A Egrégia 4ª Turma do STJ já teve a oportunidade de apreciar questão semelhante à ventilada no REsp n. 611.872/RJ, ora em comento, por ocasião do julgamento do REsp n. 575.469/RJ, de modo a reconhecer a aplicabilidade das regras do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) nas hipóteses em que restar demonstrada a vulnerabilidade do taxista em relação ao fornecedor. O julgado está assim ementado:
DIREITO CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO ZERO-QUILÔMETRO PARA UTILIZAÇÃO PROFISSIONAL COMO TÁXI. DEFEITO DO PRODUTO. INÉRCIA NA SOLUÇÃO DO DEFEITO. AJUIZAMENTO DE AÇÃO CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO PARA RETOMADA DO VEÍCULO, MESMO DIANTE DOS DEFEITOS. SITUAÇÃO VEXATÓRIA E HUMILHANTE. DEVOLUÇÃO DO VEÍCULO POR ORDEM JUDICIAL COM RECONHECIMENTO DE MÁ-FÉ DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DA MONTADORA. REPOSIÇÃO DA PEÇA DEFEITUOSA, APÓS DIAGNÓSTICO PELA MONTADORA. LUCROS CESSANTES. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO VEÍCULO PARA O DESEMPENHO DA ATIVIDADE PROFISSIONAL DE TAXISTA. ACÚMULO DE DÍVIDAS. NEGATIVAÇÃO NO SPC. VALOR DA INDENIZAÇÃO. 1. A aquisição de veículo para utilização como táxi, por si só, não afasta a possibilidade de aplicação das normas protetivas do CDC. 2. A constatação de defeito em veículo zero-quilômetro revela hipótese de vício do produto e impõe a responsabilização solidária da concessionária (fornecedor) e do fabricante, conforme preceitua o art. [18], caput, do CDC. 3. Indenização por dano moral devida, com redução do valor. 4. Recurso especial parcialmente provido. (STJ, 4ª Turma, REsp. 611.872/RJ, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira. DJe 23/10/2012).
Ao apreciar o recurso, o ministro relator – Jorge Scartezzini, cita elucidativa lição da professora gaúcha Cláudia Lima Marques, que assim delineia a questão (os grifos são do relator):
"Em face da experiência no direito comparado, a escolha do legislador brasileiro, do critério da destinação final, com o parágrafo único do art. 2º e com uma interpretação teleológica permitindo exceções, parece ser uma escolha sensata. A regra é a exclusão 'ab initio' do profissional da proteção do Código, mas as exceções virão através da ação da jurisprudência, que em virtude da vulnerabilidade do profissional, excluirá o contrato da aplicação das regras normais do Direito Comercial e aplicará as regras protetivas do CDC."(CLÁUDIA LIMA MARQUES, in"Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais", 4ª ed., São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2002, pp. 278/280).
Cumpre esclarecer que o próprio ministro relator, em seu voto, reconhece que a aplicação das normas consumeristas em casos tais não é pacífica, existindo corrente que rechaça essa espécie de hermenêutica – caso do insigne ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin -, um dos autores do anteprojeto do CDC, hoje ministro do STJ, estando à frente dos trabalhos de reforma do código.
Para que haja o correto enquadramento de uma pessoa como apta a receber a proteção do CDC, o aplicador do direito deve analisar três elementos que compõem a regra em comento: o primeiro é de ordem subjetiva, de forma a identificar o sujeito da relação; o segundo, de caráter objetivo, se relaciona à atividade desempenhada pelo sujeito; o terceiro é de ordem teleológica ou finalística, identificando a finalidade a ser atingida pelo sujeito da relação. Essa construção é de autoria de Nelson Nery Júnior – um dos autores do Anteprojeto do CDC -. Dessa forma, ao se deparar com a redação do art. 2º do CDC, devemos nos fazer três perguntas:
1. Quem é consumidor?
2. O que faz o consumidor?
3. Para que o consumidor faz?
A resposta a tais indagações nos é fornecida pelo próprio artigo: consumidor é toda pessoa física ou jurídica (elemento subjetivo) que adquire ou utiliza produto ou serviço (elemento objetivo) como destinatário final (elemento teleológico ou finalístico).
Quanto aos elementos subjetivo e objetivo, não há maiores dificuldades em identificá-los. O problema reside justamente no elemento teleológico, o que levou à formação de duas grandes teorias interpretativas: finalista e maximalista. Como dito, a jurisprudência de nossas Cortes, inclusive a do próprio STJ, não é pacífica nesse sentido, revelando a dificuldade conforme o caso concreto.
A regra do art. 2º revela que o CDC adotou, claramente, a teoria finalista (majoritária) ao definir o consumidor como aquele que adquire bens e serviços no mercado de consumo como destinatário final. De acordo com essa teoria, o consumidor, além de destinatário final, deve ser também o destinatário econômico dos produtos e serviços, ou seja, o destinatário fático, no qual se exaurem as finalidades do produto, conferindo contornos mais precisos à expressão consumidor. O vocábulo consumo traz a idéia de esgotamento, desaparecimento, exaurimento, destruição imediata de uma substância. Exemplificando, para os finalistas será consumidor aquele que adquire gêneros alimentícios, vestuário, produtos de higiene pessoal, fornecimento de energia elétrica, água e coleta de esgoto para servir à sua residência etc., de forma a satisfazer as suas necessidades e de sua família.
Os adeptos da teoria finalista são radicais ao interpretar o conceito. Na lição de Leonardo de Medeiros Garcia, “consumidor seria o não profissional, ou seja, aquele que adquire ou utiliza produto para uso próprio ou de sua família”. Para contornar bem a questão, o autor em referência também recorre aos ensinamentos de Cláudia Lima Marques:
“(...) destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpretação teleológica não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência, é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu. Nesse caso não haveria a exigida destinação final do produto ou serviço” (Cláudia Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 4ª edição. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2002, p. 53, apud Leonardo de Medeiros Garcia. Direito do Consumidor: código comentado e jurisprudência. 7ª ed. Rev. Amp. E atual. Niterói: Impetus, 2011, p. 13).
No campo jurisprudencial, adotando a teoria finalista, confira-se o julgado do STJ:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. SOCIEDADE EMPRESÁRIA. CONSUMIDOR. DESTINATÁRIO FINAL ECONÔMICO. NÃO OCORRÊNCIA. FORO DE ELEIÇÃO. VALIDADE. RELAÇÃO DE CONSUMO E HIPOSSUFICIÊNCIA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. 1 - A jurisprudência desta Corte sedimenta-se no sentido da adoção da teoria finalista ou subjetiva para fins de caracterização da pessoa jurídica como consumidora em eventual relação de consumo, devendo, portanto, ser destinatária final econômica do bem ou serviço adquirido (REsp 541.867/BA). 2 - Para que o consumidor seja considerado destinatário econômico final, o produto ou serviço adquirido ou utilizado não pode guardar qualquer conexão, direta ou indireta, com a atividade econômica por ele desenvolvida; o produto ou serviço deve ser utilizado para o atendimento de uma necessidade própria, pessoal do consumidor. 3 - No caso em tela, não se verifica tal circunstância, porquanto o serviço de crédito tomado pela pessoa jurídica junto à instituição financeira de certo foi utilizado para o fomento da atividade empresarial, no desenvolvimento da atividade lucrativa, de forma que a sua circulação econômica não se encerra nas mãos da pessoa jurídica, sociedade empresária, motivo pelo qual não resta caracterizada, in casu, relação de consumo entre as partes. 4 - Cláusula de eleição de foro legal e válida, devendo, portanto, ser respeitada, pois não há qualquer circunstância que evidencie situação de hipossuficiência da autora da demanda que possa dificultar a propositura da ação no foro eleito. 5 - Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 12ª Vara da Seção Judiciária do Estado de São Paulo (CC 92519 / SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ. 16/02/2009).
Por sua vez, os adeptos da teoria maximalista (minoritária) admitem um conceito mais elástico de consumidor, admitindo que seja tão somente o destinatário fático do produto ou serviço, até mesmo nos casos em que um produto ou serviço seja adquirido como insumo, incremento para a atividade profissional desempenhada por aqueles que venham simplesmente a retirar o bem de consumo da cadeia produtiva. Nesse ponto, o CDC se assemelharia ao Código de Consumo da França (Code de la Consommation), o qual tutela não somente os interesses dos consumidores, mas também os interesses dos fornecedores, isto é, tutela-se não um sujeito de direitos (consumidor), mas uma atividade (consumo).
Nesse sentido, confira-se:
Agravo Regimental. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRODUTOR AGRÍCOLA. COMPRA DE SEMENTES. CDC. HIPOSSUFICIÊNCIA. DECISÃO AGRAVADA. MANUTENÇÃO. I. O produtor agrícola que compra sementes para plantio pode ser considerado consumidor diante do abrandamento na interpretação finalista em virtude de sua vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica. II. Agravo Regimental improvido (REsp 1200156 / RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJ. 28/09/2010).
Cabe destacar que existe, ainda, uma corrente intermediária, que destaca a existência de bens de consumo intermediários. Segundo os defensores dessa tese, são bens que não têm qualquer valor econômico para o destinatário final do produto ou serviço, mas sim para o produtor e para o prestador de serviço, que são os verdadeiros consumidores desses bens. Como exemplo, podem ser citados a sociedade de advogados que adquire livros para a biblioteca do escritório; o médico que adquire um estetoscópio; o dentista que adquire uma estufa de esterilização etc. Ora, estetoscópios, via de regra, são usados pelos profissionais da área de saúde (médicos, enfermeiros, fisioterapeutas etc.); livros jurídicos, via de regra, são usados pelos profissionais da área jurídica; brocas odontológicas são utilizadas por dentistas. Ou seja, pode-se dizer que esses produtos possuem um público praticamente exclusivo. Como não considerá-los consumidores?! No caso desses bens, em que pese auxiliarem aquelas pessoas em sua atividade profissional, não sofrem transformações, acréscimos, manipulações etc., com vistas a serem reintegrados na cadeia de produção e circulação. Em síntese, o uso desses bens se exaure na própria atividade de quem os adquire. São, portanto, consumidos.
Em todo caso, como bem asseverado pelo relator, é inafastável a ideia de que a pedra de toque das relações de consumo é a vulnerabilidade do consumidor, isto é, sua fraqueza, fragilidade, debilidade diante do fornecedor, o qual detém todas as informações sobre a empresa que exerce, o que o coloca em vantagem sobre o consumidor, que na maioria das vezes, nada conhece sobre o produto ou serviço que adquire. Imagine-se uma pessoa comum, que adquire um helicóptero para uso próprio, para utilizá-lo como meio de transporte, como é o caso de muitos empresários na cidade de São Paulo, que possui uma das maiores frotas de helicóptero do mundo. Ora, sobrevindo um defeito no motor da aeronave, fica evidenciada a vulnerabilidade do consumidor, pois somente o respectivo fabricante detém todas as informações afetas à mecânica, à técnica de fabricação, montagem, funcionamento, materiais utilizados, etc.
No caso do taxista, reconhecida sua vulnerabilidade, seja de ordem técnica, jurídica, econômica ou informativa, vigorará entre as partes as disposições do Código de Defesa do Consumidor, por se encontrarem, presumidamente, em situação de desigualdade.
Ultrapassado esse ponto, passa-se à análise da ocorrência de fato ou vício do produto no caso em estudo.
A responsabilidade por fato do produto e do serviço está disciplinada no CDC entre os artigos [12] e [17]. Fato do produto é o mesmo que acidente de consumo, e ocorrerá sempre que o defeito, além de atingir a incolumidade econômica do consumidor, atinge sua incolumidade física ou psíquica. Nesse caso, haverá danos à saúde física ou psicológica do consumidor. Em outras palavras, o defeito exorbita a esfera do bem de consumo, passando a atingir o consumidor, que poderá ser o próprio adquirente do bem (consumidor padrão ou standard – art. 2º do CDC) ou terceiros atingidos pelo acidente de consumo, que, para os fins de proteção do CDC, são equiparados àquele (consumidores por equiparação bystandard – art. [17] do CDC).
Por sua vez, a responsabilidade por vício do produto e do serviço está regulada entre os artigos [18] e [26] do CDC, verificando-se quando o “defeito” atingir meramente a incolumidade econômica do consumidor, causando-lhe tão somente um prejuízo patrimonial.
Sintetizando, no fato do produto e do serviço, o defeito é extrínseco ao bem de consumo; no vício, o defeito é instrínseco. Essa distinção é de suma importância, já que determinará como e quem poderá ser responsabilizado.
Pois bem, em se tratando de fato do produto ou do serviço, o estudioso do Direito do Consumidor deve se atentar para um importante detalhe: quando o CDC, indistintamente, usa a expressão FORNECEDOR, para determinar a responsabilidade desse sujeito da relação jurídica de consumo, quer dizer que todos que contribuírem para a causação do dano serão solidariamente responsabilizados.
Noutro giro, Quando o CDC especificar o sujeito (ou sujeitos), significa que estará atribuindo responsabilidade a pessoas específicas. Nesses casos, somente estas pessoas responderão solidariamente.
É o que ocorre na responsabilidade por fato do produto e do serviço, em que há expressa menção às figuras do FABRICANTE, PRODUTOR, CONSTRUTOR e IMPORTADOR. A solidariedade se dá somente entre as pessoas expressamente elencadas no caput do art. [12] do CDC. Vejamos:
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
No que se refere ao COMERCIANTE, sua responsabilidade, em princípio, será condicionada à ocorrência de situações específicas, pois esse sujeito específico não consta do rol do art. 12, como visto. Sua responsabilidade por fato do produto e do serviço está no art. 13. Confiram:
Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:
I – o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;
II – o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;
III – não conservar adequadamente os produtos perecíveis.
Sendo assim, somente na ocorrência das hipóteses descritas nos incisos I e II, do art. 13, é que o comerciante será solidariamente responsável. No caso do inciso III, o comerciante será o único responsável, já que os sujeitos do art. 12 em nada terão contribuído para a causação do dano.
Passando à responsabilidade por vício, que é o caso tratado no julgado em comento, note-se que o legislador consumerista utiliza tão somente o vocábulo FORNECEDORES, no caput do art. [18] do CDC, e dispositivos subsequentes.
Assim, o que deve ser considerado é: em se tratando de vícios, todos os fornecedores (inclusive o comerciante) responderão solidariamente, já que o código não faz qualquer diferenciação entre fornecedores nessa situação. Daí a conclusão da 4ª Turma do STJ, no sentido de se condenar tanto o fabricante do veículo quanto a concessionária.
Finalmente, em relação aos danos morais, o colegiado relevou o fato de o veículo ter frequentado a oficina mecânica por mais de um ano, mormente por se tratar, à época, de um veículo novo. Ou seja, quem adquire um carro zero quilômetro nutre a legítima expectativa de usar o bem sem maiores transtornos, tendo em vista tratar-se de um produto durável, de elevado tempo de vida útil.
É de se concordar que passar mais de um ano levando um automóvel novo à oficina mecânica extrapola as raias da razoabilidade, não havendo que se falar em mero aborrecimento ou transtorno normal do dia a dia. Nesse contexto, vem ganhando relevo na doutrina e na jurisprudência a tese dos danos morais pela perda do tempo útil ou livre. Em suma, os defensores dessa corrente de pensamento argumentam que não se afigura razoável exigir do consumidor que perca um tempo precioso para solucionar questões corriqueiras ao mesmo tempo há outros afazeres e problemas mais sérios a solucionar no decorrer do dia. Sobre o tema, o desembargador pernambucano Jones Figueiredo Alves, ao proferir voto/vista na Apelação Cível nº 230521-7, julgada pela 4ª Câmara Cível do TJPE, destacou em sua decisão:
“A visão eclesiástica do tempo diz-nos que tudo tem o seu tempo determinado e há tempo para todo propósito debaixo do céu: há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de chorar e tempo de rir; tempo de abraçar e tempo de afastar-se; tempo de amar e tempo de aborrecer; tempo de guerra e tempo de paz.
(..)
A questão é de extrema gravidade e não se pode admiti-la, por retóricas de tolerância ou de condescendência, que sejam os transtornos do cotidiano que nos submetam a esse vilipêndio de tempo subtraído de vida, em face de uma sociedade tecnológica e massificada, impessoal e disforme, onde nela as pessoas possam perder a sua própria individualidade, consideradas que se tornem apenas em usuários numerados em bancos informatizados de dados”.
Por sua vez, eis a lição de Leonardo de Medeiros Garcia:
“Outra forma interessante de indenização por dano moral que tem sido admitida pela jurisprudência é a indenização pela perda do tempo livre do consumidor. Muitas situações do cotidiano nos trazem a sensação de perda de tempo: o tempo em que ficamos “presos” no trânsito; o tempo para cancelar a contratação que não mais nos interessa; o tempo para cancelar a cobrança indevida do cartão de crédito; a espera de atendimento em consultórios médicos etc. A maioria dessas situações, desde que não cause outros danos, deve ser tolerada, uma vez que faz parte da vida em sociedade. Ao contrário, a indenização pela perda do tempo livre trata de situações intoleráveis, em que há desídia e desrespeito aos consumidores, que muitas vezes se veem compelidos a sair de sua rotina e perder o tempo livre para soluciona problemas causados por atos ilícitos ou condutas abusivas dos fornecedores. Tais situações fogem do que usualmente se aceita como “normal”, em se tratando de espera por parte do consumidor. São aqueles famosos casos de call center e em que se espera durante 30 minutos ou mais, sendo transferido de um atendente para o outro. Nesses casos, percebe-se claramente o desrespeito ao consumidor, que é prontamente atendido quando da contratação, mas, quando busca o atendimento para resolver qualquer impasse, é obrigado, injustificadamente, a perder seu tempo livre.
Adverte o Des. Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que ‘no plano dos direitos não patrimoniais, porém, ainda há grande resistência em admitir que a perda o tempo em si possa caracterizar dano moral. Esquece-se, entretanto, que o tempo, pela sua escassez, é um bem precioso para o indivíduo, tendo um valor que extrapola sua dimensão econômica. A menor fração de tempo perdido em nossas vidas constitui um bem irrecuperável. Por isso, afigura-se razoável que a perda desse bem, ainda que não implique prejuízo econômico ou material, dá ensejo a uma indenização. A ampliação do conceito de dano moral, para englobar situações nas quais um contratante se vê obrigado a perder seu tempo livre em razão da conduta abusiva do outro, não deve ser vista como um sinal de uma sociedade que não está disposta a suportar abusos’”. (Op. Cit.)
Não obstante, o órgão julgador houve por bem reduzir o montante atribuído às partes a título de indenização pelos danos morais reconhecidos, por considerá-lo exorbitante. De fato, é matéria que se restringe ao prudente arbítrio do julgador, e que deve considerar o duplo aspecto da indenização por danos morais: (i) reparatório para a vítima e (ii) pedagógico para o ofensor, de modo que seja desestimulado a agir da mesma forma.