Resumo: O presente artigo tem por objetivo estudar o Sistema de Seguridade Social instituído pela Constituição Federal do Brasil de 1988, mormente a sua estrutura, princípios e objetivos norteadores das ações públicas. Os três pilares que compõem o sistema, em razão de sua importância enquanto política pública e pelas repercussões nas vidas dos cidadãos brasileiros, têm ganhado atenção especial tanto por parte dos governantes, quanto por setores da sociedade organizada. Nesse contexto, a necessidade de melhoria na Saúde, a necessidade de se equilibrar as contas da Previdência e a necessidade de aprimoramento das políticas Assistenciais, entre outras questões são expostas de forma crítica e reflexiva.
Palavras-chave: Seguridade. Social. Previdência. Saúde. Assistência.
1. INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988, fruto das forças políticas pós-regime militar, tem como características principais o reconhecimento e a ampliação de direitos individuais e sociais. No campo dos direitos sociais, inaugurou a Seguridade Social, com características próprias, onde aprimorou conceitos e princípios já adotados nos regimes anteriores, e criou alguns direitos com vistas à garantia dos Princípios Constitucionais da Igualdade e da Isonomia.
Neste contexto, uma visão panorâmica do Sistema de Seguridade Social evidencia que a sua criação é objeto do amadurecimento da sociedade e da própria visão de governo, que passou a reconhecer a importância do Sistema enquanto instrumento de proteção aos cidadãos, principalmente, os menos favorecidos, e ao trabalhador, seja ele vinculado à força de trabalho pública ou privada.
No entanto, a ânsia por criar e ampliar direitos sociais, mormente os direitos previdenciários, provocou desequilíbrios de ordem orçamentária, cujos ajustes foram iniciados com as Emendas Constitucionais 20/1998 e 41/2002, alterações que impactaram nos benefícios previdenciários do Regime Geral de Previdência Social e nos novos Regimes Próprios de Previdência Social dos Servidores Públicos. Algumas destas alterações ainda são discutidas judicialmente e vêm sendo amplamente debatidas na sociedade, com o intuito de suprimir algumas delas, sendo a mais divulgada pela mídia: a extinção do fator previdenciário.
A Seguridade Social assumiu incontestável importância para a sociedade brasileira uma vez que qualquer decisão, em nível governamental, no sentido de alterar o regime pode provocar reflexos geracionais e impactos sociais graves, principalmente nos municípios, cujas economias e finanças, em sua maioria, estão sustentadas nos repasses públicos de verbas Federais.
Sem a pretensão de esgotar o tema, o presente artigo busca estudar o Sistema de Seguridade Social numa visão ampla, destacando não só a sua atual configuração, como também, apontando pontos de fricção e questões polêmicas.
2. SEGURIDADE SOCIAL
Como já mencionado, a Constituição Cidadã em matéria de Seguridade Social inaugurou uma nova fase, não só pela forma como passou a ser abordada a matéria, mas também pela criação e ampliação de direitos previstos diretamente no texto constitucional.
A Assembléia Constituinte fez a opção por um Sistema de Seguridade Social baseado em três pilares: Saúde; Previdência; e Assistência Social. Estes são orientados pelos objetivos claramente incrustados no parágrafo único do artigo 194. Os textos do artigo 194 e de seu parágrafo único indicam claramente que se trata de uma norma de eficácia limitada – em razão de seu conteúdo programático1, no entanto, procedendo-se a uma interpretação sistemática, é possível concluir que as normas constitucionais que tratam de Seguridade Social, em qualquer um dos pilares, são consideradas normas de eficácia plena e aplicabilidade imediata, devendo o conteúdo programático apenas orientar os poderes públicos, estando vedada a limitação de direitos.
Analisando a norma constitucional que trata sobre a Saúde (art. 196) e o ponto de vista da Corte Suprema, o professor Luis Roberto Barroso, concluiu o seguinte:
“Como se vê, a decisão se refere ao “direito à saúde” de forma heterogênea, atribuindo-lhe rótulos variados: prerrogativa jurídica, direito fundamental, norma programática e preceito fundamental. O que se extrai com certa nitidez da vasta jurisprudência que se tem produzido na matéria, inclusive nos tribunais dos Estados e Regionais Federais, é a disposição em dar efetividade à norma, superando por via judicial as omissões do Poder Público, mesmo ao custo de um ativismo judicial que não tem raízes profundas na tradição brasileira, mas que vem em boa hora.” (BARROSO, 2009, p. 107)
Nesse passo, tomando como premissa que as normas que regulamentam o Sistema de Seguridade Social são de eficácia plena, passaremos a estudar cada objetivo e pilar de sustentação do sistema.
2.1. Objetivos do Sistema de Seguridade Social
A previsão do Sistema de Seguridade Social na Constituição de 1988 atribuiu efetividade à política do “welfare state” tão defendida no pós-guerra. No caso, a natureza jurídica da Seguridade Social deixa o ramo do direito privado, passando a integrar o direito público de forma definitiva, na medida em que, tem por objetivo cobrir “riscos” sofridos pelos cidadãos brasileiros e, em alguns casos, pelos estrangeiros. Neste contexto, é importante a complementação de Rossetti:
“[..] Essa imbricação histórica entre elementos próprios da assistência e elementos próprios do seguro social poderia ter provocado a instituição de uma ousada seguridade social, de caráter universal, redistributiva, pública, com direitos amplos fundados na cidadania. Não foi, entretanto, o que ocorreu, e a seguridade social brasileira, ao incorporar uma tendência de separação entre a lógica do seguro (bismarckiana) e a lógica da assistência social (beveridgiana), e não de reforço à clássica justaposição existente, acabou materializando políticas com características próprias e específicas que mais se excluem do que se complementam, fazendo com que, na prática, o conceito de seguridade social fique no meio do caminho, entre o seguro e a assistência.” (BEHRING, 2007, p. 161)
Outro aspecto que é importante para compreender não só o sistema, como também, os objetivos, está relacionado ao ponto de distinção entre os três pilares que integram a Seguridade Social, nesse ponto nos socorre a lição do Professor Hermes Arrais: “A Saúde é ofertada a todos. A Assistência Social é destinada a quem dela necessitar. Ambas prescindem de contribuição à Seguridade Social para efeitos de fruição.” (ALENCAR, 2007, p. 25). Ou seja, apenas a Previdência tem o caráter eminentemente contributivo.
É relevante ficar atento para o fato de que os objetivos traçados para a Seguridade Social devem ser interpretados de forma finalística, aplicando-os de acordo com a peculiaridade de cada ramo.
A universalidade da cobertura e do atendimento é um objetivo típico da Saúde, onde não há qualquer barreira para a fruição deste direito. Mais que um objetivo, reveste-se claramente com contornos normativos impondo ao estado o dever de garantir a todos os cidadãos e estrangeiros o acesso à Saúde, que deve ser entendida no seu amplo espectro, ou seja, desde o atendimento em um posto de saúde até as políticas de combate e prevenção às endemias.
No tocante à uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais e irredutibilidade do valor dos benefícios, observa-se que são objetivos vinculados especificamente à Previdência Social. O primeiro objetivo inaugurou uma nova etapa na atenção dada pelo Estado ao trabalhador do campo, tratando-o de forma isonômica em relação ao trabalhador urbano. Se antes, através do FUNRURAL o trabalhador ganhava metade de um salário mínimo a título de benefício, passou a receber um salário mínimo, entre outros reflexos positivos decorrentes da aplicação desse objetivo. A irredutibilidade do valor dos benefícios passou a se revestir como uma garantia constitucional ao segurado, impondo uma barreira para o Estado, vedando qualquer medida no sentido de reduzir os benefícios previdenciários.
A eqüidade na forma de participação no custeio e a diversidade da base de financiamento são objetivos que ganharam força com a Constituição Federal de 1988. A efetivação da Seguridade Social passa pela necessidade de erário, cuja fonte passou a ser diversificada, através das contribuições sociais constitucionalmente previstas e outras que foram e podem ser criadas com esta finalidade. Atualmente, os empregadores, os empregados, os importadores de bens e serviços participam diretamente do custeio da Seguridade Social. Da mesma forma, as receitas de concursos prognósticos sofrem a incidência das contribuições sociais, cuja destinação é o custeio do sistema. Enfim, a diversidade na base de financiamento é reflexo direto da justiça na forma de participação no custeio do sistema.
O último objetivo tem cunho eminentemente administrativo, e prevê a administração democrática e descentralizada, com gestão quadripartite, com a participação de representantes dos empregados, empregadores, do governo e dos aposentados, em todos os órgãos colegiados.
2.1.1. Do orçamento da Seguridade Social
O histórico da Seguridade Social evidencia a evolução do financiamento do Sistema. De início, restrito a determinadas categorias ou empresas, e participação dos empregados e dos empregadores, com cunho eminentemente previdenciário e privado. Atualmente, a Seguridade Social ganha uma dimensão pública com financiamento diversificado com a participação de toda a sociedade, cuja participação se dá de forma direta ou indireta.
A nova colocação da Seguridade Social como ramo do Direito Público, além de ampliar a proteção e o custeio, exigiu maior transparência na sua administração e previsões. Não é sem razão que a administração passou a ser quadripartida contando com a participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do governo.
Se antes a administração dos valores era realizada pelas empresas, atualmente, a Constituição2 passou a exigir um orçamento específico para a Seguridade Social, deixando a previsão anterior de sua alocação no orçamento do Poder Executivo, onde era facilmente manipulado e não havia clareza para a sua apreciação orçamentária. Atualmente, mesmo diante de normas controladoras, a união utiliza e manipula as receitas previdenciárias, com o objetivo de compor o orçamento fiscal, amparado pela norma prevista nos Atos de Disposições Transitórias da Constituição de 1988, que estabelece a DRU – desvinculação de receitas da União. Cabendo a crítica de Eliane Rossetti:
“O aumento da arrecadação tributária, contudo, não reverteu em aumento significativo de recursos para as políticas sociais de modo geral e para a seguridade social especificamente. Recursos da seguridade social são apropriados anualmente pelo Governo Federal por meio da Desvinculação das Receitas da União (DRU), com vistas à composição do superávit primário e pagamento de juros da dívida.” (BEHRING, 2007, p. 166)
Enfim, os entes Federados têm como obrigação estabelecer em suas leis orçamentárias, de forma clara e sistematizada, as estimativas receitas relacionadas com a Seguridade Social, assim como as previsões de despesa, nos termos da Constituição Federal, da Lei 4.320/1964 e da Lei Complementar 101/2000.
A importância o equilíbrio orçamentário da Seguridade Social se revela ainda mais quando o governo busca reajustar o salário mínimo, porquanto há que se avaliar o impacto da medida nas contas da Previdência e Assistência, uma vez que o piso imposto para pagamento dos benefícios é justamente o salário mínimo. Com efeito, qualquer decisão política desarrazoada de reajuste impacta diretamente no sistema, cujos pilares serão apreciados a seguir.
3. SAÚDE
A saúde é o pilar da Seguridade Social de maior amplitude, uma vez que seu acesso é garantido para todo cidadão brasileiro e para os estrangeiros. O acesso deve ser compreendido de forma ampla desde o atendimento nos hospitais de urgência e emergência até o controle e a fiscalização realizados pela Vigilância Sanitária.
A Carta de Outubro é clara:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
Apesar da aparente redação de norma programática, ou seja, de eficácia contida, o STF através do voto do Relator Ministro Celso de Melo3 citado por Luis Roberto Barroso (BARROSO, 2009, p. 108), já se manifestou no sentido de que esta norma constitucional tem várias facetas, sendo uma delas, a de norma de eficácia plena, por se constituir num direito fundamental.
Procedendo-se a uma interpretação sistemática da Constituição, é possível concluir que o direito à Saúde está diretamente relacionado com o direito à Vida (art. 5º) e à Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, inciso III).
A Saúde enquanto política pública é executada pelo Sistema Único de Saúde, cuja responsabilidade é concorrente da União, Estados e Municípios, e nesse ponto emergem as atribuições do próprio Sistema4, que não se resume ao atendimento médico. Vejamos:
“I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;
II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;
III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;
IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico;
V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico;
VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;
VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.”
É evidente que as atribuições acima relacionadas são partilhadas e executadas de forma concorrente entre os entes federados. E para execução de tal mister, necessitam de fontes de custeio.
3.1. Fontes de Custeio da Saúde
A Constituição fixa que a forma de custeio será estabelecida através de lei. E atualmente a Lei Complementar 141/2012 trata da matéria da seguinte forma:
1º) Estado e DF – é financiado com os impostos previstos no art. 155 e mais 12% do Fundo de Participação dos Estados (artigo 6º);
2º) Município e DF – é financiado com os impostos previstos no art. 156 e mais 15% do Fundo de Participação do Município (artigo 7º);
3º) União – valor empenhado e mais percentual do PIB (artigo 5º);
A lei estabelece que as verbas da União serão repassadas para o Fundo Nacional de Saúde e demais unidades de execução do Ministério da Saúde. Além disso, todos os repasses realizados para os demais entes federados são realizados através de conta bancária específica.
O rateio dos recursos entre a União, Estado e Municípios é proporcional, levando-se em conta critérios como dimensão epidemiológica, demográfica, socioeconômica e espacial, assim como a capacidade de oferta de ações e serviços de saúde, sempre com vistas a diminuir as desigualdades regionais5.
Diante da previsão de tantas fontes de receita para custeio, a Saúde é um ramo da Seguridade Social muito precário, que evidencia fragilidades no planejamento e talvez interesse do governo. O SUS é um sistema amplo, que formalmente deveria atender às necessidades da população, independente de classe social. No entanto, se por um lado tem mantido a excelência no atendimento aos portadores do HIV, por outro, o que se vivencia é uma saúde pública ineficiente. As epidemias e endemias ainda dominam o país, como por exemplo, a Dengue e a Doença de Chagas, da mesma forma, o atendimento médico de urgência e emergência é precário inclusive em grandes capitais do país, que, ainda assim, muitas vezes atraem pacientes de diversos municípios do interior, que buscam atendimento especializado.
Para Elaine Rossetti:
“ [...] A saúde pública padece da falta de recursos, o que se evidencia nas longas filas, na demora para prestação dos atendimentos, na falta de medicamentos e na redução de leitos. Há uma forte tendência de restringir a saúde pública universal em um pacote de “cesta básica” para população pobre, conforme vêm apontando os jornais” (BEHRING, 2007, p. 161)
Precária a saúde pública, a exploração privada ganhou espaço durante algum tempo, reforçando a idéia de Mota apud Behring, quando explicita:
“[...] a tendência é de privatizar os programas de previdência e saúde e ampliar os programas assistenciais, em sincronia com as mudanças no mundo do trabalho e com as propostas de redirecionamento da intervenção social do Estado” (BEHRING, 2007, p. 160)
No entanto, os próprios planos de saúde, regulados pela ANS – Agência Nacional de Saúde, passam por momento de turbulência, diante da ineficiência no atendimento. Não é excesso mencionar a negativa de atendimento de pacientes pelos médicos e hospitais conveniados ao planos de saúde no estado de Sergipe em 2011 e 2012.
A mais recente notícia, que repercutiu na sociedade médica, foi o incentivo criado pelo Governo para os médicos que passarem a trabalhar no interior6. Questões jurídicas à parte, o Governo pretende suprir a carência de profissionais nos mais longínquos municípios e reduzir a demanda de atendimentos médicos nas capitais, mas este medida isolada, certamente, não trará os efeitos pretendidos.
O cenário não aponta soluções imediatas para a carência existente na Saúde. A ausência de ações estratégicas e orquestradas pelos entes federados e a falta de profissionais de saúde são alguns dos fatores determinantes para o prolongamento do atual estado moribundo da Saúde.
4. PREVIDÊNCIA SOCIAL
A Previdência Social é o ramo da Seguridade Social destinado exclusivamente para cidadãos que exercem ou exerceram atividades econômicas7 e contribuem ou contribuíram para o Regime Geral de Previdência Social ou para os Regimes Próprios de Previdência Social. Sendo este o ponto distintivo deste ramo com os demais que integram a Seguridade Social.
4.1. Regime Geral de Previdência Social
O RGPS se constitui num sistema, e como tal, é orientado por princípios essenciais para a sua organização e operacionalização. Vejamos:
1º) Obrigatoriedade de vínculo – este princípio impõe a obrigatoriedade de filiação ao Sistema, para que haja a fruição de benefícios. Nesse passo, a Lei 8.213/1991 estabelece quem são os segurados obrigatórios, ou seja, aqueles que estão obrigatoriamente vinculados e devem contribuir. Frise-se que a obrigatoriedade, não é absoluta, porquanto, é possível a vinculação facultativa por determinada parcela da população, assim como, aquele que é segurado obrigatório contribuinte individual e não contribuir, apesar da obrigatoriedade, tem seu direito à fruição de benefício vedado;
2º) Contributividade8 – está relacionada com o princípio anterior e orienta que o sistema é contributivo, ou seja, para estar vinculado e para ser reconhecida a qualidade de segurado é necessário comprovar as contribuições9;
3º) Equilíbrio Financeiro e Atuarial – este princípio é essencial para a saúde financeira do RGPS, uma vez que nas palavras de Luiz Gushiken et al apud Nogueira (NOGUEIRA, 2012, p. 156) orienta o seguinte: “[...] o equilíbrio atuarial é alcançado quando as contribuições para o sistema proporcionem recursos suficientes para custear os benefícios futuros assegurados pelo regime [...]”;
4º) Salário Mínimo como piso – este princípio é claro e impede a concessão de benefícios inferiores ao salário mínimo. A exceção é o auxílio-acidente, porquanto corresponde a 50% do salário de benefício, que pode corresponder a 50% do salário mínimo. A sua natureza jurídica indenizatória justifica claramente o seu destaque como exceção;
5º) Reajuste anual – para garantir a atualização dos benefícios concedidos e o reajuste da tabela dos limites de salários de contribuição, assim como, a tabela que fixa o valor para piso para efeito de concessão do auxílio-reclusão;
5º) Solidariedade – é o princípio basilar do Regime Geral de Previdência Social. No caso, aquele que está no mercado de trabalho formal está financiando o pagamento dos benefícios ativos.
Os princípios orientam o sistema, mas apresentam zonas de fricção que suscitam reflexões ligadas diretamente com a relação jurídico-previdenciária e com a saúde financeira do regime.
Inicialmente, verifica-se que o piso de um salário mínimo fricciona diretamente com o princípio da contributividade, na medida em que para o cálculo de determinados benefícios, como por exemplo, o auxílio-doença, onde, levando-se em conta o número de contribuições, é possível encontrar uma Renda Mensal Inicial inferior ao mínimo, mas que na prática será pago no piso. Quem cobre a diferença, para enquadramento no princípio do piso, nesta hipótese é o próprio RGPS, em razão do princípio da Solidariedade.
Esse princípio é também responsável por sustentar o pagamento dos benefícios aos segurados especiais e seus dependentes. Esta categoria de segurado mitiga o princípio da contributividade, como já citado, porquanto, dispensam-se as contribuições para a fruição de benefícios, bastando uma frágil comprovação do exercício da atividade rural em regime de subsistência.
O princípio da Solidariedade se apresenta como solução formal para harmonizar as fricções, no entanto, a relação intrínseca entre a Previdência e a Longevidade tem colocado em discussão este princípio, uma vez que as projeções indicam a necessidade de ajustes neste ponto, a exemplo do que ocorreu em 1998, quando foi promulgada a Emenda Constitucional 20 e a criação do fator previdenciário em 1999.
A discussão tem como ponto de partida a modificação do perfil demográfico do Brasil, para melhor ilustrar, vejamos a figura abaixo:
Se nos anos 60 a base da pirâmide etária era maior, típica dos países subdesenvolvidos, em 2010, passa à configuração típica de país desenvolvido, onde a população idosa tem crescido em razão da melhora nas condições de vida, mas, em contrapartida, provoca uma pressão no sistema, porquanto se leva mais tempo pagando benefícios. Sendo que, estando a base da pirâmide reduzida, projeta-se uma pressão para quem está atualmente contribuindo, porquanto há possibilidade de insuficiência de sustentação de suas aposentadorias.
Para Sheila Najberg:
“[...] A redução da taxa de fecundidade contribui para que existam menos contribuintes no sistema, tornando cada vez menor, em termos relativos, o número de indivíduos que sustentam o pagamento dos atuais beneficiários do sistema [...]”.(IKEDA, 199_, p. 8)
As discussões são iniciais, até porque qualquer modificação em matéria previdenciária produz repercussões geracionais e enxurrada de ações judiciais. O fator previdenciário é um bom exemplo. Criado para equilibrar o RGPS e desestimular a aposentadoria precoce, tem sua constitucionalidade sustentada pela decisão proferida nos autos da ADI 2.11110, onde o relator Ministro Sydiney Sanches negou o efeito suspensivo por entender constitucional a sua criação, sendo o fator previdenciário adotado tanto na esfera administrativa, quanto na esfera judiciária. Por outro lado, mesmo pendente de julgamento definitivo pelo Supremo Tribunal, tramita no Congresso Nacional a PL 3.299/2008 que busca a sua extinção.
Diante do panorama exposto, uma das opções do governo foi ampliar a base de contribuição, possibilitando a filiação ao sistema dos pequenos empreendedores e das donas de casa. No entanto, esta medida pode se configurar numa armadilha, porquanto, as contribuições vertidas são reduzidas em seus percentuais e garantem benefícios com a maioria dos privilégios dos demais contribuintes. Em tese, uma dona de casa que nunca tenha contribuído, caso preencha o requisito da carência, tendo idade 60 anos, poderá fruir um auxílio-doença, uma vez que as doenças decorrentes da senilidade são progressivas, e afastaria qualquer alegação de preexistência da doença. Ou seja, se buscava base para sustentação, poderá gerar um maior número de benefícios para serem pagos, mormente aqueles decorrentes de incapacidade laboral.
O limite imposto ao valor do benefício a ser pago (teto) propiciou o surgimento natural do Regime de Previdência Privada.
4.2. Regime Próprio de Previdência Social
O Estado brasileiro, através dos governos republicanos, sempre debruçou suas ações sobre o Regime Geral de Previdência Social buscando recentemente a clareza nas informações e nas previsões orçamentárias, além do já exposto equilíbrio financeiro e atuarial. No tocante ao regime previdenciário dos servidores públicos (RPPS), este sim é uma novidade, gerada com a Constituição de 1988. Segundo Nogueira (2012, p. 106), o estudo histórico dos Regimes Próprios de Previdência Social pode ser dividido em três períodos: 1º) antes da Constituição Federal de 1988; 2º) iniciado com a Constituição Federal de 1988; e 3º) após a Emenda Constitucional 1998 e 2003.
No primeiro período, as aposentadorias concedidas aos servidores ativos estatutários11 eram assumidas financeiramente pelo ente federado onde desempenhou suas funções. Esta característica é um resquício do regime patrimonialista que caracterizou as relações entre os servidores públicos e o próprio Estado. Para Vinícius Carvalho Pinheiro12 apud Nogueira:
“O modelo de seguridade social do setor público foi organizado segundo a relação de trabalho pro-labore facto, em que o direito à aposentadoria não está condicionado à contribuição, senão à vinculação do funcionário ao Estado.
Neste modelo, ao aposentar-se, o empregado recebe os proventos de seu próprio empregador, que é o Estado. Assim, o inativo continua mantendo o status de funcionário, ao contrário do que sucede na iniciativa privada, onde cessa o vínculo de emprego e o custeio do benefício é responsabilidade do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS e/ou de um Fundo de Pensão.
A contribuição do empregado, quando existe, financia benefícios para os dependentes, tais como pensões, ou serviços de assistência à saúde, além de outras modalidades de benefícios assistenciais. O pagamento da aposentadoria, em geral, é uma obrigação do Tesouro, da mesma maneira que o é o pagamento dos funcionários ativos.” (NOGUEIRA, 2012, p. 106/107)
A Constituição de 1988 trouxe como modificação no regime de tratamento das relações do Estado com os servidores a criação do Regime Jurídico Único e a possibilidade de criação dos Regimes Próprios de Previdência Privada, que naquela oportunidade poderiam ser criados e administrados pelos entes federados, como bem assevera Nogueira:
“(...) texto original não trouxe grandes inovações normativas em relação ao período anterior, porém acabou por incentivar uma rápida expansão dos regimes próprios de previdência, tanto em relação ao universo de servidores abrangidos como pela sua criação por um grande número de Municípios.” (NOGUEIRA, 2012, p. 106)
Nos anos oitenta, o Brasil, assim como os demais países da América Latina, sofreu com a crise econômica que segundo Bresser Pereira:
“Em parte em conseqüência da incapacidade de reconhecer os fatos novos que ocorriam no plano tecnológico, em parte devido à visão equivocada do papel do Estado como demiurgo social, e em parte, finalmente, porque as distorções de qualquer sistema de administração estatal são inevitáveis à medida que transcorre o tempo, o fato é que, a partir dos anos 70 e principalmente nos anos 80, a economia mundial irá enfrentar uma nova grande crise. No primeiro mundo as taxas de crescimento reduzem-se para a metade em relação ao que foram nos primeiros 20 anos após a Segunda Guerra Mundial, enquanto as taxas de desemprego aumentam, principalmente na Europa, e o milagre japonês que sobrevivera aos anos 80, afinal soçobra nos anos 90. Na América Latina e no Leste Europeu, que se recusam a realizar o ajustamento fiscal nos anos 70, a crise se desencadeia nos anos 80 com muito mais violência.” (PEREIRA, 1997, p. 11/12)
A necessidade de mudanças no Plano Econômico e Administrativo era evidente, para fazer frente à crise. No entanto, à moda brasileira, a reforma no regime jurídico administrativo e previdenciário serviu para muitos como uma forma distorcida adquirir recursos financeiros. Este ranço patrimonialista caminhava em sentido contrário à ordem mundial, que exigia uma forma eficiente de administração pública. Para Vinícius Carvalho Pinheiro apud Nogueira:
“A instituição de regimes próprios de previdência social nos Estados e Municípios, a partir de 1988, se transformou em uma armadilha para as finanças públicas dessas esferas governamentais. As vantagens imediatas se transformaram em enormes prejuízos, presentes e futuros.
Os incentivos de curto prazo à proliferação dos fundos e institutos de previdência para os servidores públicos eram muitos claros: (i) ausência de obrigação, por parte do poder público, de recolher INSS e FGTS, que oneravam em aproximadamente 30% a folha salarial; (ii) expectativa de transferência de recursos do INSS referentes à compensação financeira entre os regimes201 e (iii) disponibilidade de recursos originados das contribuições dos servidores.
O alívio inicial foi amplamente anulado pela deterioração das finanças estaduais e municipais a médio e longo prazo, em função das responsabilidades assumidas pelos governos com relação ao pagamento dos benefícios aos seus servidores.13” (NOGUEIRA, 2012, p. 131)
Não é excesso mencionar que com a criação dos Regimes Próprios Municipais e Estaduais, muitos governantes promoveram verdadeiros desvios das verbas arrecadadas pelo Sistema, entre outras manobras, que tornaram os regimes ineficientes e deficitários, nas palavras de Nogueira:
“Esses dados demonstram que a expansão dos RPPS nos Municípios, entre 1989 e 1998, não foi precedida de estudos e da necessária estruturação técnica para se assegurar a sua sustentabilidade, nem passou por um processo adequado de discussão entre os atores interessados (Executivo, Legislativo, servidores municipais e sociedade local). Antes, foi dirigida pela preocupação imediata de redução dos custos com a folha de pagamento dos servidores, liberando recursos do orçamento municipal para a utilização em outras finalidades, tidas como mais urgentes ou de maior retorno político no curto período de um ou dois mandatos, deixando a questão do pagamento dos benefícios previdenciários em um plano secundário. A ausência de penalidades pela utilização indevida dos recursos, a subordinação direta dos dirigentes dos fundos de previdência aos Prefeitos e a inexistência de mecanismos de controle possibilitavam que as contribuições, mesmo baixas, não fossem repassadas com regularidade e que os recursos acumulados muitas vezes pudessem ser tomados como empréstimos pelas Prefeituras, aumentando ainda mais a dívida dos Municípios com seus RPPS. Finalmente, em muitos casos o Prefeito simplesmente decidia, após alguns anos, extinguir o fundo de previdência, submetendo projeto de lei nesse sentido à aprovação da Câmara Municipal, com o que ficava liberado para utilizar a totalidade das reservas para finalidade diversa, deixando o passivo previdenciário formado nesses anos como um problema a ser futuramente solucionado por seus sucessores.” (NOGUEIRA, 2012, p. 137)
O resultado desastroso dessa irresponsável administração dos regimes próprios foi suportado pelo RGPS, que assumiu todo o passivo criado pela maioria dos regimes próprios, principalmente dos municípios.
Com a necessidade de se promover reformas, emergiu o terceiro período. Os modelos até então adotados de regime previdenciário foram determinantes para promover o desequilíbrio financeiro e atuarial, que nas palavras de Nogueira:
“As causas que conduziram ao desequilíbrio financeiro e atuarial crônico dos regimes de previdência dos servidores públicos referem-se tanto ao modelo organizacional pelo qual esses regimes foram sendo estruturados ao longo do tempo como às regras de acesso aos benefícios, ou, em alguns casos, à ausência dessas regras, que permitiam ou incentivavam grupos ou indivíduos a agirem em busca da obtenção de benefícios mais vantajosos do que o sistema estaria apto a suportar. [...]”(NOGUEIRA, 2012, p. 138)
4.2.1. As reformas promovidas em 1998 e 2003
O terceiro período tem como marco a Emenda Constitucional nº 20 de 1998 que promoveu uma alteração conceitual determinante em relação ao vínculo previdenciário travado entre o servidor e o poder público. No caso, apenas o servidor efetivo passou a ser considerado segurado ao Regime Próprio de Previdência Social, nesse passo, os servidores públicos de nomeação precária, ou seja, demissíveis “ad nutum” passaram a ser considerados segurados do Regime Geral de Previdência Social, onde contribuem regularmente.
A alteração foi objeto de questionamento perante o Supremo Tribunal Federal, através da ADI 2.024, cuja decisão final reconheceu a constitucionalidade da medida.
Outro ponto reformado pelas Emendas Constitucionais foi a necessidade de se manter o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema, criado com a Emenda 20 e reforçado com a incorporação do conceito ou princípio da solidariedade, consagrado no RGPS. E aliado a esta previsão, constou o impedimento de os demais entes federados estabelecerem alíquotas de contribuição inferiores à prevista para a União, ou seja, os estados, municípios e o DF não poderiam fixar alíquotas inferiores a 11% em seus regimes próprios. Medida essencial, até porque a própria Constituição Federal prevê a possibilidade de compensação entre os sistemas, na hipótese de modificação do vínculo por parte do servidor. Ou seja, a medida tem por objetivo a saúde financeira do sistema.
Mas a medida mais questionada, inclusive judicialmente, foi a constitucionalidade da cobrança de contribuição social incidente sobre os benefícios já concedidos, cujos valores excedessem ao teto fixado para os benefícios concedidos no RGPS. Esta contribuição foi discutida através da ADI 3.105 que foi julgada improcedente, considerando constitucional a contribuição, embasada essencialmente no Princípio da Solidariedade.
A instituição do novo regime de previdência social modificou a relação entre o servidor e o Estado, passando a relação jurídica a ser tratada como vínculo laboral, como já abordado, sendo a vinculação com o Regime Próprio de Previdência Social de natureza contributiva. A equiparação com o Regime Geral foi necessária, para adequação e equilíbrio do sistema, desta forma, a limitação dos benefícios ao teto fixado no RGPS, e a possibilidade de instituição de regime complementar de previdência privada, recentemente regulamentada para o Poder Executivo, são traços característicos que afastam a velha concepção da concessão dos benefícios com base no “pro-labore factum”.
As medidas de adequação empreendidas pelas Emendas não foram bem recebidas pelos servidores públicos, no entanto, as regras transitórias garantiram direitos a determinadas situações antes favoráveis, como a integralidade dos proventos e a paridade com os servidores ativos, extintos com o novo regime.
Nos últimos 20 anos houve uma corrida para as carreiras públicas, onde a estabilidade e os regimes previdenciários diferenciados eram os maiores atrativos. Com a alteração dos regimes previdenciários próprios, o único atrativo das carreiras públicas seria a estabilidade, porquanto o sistema previdenciário, para quem ingressa no serviço público, não tem qualquer diferença com o RGPS.
A mudança promovida nos RPPS e na própria natureza do vínculo laboral público estatutário só poderão ter seus resultados avaliados com o tempo, como toda modificação nos regimes jurídicos.