A exclusão de sócio por falta grave na sociedade limitada é possível de se operar judicialmente, de acordo com o art. 1.030, caput (c/c o art. 1.085) do Código Civil, enquanto que a exclusão extrajudicial pela prática de falta grave é possível nos termos do art. 1.085 do CC. Isso sem contar a possibilidade de exclusão (judicial ou extrajudicial) do sócio remisso (CC, arts. 1.004 e 1.058).
E muito se discute sobre a licitude de cláusula que vede a exclusão de sócio, sendo matéria longe de consenso.
O Código Comercial de 1850, o Decreto 3.708/19, o Código Civil de 1916 e o Código Civil de 2002 silenciaram sobre a matéria. E não se conhece qualquer previsão permissiva ou proibitiva, no Brasil, sobre a possibilidade de que conste cláusula no contrato social sobre a inaplicabilidade da exclusão de sócio.
Atualmente tal discussão, na prática, restringe-se à possibilidade de exclusão judicial (art. 1.030 do CC) (além, é claro, da hipótese relacionada à exclusão do sócio remisso, prevista nos arts. 1.004 e 1.058 do CC). Isso porque, quanto à exclusão extrajudicial, hoje é possível inibi-la bastando que não se disponha no contrato social sobre a sua possibilidade (CC, art. 1.085) – e, assim, não vemos qualquer problema em que as partes aponham no contrato social, ainda que de modo completamente desnecessário, cláusula estipulando ser vedada a exclusão extrajudicial (e, aqui, por não fazer parte do objeto deste trabalho, nem tratamos da questão envolvendo a exclusão de pleno direito que, por ser norma de ordem pública e, portanto, cogente, não pode ser afastada). Assim, a questão cinge-se em saber se o art. 1.030, caput, do Código Civil (bem como os arts. 1.004 e 1.058 do CC), ao prever a exclusão de sócio por falta grave, possui natureza dispositiva ou cogente[1].
Idevan Rauen Lopes, por exemplo, ao comentar o regime anterior ao Código Civil, entende que seria viável (originariamente, quando da constituição da sociedade, ou em alterações posteriores) afastar expressamente a possibilidade de eliminação de sócios por meio de cláusula contratual (não fazendo distinção sobre a exclusão extrajudicial ou a exclusão judicial)[2]. Existem outros autores que entendem lícita a cláusula que proíba a exclusão de quotista, mesmo na hipótese da exclusão judicial prevista no art. 1.030 do Código Civil[3]. E tal entendimento também chega a ser sustentado em outros países[4].
Por outro lado, o Esboço de Código Civil de Teixeira de Freitas vedava a estipulação de cláusula que proibisse a exclusão de sócio nos seguintes termos: “Art. 3.058. Proíbe-se outrossim, estipular, qualquer que seja a espécie de sociedade: 1º Que qualquer dos sócios não possa renunciá-la, ou ser excluído, havendo para isso justa causa”[5]. Nesse sentido prevê, expressamente, a lei argentina (Ley 19.550, art. 91), como também se entende em outros países[6].
Miguel Reale deu razão ao entendimento de Teixeira de Freitas em seu Esboço, considerando ser nula a cláusula contratual que obste o afastamento de sócio em caso de existência de justa causa[7].
Já Daniel Vio afirma que a proibição genérica de exclusão do quotista faltoso seria tão contrária ao art. 1.030, caput, do CC quanto à exclusão do sócio sem justa causa; assim, uma tal cláusula seria nula[8]. E tendemos a concordar com este posicionamento. Trata-se, efetivamente, de norma cogente destinada a tutelar a sociedade (e mesmo porque se trata de resolução de contrato por inadimplemento...); e tanto isso é verdade que o referido dispositivo legal não possui qualquer ressalva ou abertura a que as partes regulem ou moldem tal instituto. Uma tal cláusula oprimiria a sociedade e os consócios de forma excessiva, impondo uma renúncia intolerável à própria liberdade e uma inversão da hierarquia de valores imposta pelo ordenamento jurídico.
Mas não se pode negar que a aplicação do instituto da exclusão de sócio está sempre condicionada à vontade dos seus membros (juízo de conveniência e oportunidade realizado pela assembleia ou reunião de sócios). Mesmo porque entendemos que a exclusão judicial também depende de prévia deliberação social à propositura da ação judicial (Código Civil, art. 1.030, caput)[9]. Nesse sentido, Daniel Vio, traçando paralelo com o direito de recesso, assim se manifesta:
Tal como a exclusão, o recesso representa uma hipótese de resolução do contrato de sociedade limitadamente a um sócio. Para evitar a opressão da maioria social e o esvaziamento do sentido do instituto, entende a doutrina majoritária que é inadmissível a renúncia antecipada e “universal” a tal direito. Admite-se, contudo, a renúncia ao direito de recesso em hipóteses concretas, de forma a conferir à sociedade a segurança jurídica necessária para concluir operações importantes – como uma fusão, por exemplo –, sem ter a preocupação de ver-se descapitalizada pela retirada de um minoritário.
Aplicando-se o mesmo princípio ao instituto da exclusão de sócio, poderia se reconhecer como legítimas (i) a cláusula do contrato social que afastasse a possibilidade de expulsão em determinadas hipóteses, restritas e delimitadas, e (ii) a deliberação dos sócios que, diante de uma situação concreta de inadimplemento, isentasse o sócio da incidência de tal medida extrema, em troca do devido ressarcimento do dano causado à sociedade.
Assim, por exemplo, os sócios poderiam reconhecer expressamente que determinada atividade econômica, já exercida por um consócio anteriormente à constituição da sociedade, não representa concorrência desleal a esta última. Ou então, poderiam autorizar um sócio ativamente engajado na administração da sociedade a licenciar-se por um longo período para tratamento médico, sem que isso pudesse justificar sua expulsão[10].
Estamos de acordo com tal posicionamento. De um lado, desde que não seja arbitrária e nem utilizada de modo disfuncional, é possível que cláusula contratual afaste a possibilidade de exclusão quando da prática de determinadas condutas (da mesma forma como o contrato social pode arrolar, previamente, atos que considera inadmissíveis de serem praticados e que, então, podem ocasionar a exclusão de sócio). Por outro lado, nada impede que, em cada situação, os sócios renunciem à possibilidade de buscar a exclusão do sócio – realizando, então, o juízo de conveniência e oportunidade.
Tal solução confere flexibilidade para que os sócios possam lidar com situações difíceis sem privar, de modo absoluto, a sociedade de um importante mecanismo de defesa (i.e., a exclusão de sócio pela prática de falta grave)[11].
Notas
[1] Cf. VIO, Daniel de Ávila. A excluão de sócios na sociedade limitada de acordo com o Código Civil de 2002. Dissertação (Mestrado em Direito Comercial). São Paulo, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2008, p. 184-185.
[2] LOPES, Idevan César Rauen. Empresa e exclusão do sócio. 2 ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2008, p. 126.
[3] PIMENTA, Eduardo Goulart. Exclusão e retirada de sócios. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 96-97; LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. 6 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 727-728 (que, pese embora não recomende a inserção de uma tal cláusula no contrato social, salienta, expressamente, ser possível a vedação à exclusão inclusive do sócio remisso, além de que, se a cláusula não vedar expressamente, a proibição não abarcaria faltas culposas praticadas pelos membros, como a prática de concorrência). Também caminhando nesse sentido (afirmando que a cláusula é lícita desde que não exista proibição expressa da legislação ou não viole normas de ordem pública – como no caso da exclusão de pleno direito): RIBEIRO, Renato Ventura. Exclusão de sócios nas sociedades anônimas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 190-191.
[4] Nesse sentido, Osmida Innocenti afirma ser derrogável uma ou mais causas de exclusão facultativa de sócios nas sociedades de pessoas italianas (Codice Civile, art. 2.286) (cf. INNOCENTI, Osmida. L’esclusione del socio. Padova: CEDAM, 1956, p. 82-83); também defendendo que o contrato social poderia limitar as hipóteses de exclusão previstas no art. 2.286 do Codice Civile, ver: FERRI, Giuseppe. Manuale di diritto commerciale. 4 ed. Torino: UTET, 1976, p. 262. Na Alemanha, ao se comentar a matéria nas sociedades em nome coletivo, compreende-se que a hipótese de exclusão prevista no §140 do Handelsgesetzbuch é derrogável (podendo-se limitar ou eliminar), pois se pode entender suficiente que se mantenha a possibilidade de dissolução total (ou retirada) da sociedade prevista no §133; o mesmo ocorre com o §737 do Bürgerliches Gesetzbuch, que regula a exclusão de sócio nas sociedades civis (cf. KÜBLER, Friedrich. Derecho de sociedades. Trad. Michèle Klein. 5 ed. rev. y ampl. Madrid: Fundación Cultural del Notariado, 2001, p. 162; WIEDEMANN, Herbert. Gesellschaftsrecht, B. II. München: Beck, 2004, p. 399 ss; WINDBICHLER, Christine. Gesellschaftsrecht. 22 Aufl.. München: C. H. Beck, 2009, p. 86, 163).
[5] TEIXEIRA DE FREITAS, Augusto. Esboço do Código Civil, v. 2. Brasília: Ministério da Justiça, Fundação Universidade de Brasília, 1983, p. 473. Também referindo tal posicionamento: VIO. A excluão de sócios na sociedade limitada de acordo com o Código Civil de 2002, cit., p. 184.
[6] Na Espanha, existe discussão sobre se é possível ou não derrogar (suprimir ou modificar) as hipóteses de exclusão; manifestando-se contrariamente: FERNÁNDEZ, Rafael Leña; PÉREZ, Manuel Ángel Rueda. Derecho de separación y exclusión de socios en la sociedad limitada. Granada: Comares, 1997, p. 102-104; SANTAS, Francisco Javier Framiñán. La exclusion del socio en la sociedad de responsabilidad limitada. Granada: Comares, 2005, p. 56-60. Em Portugal, Avelãs Nunes, em sua clássica obra, leciona que o direito de exclusão de sócio decorre da própria estrutura jurídica do contrato de sociedade, e, por isso, está implícito em tal contrato, não existindo a necessidade de previsão expressa, sendo que, mais adiante, sustenta que as sociedades comerciais de todos os tipos não podem ser privadas do direito de excluir (seria nula uma cláusula nesse sentido) os membros que não colaboram na realização do fim comum; ainda, assevera, com base no regime português anterior, que nula seria a cláusula que limitasse ou afastasse o direito de a sociedade excluir o sócio remisso, mesmo porque poderia ser a única forma de proteger os interesses dos credores do ente coletivo (sendo que entendia que, em certas circunstâncias, os próprios credores poderiam postular judicialmente a exclusão do sócio remisso) – de qualquer forma, a sociedade teria a faculdade de não excluir o sócio inadimplente (NUNES, A. J. Avelãs. O direito de exclusão de sócios nas sociedades comerciais. 1 ed. Reimpressão da ed. de 1968. Coimbra: Almedina, 2002, p. 55-56, 104-105, 273, nota de rodapé).
[7] REALE, Miguel. A exclusão de sócio das sociedades mercantis e o registro de comércio. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 33, v. 150, p. 459-486, jul. 1944, p. 468.
[8] VIO. A excluão de sócios na sociedade limitada de acordo com o Código Civil de 2002, cit., p. 186; ver, também: VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial, v. 2. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 155-156. Ainda, entendendo ser nula a cláusula que veda a exclusão de sócio, muito embora aceite a cláusula que obste a exclusão em caso de fatos não-culpáveis, ver: TOKARS, Fábio. Sociedades limitadas. São Paulo: LTr, 2007, p. 371-372. Por fim: entendendo não pela nulidade da cláusula, mas pela sua ineficácia, ver: GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de Empresa. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 440.
[9] VIO. A excluão de sócios na sociedade limitada de acordo com o Código Civil de 2002, cit., p. 186.
[10] VIO. A excluão de sócios na sociedade limitada de acordo com o Código Civil de 2002, cit, p. 187.
[11] VIO. A excluão de sócios na sociedade limitada de acordo com o Código Civil de 2002, cit., p. 188.