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Pós-positivismo 3: A versão hermenêutica de Streck

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Agenda 11/04/2014 às 11:11

O trabalho aborda as características da proposição pós-positivista de Streck, com relação às quatro plataformas centrais da Teoria do Direito.

Resumo: O referente deste texto consiste em apresentar as contribuições de Lenio Luiz Streck quanto à proposição de uma nova matriz disciplinar para Ciência Jurídica, para superação dos modelos juspositivistas de Norma, Ordenamento, Fontes e Decisão Judicial.

ABSTRACT: The main theme of this text is to present the contributions of Lenio Luiz Streck for the development of a new paradigm for Legal Science, concerning it's four basics structures, that are the theses of Norms, Legal System, Sources and Judicial Decision.

PALAVRAS CHAVES - KEYWORDS: Pós-positivismo – Post-positivism; Teoria do Direito – Legal Theory; Ciência Jurídica – Legal Science

Sumário: INTRODUÇÃO. 1. Considerações propedêuticas. 2. Características do Pós-positivismo hermenêutico. CONCLUSÕES. REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

Pode-se afirmar que o Positivismo Jurídico, como paradigma central da Ciência Jurídica, vem sofrendo severas críticas, ao ponto de desvelar a instalação de uma crise de tal modelo disciplinar.

O assunto foi inicialmente abordado em uma tríade de artigos anteriormente publicados, consistente nos textos A Revolução na Teoria do Direito, A Centralidade Material da Constituição e A Complexidade da Norma Jurídica, nos quais se analisaram os modelos juspositivistas de Hans Kelsen e de Herbert Lionel Adolphus Hart e se apresentaram as principais críticas aos seus postulados mais elementares, de modo a ilustrar a crise paradigmática, tanto no cenário do Direito legislado (civil law ou code based legal system) como também no padrão consuetudinário (common law ou judge made law).

Posteriormente, foram elaborados dois textos tratando especificamente das principais características centrais do Juspositivismo (Positivismo Jurídico 1 características centrais) e das respectivas críticas (Positivismo Jurídico 2: crítica às características centrais), os quais esmiuçaram os pontos em que tal modelo paradigmático demanda superação. Na oportunidade, restou assentado que o modelo juspositivista demanda retificação quanto a todos os seus cinco elementos típicos, consistentes na separação entre Direito e Moral, na formação do Ordenamento Jurídico exclusivamente (ou prevalecentemente) por Regras positivadas, na construção de um sistema jurídico escalonado só pelo critério de validade formal, na aplicação do Direito posto mediante subsunção e na discricionariedade judicial (judicial discretion ou interstitial legislation) para resolução dos chamados casos difíceis (hard cases).

Prosseguindo em tal linha de pesquisa, propõe-se este novo conjunto de quatro artigos científicos, destinados à apreciação das contribuições mais difundidas no cenário brasileiro para superação paradigmática do Positivismo Jurídico, consistentes nas propostas procedimentalista de Robert Alexy (1), substancialistas de Ronald Myles Dworkin (2) e Lenio Luiz Streck (3) e, ainda, pragmática de Richard Allen Posner (4). Cada um dos textos se dedicará à exposição das contribuições dos referidos autores no tocante às quatro plataformas elementares da Teoria do Direito, consistentes nas teses da Norma, do Ordenamento, das Fontes e da Decisão Judicial.

Outrossim, o referente deste terceiro texto do total de quatro consiste em apresentar as contribuições de Lenio Luiz Streck quanto à proposição de uma nova matriz disciplinar para Ciência Jurídica, para superação dos modelos juspositivistas de Norma, Ordenamento, Fontes e Decisão Judicial.

Assim, na primeira seção, serão traçadas algumas considerações preliminares acerca dos estudos do autor. Na segunda parte, mais substancial, efetua-se a apresentação das principais características da teoria de Streck, com vistas ao esclarecimento das peculiaridades que identificam esta proposição de base disciplinar, nos aspectos mais importantes para o cientista jurídico. Em sede de conclusão, por fim, serão sintetizadas as contribuições do autor quanto às teorias da Norma, do Ordenamento, das Fonte se da Decisão.

Quanto à metodologia empregada, registra-se que, na fase de investigação foi utilizado o método indutivo, na fase de tratamento de dados o cartesiano, e, o texto final foi composto na base lógica dedutiva. Nas diversas fases da pesquisa, foram acionadas as técnicas do referente, da categoria, do conceito operacional e da pesquisa bibliográfica2. Ademais, é muito importante destacar que as menções ao modelo juspositivista partem da análise previamente elaborada acerca das proposições teoréticas de Kelsen e de Hart, exposta nos textos antes mencionados nesta Introdução.


1. Considerações propedêuticas

Lenio Luiz Streck, professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), propôs a substituição do Paradigma do Positivismo Jurídico por um modelo construído mediante a articulação das teorias de Martin Heidegger, Hans-Georg Gadamer e Ronald Myles Dworkin, designado de “Crítica Hermenêutica do Direito (Nova Crítica do Direito)”3.

Embora a proposição de Streck esteja lastrada na obra dos autores antes indicados, a sua escolha é estratégica para o presente trabalho, haja vista que agrega relevante conteúdo filosófico acerca da interpretação jurídica, contempla significativas críticas sobre a atividade jurisdicional, traz um modelo específico de Norma Jurídica e, além disto, apresenta elementos teóricos especificamente direcionados ao contexto brasileiro (terrae brasilis, em expressão frequentemente utilizada pelo autor).

O núcleo do pensamento do autor a respeito das teorias da Norma, das Fontes, do Ordenamento Jurídico e da Decisão pode ser extraído principalmente do livro Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: Uma Exploração Hermenêutica da Construção do Direito4, do texto O Que É Isto – Decido Conforme Minha Consciência5 e da obra Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas6, bem como de alguns artigos colhidos entre os vários que já publicou. Na sequência, serão tratados os pontos da sua proposição teórica que interessam para o referente do presente trabalho.


2. Características do Pós-positivismo hermenêutico

Feitas estas considerações preliminares, dentre as características da proposição pós-positivista em tela, primeiro, cabe destacar que os estudos jurídicos de Streck conferem importância central à crise paradigmática ocorrida na filosofia da linguagem, que implicou a superação da metafísica baseada na relação sujeito-objeto pela hermenêutica cunhada sob a perspectiva sujeito-sujeito, através da viragem, reviravolta ou giro de cunho linguístico (linguistic turn) ou, ainda, ontológico (ontological turn).

Em uma brevíssima síntese cronológica, inicialmente, a filosofia estava firmada no pressuposto de que o conhecimento poderia ser adquirido pela pessoa cognoscente mediante a análise das coisas existentes na realidade fática, ou seja, que a produção do saber se estabelecia mediante uma relação entre o subjeito e o objeto. Sob esta perspectiva, as coisas possuiriam uma essência específica, a ser examinada pela pessoa cognoscente, para descoberta de suas qualidades naturais intrínsecas. A linguagem, nesta forma de compreensão do mundo, seria apenas um meio para o sujeito expressar seu conhecimento acerca do objeto, ou seja, somente um instrumento para designação de entidades ou transmissão de ideias. Tal proposição teórica acerca do conhecimento filosófico é classificada pelo autor como afinada com a metafísica clássica7.

Em uma fase posterior da teoria do conhecimento, a relação entre o sujeito e o objeto foi modificada, no sentido de conferir prevalência ao primeiro (sujeito), pois sua vontade pessoal atribuiria determinadas características e contornos especiais ao entendimento do segundo (objeto). Nesta nova época, firmou-se o entendimento de que o sujeito cognoscente influenciaria determinantemente os sentidos conferidos ao objeto cognoscível, transportando, ainda que conscientemente, aspectos pessoais para sua leitura da realidade. Trata-se da fase do solipsismo, em que as experiências individuais fixam os significados das coisas, através da imposição da vontade do intérprete sobre elas. Em outros termos, o sujeito solipsista (Selbstsüchtiger) é que determina o sentido do objeto conforme sua livre consciência (subjetividade assujeitadora das coisas). Para o autor, esta modificação da versão anterior é atrelada à metafísica moderna e à filosofia da consciência8.

Todavia, posteriormente, ocorre uma mudança paradigmática na teoria do conhecimento, que o autor chama de viragem, reviravolta ou giro linguístico (linguistic turn), segundo o qual a linguagem deixa de ser compreendida como um meio relacional entre o sujeito e o objeto, tornando-se a própria condição de possibilidade para a compreensão da realidade. Então, opera-se o rompimento com o modelo da filosofia da consciência, o qual é superado pela filosofia da linguagem9.

Nessa nova fase, a linguagem é entendida não mais como mero instrumento que se interpõe entre a pessoa e a coisa, mas sim como o único meio de compreensão da realidade, com a função de constituição do conhecimento de forma intersubjetiva10. Assim, nesta linha de raciocínio, a relação de compreensão deixa de ocorrer entre o conhecedor e o conhecido (sujeito-objeto), passando a consubstanciar a construção de saberes entre pessoas cognoscentes (sujeito-sujeito)11.

A linguagem passa a ser a totalidade da existência, ou seja, a única forma de acesso ao mundo, haja vista que somente é possível compreender e agir através dela e inserido nela. O conhecimento da realidade somente ocorre onde existem signos linguísticos, de modo que apenas há coisas quando se encontram palavras para designá-las. Enquanto não se estabelecem termos ou expressões para aferição de uma determinada coisa, esta reside fora da linguagem e, consequentemente, não existe no mundo: a linguagem é a casa do ser12.

Todavia, obviamente isto não significa que a linguagem é a criadora do mundo, haja vista que a realidade pode existir independentemente dos signos linguísticos e da própria sobrevivência de seres racionais. É a compreensão da faticidade, ou seja, o entendimento acerca da pertinência ao mundo que depende da linguagem, sem a qual não existe qualquer possibilidade de raciocínios acerca da realidade13.

Para o autor em análise, tal invasão da linguagem provocou uma revolução “copernicana” na filosofia, com efeitos reflexos determinantes sobre a Ciência do Direito. Todavia, a dogmática jurídica ainda não teria incorporado tais inovações, permanecendo refém da filosofia da consciência (e da relação sujeito-objeto), de modo a inviabilizar o seu aprimoramento segundo o novo Paradigma da filosofia da linguagem, conforme assinalado pela Crítica Hermenêutica do Direito (Nova Crítica do Direito)14.

Segundo, cabe destacar a intenção de Streck em construir um pós-positivismo de matriz hermenêutico-fenomenológica, cuja base filosófica reside nos legados de Martin Heidegger e de Hans-Georg Gadamer15. Embora a proposta do presente texto não contemple o aprofundamento das explicações acerca de todas as complexas peculiaridades de sua leitura da filosofia hermenêutica de Heiddeger e da hermenêutica filosófica de Gadamer, cabe acentuar as linhas gerais da viragem na filosofia da linguagem (linguistic turn) que influenciam determinantemente a proposição pós-positivista sob foco.

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A um, reitera-se o entendimento do pensador em análise quanto à necessidade da dogmática jurídica superar o esquema sujeito-objeto inerente à metafísica moderna, passando da subjetividade assujeitadora das coisas (filosofia da consciência) para relação de intersubjetividade, mediante a compreensão da linguagem como condição de possibilidade para construção do conhecimento, não mero instrumento que se interpõe entre a pessoa cognoscente e o objeto cognoscível16.

A dois, ressalta-se a negação de um método explicativo do fenômeno de compreensão, justamente porque este chegaria tarde, quando já inaugurado o processo de conhecimento17. Ou seja, o sujeito não escolhe um método (ou vários) para interpretar, haja vista que a exposição ao mundo já lhe confere sentidos de forma imediata, de acordo com sua compreensão prévia acumulada (pré-compreensão)18.

Sob esta perspectiva, não tem sentido a discussão da hermenêutica jurídica clássica quanto à escolha do método mais adequado para reconstrução do sentido dos textos normativos. Isto porque os cânones não serviriam como critérios para orientar o intérprete, mas sim como meros argumentos de justificação para a Decisão adotada, sendo que mesmo para tanto sua utilidade é duvidosa, haja vista não existir um parâmetro seguro para escolha daquele que é mais adequado19. Assim, a opção pelos métodos gramatical, teleológico (ou finalístico), da vontade do legislador, histórico ou sistemático, dentre eventuais outros, reflete apenas um critério de justificação carente de mecanismos de controle.

Sem embargo, a aplicação das Normas Jurídicas é independente da opção por um ou outro cânone interpretativo, servindo este apenas como forma de justificar a deliberação. Consequentemente, seja qual for o método empregado, a fiscalização acerca da correção da Decisão resta prejudicada pela ausência de um critério definitivo (Grundmethode) para certificar se a opção adotada pelo intérprete foi efetivamente a mais acertada20.

A três, destaca-se a negação da possibilidade de divisão do processo interpretativo em fases, sob o argumento de que a compreensão ocorre mediante uma fusão entre os horizontes (ou pontos de vista históricos) do intérprete e da mensagem escrita ou verbal21.

Notadamente, o intérprete está inserido no mundo através da linguagem e, nesta condição, possui uma carga de conhecimentos previamente adquiridos (pré-juízos22), ou seja, um horizonte de compreensão já estabelecido. Igualmente, um texto (a exemplo dos enunciados legais) foi constituído em determinado momento histórico com determinados signos linguísticos e, assim, também ostenta um horizonte de significados, que dizem algo ao leitor23. Outrossim, tanto o intérprete como o texto já carregam uma carga linguística prévia, porquanto não existe o “grau zero” de significados, ou seja, não há uma tábula rasa ou um quadro em branco isentos de qualquer interferência anterior24. Então, através da leitura do texto ou da oitiva do outro, firma-se uma tensão entre os espectros de compreensão do intérprete e do texto (ou do interlocutor), na medida em que ambos se condicionam mutuamente, de modo que o resultado da interpretação não é a reprodução de um sentido já existente (Auslegung), mas sim a atribuição de um novo significado (Sinngebung), caracterizado justamente pela fusão de horizontes (Horizontverschmelzung)25.

Assim, dentro do quadro conceitual da fusão de horizontes não tem cabimento a divisão da cognição em uma sequência cronológica, partindo de compreender (subtilitas intelligendi), passando por interpretar (subtilitas explicandi) e, somente posteriormente, importando em aplicar (subtilitas applicandi)26. Isto porque a carga de compreensão é prévia ao início da interpretação e, com a fusão de horizontes (do intérprete e da mensagem), o resultado é automaticamente uma aplicação (applicatio), pois ocorre uma nova atribuição de sentido. Consequentemente, é impossível a busca do significado de um texto ou de uma comunicação verbal sem qualquer interferência do intérprete, haja vista que sua compreensão prévia certamente conformará o resultado da interpretação, acarretando a atribuição de novo significado ao conteúdo que lhe é apresentado. Nesta trilha lógica, interpretar é sempre aplicar27.

Entretanto, a admissão de que toda interpretação resulta na atribuição de novo sentido não implica total liberdade ao intérprete, para conferir qualquer significado à comunicação escrita ou verbal que lhe é apresentada. Isto porque, primeiro, o sujeito cognoscente está inserido no mundo através da linguagem e, nesta condição, possuí uma carga de compreensão prévia que lhe é fornecida por sua exposição à tradição, entendida esta como um acervo de conhecimentos e significados existentes no mundo (senso comum teórico)28. Conforme já mencionado anteriormente, não existe um “grau zero” de significados, ou seja, existe um fluxo de conhecimentos transmitidos intersubjetivamente prévio aos intérpretes29. Logo, a autoridade da tradição circunscreve limites à interpretação, dos quais o intérprete não pode destoar sem que sejam apresentadas fortes justificativas racionais para tanto30. E, segundo, além disto, é importante consignar que o hermeneuta tem de levar o texto ou a mensagem a sério, ou seja, deve permitir que o conteúdo apresentado lhe diga algo, de modo a condicionar e limitar a amplitude da sua cognição31. Portanto, a autoridade da tradição e o teor do texto ou mensagem impõem lindes à atividade interpretativa, delimitando as possibilidades de atribuição de significados, de modo a evitar inconsistências.

O autor ressalta que tal estrutura da cognição acarreta reflexos na Ciência Jurídica, haja vista ensejar o entendimento de que a interpretação dos conteúdos jurídicos sempre resulta em uma nova fixação de significado, ou seja, na construção de uma nova solução para os casos que se apresentam na faticidade32. A dificuldade reside em o intérprete conseguir executar a tarefa de suspender seus pré-juízos pessoais, com a finalidade de absorver o teor dos textos normativos (levando os textos a sério) e, assim, atribuir-lhes um sentido adequado33. Para atingir tal desiderato, o operador jurídico precisa superar os pré-juízos inautênticos, derivados de uma tradição dogmática juspositivista ultrapassada atualmente vigente, e se guiar pela antecipação de sentido conferida pelos pré-juízos autênticos, proporcionados pela tradição34. Com efeito, “a condição suprema da hermenêutica é a exigência da suspensão por completo dos próprios pré-juízos”35.

A quatro, Streck acentua a importância do círculo hermenêutico (hermeneutische Zirkel), em que as partes são compreendidas pelo todo e vice-versa, a partir de uma pré-compreensão (Vorveständnis) estruturante.

O círculo hermenêutico é uma metáfora que representa o movimento de compreensão estabelecido entre o intérprete e o texto (ou a comunicação verbalizada), sem consubstanciar um método. A dinâmica circular se estabelece entre os pré-juízos trazidos pelo intérprete e o conteúdo da mensagem a ser conhecida, de modo que a atribuição de sentido ocorre mediante o influxo alternado e interdependente das partes (palavras, orações e frases) e do todo (conjunto do texto). Segundo a lógica do círculo hermenêutico, somente é possível compreender as partes através do todo, bem como a totalidade apenas pode ser interpretada pela significação das respectivas parcelas, mediante o fluxo circular balizado pelos pré-juízos portados pelo intérprete36.

Abaixo, encontra-se colacionada uma representação gráfica do círculo hermenêutico37:

Portanto, o hermeneuta se insere no mundo da linguagem através do círculo hermenêutico, cuja dinâmica envolve o cotejo entre os pré-juízos trazidos na sua bagagem e os conteúdos parcial e total da mensagem, com vistas a permitir a atribuição de sentido.

E, a cinco, o autor assinala a importância da questão filosófica acerca da diferença ontológica (ontologische Differenz), ou seja, da discrepância entre ser (Sein) e ente (Seiende), como peculiaridade essencial para preservar a ciência da objetivação (entificação) pretendida pela metafísica38.

Nesse ponto em particular, Streck ressalta que “o conceito de ser é o mais universal e o mais vazio dos conceitos, resistindo a toda tentativa de definição”, mormente porque “não se pode derivar o ser no sentido de uma definição a partir dos conceitos superiores nem explicá-lo através de conceitos inferiores”39. Entretanto, o autor se fundamenta na construção filosófica de Heidegger para esclarecer a diferença entre o ser (ontológico) e o ente (ôntico) e, posteriormente, explicar os efeitos disto na hermenêutica jurídica.

Segundo o autor, o ser é a revelação ou apresentação da coisa. Para que o ser se manifeste, contudo, é necessário um espaço vazio, ou seja, uma clareira. O ser humano consubstancia tal clareira ou abertura onde ocorre o desvelamento do ser (Unverborgenheit) e, assim, ostenta a condição de compreender os entes. O ente por si só é inacessível, somente se manifestando no seu ser. Logo, ambos estão interligados, na medida que o ente somente se faz presente no seu ser e vice versa40.

Para expressar tal ideia, Heidegger cunhou a palavra alemã Dasein, que pode ser traduzida como ser-aí, estar-aí ou ser-no-mundo, justamente para designar a prerrogativa humana de perceber o ser dos entes, ou seja, para constatar a presença das coisas41.

Streck transporta tal entendimento para Ciência Jurídica, argumentando que existe a diferença ontológica entre textos e Normas. Segundo ele, a Norma “é o sentido do ser do ente (texto)”42. Sob esta ótica, a Norma Jurídica não é uma “capa de sentido” a ser acoplada a um texto, mas sim uma faceta inseparável dele, de modo que um não pode existir no mundo isoladamente do outro43. Outrossim, “não se interpreta o texto [isoladamente], mas o texto em sua historicidade e faticidade, que vai constituir a 'norma'. Norma é, assim, o texto aplicado/concretizado”44.

Importa assinalar que todas estas considerações acerca da hermenêutica, antes delineadas, norteiam a proposta pós-positivista do autor sob foco, merecendo especial consideração para o entendimento de sua teoria do Direito.

Terceiro, importa pontuar que Streck classifica sua proposta pós-positivista como vinculada à corrente substancialista, sob o viés do “Constitucionalismo Contemporâneo”45, principalmente porque construída mediante uma convergência entre os conteúdos teóricos extraídos das obras de Heidegger e Gadamer com as teses desenvolvidas por Dworkin.

Para o jurista em comento, a sua proposição substancialista objetiva a consecução material dos postulados fundamentais do Ordenamento Jurídico46. A função de tal postura materialista é transformar a Sociedade, dentro dos quadros principiológicos da Constituição47. Outra característica marcante consiste no controle da correção material da aplicação jurídica no nível subjacente da compreensão, ou seja, em profundidade gnoseológica (racionalidade 1)48.

De outro lado, a corrente procedimentalista está preocupada com o estabelecimento de procedimentos e Regras para assegurar a legitimidade apenas formal da construção normativa, ou seja, desenvolve-se em um plano superficial, secundário e posterior de racionalidade (racionalidade 2)49.

Assim, a hermenêutica jurídica é preferencial e antecedente em face de quaisquer proposições argumentativas e discursivas, haja vista que se encontra no patamar da compreensão, enquanto aquelas se situam na posterior etapa de mera justificação daquilo que foi previamente compreendido. Sob esta ótica, a corrente procedimentalista estaria relegada a uma utilidade meramente ornamental ou decorativa, haja vista que o nível de profundidade pertence aos domínios da hermenêutica50.

Para Streck, “a hermenêutica não quer corrigir ou substituir qualquer teoria epistemo-procedimental”, ou seja, “não proíbe que se faça essa justificação/explicitação de forma procedural”, porém, “não concorda com a eliminação do primeiro passo na compreensão, que é exatamente o elemento hermenêutico”51. A “filosofia hermenêutica, longe de negar qualquer aspecto da legitimidade da argumentação (ou de qualquer teoria discursiva), quer abrir o espaço em que todo o argumentar é possível”52. Outrossim, “o procedimento implica um puro espaço lógico, uma troca de argumentos. Só que cada um já vem de um lugar de compreensão, que é a pré-compreensão”53.

Daí que uma relevante dissimilitude entre as duas linhas pós-positivistas reside no controle da interpretação (sindicabilidade da construção de sentido das Normas Jurídicas e da fundamentação das Decisões Judiciais), porquanto a hermenêutica trabalharia em uma dimensão prévia, calcada na justificação do mundo prático, enquanto as teorias discursivas e argumentativas se contentariam com uma legitimação de segundo nível, meramente procedimental54.

Tal diferença de abordagem, segundo o autor, seria tão profunda ao ponto de situar as vertentes substancialista e procedimentalista em Paradigmas distintos55, de modo a restar inviável a tentativa do sincretismo de ambas, mediante o aproveitamento apenas de algumas partes de cada uma, para construção de uma proposta mista56.

Quarto, importa consignar o entendimento de Streck no sentido de que deve haver uma majoração da autonomia do Direito, de modo a blindá-lo em face das demais dimensões com ele intercambiáveis, a exemplo da Moral, da política e da economia57. Segundo o autor, embora o conteúdo jurídico seja engendrado por outras áreas, a exemplo daquelas antes mencionadas, é necessário protegê-lo contra intromissões indevidas, que possam resultar em deliberações legislativas e judiciais meramente contingenciais, contrárias ao núcleo conformador do Estado Democrático de Direito58.

Quinto, importa destacar que, consoante a proposta pós-positivista de Streck, a Norma Jurídica consiste no resultado da atribuição de sentido a um Texto Normativo, para fins de responder a um problema consubstanciado num caso concreto surgido na faticidade, mediante a articulação entre Regra(s) e Princípio(s).

Para escorreita compreensão da teoria normativa em exame é necessária a apreciação pormenorizada de cada uma das três partes do conceito exposto no parágrafo anterior, sob a ótica da explanação anteriormente efetuada quanto aos caracteres principais da hermenêutica, mormente o círculo hermenêutico e a diferença ontológica.

A um, a Norma Jurídica resulta da atribuição de sentido a um Texto Normativo, mediante o influxo dos pré-juízos do intérprete e sob a autoridade da tradição59.

O autor destaca que cada interpretação de um texto produz uma nova Norma, em razão da ambiguidade da linguagem e da temporalidade da tradição. Com efeito, por um lado, as palavras são imprecisas e equívocas e, por isto, frustram as pretensões metafísicas de atingimento de exatidão de sentidos (ambiguidade)60. E, de outro, a tradição é determinada pelo fluxo de construção do conhecimento em cada momento histórico, ensejando a provisoriedade dos significados (temporalidade)61. Daí que, por conta da ambiguidade e da temporalidade, cada ação interpretativa vai resultar em uma nova e irrepetível atribuição de sentido a um dado texto normativo62. O ato de interpretar é especulativo e não são concebíveis significados que permaneçam imutáveis ao infinito63.

Todavia, mesmo diante dos incontornáveis efeitos da ambiguidade e da temporalidade, Streck defende que o círculo hermenêutico e, principalmente, a diferença ontológica funcionam como blindagem contra relativismos interpretativos, prevenindo a discricionariedade típica do Positivismo Jurídico64. Sem embargo, assim como ser (Sein) e ente (Seiende) são distintos e interligados, também a Norma e o texto se encontram em uma estreita relação de interdependência, de modo que um não pode existir autonomamente sem o outro65. Justamente por isto, o intérprete deve assimilar o texto como um evento e, assim, permitir que seu teor lhe diga algo, sem pretender impor sua vontade subjetiva sobre ele, com a intenção arbitrária de dizer “qualquer coisa sobre qualquer coisa”66. O hermeneuta deve levar o texto a sério67.

A dois, cabe referir que a Norma Jurídica não existe anteriormente ao caso concreto, pois é somente a partir da efetiva ocorrência do fenômeno na faticidade que será possível a atribuição de sentido. Assim, a construção normativa é a constituição de uma resposta adequada para uma pergunta concreta, surgida em um determinado contexto histórico.

Consoante Streck, “não pode haver um conceito de norma que seja prévio e anterior ao caso a ser decidido”68. Neste sentido, “a norma e, máxime, a normatividade do direito emerge da conflituosidade própria do caso”69, haja vista que não existem respostas (Normas) antes das perguntas (casos), ou seja, “não há respostas/interpretações (portanto, aplicações) antes da diferença ontológica ou, dizendo de outro modo, antes da manifestação do caso decidendo”70.

Logo, a Norma Jurídica somente se realiza na interpretação/aplicação, justamente por representar a resposta para uma pergunta prévia, representada pelo caso concreto.

E, a três, a Norma Jurídica é construída mediante a articulação entre Regra(s) e Princípio(s), com a finalidade de resolver adequadamente um determinado problema emergente na faticidade.

Para o autor, as Regras e os Princípios possuem caráter deontológico, porém, isoladamente não se prestam para a adequada resolução das controvérsias jurídicas surgidas no tecido social. As Regras resultam da leitura dos textos normativos, de modo a compartilharem da porosidade e da ambiguidade inerentes aos signos linguísticos, razão pela qual escondem os significados. De outro lado, os Princípios consubstanciam a institucionalização do mundo prático no Direito e, consequentemente, determinam direcionamentos ao intérprete71. Quando devidamente articulados tais elementos, a porosidade das Regras é atravessada pelos vetores materiais dos Princípios, de modo a fechar a interpretação e, assim, produzir a Norma Jurídica que resolve o caso concreto.

Assim, a produção normativa demanda a incidência cumulativa de Regras e de Princípios, ou seja, “a regra não está despojada do princípio” e “o princípio só se 'realiza' a partir de uma regra”, de modo que “não há princípio sem (alg)uma regra” e “por trás de uma regra necessariamente haverá (alg)um princípio”72. A Norma Jurídica é, então, “o produto da interpretação da regra jurídica realizada a partir da materialidade principiológica”73.

Portanto, de acordo com o modelo normativo em tela, diante uma situação concreta (pergunta), o intérprete encontra no Ordenamento Jurídico uma Regra para resolução da controvérsia, a qual será conformada de acordo com os Princípios correlatos para, a partir desta articulação, extrair a Norma (resposta).

Sexto, considerando as características acima alinhavadas, forçoso reconhecer que Streck discorda das propostas de explicação estrutural e semântica da Norma Jurídica, como gênero do qual as Regras e os Princípios são espécies, cabendo sejam tecidas quatro considerações para o entendimento desta rejeição.

A um, o autor em foco aduz que “norma é um conceito interpretativo e não um conceito semântico”74. Daí uma destacada objeção ao conceito semântico de Norma Jurídica adotado por Robert Alexy.

A dois, apresenta contundente discordância com a tese da diferenciação forte entre Regras e Princípios, elaborada com base em supostas discrepâncias estruturais, porquanto sustenta ser inviável uma identificação da modalidade normativa em abstrato, haja vista que “não há um conceito a priori de norma que determina antecipadamente o que são princípios e o que são regras”75. Também em suas palavras, “regras e princípios não se distinguem 'logicamente', o que nos levaria a uma pré-linguisticidade”76. Notadamente, consoante o modelo normativo sob foco, antes explicitado, a separação forte entre Regras e Princípios é inviável antes da fase da concretização, porquanto a Norma Jurídica somente vai se revelar na fase de interpretação/aplicação.

A três, o autor critica com veemência o entendimento de que a aplicação das Regras prossegue ainda por subsunção e a dos Princípios opera-se por ponderação, pois tal bifurcação funcional representa uma mera continuação do Positivismo Jurídico, mormente porque não supera a discricionariedade judicial, ainda que a manifeste sob outra roupagem, de um “pós-positivismo de continuidade”77.

Especificamente quanto à subsunção, como método de dedução do geral ao particular mediante silogismos lógicos78, esta não encontra aceitação na matriz disciplinar da hermenêutica filosófica, segundo a qual a interpretação/aplicação ocorre mediante uma fusão de horizontes balizada pela autoridade da tradição, com lastro no círculo hermenêutico e na diferença ontológica79. Notadamente, a simples transposição do comando geral, representado pela Regra Jurídica, ao caso particular, consubstanciado na situação concreta, implicaria uma quebra metafísica da diferença ontológica existente entre Texto Normativo e Norma, em total dissonância com o modelo hermenêutico80.

Quanto à ponderação, de outro lado, Streck adverte que “repristina a velha discricionariedade positivista”, acarretando inegável protagonismo judicial, ao facultar ao magistrado a possibilidade de optar pelos contornos da Norma aplicável ao caso, ainda que de acordo com um método explicativo81.

Consequentemente, no modelo normativo em tela, não há aplicação mediante subsunção nem ponderação, mas sim de acordo com a articulação de Regras e Princípios, no sentido de produzir a Norma Jurídica que vai disciplinar a solução adequada ao caso concreto, conforme já examinado acima.

E, a quatro, como decorrência de tal opção teórica pela inexistência da bifurcação estrutural entre Regras aplicadas por subsunção e Princípios interpretados por ponderação, Streck nega a cisão entre casos fáceis e difíceis. Para ele, tal classificação não merece aceitação teórica, porquanto se trata de mera percepção do intérprete, com relação a maior ou menor dificuldade em examinar determinado caso concreto, de acordo com a sua bagagem de conhecimento (pré-compreensão). Logo, não existem easy cases (ou clear cases) e hard cases por si só, mas sim de acordo com a opinião subjetiva do intérprete82.

Sétimo, não é ocioso acentuar três considerações específicas quanto à natureza dos Princípios Jurídicos e à sua aplicação.

A uma, importa asseverar que, nos termos da proposição teórica em análise, os Princípios não são valores, ou seja, não possuem um caráter axiológico, mas sim força deontológica, na medida em que condicionam a experiência jurídica e conferem legitimidade à normatividade83. Logo, o Princípio é o standart que permite a reconstrução da história institucional do Direito e, assim, fundamenta e “existencializa” a Regra84.

A dois, os Princípios Jurídicos também não são cláusulas abertas, que permitem uma abertura interpretativa, ou seja, uma ampliação da margem de manobra do órgão aplicador Direito, de modo que ele possa aplicar a solução que entende, subjetivamente, como a mais interessante para resolver determinada controvérsia85.

Acaso assim fosse, poderiam ser simplesmente dispensadas todas as Regras elaboradas pelos legisladores democraticamente eleitos, porque os juízes poderiam usar a dita abertura principiológica para dar aos casos a solução que escolhessem, de maneira pragmática. A aceitação de que os Princípios possuem uma abertura semântica ampla implicaria um protagonismo judicial extremado, ao ponto de dispensar os Poderes Executivo e Legislativo, haja vista que ao magistrado se franquearia a possibilidade de decidir da forma que julgasse mais adequado. Nesta linha de raciocínio, a jurisdição assumiria uma força ilimitada, bastando invocar um Princípio para invalidar qualquer outro postulado, circunstância esta flagrantemente contrária ao Paradigma do Estado Constitucional Democrático.

Muito pelo contrário, Streck entende que os Princípios, como todos elementos que se inserem na construção da Norma, não servem como aberturas para tomada de Decisão, haja vista que este não é o fim do Direito. Com efeito, o estabelecimento de padrões de julgamento visa, em verdade, justamente limitar a atuação dos poderes públicos e disciplinar a conduta dos cidadãos, de modo a reger equilibradamente a vida social. Consequentemente, é sob a ótica de limites que todos os parâmetros de julgamento merecem ser encarados, haja vista que estabelecidos precisamente para estremar a interpretação, mediante o fechamento do complexo de elementos conformadores da Norma, de sorte a ampliar o grau de previsibilidade das deliberações jurisdicionais.

Por isto que, segundo a proposta em exame, os Princípios atravessam as Regras e, assim, acarretam a redução do leque de opções disponíveis ao intérprete, a limitação da amplitude de efeitos possíveis e o fechamento do espectro decisório, acabando por circunscrever o resultado da interpretação.

E, a três, os Princípios Jurídicos não são livres criações retóricas dos órgãos aplicadores do Direito, mas sim preceitos constantes do sistema normativo, suscetíveis de uma leitura moral. Daí a crítica de Streck ao que convencionou chamar de “panprincipiologismo”, consistente na criação pragmática e ad hoc de diversas orientações jurisprudenciais com carga deontológica, classificando-as indevidamente de Princípios86.

Segundo o escritor, não cabe à jurisdição, no momento de resolver determinado caso concreto, simplesmente criar ex post facto um suposto Princípio resolutivo. Nas suas palavras, “não é possível nomear qualquer coisa como princípio; não é possível inventar um princípio a cada momento, como se no direito não existisse uma história institucional a impulsionar a formação e identificação”87.

Ora, se Princípios possuem o caráter deontológico de conformar as Regras para produção de Normas, de acordo com a reconstrução histórica e institucional do Direito, não há como admitir que orientações ad hoc da Jurisprudência sejam consideradas Princípios, a exemplo dos argumentos da “não surpresa”, “da confiança”, “da afetividade” e “da proteção no direito do trabalho”, entre outros. Não se nega a importância de alguns destes adereços como relevantes para fundamentação de determinados casos, mas não se pode conferir-lhes o status de Princípios, justamente porque não fundamentam Regras, não representam a Moral intersubjetivamente compartilhada pela comunidade e tampouco se irradiam com força vinculante pela ordem jurídica.

Por isso que os pseudo postulados da “confiança do juiz da causa” e do “fato consumado”, já citados em acórdãos, por exemplo, não são Princípios. Ora, o Tribunal não está sujeito a uma Norma que o obriga a confiar no magistrado de primeiro grau, devendo reformar sua Decisão em caso de incorreção. E também a circunstância de algo estar consumado não implica que nenhuma solução corretiva ou restaurativa esteja vedada à jurisdição.

Portanto, se os Princípios são compreendidos como elementos normativos, não se pode livremente criar postulados nos moldes dos dois acima citados. É preciso recorrer à história institucional e à integridade do Direito para constatar qual é o Princípio efetivamente aplicável na espécie88.

Por derradeiro, oitavo, cabe referir que Streck adota a teoria da única resposta correta (the one right answer thesis), desenvolvida por Dworkin, com algumas adaptações, de modo a melhor adequá-la à sua Crítica Hermenêutica do Direito89.

Para o autor, o cidadão tem o direito fundamental à obtenção da resposta correta, entendida esta como aquela adequada à Constituição90. A admissão da possibilidade de múltiplas respostas para um mesmo caso concreto implicaria a aceitação da tese juspositivista da discricionariedade judicial, a qual é incompatível com as bases da hermenêutica filosófica91.

Segundo o autor, a discricionariedade é uma herança negativa deixada pelo Positivismo Jurídico92 e, portanto, merece ser superada, haja vista que “decidir não é sinônimo de escolher”93. No seu entender, “em regimes e sistemas jurídicos democráticos, não há (mais) espaço para que 'a convicção pessoal do juiz' seja o 'critério' para resolver as indeterminações da lei, enfim, 'os casos difíceis'”94. Outrossim, a Decisão judicial não pode estar baseada na consciência do órgão aplicador e tampouco no seu sentir pessoal acerca do significado da legislação, mas sim na observância do sentido do Direito “projetado pela comunidade jurídica”95.

O controle da discricionariedade, consoante a proposição pós-positivista em tela, ocorre através da autoridade da tradição, do círculo hermenêutico, da diferença ontológica (entre texto e Norma Jurídica) e da manutenção da integridade e da coerência do Direito96. Ou seja, diferentemente das proposições procedimentalistas, a teoria hermenêutica propõe a correção da Decisão no nível mais profundo da compreensão, não no patamar superficial da explicação e da argumentação97. Neste particular, cabe reiterar que as teorias argumentativas não podem se sobrepor à hermenêutica, justamente porque tratam do controle da Decisão somente no nível secundário da explicação do fenômeno, através de métodos regrados, com status meramente decorativo98.

Sobre o autor
Orlando Luiz Zanon Junior

juiz de Direito substituto em Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZANON JUNIOR, Orlando Luiz. Pós-positivismo 3: A versão hermenêutica de Streck. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3936, 11 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27618. Acesso em: 22 nov. 2024.

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