1. INTRODUÇÃO
Os estudos sobre a tutela de direitos tem revelado que a efetividade do processo, como instrumento para se garantir a proteção jurisdicional, é questão primordial ao alcance dos resultados pretendidos pelas partes que recorrem à esfera judicial.Nesse sentido, em que pese a doutrina divirja quanto à perspectiva deste “processo”, seja com enfoque ao direito material ou voltada para o direito processual, fato é que ambas acabam por convergir em determinado ponto, apontando para o mesmo horizonte quanto à necessidade de que a Constituição Federal, bem como os aspectos constitucionais do processo civil dela decorrentes, sejam adotados como pontos basilares à construção de um modelo constitucional do direito processual civil.Assim, não é exagero afirmar que o direito à tutela jurisdicional ocupa posição de destaque no atual modelo constitucional do direito processual civil, tendo, inclusive, como objetivo primordial, a concreta efetivação das garantias do direito material.É por isso que o ponto de partida para tratar do tema “tutela jurisdicional” deve ser, justamente, o princípio da efetividade da jurisdição, reconhecido pelo Art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, vez que o processo é ferramenta, instrumento de efetiva concretização do benefício atribuído à parte.
Deste mesmo inciso, o qual dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”, também é possível extrair o princípio do acesso à justiça, seja com enfoque ao direito material, para que se entenda pela existência de um direito a ser tutelado, seja com ênfase ao direito processual, para que se conclua pela existência de instrumentos processuais aptos à efetiva tutela de direitos.
Não se pretende, com isso, negar importância aos demais princípios constitucionais do processo civil. Aliás, é justamente a partir destas “normas” veiculadoras de direitos fundamentais que é possível definir o “modo de ser do processo”.
A pretendida tutela jurisdicional deve ser compreendida, justamente, como direito fundamental decorrente da “tutela constitucional do processo”, que, por sua vez, é a consequência do estudo dos princípios e regras constitucionais que o regem. Assim, a “tutela jurisdicional” seria, nas palavras de Cassio Scarpinella, “dar, a quem tem razão, o bem da vida que motiva seu ingresso no judiciário” .
O direito à tutela jurisdicional, portanto, reflete diretamente na ideia de que o processo deve servir ao direito material como instrumento capaz de garantir, a quem tem determinado direito e nos limites da legalidade, tudo que lhe é de direito a partir de específica pretensão..Há de se ressaltar, todavia, que salvo em caráter excepcional, para casos em que é dispensada qualquer atuação concreta (por exemplo quando a pretensão é uma simples declaração), não basta que seja proferida uma simples sentença declaratória que reconheça a lesão ou a ameaça a direito. É necessário que esta possa surtir efeitos práticos e palpáveis “fora” do processo.
E para tanto, existem algumas “técnicas processuais”, as quais serão aqui tratadas e visam garantir, justamente, a atuação jurisdicional, exteriorizando ao plano material (da vida) as diversas formas de tutela jurisdicional. São estes os “meios” necessários ao atingimento do resultado prático da decisão, não de sua mera afirmação, de modo a se atingir o resultado ambicionado com a provocação do Estado-juiz: a tutela jurisdicional.
A atividade estatal deve ser, portanto, eficiente e tempestiva, atendendo ao princípio da economia e eficiência processual, partindo-se da premissa de que o “processo” é método de atuação estatal para efetiva concretização do direito material controvertido.E nesse sentido, não se deve entender a proteção do Estado-juiz como eficaz, apenas, no combate à reparação de determinada lesão a direito. Mais interessante à parte, e por que não qualificar até como mais eficaz à sociedade em geral, seria a ideia de se utilizar da atuação estatal como ferramenta para se evitar referida lesão.
É a partir desta premissa que se pode afirmar não ser apenas instrumental o papel do “processo”. Ele também é manifestação do Estado e, portanto, forma de proteção dos direitos de seus destinatários, de tal maneira que pode ser considerado tanto um “meio” (instrumento) quanto um “fim”.
Nesta esteira e para que se possa traçar um vínculo entre a materialidade do direito e o processo, é inevitável a adoção da premissa de que os direitos materiais não foram observados como deveriam, ensejando a necessidade de tutela jurisdicional destes, de modo a salvaguardá-los. Seguindo esta linha de raciocínio, a tutela de direitos no plano material só interessa ao direito processual civil como causa da necessidade de atuação estatal para tutelar jurisdicionalmente os direitos.
E aqui, conforme sugere Cassio Scarpinella, a comum classificação quanto aos “tipos de processos”, “ações”, “sentenças” e “efeitos” deve dar lugar à tutela jurisdicional, analisada sob o manto do modelo constitucional do processo civil, partindo de pressuposto diverso daqueles corriqueiramente abordados pela doutrina tradicional, de modo que o plano material e os resultados práticos ao cidadão, viabilizem a reconstrução do sistema de tutelas jurisdicionais.
É nesse sentido que abordaremos, em seguida, alguns dos principais métodos de classificação da tutela jurisdicional, com o intuito de averiguar qual a melhor maneira de se extrair, do plano processual, a pretendida proteção pelo Estado-juiz.
2. DO DIREITO À PRESTAÇÃO JURISDICIONAL ADEQUADA
A tutela jurisdicional, sem sombra de dúvidas, é direito subjetivo do cidadão, no sentido de ver realizada, pelo Estado-juiz e dentro das possibilidades do caso concreto, a proteção ao direito material ameaçado ou lesionado.
Assim, não se trata, meramente, de viabilizar aos cidadãos o “acesso à justiça”, no sentido de que se debata, na esfera judiciária (endoprocessual), argumentos e alegações importados do contexto social. É evidente que o pano de fundo do processo é, justamente, a obrigação estatal de realizar a prestação jurisdicional, protegendo as partes, a si mesmo e a própria sociedade, o que se diz com enfoque global das atividades que exerce.
É nesse sentido que os direitos da sociedade de que sejam tomadas atitudes positivas, pelo Estado, tanto na esfera fática como normativa, autorizam a classificação apresentada pelo jurista espanhol Robert Alexy, quando sustenta que estes direitos podem ser divididos em: a) direitos à prestação em sentido estrito; b) direitos à proteção; e c) direitos à organização e procedimento.
No primeiro caso, ou seja, quanto aos direitos à prestação em sentido estrito, estes não demandam, necessariamente, uma pretensão a ser obtida do Estado. É o caso, como sustenta o autor, em que a prestação buscada poderia ser localizada até de particulares, no mercado, caso houvesse uma oferta suficiente, bem como recursos financeiros suficientes para sua satisfação.
Já no que se refere aos chamados “direitos à proteção”, este decorre do agir do Estado, tanto em situações fáticas como a partir da edição de normas jurídicas, no sentido de que os direitos constitucionais do cidadão sejam atendidos, com a proteção, ao titular, da eventual interferência de terceiros sobre o que lhe deve ser garantido.
Direitos à organização e procedimento, por sua vez, decorrem da necessidade de que se estabeleçam regras procedimentais, de tal sorte que traga, à sociedade, a previsibilidade de que, em suficiente medida, o resultado final corresponda ao esperado.
É imperioso frisar que referidas normas de procedimento não devem ser entendidas, apenas, como o texto da lei, editado pelo Legislativo. Muito pelo contrário, decorrem também da força interpretativa e da aplicação, ao caso concreto, pelo Judiciário e até mesmo pelo Executivo.
Diante disso, é possível concluir que a correta significação de “direito à tutela jurisdicional” não se limita a uma simples proteção estatal, devendo ser compreendido como direito subjetivo público de que sejam estabelecidos procedimentos adequados, bem como a efetiva interpretação e aplicação destas normas ao caso concreto, de modo a salvaguardar, por conseguinte, a realização do direito material ameaçado ou lesionado.
É nesse sentido que Marinoni sustenta que a tutela jurisdicional é direito fundamental, devendo ser interpretado como o direito de ingressar m juízo através do procedimento previsto em lei, para que se possibilite a efetiva proteção ao direito ameaçado ou lesionado. Assim, portanto, “a ausência de técnica processual adequada para certo caso conflitivo concreto representa hipótese de omissão que atenta contra o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional”.
Nessa linha de raciocínio, é verdadeiro dever do Estado-juiz dar proteção ao direito ameaçado/lesionado, mas também, com precisão, delimitar quais os caminhos (procedimentos) possibilitam à parte a concreta efetividade do direito material.
3. CRITÉRIOS CLASSIFICATÓRIOS DA TUTELA JURISDICIONAL
3.1. Tutela jurisdicional classificada pela perspectiva do dano: tutela preventiva e tutela repressiva
O primeiro critério classificatório da tutela jurisdicional toma por base a perspectiva do dano, com o intuito de distinguir a tutela jurisdicional retrospectiva, a qual visa remediar uma lesão a direito já consumada, da tutela jurisdicional prospectiva, esta já voltada para o futuro, com o objetivo de que a ameaça à lesão seja reprimida.
Este critério classificatório contrapõe, portanto, tutela preventiva e tutela repressiva, onde a primeira teria a função de evitar a lesão ao direito, de ser imunizado em caso de existência de perigo de lesão e, a segunda, teria a função de reparar, na medida do possível, a lesão causada, no intuito de se retornar ao status quo ante.
3.1.1. Tutela preventiva
Conforme já exposto, ao estudar a tutela jurisdicional, no âmbito do Direito Processual Civil, usualmente, a doutrina volta-se à tutela repressiva, a qual, concretizado o dano, visa reparar da maneira mais completa possível a lesão ocorrida.
Entretanto, Constituição Federal visa, sem abandono da tutela repressiva, proteger também a ameaça ao direito, o que deve ensejar pronta e adequada intervenção jurisdicional, com aplicação de solução imediata ao caso concreto, sustando a ameaça. Portanto, a tutela preventiva visa resguardar, antes da consumação da lesão, um direito do cidadão.
É bem verdade que determinados direitos (como o direito de personalidade), pela sua própria natureza jurídica, não são passíveis de “indenizações” em caso de ocorrência de lesão. E neste aspecto a tutela preventiva ganha ainda mais importância, vez que o caráter punitivo decorrente de determinada lesão não ocorrerá em determinados casos, gerando injustiça social, a ser evitada, justamente, a medida que se evita a ocorrência da lesão.
A tutela preventiva volta-se a evitar o ilícito, independentemente da existência de dano. Portanto, previne-se que ameaças a direito convertam-se em lesões e danos. Essa tutela, portanto, prescinde ao dano.
3.1.1.1. Tutela de urgência
Outra forma de se compreender a proteção jurisdicional preventiva, a partir da perspectiva do dano, leva em conta a urgência da pretensão.
Assim, a noção básica de tutela de urgência abrange tanto a “tutela cautelar” quanto a “tutela antecipada”, as quais, assim como a tutela preventiva, visam evitar que ameaças se transformem em lesões. A bem da verdade, estas são técnicas empregadas para imunização de ameaças – tutela cautelar – ou para evitar que a ameaça se transforme em lesão, ou seja, autorizam a fruição imediata de um bem jurídico – tutela antecipada. Ambos os casos requerem a pronta e imediata atuação do Estado-juiz em razão da situação de urgência em que se encontra.
3.1.2 Tutela repressiva
A tutela repressiva volta-se a proteger uma situação de lesão, de dano já concretizado, determinando, em razão disso, a reparação dos danos daí originados ou derivados, independente da natureza do direito material (patrimonial ou moral). Significa dizer, em outras palavras, que o Estado-juiz deve aplicar uma sanção correspondente à lesão ocorrida.
O atual modelo constitucional do processo civil reconhece que a tutela jurisdicional deve, assim como na tutela preventiva, possuir o viés de efetividade e de tempestividade, ou seja, a noção tradicional de tutela repressiva que visa à proteção de situações que já se consumaram lesões ou danos é insuficiente. Atualmente é necessário que a reparação da lesão concreta seja de forma específica ou genérica.
3.2. Tutela jurisdicional classificada entre específica e genérica
Outro critério classificatório sugerido pela doutrina, toma por base a amplitude da proteção que o Estado-juiz deve atribuir no caso concreto, distinguindo-a entre tutela jurisdicional específica e genérica.
A tutela jurisdicional específica é aquela na qual o cumprimento da obrigação deve se dar como se não houvesse ocorrido lesão de direito no plano material, ou seja, a proteção estatal deve obter o mesmo resultado que decorreria na hipótese de não ter ocorrido a lesão, mas sim a concretização do direito material sob o ponto de vista de que não houvesse necessidade de intervenção do Estado-juiz.
A tutela jurisdicional genérica, por sua vez, leva em conta a lesão ocorrida pelo inadimplemento de determinada obrigação, o que deve gerar direito à indenização por perdas e danos. É aplicável para certos casos, nos quais o credor da obrigação, por motivos diversos e alheios à sua vontade, deverá contentar-se com o equivalente monetário da obrigação assumida.
3.3 Tutela jurisdicional classificada pelo momento de sua prestação: tutela antecipada e tutela ulterior
Outro critério classificatório da tutela jurisdicional bastante destacado é o que toma por base o momento em que esta se realiza, distinguindo-se em tutela antecipada e tutela ulterior.
A tutela antecipada é a que ocorre em todos os casos em que a eficácia da tutela jurisdicional antecede ao instante procedimental previsto pelo Legislador. É o caso, por exemplo, da tutela veiculada por uma sentença em que se reconhece a produção dos seus efeitos antes mesmo do julgamento da apelação – casos de execução provisória, portanto. O juiz tem a força necessária para verificar o momento adequado de aplicar a eficácia das decisões: é o caso das decisões interlocutórias.
A tutela ulterior, por sua vez, é aquela na qual os efeitos práticos das decisões ocorrem no exato momento previsto pelo Legislador. São os casos em que os efeitos da decisão dependem, necessariamente, de seu trânsito em julgado ou de título executivo capaz de dispensar prévia manifestação do Estado-juiz sobre o assunto.
3.4 Tutela jurisdicional classificada pela necessidade de sua confirmação: tutela provisória e tutela definitiva
Este critério de classificação aponta a efetividade da tutela jurisdicional, ou seja, se a decisão que veicula a tutela depende, ou não, de confirmação por juízo superior.
A tutela jurisdicional provisória, de alguma forma, terá de ser “confirmada” ou, ao contrário, “substituída” no decorrer do processo. Significa dizer que a decisão produzirá efeitos enquanto outra decisão ulterior não for proferida para alterá-la ou ratificá-la.
Já a tutela jurisdicional definitiva, por óbvio, é aquela na qual os efeitos produzidos anteriormente à decisão serão desconsiderados quando atingirem somente as partes, preservando-se perante terceiros, conforme disposto no Art. 475-O, I e II do CPC. Referida forma de classificação independe de prévia (e provisória) tutela, prevalecendo aquela independente da existência desta.
3.5 Tutela jurisdicional classificada pela atividade do juiz: cognitiva e executiva.
A atividade jurisdicional cognitiva é exercida através do “processo de conhecimento”, como é entendida pela doutrina tradicional, e tem função de reconhecer ou não um direito lesionado ou ameaçado. De forma distinta a atividade jurisdicional executiva é classificada pela doutrina tradicional como “processo de execução”, ou seja, volta-se à efetivação, à concretização daquele direito anteriormente pleiteado pelo seu reconhecimento.
A doutrina tradicional entende que a tutela jurisdicional se realiza de forma concomitante com o processo de conhecimento e com o processo de execução.
Importa ressaltar, todavia, o posicionamento de Cassio Scarpinella sobre o assunto. Referido autor discorda da concepção adotada pela doutrina clássica, a medida que considera o “processo de conhecimento” como nada mais sendo que uma atividade jurisdicional cognitiva, ou seja, um conjunto de atos praticados ao longo do processo que são necessários à apreciação daquilo que está sendo pleiteado à luz do ordenamento jurídico. Para Scarpinella, portanto, a tutela jurisdicional somente terá existência depois de vencido o “processo de conhecimento”. Com o mesmo raciocínio, o pedido de prestação de tutela jurisdicional que visa à satisfação integral de uma dívida incorre na atividade jurisdicional executiva e somente após executado os atos matérias pelo Estado-juiz é que a tutela jurisdicional será garantida.
Diante do exposto, é peculiaridade deste critério classificatório o fato de que ambos precedem à tutela jurisdicional, interligando-se de maneira que, em regra, tornam-se interdependentes.
3.6 Tutela jurisdicional classificada pela eficácia: declaratória, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental
Os adeptos desta classificação partem da premissa de que as “ações” e “sentenças” não podem ser classificadas segundo a concepção adotada pela doutrina clássica, justamente pelo fato de que os atos praticados ao longo da demanda também vinculam comandos “declaratórios”, “condenatórios”, “constitutivos”, “executivos” ou “mandamentais”. Leva-se em conta, com acerto, as decisões interlocutórias, de suma importância ao desenrolar das demandas processuais no ordenamento jurídico pátrio. O enfoque, aqui, é voltado, portanto, para o direito processual, afastando-se dos critérios classificatórios do direito material.
3.6.1 Tutela declaratória
Entende-se por tutela declaratória a proteção oriunda da declaração de um direito realizada pelo juiz. Esta tem por finalidade a declaração de existência ou inexistência de uma relação jurídica ou a autenticidade ou falsidade de um documento, conforme expresso no art. 4º do Código de Processo Civil.
Essa tutela é pertinente para declarar se já houve lesão ao direto material, se há dever ou não de determinada obrigação. A nova concepção doutrinária estabelece, inclusive, que a presente forma de tutela garante não só a declaração, como também a possibilidade de serem tomados atos posteriores, que garantam, na realidade social, sua eficácia plena.
Nesta esteira e a medida que podem vir a declarar se existem ou não relações jurídicas ou obrigacionais pretéritas, podemos afirmar que o efeito da sentença declaratória é ex tunc.
O art. 475-N, I da Lei 11232/2005 trouxe um novo desdobramento para o tema em questão. Expõe que é título executivo judicial a sentença que reconhece uma relação jurídica. Cabe a ressalva de que não se deve atribuir efeitos executivos à decisão que se limita ao reconhecimento de uma relação jurídica, pois isso não equivale, necessariamente, ao reconhecimento de lesão de direito ou ameaça de lesão de direito material.
3.6.2 Tutela constitutiva
A tutela constitutiva visa alterar o estado jurídico de pessoas ou coisas através da atividade jurisdicional do Estado-juiz. Volta-se à modificação parcial ou total, ou ainda, à criação e/ou extinção de uma dada relação jurídica. Portanto, a tutela jurisdicional prestada acerca da decisão prolatada pelo juiz, no caso em comento, irá criar uma nova situação jurídica, uma nova relação jurídica para os litigantes, de modo que a tutela constitutiva também possui efeitos ex tunc.
Basta citar o exemplo mencionado por Candido Rangel Dinamarco, a respeito do vínculo matrimonial. A sentença que desconstitui referido vínculo não significa dizer que este inexistiu até a data da decisão, muito pelo contrário, é justamente por ter existido (e pelas peculiaridades do caso concreto) que ensejou a necessidade de seu desenlace, tendo seus efeitos práticos iniciados a partir do trânsito em julgado da demanda.
Portanto, o diferencial em relação à tutela declaratória é, justamente, que nas sentenças constitutivas há declaração, mas esta vem acompanhada de constituição, modificação ou desconstituição de determinada situação jurídica.
3.6.3 Tutela condenatória
Conforme já abordado no decorrer do presente trabalho, a doutrina clássica expõe que o processo de conhecimento abrange três tipos de ações: as declaratórias, as constitutivas e as condenatórias. A tutela condenatória estabelece a certeza quanto a um determinado direito e cria as condições necessárias para a reparação da lesão desse mesmo direito. A sentença condenatória, assim, está diretamente ligada ao “processo de execução”, que, por sua vez, depende de modalidade especifica de obrigação, voltada ao direito material.
Na tutela condenatória, portanto, a parte que ingressa em juízo possui duas pretensões distintas e complementares: a declaração de um direito, bem como a condenação do réu para que cumpra um a determinada obrigação, seja ela ativa ou omissiva.
É exatamente nesse sentido que leciona Cândido Dinamarco sobre o assunto, senão vejamos: “como toda sentença de mérito, a sentença condenatória, é portadora de uma declaração; o que distingue das demais é o segundo momento lógico, consistente na criação de condições para que a execução passe a ser admissível no caso, isto é, para que ela venha a ser a via adequada para o titular do direito buscar sua satisfação.”
Esta tutela distinguira da tutela declaratória, justamente, porque a execução seria o complemento da tutela condenatória.
Para parcela da doutrina, até alguns anos atrás, sentença condenatória seria tida como a “causa” e a execução como o “efeito”. No entanto, essa concepção tradicionalista foi rompida com o aumento da magnitude do princípio da celeridade processual, explícito na EC nº 45/2004 e no Art. 5º, LXXVIII do Texto Constitucional. Grosso modo, a Lei nº 11232/2005 incorporou as atividades jurisdicionais cognitivas e executivas em um mesmo processo, encerrando, desta forma, a relação de causa e efeito anteriormente mencionada.
Nesse sentido, portanto, parece mais adequado, na atual concepção, sustentar que a tutela condenatória é a que apresentará a específica forma de realização concreta dos direitos que ela reconhece como existentes, como bem leciona Scarpinella Bueno.
Em tempo, merece a ressalva de que a tutela condenatória não se confunde (e nem poderia) com tutela mandamental, vez que as técnicas empregadas e empregáveis para a realização efetiva, ou melhor, para a concretização do direito material, são distintas em ambos os casos.
3.6.4 Tutela executiva
A tutela executiva volta-se aos atos decorrentes de um direito material existente sobre o patrimônio do devedor. Caracteriza-se pela apreensão ou fruição direta do bem do devedor. As técnicas empregadas não dependem de vontade do devedor, visa exclusivamente à satisfação do autor, ressalvados os princípios gerais da execução.
Para Vicente Greco Filho, a execução seria “o conjunto de atividades atribuídas aos órgãos judiciários para a realização prática de uma vontade concreta da lei previamente consagrada num título”. Referidas medidas, portanto, teriam o condão de satisfazer o direito do credor às custas do patrimônio do devedor, independente de sua concordância.
A tutela executiva permite, efetivamente, ao “vencedor” da ação condenatória, a garantia de satisfação da sua pretensão. Seja no rosto dos próprios autos, ou na posse de titulo executivo executável, a parte exitosa na demanda poderá solicitar, ao Estado-juiz, que invada a esfera patrimonial do vencido, com o intuito de satisfazer à decisão da(o) fase/processo de conhecimento.
É justamente nesse sentido que sustenta Yarshell, senão vejamos: “A tutela executiva, não resta dúvida, descende da garantia geral da ação e da inafastabilidade, tanto mais porque a atuação executiva dos direitos reconhecidos em pronunciamentos judiciais é fator de afirmação do próprio poder estatal, sendo impensável que a condenação pudesse vir desacompanhada dos meios de efetiva-lá.”
Portanto e em que pese o rol de soluções elencado pelo legislador, não se pode exclui a criação de outros mecanismos, pelo próprio juiz, visando, nos limites da lei, suprir a necessidade de proporcionar efetividade a cada caso concreto.
3.6.5 Tutela mandamental
A tutela mandamental é aquela pela qual se pretende “extrair do devedor o cumprimento voluntário da obrigação, isto é, pretende que o próprio obrigado, por ato seu, cumpra a obrigação tal qual lhe foi imposta pela lei ou ajustada, por contrato, entre as partes”. Ou seja, é um cumprimento voluntário, sendo até desnecessária a intervenção judicial para o cumprimento da obrigação.
A tutela mandamental tem a mesma estrutura das sentenças condenatórias, pois também há a necessidade de uma declaração, que no mais das vezes é o próprio reconhecimento do direito do Autor. No segundo momento, entretanto, diversamente da condenatória, há uma sanção, uma execução forçada da obrigação, quando o devedor deixar de cumprir com a obrigação de maneira espontânea.
Não se confunde com tutela condenatória e tutela executiva, portanto, pelo fato de que não age por mecanismos ou técnicas sub-rogatórias sobre o patrimônio do devedor. A bem da verdade, a tutela mandamental, como tutela jurisdicional, visa influenciar o réu a cumprir sua obrigação de forma espontânea. Poderá, no entanto, ocorrer a coerção, especialmente em caso de inércia da parte devedora, o que se faz, normalmente, mediante pecúnia, multa, podendo, em caráter excepcional e nos casos previstos e lei, levar à prisão civil.
Um exemplo prático bastante esclarecedor é o da sentença mandamental em que o juiz ordena que determinada empresa pare imediatamente de violar o meio ambiente. Referida empresa estará obrigada a cessar com a conduta ilícita e, em caso de descumprimento, incorrerá em multa, enquanto que na sentença condenatória haveria que se falar, apenas, em condenação a pagar pelos eventuais danos causados pela empresa.
3.7 Da Proposta de uma Nova Classificação: ênfase aos efeitos da tutela jurisdicional
Até aqui, abordamos a temática da tutela jurisdicional à luz da doutrina tradicional, no intuito de delimitar o reflexo direito da Constituição Federal sobre o direito processual civil, com a extração, a partir da Carta Magna, de um modelo constitucional do direito processual civil.
Analisamos, ainda, o fundamental papel do Estado-juiz, que, exercendo funções de “meio” e “fim”, procura atender aos anseios constitucionais, na medida em que viabiliza a proteção jurisdicional aos cidadãos que ingressam no judiciário, procurando proporcionar efetividade às decisões judiciais.
Surge, a partir destas premissas, uma nova proposta classificatória, apresentada de maneira bastante atraente nas lições de Cassio Scarpinella, a seguir abordada.
Antes disso, porém, merece a ressalva de que, diante de um ordenamento jurídico abarrotado, lacunoso e cada vez mais desorganizado, como o atual sistema pátrio, no qual o número cada vez maior de “leis esparsas” acaba por revestir de insegurança jurídica a letra da lei anteriormente organizada nos ditos “códigos”, novas ideias e propostas são mais que benvindas, no intuito de facilitar, ao jurista brasileiro, a delimitação dos institutos, bem como sua incidência prática no caso concreto.
Esta nova classificação, diversamente do que visto nos tópicos anteriores, toma por base os efeitos da tutela jurisdicional. A doutrina tradicional, que até então sustentava a classificação de tutela jurisdicional em “trinária” - tripartição de efeitos em “meramente declaratórios”, “constitutivos” e “condenatórios” – ou “quinária” – efeitos “meramente declaratórios”, “constitutivos”, “condenatórios”, “mandamentais” e “executivos” – pode agora repensar o tema e, quiçá considerar que as tutelas jurisdicionais apresentam uma classificação binária.
O desafio aqui, sob esse enfoque, parte da premissa de que as tutelas jurisdicionais apresentam, lege lata, cinco classes distintas de tutela jurisdicional, as quais devem ser mais bem agrupadas para que se faça melhor usa das técnicas que elas representam, objetivando adequação e tempestividade à tutela jurisdicional, na esteira do modelo constitucional do direito processual civil.
É nesse sentido que se justifica a classificação em “tutelas intransitivas” e “tutelas transitivas”, as quais passamos agora a tratar.
3.7.1 Das tutelas intransitivas
A tutela jurisdicional “intransitiva” é aquela que dispensa qualquer atitude da parte ou do Estado-juiz para que surta efeitos no plano do direito material. São, portanto, tutelas autossuficientes, para as quais não é necessário que haja atividade jurisdicional complementar. É o que ocorre, por exemplo, nas decisões declaratórias e constitutivas, não sendo necessário, nestas hipóteses, nenhum agir para que esta gere efeitos práticos “fora” do processo.
Assim, a principal peculiaridade das tutelas intransitivas é, justamente, a outorga do bem da vida, exclusivamente (e de maneira satisfatória) no plano ideal. É o caso da sentença de procedência de uma investigação de paternidade, por exemplo. A decisão final que reconhece a paternidade é suficiente para que se reconheça “X” como filho de “Y”, sendo desnecessária (e inócua), qualquer outro agir, seja pelas partes do processo, seja pelo Estado-juiz, para que se declare o vínculo paterno.
É bem verdade que a parte vencedora, ainda citando o exemplo da investigação de paternidade, poderá adotar alguma providência/exigência do direito material, no sentido de retificar os documentos pessoais do filho reconhecido, o que não se confunde, em última análise, com a tutela jurisdicional, tampouco com a decisão que a veicula.
Nesta esteira, as tutelas intransitivas podem ser consideradas como tutelas “não executivas” ou “cognitivas”, na medida em que já outorga tutela suficiente no plano material, justificando, a seu tempo, a necessária (e anterior) provocação do judiciário.
3.7.2 Das tutelas transitivas
A tutela jurisdicional “transitiva”, por sua vez, reclama, via de regra, atividade jurisdicional complementar, vez que não outorga o bem da vida sem que haja um “novo agir” nesse sentido. É o caso das decisões condenatórias, executivas e mandamentais, salvo na hipótese em que a parte vencida as acata, espontaneamente.
E é, justamente, quanto à necessária complementação, nestas atividades externas ao plano do processo, que elas se distinguem, conforme anteriormente analisado.
A tutela jurisdicional “transitiva”, portanto, exige um agir judicial ou até do vencido para que possam, enfim, satisfazer seu beneficiário, qual seja, o vencedor da demanda. Só com sua realização é que se pode afirmar ter sido realizada, efetivamente, a prestação da tutela jurisdicional.
4. CONCLUSÃO
Não é de hoje que a necessidade de proporcionar efetividade à tutela jurisdicional é preocupação dos juristas, seja daqueles que desenvolvem filosofias e conceitos tão relevantes à compreensão e evolução do ordenamento jurídico, seja daqueles que militam no foro.
O papel instrumental do processo, no intuito de se garantir a proteção jurisdicional, também tem sido tema de destaque, para que se atinjam os objetivos daqueles que recorrem ao judiciário.
E é a nesse sentido a importância de que se extraia um modelo constitucional do direito processual civil a partir do texto da Constituição Federal, de modo a propiciar, ao julgador, às partes e à própria sociedade, certa liberdade de agir, limitada aos ditames legais, no intuito de que sejam atingidas suas pretensões na esfera judicial.
Decorre, portanto, de reflexo do Texto Constitucional, no plano infraconstitucional, a ideia de direito à tutela jurisdicional, à luz do princípio da efetividade da jurisdição (Art. 5º, XXXV, CF).
Mas referida proteção, a ser realizada pelo Estado-juiz, não decorre unicamente da instrumentalidade do processo, ferramenta hábil à efetividade dos interesses do legislador constitucional. Por óbvio que este é sim “meio” capaz de garantir determinados direitos à parte, bem como sua efetividade no plano externo, ou seja, “fora” do processo.
Todavia, conforme já aqui abordado, não raras vezes é necessário complementar aquilo que restou decidido no processo de conhecimento, para que este possa, enfim, refletir efeitos no plano material. No mais das vezes é essa, de fato, a principal pretensão da parte que ingressa no judiciário, de tal maneira que, para determinados casos, somente com a efetiva concretização desta etapa é que se pode considerar atingida a tutela jurisdicional pretendida.
Engana-se, porém, quem entende ser este papel instrumental a única função do processo. Ele é fim em si mesmo, é manifestação do Estado-juiz e, seus próprios procedimentos emanam a tutela jurisdicional, independente daquele que, ao final, será tido como vencedor ou vencido.
Basta imaginarmos a situação em que, em determinado processo, não tenham sido adotados os procedimentos adequados, previstos em lei, à solução do conflito. Seria o mesmo que afirmar não ter sido praticada, nesta lide, a manifestação do legislador, não ter sido realizada a proteção estatal pretendida, levando-nos à conclusão de que caberá ao Estado-juiz, necessariamente, pelo próprio judiciário, estancar a ofensa à tutela jurisdicional, ou seja, se houver lesão ou ameaça ao direito-dever de que o processo seja capaz de realizar, em sua plenitude, o direito substancial, há de ser protegido (tutelado), justamente, o direito à tutela jurisdicional.
É o processo tutelando o próprio processo para que este possa vir a tutelar os direitos das partes, garantindo que serão adequadamente aplicadas as normas legais à “tutela constitucional do processo”, viabilizando que se atinjam soluções efetivas ao direito ameaçado ou lesionado.
Nesta esteira e mais importante que qualquer “critério de classificação” apresentado pela doutrina, é que se tenha a necessária percepção de que a proteção jurisdicional de direitos não apenas encontra fundamento no texto constitucional, mas é praticamente imposta pela Constituição Federal, no intuito de que seja efetiva e produza efeitos no plano material, “fora” do processo.
Por óbvio que os critérios classificatórios são sim úteis à compreensão e para que se dê a correta aplicação dos institutos na prática forense, evitando o desvio de suas reais finalidades.