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A telenovela enquanto representação da identidade nacional.

De gênero menor a status de narrativa acerca do país

Agenda 12/04/2014 às 09:07

A novela não se trata de um mero entretenimento inocente, mas sim uma forma de transmissão cultural que retrata e molda a sociedade contemporânea, promovendo amplamente o processo de criação de identidades.

1.0 Introdução

 

 

No Brasil, a televisão foi implantada em 1950 por Francisco de Assis Chateaubriand. Aclamada pela crítica como uma das invenções mais importantes do século XX, a televisão redimensionou a promoção de entretenimento para a sociedade, notabilizando-se como veículo de comunicação que mais atinge os lares brasileiros, ditando regras, valores e formas de conduta. Dessa forma, é lícito afirmar que seu produto mais promissor, a telenovela, cumpre uma função primordial nesse processo. Nas últimas quatro décadas, o gênero ganhou reconhecimento do público como produto artístico e cultural. Nesse contexto, faz-se necessário traçar um parâmetro acerca da telenovela enquanto discurso que, além de promover acesso à ficção, promove a representação do país.

Essa simples constatação é um indício, embora não seja suficiente, para explicar o motivo pelo qual as telenovelas fazem tanto sucesso no país. Dimensionar essa questão, não se trata de uma tarefa simples à medida que envolve uma série de questões teórico-metodológicas. Assim, o artigo contempla a obra audiovisual como um objeto privilegiado acerca da cultura e da sociedade contemporânea brasileira, fazendo-se necessário tecer considerações acerca da telenovela enquanto produto midiático, uma vez que esse produto constitui um texto que pretende contar uma história a seus telespectadores, não se tratando de um mero entretenimento inocente, mas sim uma forma de transmissão cultural, que retrata e molda a sociedade contemporânea, promovendo amplamente o processo de criação de identidades.

 

2.0 O Gênero telenovela: Definição e sua evolução

Nas palavras de Maria Teresa Fraga Rocco (1994, p.54), ao lado do computador, a televisão configura-se como o invento mais importante do século XX. Tal invento, reflexo de profundas alterações na sociedade, é responsável por definir novas formas de organização social. Muito se discutiu e se postulou acerca da televisão em seu início. Fruto de admiração por alguns e ódio por outros grupos, ela foi encarada como um grande paradoxo. A grande verdade é  que o advento da televisão promoveu rupturas de fronteiras jamais vistas. Esse grande objeto é responsável pelo meio formativo e informativo da sociedade. Nas palavras de Rocco:

De forma geral, questiona-se muito a TV, exaltando-a ou sobre ela lançando "culpas" as mais diversas e das mais diferentes naturezas. Televisão passa então a ser ou o remédio para todos os males ou o agente responsável pelos mais variados e sérios problemas, sejam eles de natureza social, cultural, psicológica e mesmo pedagógica.

O espaço de representação da TV hoje, os papéis que desempenha ou que lhe são atribuídos demonstram fartamente que o veículo se tornou parte integrante, se não integradora, do cotidiano de todas as pessoas em praticamente todo o mundo. (ROCCO, 1994, p. 55)

               

Pode-se analisar, então, que a televisão é o veículo de comunicação mais presente na sociedade. Esse produto, é responsável por definir regras, ditar modas e agregar valores. Portanto, é lícito afirmar que seus produtos não se tratam de um mero entretenimento, uma vez que molda, representa e define identidades. Afinal, a televisão é “companheira das nossas solidões, testemunha de nossa vida cotidiana, memória do tempo imóvel” (WOLTON, 1996, p. 11). Ainda para o autor:

A televisão é um objeto de conversação. Falamos entre nós e depois fora de casa. Nisso é que ela é um laço social indispensável numa sociedade onde os indivíduos ficam frequentemente isolados e, às vezes, solitários. (WOLTON, 1996, p.16)

Enquanto suporte, a televisão apresenta vários programas e formatos. Arlindo Machado divide os gêneros televisuais em sete. Para o autor são os seguintes: as formas fundadas no diálogo, as narrativas seriadas, o telejornal, as transmissões ao vivo, a poesia televisual, o videoclipe e outras formas musicais. O autor ainda destaca três formas principais de narrativas seriadas. Nas palavras do teórico:

É o caso dos teledramas, telenovelas e de alguns tipos de séries ou minisséries. Esse tipo de construção se diz teleológico, pois ele se resume fundamentalmente num (ou mais) conflito(s) básico(s), que estabelece logo de início um desequilíbrio estrutural, e toda evolução posterior dos acontecimentos consiste num empenho em restabelecer o equilíbrio perdido, objetivo que, em geral, só se atinge nos capítulos finais. (MACHADO, 2000, p. 84).

Como se percebe, então, a telenovela é um produto ficcional bastante promissor. Esse produto “é um formato industrial de ficção seriada, na qual o gênero dominante é o melodrama” (OROFINO, 2006, p.150). 

Tendo seu surgimento a partir das narrativas folhetinescas do século XIX, a telenovela corresponde a uma necessidade atávica do ser humano: o gosto pela narração. Sadek (2008, p.17) assevera que a telenovela pode ser incluída em umas das mais antigas tradições da espécie humana: a de contar e ouvir histórias. Desse modo, é lícito afirmar que “ela tem um passado significativo, que começa com a primeira narrativa” (SADEK, 2008, p. 17).

Utilizando pressupostos de Barthes (1971, p.21), pode-se falar que a narrativa está presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as sociedades. Como se percebe, narrar é uma atividade essencialmente humana.  Salvatore D’Onofrio (1995, p.53-54), ao conceituar a narrativa, postula que todo discurso que nos apresenta uma história como se fosse real, constituído por uma pluralidade de personagens, cujos episódios de vida se entrelaçam num tempo e num espaço determinado é uma narrativa.

Lúcia Moreira também tece considerações acerca da narrativa. Nas palavras da autora:

[...] o homem, a partir da necessidade atávica de organizar os acontecimentos relativos à sua trajetória (coletiva e individual), passa a “editar” esses eventos, dando origem então a narrativas organizadas e posteriormente concretizadas pela linguagem. Dessa maneira, temos a produção das narrativas ficcionais (filmes, seriados, telenovelas) e não-ficcionais (notícias, reportagens, documentários). (MOREIRA, 2006, p.19)

O fato é que, como se observou, a narrativa é uma necessidade intrínseca do ser humano. O hábito de contar histórias seriadas revela uma atitude que existe desde o momento em que o homem despertou sua capacidade de articular signos. Em algum momento, o homem sistematizou sua capacidade linguística, surgindo, assim, o primeiro conjunto de narrativas. Empregando postulações de Alencar “ a origem da história em capítulos confunde-se com a origem da própria história do homem”. (ALENCAR 2002, p.41)

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A serialização de histórias, desde o início, exerceu amplo apelo no homem. Assim, uma das primeiras de que se tem conhecimento é “As mil e uma noites”, narrativa em que a protagonista Sherazade contava histórias a um sultão com o intuito de adiar a própria morte. Como estratégia para se manter viva, a personagem interrompia o fluxo narrativo, fazendo com que o sultão se interessasse pela próxima história. Assim, Sherazade, mantém-se viva.

Na Antiguidade Clássica, o modo seriado de contar histórias já era conhecido do público. Como exemplo, pode-se mencionar a poesia destinada a todos os grupos. Esse gênero expressava sentimentos e ideias comuns à coletividade. As narrativas épicas também se prestavam a essa finalidade. Seu caráter extremamente popularesco e destinado à coletividade narrava grandes feitos heroicos de uma nação. Assim, exaltavam-se valores como a nobreza, a honra e o amor pátrio.

Literariamente, a origem das narrativas seriadas se encontra na França, mais precisamente, na década de 1830. Na época, fortemente marcada pela censura política imposta por Napoleão III, os jornais franceses ampliaram o espaço destinado ao folhetim. Com essa revigoração, surgiu um espaço privilegiado para se publicar histórias seriadas. Vale lembrar que, antes, o espaço era marcado pelo predomínio de crônicas, charadas e músicas.

O grande responsável pelo gênero foi Émile Girardin, que iniciou a modalidade em 1836. Émile era editor do Jornal La Presse e desejava que o jornal fosse uma publicação mais popular. Seu projeto incluía tornar o jornal uma publicação diária, mas para isso era necessário conquistar leitores. Assim, os folhetins passaram a cumprir essa finalidade de levar ao público o hábito de ler histórias seriadas. “Seriam histórias de amor e aventura no chamado estilo folhetim miscelânea, nas escola romântica e no melodrama do teatro popular.” (ALENCAR, 2002, p.42)

A obra Larazillo de Tormes, romance anônimo publicado em 1836 foi responsável por inaugurar o gênero. Após a publicação, o jornal passou a vender diariamente 950 mil exemplares. No mesmo ano, Honoré de Balzac é convidado por Girardin. O romancista escreve  A menina velha em capítulos.

No Brasil, essa narrativa ficcional desenvolveu-se amplamente por retratar hábitos e gostos burgueses e por propagar um ideal de conduta íntegro a ser seguido. A obra O filho do pescador, de Teixeira e Souza, é considerada precursora no país. Oficialmente, a primeira narrativa folhetinesca foi publicada publicada em 1844. A Moreninha, de Joaquim Manuel Macedo, é uma obra que enfoca a sociedade da época, discutindo valores acerca da identidade nacional, revelando ao modo do gênero, a pureza dos amantes.

No Brasil, pode-se falar que, além dos folhetins, as telenovelas sofreram influências das radionovelas e das histórias em quadrinhos. Não se pode se esquecer também da influência do melodrama latino-americano, que em muito ajudou a consolidar o gênero. Em sua origem, foi encarada como um produto menor por tratar de temas considerados óbvios. Para Orofino:

O drama ficcional brasileiro e dos demais países latino-americanos, em especial, a telenovela, passa pelo rádio na década de 30, quando os Estados Unidos recebe o patrocínio das indústrias de sabão, ficando conhecido como soap ópera. (OROFINO, 2006, p.162)

Fazendo um retrospecto do gênero em questão, percebe-se o quanto o formato evoluiu até se consolidar ao produto de mídia mais consumido no país. A primeira telenovela, Sua vida me pertence, foi exibida pela TV Tupi. Nessa época, o formato das produções era muito diferente daquele experimentado na atualidade, uma vez que nesse início, as histórias e os capítulos eram curtos e exibidos duas ou três vezes por semana.

A primeira telenovela diária foi ao ar em 1963 e chamou-se 2-5499 ocupado. A partir dela, o gênero adquiriu contornos, apelando ao emocional do telespectador. Em sua fase inicial, como já foi exposto, tais produções eram caracterizadas pela presença do melodramático e tinham como grande público alvo as mulheres, explorando o emocional e o sentimental.

A partir dos anos 60, contudo, tais produções perdem seu caráter melodramático e passam a agrupar na sua composição elementos de representação da realidade. Pode-se afirmar que a telenovela Beto Rockfeller, de Braulio Pedroso, exibida pela extinta TV Tupi, alterou profundamente o cenário ora apresentado, uma vez que recorrendo a cenas do cotidiano, passou a encantar o público que se viu representado. A trama pode ser considerada revolucionária por empregar um protagonista anti-herói. A obra também colaborou com a mudança na recepção, já que, em sua origem, tais produções eram destinadas às mulheres. Beto Rockfeller, então, foi responsável por seduzir o público masculino.

Já nos anos 70, a obra O Bem-Amado (1973), de Dias Gomes, marcou outra profunda alteração no mercado, haja vista ter sido a primeira telenovela colorida exibida pela Rede Globo. Nessa década, convencionou chamar as produções de “novelas - verdade”, uma vez que os enredos passaram a abordar temáticas subjacentes ao universo brasileiro. Foram incorporados às tramas um forte debate crítico acerca das condições sociais e históricas do país. Os personagens televisivos, na verdade, passaram a ser a representação de um cotidiano no qual está imerso parcela significativa do Brasil. Outro elemento a ser destacado é a incorporação de elementos dramáticos familiares nas narrativas, que versavam sobre a problematização da experiência humana. Nessa década, várias produções são tidas como grandes ícones da história das telenovelas, podendo ser destacadas: Bandeira 2 e Saramandaia, ambas de autoria de Dias Gomes, “Irmãos Coragem”, de Janete Clair, “Os deuses estão mortos”, “Escala e Casarão”, ambas de Lauro César Muniz e “Gabriela”, adaptada da obra de Jorge Amado.

Na década de 80, continuam a versar as características ora apresentadas de telenovelas que mantêm uma perspectiva crítica acerca da realidade brasileira.  Motter explica esse sucesso:

A telenovela (produto da criação do roteirista) expressa os paradoxos da crônica por ser ao mesmo tempo útil e fútil, séria e frívola. Todo o universo se encontra à disposição enquanto possibilidade temática, não se excluindo nem o campo da política. Tem a sociedade diante de sua pena, enquanto objeto temático; o público para lê-lo (milhões de telespectadores), os ociosos para admirá-lo (contemplados na admiração ou embalados no sonho de ser um autor) (Motter, 2004, p.255).

                Um fenômeno que também merece ser comentado é a forte descentralização do gênero melodrama surgida a partir dos anos 70. Nesse sentido, pode-se falar que surgem várias telenovelas com temáticas extremamente irreverentes, utilizando de comicidade, aventura, apego ao policialesco e ao erotismo. Tais características foram responsáveis por cativar outro público, o masculino. São exemplos de obras produzidas nessa vertente: produções como as de Bráulio Pedroso – “Super plá” (1969-70), “O cafona” (1971), “O bofe” (1972), “O rebu” (1974- 75), “O pulo do gato” (1978), “Feijão maravilha” (1979). Entram nesse universo também “Guerra dos sexos” (1983-84), “Cambalacho” (1986), “Sassaricando” (1987-88), “Deus nos acuda” (1992-93), todas de Silvio de Abreu.

A partir dos anos 2000, tem-se observado uma gama de temas sendo retratados pela telenovela. A periferia, a traição, o drama familiar, o multiculturalismo e temáticas sociais e psicológicas são filões constantemente explorados, o que ajuda ainda mais a garantir ficção ao público, mas sem se tratar de meios inocentes de difusão de entretenimento.

3.0 A telenovela: Uma narrativa acerca do país

Enquanto produto de ficção seriada, a telenovela se consolidou como o gênero mais difundido na sociedade, sendo responsável pela promoção de identificação no leitor.  Nas palavras de Vassallo Lopes:

alçada à posição de principal produto de uma indústria televisiva de grandes proporções, a novela passou a ser um dos mais importantes e amplos espaços de problematização do Brasil, indo da intimidade privada aos problemas sociais. (LOPES, (2009, p. 6)

Dessa forma, pode-se falar também que age como construtor de identidades e de representação nacional.  Assim, faz-se extremamente necessário tecer postulações acerca do conceito de identidade. “A questão das identidades na modernidade tardia é complexa, uma vez que se trata de ocupar contornos mais fluidos sem contornos definidos” (FIGUEIREDO e NORONHA 2015, p. 189). Para Hall (2001, p.03),  a identidade é um assunto amplamente discutido na teoria social. O autor postula que é um conceito importante para se compreender as relações sociológicas de fim de século. Assim, para Hall:

As velhas identidades que por tanto tempo estabilizaram o mundo social estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. (HALL, 2000. p.07)

O autor argumenta que há identidades plurais, encarada como processo mais amplo de mudança. Hall defende que as identidades estão sempre em formação, não sendo fixas, estáticas, mas sim alteráveis.

A questão central aqui é justamente delinear uma definição para o conceito de identidade, palavra tão empregada na atualidade. Bradley (1996, p.24) postula que a identidade deve ser entendida como a forma pela qual os indivíduos se percebem dentro da sociedade em que vivem e pela qual percebem os outros em relação a eles próprios. De acordo com as considerações do autor:

A identidade social se refere ao modo como nós, enquanto indivíduos, nos posicionamos na sociedade em que vivemos e o modo como percebemos os outros nos posicionando. As identidades sociais provêm das várias relações sociais que as pessoas vivem e nas quais se engajam. (BRADLEY, 1996, p.24

Depreende-se, então, que as identidades não são elaboradas  isoladamente, mas negociadas pelo indivíduo durante toda a vida. “Minha própria identidade depende vitalmente de minhas relações dialógicas com os outros” ( TAYLOR, 1994, p.52). Já Mercer (1990, p.43) postula ser a identidade uma questão amplamente discutida quando está em crise. As postulações de Mercer são corroboradas ao se constatar que, na segunda metade do século XX, surge o sujeito pós-moderno, caracterizado como um ser fragmentado à medida em que não apresenta uma identidade fixa essencial ou permanente. 

O advento do moderno suscita uma série de nomenclaturas. Os próprios teóricos, como Stuart Hall, alternam a designação para se referir a esse tipo de sujeito como forma de acompanhar as mudanças. No geral, as expressões empregadas para a designar tal era são: pós-modernidade, modernidade líquida e contemporaneidade. Outros preferem designar apenas por modernidade por acreditarem que não ocorreram mudanças significativas como a que houve pelo intermédio dos ideais iluministas calcados na explicação racional da humanidade.

Dessa forma, é lícito afirmar que os estudos acerca do gênero telenovela são fundamentais para a compreensão da cultura contemporânea, bem como para a construção da identidade nacional. Mais que isso, “os produtos da mídia, portanto, não são entretenimento inocente, mas têm cunho perfeitamente ideológico e vinculam-se à retórica, a lutas, a programas e ações políticas”. (KELLNER, 2001, p.123)

            Embora os estudos culturais acerca do gênero telenovela tenham levado cerca de três décadas para começar a refletir na influência desse gênero no campo cultural brasileiro, ele ganhou visibilidade, sobretudo, a partir de ideais oriundos da linha de Estudos Culturais. Utilizando postulações de Maria Motter:

A telenovela pode ser considerada no contexto brasileiro, o nutriente de maior potência do imaginário nacional e, mais do que isso, ela participa ativamente na construção da realidade, num processo permanente em que ficção e realidade se nutrem uma da outra, ambas se modificam, dando origem a novas realidades, que alimentarão outras ficções, que produzirão novas realidades. (MOTTER, 2003, p.174)

A partir dessas postulações, pode-se se perceber, então, o quão importante se faz necessário estudar as mídias, sobretudo, as telenovelas, como forma de interpretar o país. Silverstone (2002) afirma que o trabalho com mídias deve ser pautado como dimensão social, cultural, política e econômica do mundo moderno. Nas palavras do autor:

Estudá-la como dimensão social e cultural, mas também política econômica, do mundo moderno. Estudar sua onipresença e sua complexidade. Estudá-la como algo que contribui para nossa variável capacidade de compreender o mundo, de produzir seus significados (SILVERSTONE, 2002, p. 13).

Pela profundidade dos temas retratados e pelo serviço de formativo que prestam à nação, é indiscutível que a telenovela deixou de ocupar o posto de mero entretenimento para se consolidar numa narrativa acerca da nação. A esse respeito, vale as pontuações de Vassalo Lopes:

Alçada à posição de principal produto de uma indústria televisiva de grandes  proporções, a novela passou a ser um dos mais importantes e amplos espaços de problematização do Brasil, indo da intimidade privada aos problemas sociais. Essa capacidade sui generis de sintetizar o público e o privado, o político e o doméstico, a notícia e a ficção, o masculino e o feminino, está inscrita na narrativa das novelas que combina convenções formais do documentário e do melodrama televisivo (LOPES, 2009, p.06).

Pode-se falar, então, nas palavras de Vassalo Lopes (2009, p.06), que a novela tornou-se uma forma de narrativa sobre a nação e um modo de participar dessa nação imaginada.

 

 

4.0 Considerações finais

Embora as telenovelas já tenham sofrido forte preconceito por serem consideradas entretenimento alienante que exerciam alto poder de manipulação e faziam o telespectador perder a autonomia, essa visão foi superada. Hoje, sabe-se que elas funcionam com forma de mediação social, tornando-se uma narrativa sobre a nação. 

Nos últimos 40 anos, o gênero ganhou reconhecimento do público como produto artístico e cultural, constituindo-se num objeto privilegiado acerca da cultura e da sociedade contemporânea brasileira. Dessa forma, elas são um fenômeno amplamente cultural por se tratar da narrativa do país: promovem amplamente o processo de identificação dos telespectadores com os personagens num processo em que o real e o ficcional se misturam. Pode-se falar também que as telenovelas promovem alterações de comportamentos, infiltrando-se no cotidiano das pessoas, tornando-se onipresente na vida do telespectador. Ademais, “ [...] a telenovela é tão vista como falada e seus significados são o produto tanto da narrativa audiovisual, produzida pela televisão, quanto da interminável narrativa oral produzida pelas pessoas” (LOPES, 2003, p.30).

Longe de esgotar as postulações acerca da telenovela, esse artigo concentra seu foco em creditar à telenovela, enquanto produto de ficção seriada, a capacidade de se constituir uma narrativa acerca do país. Tal gênero foi conquistando seu espaço enquanto objeto privilegiado de promoção de identidade nacional, ganhando visibilidade em torno da cultural nacional, tornando-se indispensável para a compreensão da cultura contemporânea. Ademais, alçada à principal produto de uma indústria televisiva, a telenovela passou a ser um dos mais importantes e amplos espaços de problematização e representações comportamentais do país.

 

Referências

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BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 1971.

BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

BRADLEY, H. Fractured identities. Cambridge: Polity Press, 1996.

D’ONOFRIO, Salvatore. Teoria do Texto I: Prolegômenos e teoria da narrativa. São Paulo: Ática, 1995.

FIGUEIREDO, Eurídice. NORONHA, Jovita Maria G. Identidade Nacional e Identidade Cultural. In: FIGUEIREDO, Eurídice (org.). Conceitos de Literatura e Cultura. Juiz de Fora: UFJF, 2005.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 6. ed. Rio de Janeiro: DP&A. Editora, 2001.

KELLNER, Douglas. A Cultura da Mídia. Bauru: EDUSC, 2001.

MACHADO, Arlindo. A Televisão levada à sério. São Paulo: SENAC, 2000.

MERCER, K. "Welcome to the jungle". In Rutherford, J. (org.). Identity. Londres: Lawrence and Wishart, 1990.

MOREIRA, Lúcia C. M. de Miranda. Invenção de Orfeu – uma teoria poética para a linguagem poética. Tese (Doutorado em Letras). FCL-Assis, UNESP, 2002.

MOTTER, Maria. Telenovela Internacionalização e Interculturalidade. Edições Loyola, São Paulo, 2004.

OROFINO, Maria. Mediações na produção de TV. Um Estudo sobre o Auto da Compadecida. Edipucrs, Porto Alegre, 2006.

ORTIZ, Renato; BORELLI, Silvia Helena Simões; RAMOS, José Mário Ortiz. Telenovela: história e produção. São Paulo: Brasiliense, 1989.

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ROCCO, Maria Teresa Fraga. Que pode a escola diante do fascínio da TV. Disponívelem<http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/c_ideias_09_053_a_062.pdf>. Acesso em 12/10/12.

SADEK, José Roberto. Telenovela: Um olhar do cinema, São Paulo: Summus, 2008.

SILVERSTONE, Roger. Por que Estudar a Mídia?. Edições Loyola, 2002 .

TAYLOR, Charles. Multiculturalisme. Différence et démocratie. Paris: Flammarion, 1994.

TUFTE, Thomas. Telenovelas, cultura e mudanças sociais: da polissemia,  prazer e resistência à comunicação estratégica e ao desenvolvimento  social. In: VASSALO LOPES, Maria Immacolata (Org.). Telenovela:  Internacionalização e Interculturalidade. São Paulo: Loyola, 2004. p. 293-

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VASSALLO LOPES, Maria Immacolata. Telenovela brasileira: uma narrativa  sobre a nação. Comunicação & Educação, São Paulo, v.26, p. 17- 34 jan./abr. 2003.

VASSALLO LOPES, Maria Immacolata. Telenovela e direitos humanos:  a narrativa de ficção como recurso comunicativo. In: ENCONTRO DOS  GRUPOS/NÚCLEOS DE PESQUISAS EM COMUNICAÇÃO, 9. ; CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO/INTERCOM, 32. , 2009, Curitiba. Anais... Curitiba: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2009.

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