação do veículo, é de responsabilidade do próprio arrendatário.
Além disso, a imediata alienação será concretizada em condições bem mais vantajosas – tanto para o comprador, como para o vendedor, em face de, obviamente, o veículo ser mais novo e encontrar-se, claro, menos desgastado pelo tempo.
Lícita, pois, a alienação efetuada, até porque inexiste vedação expressa; daí porque aplica-se o preceito do art. 5º, inciso II da Constituição Federal, segundo o qual, "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei."
De outra feita, o fato da sentença não ter transitado em julgado, não pode impedir que a arrendante exerça plenamente o domínio sobre o bem, sob pena de materializar-se negativa de vigência ao art. 5º, inciso XXII da Constituição Federal, o qual, como sabido, tutela o direito de propriedade.
Do fundamento legal analogamente – artigo 1.113 – código de processo civil
Como aduzido anteriormente, o legislador expressamente, não previu, quando tratou do instituto, a venda do bem, antes da sentença com transito em julgado. E não poderia fazê-lo naquela época, sendo a realidade diversa da oportunidade que inspirou a legislação até aqui vigorante.
Todavia, com o devido acato, cabe ao Juiz o poder-dever de procurar a solução do processo, não só sob o ângulo abstratamente jurídico, mas também do ponto de vista econômico.
Assim, em consonância com o exposto, dispõe o artigo 1.113 do Estatuto Processual Civil: "...Nos casos expressos em lei e sempre que os bens depositados judicialmente forem de fácil deterioração, estiverem avariados ou exigirem despesas para a sua guarda, o juiz de ofício ou a requerimento do depositário ou de qualquer das partes, mandará aliená-los em leilão..."
SÉRGIO SAHIONE FADEL, na obra Código de Processo Civil Comentado, esclarece, à fls., 318 e seguintes, ao comentar referido artigo:
"(...) O fundamento das alienações judiciais é a defesa do próprio interesse das partes. Ninguém mais do que elas próprias ganhará com a providência. A deterioração dos bens, sua depreciação ou o alto custo de sua guarda só servirão ao empobrecimento dos interessados... "
"... O procedimento dessa venda pode ter lugar em qualquer hipótese em que haja apreensão ou depósito judicial, arreto, seqüestro, penhora, mas o pressuposto do pedido haverá de ser sempre a conveniência absoluta, para evitar que os bens pareçam, deteriorem-se, ou depreciem-se ou onerem as partes..."
S. m. j., a expressão nos casos expresso em lei, não significa dizer que as hipóteses são numerus clausus. O próprio autor supracitado afirma que: "...O texto fala genericamente do cabimento da alienação, nos casos expressos em lei..."
Por derradeiro, a boa doutrina, também contorna a obrigatoriedade do leilão ser judicial, já que este acaba por encarecer a operação, pela necessidade de editais, perícia, sem considerar o lapso temporal necessário, que vem em prejuízo ao próprio interesse das partes. O mesmo autor informa... "As alienações judiciais devem ser feitas em leilão, salvo se, plenamente capazes todos os interessados, convierem expressamente em fazer a venda particularmente ou por outro meio. "
Enfim, em atenção a conveniência das partes, e considerando a experiência em venda extrajudicial que a credora possui, e, por não lhe interessar onerar ainda mais a operação que lhe trouxe prejuízo ante o INADIMPLEMENTO, a arrendadora atentará a melhor proposta, estabelecendo preços mínimos para os lances, vendendo em cada leilão número de bens suficientes, para não reduzir o valor de mercado, controlando a oferta, ou seja, ninguém melhor que o próprio credor para manejar o referido leilão extrajudicial.
C o n c l u s ã o
Diante da sucinta abordagem, configurada a rescisão contratual ante o inadimplemento do arrendatário; a regular constituição em mora; o deferimento e o integral cumprimento da liminar de reintegração do bem arrendado; e, finalmente, a posse direta do objeto do contrato em mãos da arrendante, que diga-se de passagem, é a legítima proprietária do bem, nada impede a sua venda antecipada; alienação esta que trará benefícios tanto para o arrendante quanto para o arrendatário.
Concretizada a reintegração, é defeso à sociedade de arrendamento mercantil providenciar a alienação do bem a terceiro, evitando dessa forma prejuízo para ambas as partes.