Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

O reconhecimento no processo penal

O reconhecimento legal infelizmente não é feito com rotina, pois o correto seria seguir o que descreve o artigo 226 do Código de Processo Penal.

Agenda 04/04/2014 às 00:46

O reconhecimento é meio de prova e ocorrerá quando uma pessoa, (vítima ou testemunha) reconhecer a pessoa ou coisa que de alguma forma interesse ao fato, (ao vivo).

CONCEITO

O reconhecimento é meio de prova e ocorrerá quando uma pessoa, (vítima ou testemunha) reconhecer a pessoa ou coisa que de alguma forma interesse ao fato, (ao vivo).

Nucci define como “ato pelo qual uma pessoa admite e afirma como certa a identidade de outra ou a qualidade de uma coisa”. (2012, p. 526).

Função da polícia judiciária no início dos trabalhos.

CPP - Art. 6º. Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações.

POR FOTOGRAFIA

Para Feitoza, (2009, p. 766) “é uma prova inominada”, pois não estaria prevista essa modalidade em nenhum dispositivo legal e é permitida em nome do “princípio da liberdade probatória”.

O reconhecimento pode ser feito através de fotografia, desde que tomadas cautelas devidas, pois a fotografia pode ser antiga, a coisa ou pessoa poderá estar em um estado totalmente diferente, pois crime e fotografia podem ser de épocas distintas, com longo lapso temporal entre uma e outra.

O TJMG através da apelação 1.0338.08.069454-4/001, constou que o STF já pacificou a questão, entendendo "a validade do reconhecimento fotográfico, como meio de prova no processo penal condenatório, é inquestionável” revestindo-se de “eficácia jurídica suficiente para legitimar, especialmente quando apoiado em outros elementos de convicção, como no caso, a prolação de um decreto condenatório". (RT 677/422).

FORMA

O reconhecimento legal infelizmente não é feito com rotina, pois o correto seria seguir o que descreve o artigo 226 do Código de Processo Penal, mas presencia-se com frequência, o reconhecimento do suspeito com pessoas que não são semelhantes a ele.

CPP - Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma: I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida; Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la.

A pessoa que for realizar o reconhecimento será vítima ou testemunha.

Deve primeiramente ser feita uma descrição antecipada, ou seja, o reconhecedor deve descrever a pessoa que irá ser reconhecida, constando por escrito as indicações e traços fornecidos, como altura, cor dos cabelos, olhos, rosto fino, etc.

Posteriormente a pessoa cujo reconhecimento se pretende, deverá ser colocada entre pessoas semelhantes convidando o reconhecendo a apontá-la.

Descrição inicial do reconhecendo: essa providência é importante para que o processo fragmentário da memória se torne conhecido, vale dizer, para que o juiz perceba se o reconhecedor tem a mínima fixidez (guarda núcleo central da imagem da pessoa que pretende identificar) para proceder o ato. Se descrever uma pessoa de dois metros de altura, não pode, em seguida, reconhecer como autor do crime um anão. (NUCCI, 2011, p. 529).

Segundo Feitoza (2009), é possível o reconhecimento por videoconferência utilizando-se das formas previstas no capítulo do interrogatório, no que se refere ao interrogatório por videoconferência.

AUTO PORMENORIZADO

CPP - Art. 226, IV. do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais. [...] Parágrafo único. O disposto no nº III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.

Deve à autoridade, confeccionar um auto de reconhecimento pormenorizado com todos os detalhes, com a descrição antecipada, as pessoas presentes no ato, os semelhantes que foram colocados ao lado, testemunhas, etc., para ao final o reconhecedor com duas testemunhas assinarem o documento.

O que ocorre, infelizmente é muito diferente.

Chega-se ao absurdo a narrativa de colegas que presenciam reconhecimento, o qual o suspeito é totalmente diferente dos demais que colocaram junto com ele.

Uma das narrativas citou sobre um caso de roubo onde o que iria ser reconhecido, era negro de cabelos curtos e com estatura baixa. Colocaram na sala com ele para realização do reconhecimento outros três homens, sendo, um loiro de cabelos lisos, alto e magro, um negro alto que era detetive na cidade e que não parecia com o réu e um homem bem claro com cabelos pretos lisos.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Fora alegada nulidade durante do reconhecimento, na fase judicial, mas nada ocorreu, gerando ao final uma condenação de seis anos no regime semiaberto, com base em outros elementos de provas, além do reconhecimento.

O reconhecimento não pode ser considerado.

Qualquer reconhecimento (pessoal ou por foto) só pode ter validade se, antecipadamente, o ofendido tiver condições de descrever a pessoa que deva ser reconhecida, como se depreende do inciso I, do art. 226, do CPP. O ato que não preencher esse requisito não merece confiabilidade. (BRASIL. Ap. Crim. 370.563-8 - Santos - TACrimSP - 8ª Câmara - Rel. Juiz Silva Pinto - 8.11.84 - JTACrSP  n.87, p. 430-431).

PRESERVANDO O RECONHECEDOR

Sentindo receio de se mostrar para o reconhecido, ou se a autoridade achar viável tomar providências no intuito de se preservar a pessoa do reconhecedor, assim procederá.

O local de onde será realizado o reconhecimento não permitirá visualização por parte do reconhecido.

Esta medida não é aplicada em fase de instrução criminal, assim como em plenário, no caso de julgamento pelo Tribunal do Júri.

Visa sanar o efeito de intimidação ou outra influência que por ventura possa fazer com que o reconhecedor não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida.

A providência é facilmente executada, vezes permanecendo reconhecedor de um lado da sala e reconhecido de outro, com a visão através de um furo pequeno na porta ou através de uma porta ou janela de vidro que tenha uma película que impeça a visão do que está sendo reconhecido.

A preservação ocorre para própria segurança da vítima ou testemunha, mas a Constituição prevê também a preservação da imagem da pessoa, além é claro de evitar o receio por parte do reconhecedor.

CR - Art. 5º, X. são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

RECONHECIMENTO DA VOZ

De difícil frequência e deve-se tomar muito cuidado com tal reconhecimento.

Por vezes, a voz humana tem alguma particular característica, seja no modo de falar, na pronúncia de certas consoantes, ou com forte dialeto regional. São elementos que podem levar ao chamado ‘clichê fônico'. O art. 226 do CPP estatui regras específicas a respeito do reconhecimento de pessoa. Mutatis mutandis, sendo o caso de reconhecimento auditivo, cautelas não menores devem ser observadas, pois, se o olho humano está sujeito a equívocos, com muito maior razão o ouvido. (BRASIL. Ap. Crim. n. 310.863 - São Paulo - TACrimSP - 5ª Câmara - Rel. Juiz Adalto Suannes 21.9.82 - RT n. 567, p. 332.333).

CASO VERÍDICO

Certa vez na sala de audiência, o juiz indagou para a filha da vítima, se o réu que havia agredido seu pai estava naquela sala e se o reconhecia como o agressor das lesões constantes no exame de corpo de delito.

Na sala de audiência estava o Juiz de terno e gravata que estava conduzindo os trabalhos; o Advogado de defesa que estava de terno e gravata que estava praticamente na frente da vítima, com note book aberto digitando; ao lado do Juiz estava o promotor, também com terno e gravata; um policial em pé com farda; uma escrivã, que no início do depoimento coletou os dados da vítima e uma pessoa com roupa vermelha, no caso o réu.

Sinceramente não precisa de comentários. Mas se isto ocorrer peça que conste na ata dos trabalhos, inclusive com protesto.

RECONHECIMENTO COLETIVO

O artigo 228 do Código de Processo Penal proíbe o reconhecimento feito por mais de uma pessoa, chamado de reconhecimento coletivo, eis que a opinião de um poderá gerar influência no resultado final do reconhecimento de outro.

CPP - Art. 228.  Se várias forem as pessoas chamadas a efetuar o reconhecimento de pessoa ou de objeto, cada uma fará a prova em separado, evitando-se qualquer comunicação entre elas.

Medida adotada corretamente, pois após a indicação de um, o outro poderá pela indicação ser influenciado de modo que poderá resultar em prejuízo da verdade, devendo ser considerado nulo o reconhecimento feito de forma coletiva.

RECONHECIMENTO DE COISAS

CPP - Art. 227. “No reconhecimento de objeto, proceder-se-á com as cautelas estabelecidas no artigo anterior, no que for aplicável”.

Feitoza (2009, p. 766) cita “arma do crime, coisa furtada”, mas entre as coisas a serem reconhecidas pode-se considerar àqueles existentes na cena do crime, como vestuários, objetos de busca e apreensão que podem ter sido utilizados pelo autor do delito, bonés, capacetes, cadáver, etc.

Para o reconhecimento de objeto (art. 227 do CPP) é necessário a descrição do mesmo em auto circunstanciado, sob pena de invalidade do reconhecimento.

REFERÊNCIAS

ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário acadêmico de direito. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999.

BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. De acordo com as leis n. 10.741/2003. 8. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005.

_____ . _____ Curso de processo penal, São Paulo: Saraiva, 2008.

_____ . _____ Curso de processo penal, 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

FEITOZA, Denilson. Direito processual penal. Impetus, 2009.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 12. ed. Niterói: Impetus, 2010.

_____ . _____ . 13. ed. Niterói: Impetus, 2011.

MORAIS, Paulo Heber de e LOPES, João Batista. Da prova penal. Campinas – SP: Copola, 1994.

MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da tutela. 11. ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado: parte geral. 2. ed.  São Paulo: Método, 2009.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 22. ed.  São Paulo: Atlas, 2005.

____ . ____ Manual de direito penal. São Paulo: Atlas, 2000. v.1.

_____ . _____ .  26. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1977. v.1.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral. 6 ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal brasileiro comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal: 5 ed. ver. e atual. Ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, Rio de janeiro: Forense, 1996.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado. V. I e II. 13 ed. Ver e atual. São Paulo: Saraiva, 2010.

_____  .  _____. 3º volume. São Paulo: Saraiva, 2010.

Sobre o autor
Santos Fiorini Netto

Advogado Criminalista, especialista em ciências penais e processo penal, professor de direito penal (Unifenas - Campo Belo - MG), escritor das obras "Prescrição penal simplificada", "Direito penal parte geral V. I" e "Direito penal parte geral V. II", "Manual de Provas - Processo Penal", "Homicídio culposo no trânsito", "Tráfico de drogas - Aspectos relevantes", "Noções Básicas de Criminologia" e "Tribunal do Júri, de suas origens ao veredicto". Atua na área criminal, defesa criminal em geral - Tóxicos - crimes fiscais - Tribunal do Júri (homicídio doloso), revisão criminal, homicídios no trânsito, etc.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!