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Fidelidade partidária no Poder Legislativo

Agenda 11/04/2014 às 18:07

Este artigo tem como objetivo avaliar e verificar as normas que tratam da fidelidade partidária, bem como identificar os fatores que influenciam os representantes eleitos para mandatos no Poder Legislativo a trocar de partido político.

RESUMO

Este artigo tem como objetivo avaliar e verificar as normas que tratam da fidelidade partidária, bem como identificar os fatores que influenciam os representantes eleitos para mandatos no Poder Legislativo a trocar de partido político, visto que essa problemática de transição de parlamentares de um para outro partido tem sido uma tônica na política brasileira. Investigou-se o tema de forma nacional, em virtude de tal questão abranger os três níveis de governo: Federal, Estadual e Municipal. Utilizou-se como metodologia, na tentativa de compreender a questão da fidelidade partidária e seus efeitos na sociedade brasileira, a pesquisa documental e bibliográfica, fundamentada na Constituição Federal de 1988, legislação infraconstitucional e doutrinadores como Alexandre de Moraes, Paulo Bonavides, e outros referenciadas ao final deste artigo. Conclui-se que a mudança de legenda por parte dos parlamentares encontra como principal fundamento a grande flexibilidade da legislação vigente, porém além do aperfeiçoamento da legislação que disciplina a temática faz-se necessário fortalecer os ideais e as regras de cada partido político.

Palavras-Chave: Fidelidade partidária.  Ética.  Partido político.  Desenvolvimento.

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* Aluna do Curso de Direito da Faculdade Luciano Feijão - FLF   

                                                                                                                             

INTRODUÇÃO

A fidelidade partidária até recentemente era discutida de forma muito discreta, e sua inclusão no texto constitucional não foi suficiente para imprimir à legislação a força necessária para proceder à cassação dos candidatos eleitos que viessem a trocar de Partido. A Emenda Constitucional n.º 25, de 1985, extirpou prematuramente o instituto da Carta Constitucional, deixando seqüelas para o sistema político-partidário e permitindo a troca de partido pelos políticos eleitos. A Constituição Federal de 1988, por sua vez, perdeu a oportunidade de regulamentar o assunto, que interessava não apenas aos partidos, mas sobretudo, ao  eleitor,  deixando  a  cargo  dos  partidos  a responsabilidade quanto à regulamentação do tema por meio de seus estatutos.          

A decisão do Tribunal Superior Eleitoral prolatada em março de 2007 em resposta à Consulta n.º 1.398/DF (Distrito Federal) formulada pelo Partido da Frente Liberal - PFL (atual Democratas) foi incisiva ao afirmar que o mandato pertence  ao  partido e  não  ao  candidato,  em  face da utilização de princípios constitucionais e do próprio  código eleitoral, que adota o sistema proporcional para a composição da Câmara dos Deputados, das Assembléias Legislativas  e das Câmaras de Vereadores. Em outubro do mesmo ano esse entendimento foi ratificado pelo Supremo Tribunal Federal.

Em face da importância do tema para a política brasileira e da sua complexidade dentre as quais, a análise e aplicação de princípios constitucionais na Constituição Federal de 1988 que podem conduzir a interpretações divergentes foram a motivação para a escolha do tema deste artigo. Discorrer sobre fidelidade partidária implica incluir os partidos políticos e, em lógica consequência, a inserção destes no contexto político de uma determinada sociedade. Diante do pressuposto que os partidos são elementos estratégicos em um regime democrático - tanto para sua consolidação como para sua extensão - o estudo da fidelidade partidária assume valor relevante.

No Brasil o conceito de fidelidade partidária existe desde a Constituição de 1969, mas se consolidou somente a partir das decisões do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal, proferidas, respectivamente, em março e outubro de 2007. Ao definir que o cargo pertence ao partido e não ao candidato, as decisões acima citadas favoreceram o fortalecimento das instituições partidárias e a própria democracia representativa.

 Para a realização deste estudo foram realizadas pesquisas nas Constituições Federais que tratam do instituto da fidelidade partidária, na legislação eleitoral (Código Eleitoral, Lei Orgânica dos Partidos Políticos), nas resoluções e decisões do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal  Federal,  bem  como  leitura  dos  principais  doutrinadores  que  se debruçam  sobre  o  assunto. A partir desses levantamentos foram realizadas análises das questões tratadas e das formulações apresentadas utilizando-se nas  discussões  o  método dedutivo, que resultaram em argumentações fundamentadas no desenrolar dos acontecimentos segundo o momento histórico em que os mesmos ocorreram.

CONCEITO DE FIDELIDADE

A palavra fidelidade vem do latim fidelitate, que é o atributo ou a qualidade de quem ou do que é fiel, para significar quem o conserva, mantém ou preserva suas características originais, ou quem ou o que se mantém fiel à referência. De forma genérica, o instituto vidas parceiras, conceitua fidelidade partidária como o atributo, ou qualidade, que determina um vínculo entre um filiado e o partido político; entre partidos, no interesse mútuo; ou ainda, entre o eleitor e o candidato.

Fidelidade partidária, objeto do presente estudo, é a lealdade entre o filiado e o seu partido político, sobretudo aqueles ocupantes no parlamento ou na chefia do executivo. A fidelidade partidária repousa sobre a figura do partido político. Concomitantemente a isso, vê-se que o conceito de fidelidade partidária está intimamente ligado tanto ao fortalecimento quanto ao enfraquecimento das instituições partidárias existentes, dependendo de como os princípios doutrinários e os programas dessas agremiações são ou não respeitados por seus integrantes.

                 

 A FIDELIDADE PARTIDÁRIA NO DIREITO BRASILEIRO

Fidelidade partidária é uma característica medida pela obediência do filiado ao programa, diretrizes e deveres definidos pelo partido político, ou ainda pela migração do filiado de um partido para outro. A fidelidade partidária impõe ao filiado a observância dos programas partidários e a vontade do partido acima da vontade individual nas decisões de instâncias deliberativas do partido como: convenção, diretórios, executivas, etc.                  

No Brasil existem concomitantemente fatores que, em outras nações, seriam considerados excludentes ou conflitantes.  Assim, temos regime presidencialista; legislativo bicameral com prerrogativas exclusivas; sistema eleitoral diferenciado em função dos cargos e vagas disputados e estrutura partidária com escassa densidade e graus extremamente baixos de fidelidade e disciplina partidária.                     

Na definição de Plácido e Silva (1991, p. 21) a fidelidade partidária é a observância exata e leal de todos os deveres ou obrigações assumidas ou impostos pela própria lei.  Com efeito, o tema em questão ganhou destaque somente após sua abordagem constitucional na polêmica Emenda n.º 1, de 17 de outubro de 1969, que introduziu esse instituto no ordenamento jurídico brasileiro por imposição da Junta Militar, que buscava manter a unidade em  torno  de  sua  bancada no Congresso  Nacional  e  se  utilizou  da  introdução  da  fidelidade partidária na Carta Constitucional com o fim de que fosse decretada a perda do mandato dos que se opusessem, por atitudes ou pelo voto, às diretrizes do partido pelo qual foram eleitos.

A partir de então, a fidelidade partidária passou a compor o regramento nacional no que tange aos partidos políticos, só perdurando, contudo, até o  advento  da    Emenda Constitucional n.º 25, de 15 de  maio  de  1985,  que  a  retirou  do  texto constitucional, fator determinante  para  o  enfraquecimento  das  instituições partidárias,  como  se  pode  observar  a partir da leitura do texto a seguir. 

                                                                                               

A total falta de compromisso com os princípios doutrinários e com o programa do partido sob cuja legenda o candidato se  elegeu  gera  o  enfraquecimento  ou  até mesmo  a  desmoralização  dos  partidos,  a  ponto  de  se  afirmar,  que,  no Brasil,  os programas  dos  partidos  são  peças  meramente  formais,  na  grande  maioria desconhecidos até dos próprios  filiados, destinados apenas a atender as exigências da legislação eleitoral, por ocasião do registro do partido político perante o Tribunal Superior Eleitoral, ou  para  formação  do  quociente  eleitoral  (VILHENA,  1986,  p. 98).

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Apesar da aparente desvinculação entre o partido e o candidato a ele filiado, o certo é que no Brasil há muito se abandonou o instituto da candidatura avulsa, passando os partidos a serem os vetores na construção da sociedade organizada, a  qual só pode ser construída sobre a base da democracia representativa. 

A FIDELIDADE PARTIDÁRIA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Constituição Federal de 1988, por sua vez, fez renascer o instituto da  fidelidade partidária, porém,  com  importante mudança  em  relação  ao  texto de 1969 uma vez  que  não impõe penalidades para o não-exercício da regra;

As bases para o entendimento da fidelidade partidária na Constituição Federal estão previstas nos artigos 4º e 17.  O primeiro, ao dispor sobre as condições de elegibilidade (art.  14,  §  3°, inciso V, CF/88), determina a filiação partidária como uma das exigências para o cidadão postular uma candidatura a qualquer cargo  eletivo, além de outros requisitos (nacionalidade brasileira, pleno exercício dos direitos políticos, alistamento eleitoral, domicílio eleitoral e idade mínima de trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador, trinta anos para Governador e Vice-Governador dos Estados  e do Distrito Federal, vinte  e um anos para Deputado Federal, Estadual e Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz, e dezoito para Vereador). 

O art. 17, por sua vez, trata dos partidos políticos, no Capítulo V do Título II – dos Direitos e Garantias Fundamentais, estabelecendo que seja livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana, e observados os preceitos que enumera:  I  –  caráter  nacional;  II  –  proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo  estrangeiros  ou de  subordinação  a estes;  III  –  prestação  de  contas  à Justiça Eleitoral; IV – funcionamento de acordo com a lei.

Esse dispositivo, entretanto, não constitui uma retomada do instituto tal como estabelecido na norma constitucional de 1969, como se pode observar pelo elevado numero de troca de partidos por parte dos parlamentares desde sua edição.

Ao determinar que os estatutos partidários incorporem normas de fidelidade e disciplina partidárias, a Constituição outorga aos partidos uma ampla margem de autonomia para que regulem esses institutos em suas normas organizacionais e programáticas com maior ou menor rigor. Todavia, ao estabelecer como preceito o  funcionamento parlamentar de acordo com a Constituição Federal impõe sérias  restrições ao funcionamento dos partidos. A perda de mandato, principal pena imposta pela norma constitucional anterior aos que trocassem de partido, não está  prevista  na  Constituição  atual. 

O artigo 55 da Constituição Federal de 1988 elenca as possibilidades que podem levar o parlamentar a perder o mandato, tais como: procedimento declarado como incompatível ao decoro parlamentar; deixar de comparecer à terça parte das sessões da casa a que pertencer, salvo licença ou missa por essa autorizada; perder ou tiver suspensos os direitos políticos; sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgada. Porém, nenhuma delas se refere à perda deste por ato de infidelidade partidária. Dessa forma, o mandato acaba por se transformar em algo de propriedade do político, uma vez que a única  conseqüência  para o “infiel” vem a ser a possibilidade de expulsão do partido, sem prejuízo para o mandato, o que os  leva  a  trocar  de  legenda muitas  vezes  no  início  da  legislatura, distorcendo  totalmente  o resultado das urnas.

Além de não determinar a perda de mandato por infidelidade partidária, a Constituição Federal de 1988 proíbe essa punição quando veda, no art. 15, incisos I, II, III, IV e V; e no código eleitoral nos artigos 71, inciso II e 94 $ 1º, inciso V e também na Lei n.º 9.96/95  (LPP), a cassação dos direitos políticos, cuja perda ou suspensão só ocorrerá nos casos de cancelamento da naturalização por sentença  transitada em julgado, incapacidade civil  absoluta,  condenação  criminal  transitada em  julgado  enquanto durarem  seus  efeitos,  recusa de  cumprir obrigação  a  todos  imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5°, VIII,  improbidade administrativa, nos  termos do art. 37, § 4°.   

Porém, a questão mais grave, segundo Thales Tácito, diz respeito ao voto de legenda e do próprio sistema proporcional: 

                         

Os quais possibilitam que grande parte das vagas para  o  Legislativo seja preenchida com candidatos que obtiveram votos nominais muito inferiores aos seus concorrentes, fato que não os impedirá do  direito de  se  apropriarem  e  exercerem um mandato sem qualquer tipo de controle partidário. O caso de Enéas é exemplar. Com a soma de seus votos, ele acabou elegendo outros deputados, muitos dos quais com votação insignificante, sendo que logo em seguida  a maioria deles acabou deixando o partido, levando consigo o mandato (THALES TÁCITO, 2008, p. 33).

                                                                                                                                      

Atualmente, o Brasil possui 27 agremiações partidárias registradas no Tribunal Superior Eleitoral, o que homenageia o princípio do pluripartidarismo estampado no artigo 1°, inciso V, da Constituição Federal de 1988, e notando de pronto que a presença dos partidos políticos na construção da República Federativa  do Brasil  é  algo  basilar,  insofismável. É nessa esteira que reside a fidelidade partidária, que de um lado sugere a necessidade de partidos políticos fortes, e de outro, exige do filiado adesão ideológica ao programa e às diretrizes traçadas pelo partido.

A FIDELIDADE PARTIDÁRIA E AS DECISÕES DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O artigo 17, parágrafo 1º da Constituição Federal de 1988, trata da fidelidade partidária com singeleza e timidez, deixando a cargo dos estatutos partidários a regulação da mesma. Estes, por sua vez, tratam-na de forma ainda mais reservada. Tal situação fez prosperar no país um “troca-troca” de partidos nunca antes visto, tudo sob a permissividade da Constituição Federal e da legislação partidária e eleitoral, fator que contribui para a diminuição do grau de representatividade do  regime  democrático brasileiro, em flagrante  desrespeito à vontade do eleitor. O voto dado a um partido é indiretamente transferido, após as eleições, para outro, alterando a representação eleita, sem consulta ao eleitor. 

Em face dessa situação o Tribunal Superior Eleitoral respondeu positivamente, em 27 de março de 2007, à Consulta n.º 1.398, formulada pelo Partido da Frente Liberal (PFL), atual Democrata (DEM), confirmando que o mandato eletivo pertence ao partido e não ao candidato eleito e empossado. Os argumentos expendidos não foram poucos no sentido de que os mandatos pertencem aos partidos e não às pessoas que, candidatas, lograram êxito na ocupação em uma vaga. Tais ponderações podem ser assim agrupadas de acordo com o Supremo Tribunal Federal:

 a) se o mandato político eletivo pertencesse ao candidato isso significaria dizer que parte da soberania popular conferida pelo povo  seria  transferida  para  a  ordem privatística  do  eleito;  b)  a  perda  do  mandato  seria conseqüência  de  um  ato ilícito  e  não uma  sanção; c)  a quantidade de cadeiras a ocupar no parlamento é fruto de uma contagem de votos dados à legenda e não ao candidato, que na sua grande  maioria  sequer alcançam nominalmente o quociente eleitoral; d) é  condição  de elegibilidade a  filiação  partidária,  pois o ordenamento  jurídico  pátrio  não  mais  admite candidatura  avulsa; e) a democracia é fruto de uma  representação  popular  que  perpassa  os partidos políticos  como “corpos intermediários; f) o  esvaziamento do partido pela migração de seus filiados torna-o franco de representatividade política e funcionamento parlamentar; g) a migração do partido pelo qual foi eleito é infidelidade para com o eleitor. (BRASIL, STF, 2007)

A partir dessa decisão a Presidência da Câmara dos Deputados recebeu requerimentos no sentido de que fosse declarada a vacância por renúncia presumida, de mandatos exercidos por Deputados Federais eleitos sob determinada legenda e que migraram para outra. Porém, tal solicitação foi indeferida, o que resultou na impetração de mandados de segurança junto ao Supremo Tribunal Federal que, em 04 de outubro de 2007, se pronunciou favoravelmente ao princípio de que o mandato eletivo de deputados federais, estaduais, distritais e de vereadores, pertence aos partidos que os elegeram. Em seu voto, no julgamento do Supremo Tribunal Federal, o ministro Marco Aurélio justificou sua posição com base na estreita vinculação entre os partidos e os deputados, quando declarou que o parlamentar não pode abandonar o partido sem a consequência da perda de mandato. 

No artigo Fidelidade Partidária e a Insegurança Jurídica, publicado na Revista Consulex, Thales Tácito faz remissão à oportuna manifestação do jurista Luiz Flávio Gomes, a respeito da decisão da Corte Suprema:

Os eminentes Ministros vencedores fundamentaram seus  posicionamentos  em normas extraídas do sistema e dos princípios consagrados no Texto maior. Não se limitaram a uma  interpretação  textual  ou  gramatical:  ao  contrário,  valeram-se da interpretação  sistemática  e  principiológica, sem, entretanto,  fugir  do  sistema positivado. Se fosse adotado o clássico método lógico-formal, a decisão seria outra.

O resultado alcançado só se tornou possível em razão de outro método,  que  é  o ponderativo  (ou  seja:  solução  justa  para  o  caso  concreto). O julgamento do STF colocou em xeque o velho formalismo interpretativo (isto é, o provecto silogismo formal constituído pela premissa maior, premissa menor e conclusão). Reconheceu-se a força coagente não só das regras, senão também dos princípios e valores constitucionais. Um dos principais argumentos foi o utilizado pelo Ministro Cezar Peluso, no sentido de que a legislação brasileira não  permite  a  “candidatura avulsa”,  candidatura  sem  partido,  o  que  espelha  a  necessidade  do  partido. Destacou-se, também,  nessa mesma  linha,  o  voto  de  legenda  que,  aliás,  já  elegeu candidato  que  não  obteve  praticamente  nenhum  voto,  o  financiamento  partidário etc. Toda norma, como destacou o Ministro Gilmar Mendes, deve ser  interpretada diante do seu contexto histórico. (GOMES, apud THALES TÁCITO, 2008, p. 35).

Na ocasião, o Supremo Tribunal Federal entendeu também que o instituto da fidelidade partidária deveria ser aplicado aos casos ocorridos a partir do dia 27 de março de 2007, data da resposta dada pelo TSE à Consulta 1398. Em 5 de outubro,  o  ministro  Marco Aurélio, na época  Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, fez publicar a Portaria n.º 465, na qual designava o ministro Cezar Peluso para, na qualidade de relator, elaborar projeto de Resolução destinado a disciplinar o processo administrativo de justificação de desligamento de partido político, considerando o  curso de mandato eletivo.

Posteriormente, em 16 de outubro, o Tribunal Superior Eleitoral respondeu afirmativamente à Consulta (Carta n.º 1.407) definindo que o princípio da fidelidade partidária também vale para os cargos majoritários – senadores, prefeitos, governadores e presidente da República. Na sessão ordinária de 25 de outubro, o Plenário do Tribunal Superior Eleitoral aprovou a Resolução TSE n.º 22.610 e definiu que a fidelidade partidária valeria a partir de 27 de março de 2007 para os mandatários de cargos proporcionais e a partir de 16 de outubro para os eleitos pelo sistema majoritário.

Dentre as previsões da Resolução TSE n.º 22.610 constam quatro hipóteses que autorizam o mandatário eleito a sair do partido sem perder o cargo: se o partido sofrer fusão ou for incorporado por outro; se houver criação de novo partido; se houver mudança substancial ou desvio do programa partidário; ou ainda, ocorrer grave discriminação pessoal do mandatário. Nestes casos, a mudança de partido é aceita por estar devidamente justificada. Após a publicação da Resolução TSE n.º 22.610 começaram a chegar aos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) e ao Tribunal Superior Eleitoral - TSE diversos pedidos de perda de mandato fundados na infidelidade partidária.  

CONCLUSÃO

As decisões do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal sobre fidelidade partidária, após longos debates nos referidos Tribunais, definem o entendimento de que a mudança do parlamentar de uma legenda para outra, tem como conseqüência jurídica a perda de seu mandato. Ressalte-se que até essas decisões, era normal o entendimento da Suprema Corte do País no sentido de que a infidelidade partidária não deveria atingir o mandato do parlamentar, sendo que a maior sanção que o partido poderia impor ao  filiado  infiel  seria  a  expulsão deste de  seus quadros.

           A Constituição Federal de 1988, como forma de reagir ao período da  ditadura  militar,  ter deixado  um sistema  de  liberdade  partidária, inclusive da troca de legenda, que resultou em  significativa instabilidade política e institucional decorrente da excessiva troca de partido por parte dos eleitos. 

Pode-se afirmar que crises na política brasileira, entre as quais se destaca o chamado “mensalão”, são devidas ao sistema de funcionamento político, nos quais muitos parlamentares, com tendências a condutas duvidosas, particularizam  interesses  de ordem pública, e desvirtuam o sentido originalmente pretendido  pelo  legislador  constituinte  ao  instituir  o sistema  proporcional  e  o  estado democrático de direito no ordenamento jurídico nacional.

A individualização do mandato cria na sociedade uma identificação pessoal do parlamentar totalmente desvinculada do partido político pelo qual ele se elegeu, fragilizando os ideais e objetivos destes partidos como instituições a serviço da democracia em nosso país, pois o vínculo entre eleitores e candidatos é, inegavelmente, muito mais personalista que partidário.  São inúmeros os eleitores que se decidem por este ou aquele candidato em virtude de seus atributos pessoais, independente de sua simpatia por determinada corrente doutrinária ou programa de governo. O ideal seria o eleitor votar de acordo com a ideologia do partido pelo qual ele tem confiança e não na pessoa do parlamentar. Essa liberdade de escolha, presente no direito público subjetivo no sufrágio universal e direto, é algo que delineará os verdadeiros contornos de uma democracia participativa. 

A democracia participativa é algo real que deve ser experimentada por uma boa parte da população que vive à margem dos seus direitos, desprovida de um mínimo de dignidade. O candidato eleito, por sua vez, deveria se ver como um serventuário do povo que, além  de  deter o poder, é o sujeito passivo de uma série de direitos, dentre  eles,  os direitos fundamentais estampados na Constituição Federal de 1988.                                                                               

Nesse aspecto se faz necessário consolidar cada vez mais, entre os parlamentares detentores de mandatos e da  sociedade  em  geral,  que  o  povo  é  a principal peça  de toda ação governamental. É dele que o poder deve ser irradiado e é para ele que deve ser exercido. Essa relação de confiança não pode ser quebrada em razão da mudança de diretrizes ideológicas, tanto por parte das agremiações partidárias, como dos eleitos. Dessa forma, é indiscutível que existe uma relação entre candidato e eleitor, candidato e partido e partido e eleitor, concretizada pela confiança.

Fidelidade partidária, nesse contexto, é mais que um simples requisito exigido daquele que almeja adentrar em uma agremiação partidária. É um compromisso social de grande repercussão que fundamenta a existência de uma democracia a serviço de todos, fomenta práticas e projetos de alcance  social, visa a  melhoria das condições de vida da população e se faz presente no dia a dia das idéias benéficas à sociedade.

Nesse cenário, não dever haver espaço para propina nem negociações escusas. Não se podem conceber negociatas com algo tão precioso, nem se pode admitir que quem receba um diploma de eleito, receba, concomitantemente, o direito de trabalhar que não seja em prol do povo. 

Conclui-se, sem qualquer pretensão de esgotar este vasto e importante tema, que o aperfeiçoamento do sistema eleitoral brasileiro somente será atingido a partir de uma reforma política, onde as agremiações a iniciem a partir da criação de políticas governamentais que atendam aos anseios da população e respeito aos direitos fundamentais. 

            A própria fidelidade do parlamentar à legenda ao qual o mesmo é vinculado deve ser o princípio básico do representante do povo, pois este deve satisfação à população e à legenda. Caso abandone a legenda, deve, por via de conseqüência, perder o mandato. Ao se estabelecerem regras quanto a este  instituto,  a política passa a ser vista  pela sociedade com um outro olhar, superando a visão atual deturpada transmudando  em  algo melhor que favorecerá o fortalecimento das instituições e do próprio estado democrático de direito.

Por fim, pode-se dizer que se os parlamentares fizerem a sua parte e  não  criarem Projeto de Emenda à Constituição ou outro artifício  tendente a desconstituir  o  instituto  da fidelidade partidária, será este o primeiro ato concreto da reforma política,  tão  necessária  e urgente que o Legislativo se recusa em concretizar, levando conseqüentemente o Poder  Judiciário a deixar de atuar na sua função típica para exercer a função de legislador. 

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CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. (2008). Fidelidade Partidária e a Insegurança Jurídica. Revista Jurídica Consulex.; Ano XII, N. 268.

                                                                                                                 

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