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A criação do Tribunal de Contas na história constitucional brasileira

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Agenda 27/04/2014 às 09:28

Realiza-se levantamento histórico do controle público de contas e do Tribunal de Contas da União, destacando momentos de alteração das suas competências que impactaram no seu grau de independência.

Resumo: Este trabalho foi realizado através de revisão de literatura, buscando encontrar o máximo de subsídio para a questão da história e evolução do controle externo das contas pública e do Tribunal de Contas da União, desde seu nascimento com a República, passando pelas diversas nomenclaturas, perdendo e recuperando suas atribuições até a chegada da Constituição de 1988, onde esta importante ferramenta de controle ampliou sua competência e ganhou atribuições. Foram utilizados livros e artigos científicos da base de dados SciElo e Google Acadêmico, reconhecidas para trabalhos acadêmicos. O objetivo da pesquisa era analisar o nascimento da Corte de Contas e sua evolução, visando encontrar o marco de nascimento desta. Vale frisar que antes do advento da República e, até mesmo no Brasil Colônia já existiam mecanismos de controle das Contas Públicas. Todavia, apenas com o fim do Imperialismo e a chegada da República com o conceito de “res publica” que efetivamente viu-se o interesse para a criação de mecanismos de controle do erário público. Neste ínterim, é de importância ímpar o conhecimento da história do Brasil, bem como da história do Direito, para comprovar a importância deste mecanismo de controle externo, previsto em diversas constituições brasileiras e atualmente representada pelo Tribunal de Contas da União – TCU.

Palavras-chave: comércio, Direito Constitucional, Tribunal de Contas da União, TCU, história.


INTRODUÇÃO

A história do controle no Brasil remonta ao período colonial. Em 1680, foram criadas as Juntas das Fazendas das Capitanias e a Junta da Fazenda do Rio de Janeiro, jurisdicionadas a Portugal.

Em 1808, na administração de D. João VI, foi instalado o Erário Régio e criado o Conselho da Fazenda, que tinha como atribuição acompanhar a execução da despesa pública. Com a proclamação da independência do Brasil, em 1822, o Erário Régio foi transformado no Tesouro pela Constituição monárquica de 1824, prevendo-se, então, os primeiros orçamentos e balanços gerais.

A idéia de criação de um Tribunal de Contas surgiu, pela primeira vez no Brasil, em 23 de junho de 1826, com a iniciativa de Felisberto Caldeira Brandt, Visconde de Barbacena, e de José Inácio Borges, que apresentaram projeto de lei nesse sentido ao Senado do Império.

As discussões em torno da criação de um Tribunal de Contas durariam quase um século, polarizadas entre aqueles que defendiam a sua necessidade – para quem as contas públicas deviam ser examinadas por um órgão independente –, e aqueles que o combatiam, por entenderem que as contas públicas podiam continuar sendo controladas por aqueles mesmos que as realizavam.

Somente a queda do Império e as reformas político-administrativas da jovem República tornaram realidade, finalmente, o Tribunal de Contas da União. Em 7 de novembro de 1890, por iniciativa do então Ministro da Fazenda, Rui Barbosa, o Decreto nº 966-A criou o Tribunal de Contas da União, norteado pelos princípios da autonomia, fiscalização, julgamento, vigilância e energia.

A Constituição de 1891, a primeira republicana, ainda por influência de Rui Barbosa, institucionalizou definitivamente o Tribunal de Contas da União, inscrevendo-o no seu art. 89.

A instalação do Tribunal, entretanto, só ocorreu em 17 de janeiro de 1893, graças ao empenho do Ministro da Fazenda do governo de Floriano Peixoto, Serzedello Corrêa.Originariamente o Tribunal teve competência para exame, revisão e julgamento de todas as operações relacionadas com a receita e a despesa da União. A fiscalização se fazia pelo sistema de registro prévio. A Constituição de 1891, institucionalizou o Tribunal e conferiu-lhe competências para liquidar as contas da receita e da despesa e verificar a sua legalidade antes de serem prestadas ao Congresso Nacional.

Pela Constituição de 1934, o Tribunal recebeu, entre outras, as seguintes atribuições: proceder ao acompanhamento da execução orçamentária, registrar previamente as despesas e os contratos, julgar as contas dos responsáveis por bens e dinheiro públicos, assim como apresentar  parecer prévio sobre as contas do Presidente da República para posterior encaminhamento à Câmara dos Deputados.

Com exceção do parecer prévio sobre as contas presidenciais, todas as demais atribuições do Tribunal foram mantidas pela Carta de 1937. A Constituição de 1946 acresceu um novo encargo às competências da Corte de Contas: julgar a legalidade das concessões de aposentadorias, reformas e pensões.

A Constituição de 1967, ratificada pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969, retirou do Tribunal o exame e o julgamento prévio dos atos e dos contratos geradores de despesas, sem prejuízo da competência para apontar falhas e irregularidades que, se não sanadas, seriam, então, objeto de representação ao Congresso Nacional.

Eliminou-se, também, o julgamento da legalidade de concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ficando a cargo do Tribunal, tão-somente, a apreciação da legalidade para fins de registro. O processo de fiscalização financeira e orçamentária passou por completa reforma nessa etapa. Como inovação, deu-se incumbência ao Tribunal para o exercício de auditoria financeira e orçamentária sobre as contas das unidades dos três poderes da União, instituindo, desde então, os sistemas de controle externo, a cargo do Congresso Nacional, com auxilio da Corte de Contas, e de controle interno, este exercido pelo Poder Executivo e destinado a criar condições para um controle externo eficaz.

Finalmente, com a Constituição de 1988, o Tribunal de Contas da União teve a sua jurisdição e competência substancialmente ampliadas. Recebeu poderes para, no auxílio ao Congresso Nacional, exercer a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, à legitimidade e à economicidade e a fiscalização da aplicação das subvenções e da renúncia de receitas. Qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária tem o dever de prestar contas ao TCU.

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BRASIL COLÔNIA

O Brasil colônia nada mais era do que uma fonte inesgotável de recursos para Portugal. Desta feita, o controle o controle não tinha o escopo de evitar fraudes, ou mesmo de transformar as contas públicas da colônia através do princípio da economicidade e eficiência. Tal controle era essencialmente mercantilista, vez que o único intuito de Portugal era maximizar a arrecadação da coroa e extrair o máximo possível de riquezas do Brasil.

Nos idos de 1516, o Rei D. Manoel emitiu Regimento da Fazenda, onde vinculava o registro de todos os contratos de arrecadação junto ao Rei, demonstrando-se assim uma primeira forma de controle administrativo dos contratos públicos à época.

À época o regime que vigorava era o das Capitanias Hereditárias (1534), mudando apenas no ano de 1549 para o sistema dos Governos Gerais, onde juntamente foi criado o cargo de Provedor-mor das contas com a função de assessoramento dos governadores para assuntos financeiros e fiscais.

Ribeiro1 anota que em 1591 o Rei Felipe II da Espanha e Portugal cria o Conselho da Fazenda, unificando-se o sistema de controle das finanças públicas, e em 1627 o Rei Felipe IV exara o Regimento dos Contos, que consolida os principais referenciais reguladores do processo de contas de devedores, exatores e pagadores o Reino, centralizando assim, toda a contabilidade pública, tanto da Metrópole como de Ultramar.

Com o fim do reinado espanhol e o retorno da cisão entre Portugal e Espanha, D. João IV, em 1642 viabiliza a instalação do Conselho Ultramarino. Já em 1680 criaram-se as Juntas das Fazendas das Capitanias e a Junta da Fazenda do Rio de Janeiro, lembrando-se sempre que ainda subordinadas à Portugal.

Fernandes2 lembra que o Erário Régio foi alterado ao tempo da ocupação francesa, sendo que por decreto de 30.12.1807 foram extintas as duas contadorias relativas a domínios ultramarinos, extinção esta que veio a ser revogada em 1809.

No ano de 1808 muitas coisas mudaram no Brasil, obviamente pela vinda da Família Real, e sob a administração de D. João VI, foi possível a instalação do Erário Régio e do Conselho da Fazenda, este último tendo como atribuição coordenar e controlar todos os dados referentes ao patrimônio e fundos públicos.

Ao cargo de Inspetor-Geral seguiam-se o de Tesoureiro-Mor os quais tinham as chaves do cofre. Existia ainda quatro contadorias que dividiam o Tesouro de acordo com suas competências territoriais.


PERÍODO IMPERIAL – CONSTITUIÇÃO DE 1824

Em 1822 ocorreu a Proclamação da Independência, e consequentemente a transformação do Erário Régio em Tesouro Nacional pela Constituição de 1824 prevendo-se então os primeiros orçamentos e balanços gerais totalmente desvinculados à Coroa Portuguesa. O Brasil não mais era uma mera colônia de Portugal, agora possuía autonomia e contabilidade separada.

O Capítulo III, da Constituição de 1824, dispunha sobre a Fazenda Nacional, in verbis:

Art. 170. A Receita, e despeza da Fazenda Nacional será encarregada a um Tribunal, debaixo de nome de 'Thesouro Nacional" aonde em diversas Estações, devidamente estabelecidas por Lei, se regulará a sua administração, arrecadação e contabilidade, em reciproca correspondencia com as Thesourarias, e Autoridades das Provincias do Imperio.

Art. 171. Todas as contribuições directas, á excepção daquellas, que estiverem applicadas aos juros, e amortisação da Divida Publica, serão annualmente estabelecidas pela Assembléa Geral, mas continuarão, até que se publique a sua derogação, ou sejam substituidas por outras.

Art. 172. O Ministro de Estado da Fazenda, havendo recebido dos outros Ministros os orçamentos relativos ás despezas das suas Repartições, apresentará na Camara dos Deputados annualmente, logo que esta estiver reunida, um Balanço geral da receita e despeza do Thesouro Nacional do anno antecedente, e igualmente o orçamento geral de todas as despezas publicas do anno futuro, e da importancia de todas as contribuições, e rendas publicas.3

A ideia da criação de um Tribunal de Contas surgiu pela primeira vez em junho de 1826, com a proposição de um projeto de lei visando à organização da administração geral do Estado, onde o Tesouro Nacional seria de responsabilidade de um administrador geral, sujeito a um Tribunal de Revisão de Contas, o qual deveria possuir regimento próprio4.

Avançando na consolidação de um mecanismo de controle de contas no Brasil Império, em outubro de 1831, editou-se a Lei nº. 657, que criou o Tribunal do Tesouro Público Nacional, os quais tinham a incumbência de:

“Administrar a receita e a despesa pública, a contabilidade e os bens nacionais, receber a prestação de contas anuais de todas as repartições públicas, analisar os empréstimos e a legislação fazendária, inspecionar as repartições da fazenda, ainda que dependentes de outros Ministérios e demitir funcionários públicos considerados inidôneos e inabilitados à ocupação dos cargos5”.

Assim, nasceu a primeira Lei orçamentária brasileira, lembrando que até então, o Brasil era apenas regido por leis coloniais. Esta Lei estava direcionada à Corte e à Província do Rio de Janeiro.

O novo Tribunal teve sua sessão inaugural em 9 de Janeiro de 1832 e era composto de quatro membros, o Ministro da Fazenda, fazendo às vezes de Presidente, um Inspetor-Geral, um Contador Geral do Tesouro e um Procurador Fiscal6.

Vale salientar que não foi fácil a criação deste novo Tribunal, apresentando o Visconde de Baependi severa oposição:

“(...) se o Tribunal de Revisão de Contas, que se pretende estabelecer, se convertesse em Tribunal de fiscalização das despesas públicas antes de serem feitas em toda e qualquer repartição, poder-se-ia colher dele proveito; mas sendo unicamente destinado ao exame das contas e documentos, exame que se faz no Tesouro, para nada servirá, salvo novidade do sistema e aumento da despesa com os nele empregados”7.

Mesmo após tantas adversidades o Tribunal de Revisão prosperou e com o passar dos anos diversos foram os pleitos de se aumentar autonomia do Tribunal. José de Alencar, relator da segunda Comissão de Orçamento, defendeu a ampliação da independência do Tribunal, indicando até mesmo a possibilidade de membros vitalícios8.


PERÍODO REPUBLICANO – CONSTITUIÇÃO DE 1891

Segundo Araújo9, As discussões em torno da criação de um tribunal de contas durariam quase meio século, polarizadas entre duas correntes bem demarcadas; uns que defendiam a sua necessidade, para quem as contas públicas deviam ser examinadas por um órgão independente, enquanto de outro lado figuravam aqueles que combatiam, por entenderem que as contas públicas podiam continuar sendo controladas por aqueles mesmos que as realizavam.

Somente com a queda do Império e as reformas político administrativas da nova república o tão desejado Tribunal de Contas tornou-se realidade.

Com o advento da República o Marechal Deodoro da Fonseca, com apoio irrestrito de seu Ministro da Fazenda, Rui Barbosa, instituiu o Tribunal de Contas, através do Decreto nº. 966-A, de 07 de novembro de 1890, incumbindo o novo Tribunal de Contas do exame, revisão e julgamento de todas as contas, receitas e despesas do Brasil República.

Sobre o assunto vale repisar as históricas palavras de Rui Barbosa:

“A medida que vem propor-vos é a criação de um Tribunal de Contas, corpo de magistratura intermediária à Administração e à Legislatura que, colocado em posição autônoma, com atribuições de revisão e julgamento, cercado de garantias contra quaisquer ameaças, possa exercer as suas funções vitais no organismo constitucional, sem risco de converter-se em instituição de ornato aparatoso e inútil (...) Não basta julgar a administração, denunciar o excesso cometido, colher a exorbitância ou prevaricação, para as punir.

Circunscrita a esses limites, essa função tutelar dos dinheiros públicos será muitas vezes inútil, por omissa, tardia ou impotente. Convém levantar entre o poder que autoriza periodicamente a despesa e o poder que quotidianamente a executa um mediador independente, auxiliar de um outro, que, comunicando com a legislatura e intervindo na administração, seja não só o vigia como a mão forte da primeira sobre a Segunda, obstando a perpetuação das infrações orçamentárias por um veto oportuno aos atos do Executivo, que direta e indireta, próxima ou remotamente, discrepem da linha rigorosa das leis e finanças”10.

Assim, em sete de novembro de 1890, o Marechal Deodoro da Fonseca, Presidente da República, juntamente com seu Ministro da Fazenda, Rui Barbosa, instituíram o Tribunal de Contas, pelo Decreto 966-A, competindo à Corte a análise, mensal do movimento de receitas e despesas, conferindo o resultado encaminhado ao Thesouro, e informando ao Legislativo, além de julgar as contas dos responsáveis, condenando os responsáveis ou dando-lhes quitação, norteado pelos princípios da autonomia, fiscalização, julgamento, vigilância e energia11.

A eleição de Deodoro da Fonseca, em 25 de fevereiro de 1891, no dia posterior à promulgação da Constituição, já tinha sido problemática. Temendo perder o pleito no Congresso – a primeira eleição presidencial foi indireta – para Prudente de Morais, os partidários do marechal pressionaram os parlamentares. O Congresso estava ocupado por soldados à paisana e policiais. Os constituintes militares estavam armados no interior do recinto de votação. O Clube Naval divulgou uma nota afirmando que “seria agradável à Marinha a eleição do marechal Deodoro da Fonseca”. À boca pequena, os militares espalhavam que uma derrota do marechal levaria ao fechamento do Congresso e à imposição de uma ditadura. Deodoro acabou recebendo 129 votos, contra 97 de Prudente.

Em novembro, pressionado pela oposição, que ameaçou entrar com um processo de impedimento, acusando o governo de corrupção, Deodoro fechou o Congresso. O primeiro presidente era uma pessoa simples, correta, honesta, mas absolutamente despreparada para o cargo. Não entendia o funcionamento dos poderes. Era manipulado pelo sobrinho ou pelos ministros influentes, como o Barão de Lucena. O desconhecimento legal era tão acentuado que imaginou que seria necessário um decreto do Executivo para sancionar a Constituição. Chegou a assiná-lo, porém Lopes Trovão, na Imprensa Oficial, viu o documento e impediu a publicação no Diário Oficial.

O golpe deodorista durou pouco. Vinte dias depois foi obrigado a renunciar, por causa da rebelião de forças do Exército e da Marinha. O poder foi entregue ao vice-presidente, o também marechal Floriano Peixoto. A Constituição era clara: seria necessário convocar nova eleição. Floriano, nosso primeiro “jurista de espada”, interpretou que não, que o disposto não seria aplicável à primeira eleição, só aos seus sucessores. Os desgostosos ainda recorreram ao Supremo Tribunal, mas de nada adiantou. A força das armas mais uma vez se impôs. Joaquim Nabuco, monarquista, em carta ao amigo Aníbal Falcão, republicano, em outubro de 1891, definiu bem o momento: “Vocês, republicanos, substituíram a monarquia pelo militarismo sabendo o que faziam, e estão convencidos de que a mudança foi um bem. Eu […] pensei sempre que seria mais fácil embarcar uma família do que licenciar um exército”12.

Apesar da criação do Tribunal de Contas em 1890, foi com a chegada da Constituição de 1891 que efetivamente houve a constitucionalização da Corte de Contas, litteris:

“Art. 89 – É instituído um Tribunal de Contas para liquidar as contas da receita e despesa e verificar a sua legalidade, antes de serem prestadas ao Congresso. Os membros deste Tribunal serão nomeados pelo Presidente da República; com aprovação do Senado, e somente perderão os seus lugares por sentença”.

Neste sentido é de fácil percepção que o Tribunal de Contas é nítida instituição Republicana, res publica, onde a coisa pública merece especial fiscalização e a obrigatoriedade do gestor público de gerir tais recursos da melhor forma possível com irrestrita probidade.

O primeiro regulamento do Tribunal de Contas foi feita sob a tutela do Ministro da Fazenda, Sezerdello Corrêa, na Presidência de Floriano Peixoto, por meio do Decreto Provisório nº. 1.166, de 17 de dezembro de 1892.

Insta observar que a instalação do Tribunal se deu apenas no ano de 1893, “às 11 horas da manhã, na ala direita do terceiro andar do casarão onde funcionavam o Ministério da Fazenda e o Tesouro Nacional, situados na antiga Rua do Sacramento, depois, Avenida Passos, na cidade do Rio de Janeiro, demolido em 1938”13.

Anos depois, o Tribunal passou pelas seguintes reformas; pelos Decretos nº. 392, de oito de outubro de 1896 e 2.409, de 23 de dezembro de 1896, como uma reforma institucional. Ainda lhe foi conferida competência para examinar atos atinentes à arrecadação de impostos e taxas. Através do Decreto nº. 2.511 de 1911, ficou determinada a apresentação das contas do governo ao Congresso Nacional, sujeita à emissão de parecer prévio pelo Tribunal de Contas.

Logo após a instalação do Tribunal de Contas passou por uma situação inusitada de extremamente interessante. Em abril de 1903 o então Presidente Floriano Peixoto, determinou ao Ministro da Viação que nomeasse o irmão do ex-presidente Deodoro da Fonseca, o Sr. Pedro Paulino da Fonseca, como servidor público, mediante salário de 1 conto de réis por mês. Todavia, o orçamento não era suficiente e o Tribunal de Contas negou o registro da nomeação. Inconformado com a decisão do Tribunal, Floriano Peixoto mandou redigir decretos que retiravam do TCU a competência para impugnar despesas consideradas ilegais14.

Em função deste evento, Floriano Peixoto mudou o sistema do Tribunal de Contas quanto ao registro e fiscalização prévia e veto absoluto, determinado o registro sob protesto, por meio de decretos. O Ministro Serzedelo Corrêa, não concordando com a posição do Presidente, demitiu-se do cargo, asseverando que a Corte seria um recurso contra seus próprios erros, in verbis:

“Esses decretos anulam o Tribunal, o reduzem a simples Ministério da Fazenda, tiram-lhe toda a independência e autonomia, deturpam os fins da instituição, e permitirão ao Governo a prática de todos os abusos e vós o sabeis – é preciso antes de tudo legislar para o futuro . (...)

Pelo que venho de expor, não posso, pois Marechal, concordar e menos referendar os decretos a que acima me refiro e por isso rogo vos digneis de conceder-me a exoneração do cargo de Ministro da Fazenda, indicando-me sucessor”15.

A década de 1920 foi marcada por diversas revoltas militares que ficaram registradas na história como as “rebeliões tenentistas”. Em 1922 o palco foi o Rio de Janeiro; em 1924 ocorreram revoltas no Rio Grande do Sul e em São Paulo – na capital paulista os revolucionários permaneceram ocupando a cidade por uma quinzena; e, entre 1925 e 1927, a Coluna Prestes (junção, no Paraná, das forças rebeldes vindas do Sul, sob comando do capitão Luís Carlos Prestes, com as que abandonaram São Paulo) percorreu o interior do país travando combates com as forças oficiais. A sucessão de Washington Luís, em 1930, acirrou as contradições políticas. Foi uma campanha eleitoral renhida. A chapa oficial, liderada por Júlio Prestes, enfrentou Getúlio Vargas, o candidato oposicionista. O governo venceu. Houve acusações de fraude. A temperatura política aumentou também em razão dos problemas econômicos gerados pela crise mundial de 1929, que atingiu severamente o Brasil, dependente da exportação do café. Em 3 de outubro de 1930, sete meses após a eleição e um mês antes da posse do novo presidente, teve início a revolução. Depois de vários combates, da prisão e exílio de Washington Luís, no mês seguinte, Vargas assumiu a Presidência.

Os revolucionários de 1930 não deixaram pedra sobre pedra da estrutura legal do regime anterior. Como em 1889, era necessário refundar o Brasil. O Poder Legislativo foi extinto. Para os executivos estaduais foram nomeados interventores (com exceção de Minas Gerais) e o Judiciário sofreu forte controle dos novos donos do poder. O decreto 19.398, de 11 de novembro de 1930, não deixou nenhuma margem à dúvida. No artigo 1.º, ficou explícito que o governo “exercerá discricionariamente em toda a sua plenitude as funções e atribuições não só do poder Executivo, como também do poder Legislativo”. Pelo artigo 5.º “ficam suspensas as garantias constitucionais e excluída a apreciação judicial dos decretos e atos do Governo Provisório ou dos interventores federais”. A Constituição de 1891, na prática, ficou suspensa, pois poderia ser restringida por simples decretos, leis ou atos do governo ou de seus delegados16.

Com a Revolução de 1930 e passando o Executivo a legislar por decretos, diversas atribuições do Tribunal de Contas foram esvaziadas, sendo de se notar, neste contexto histórico, o fato de que o Decreto 20.393, de 10.09.1931 instituiu o registro a posteriori da despesa que tivesse sido levada a efeito, ou seja: fora deslocado no tempo o momento da efetivação do controle17.

Sobre o autor
Luis Eduardo Oliveira Alejarra

Advogado no escritório Oliveira e Becker. Formado em Direito pelo Instituto Processus. MBA Executivo em Finanças Corporativas. Pós-graduado em Direito Empresarial. Doutorando pela Universidade de Buenos Aires. Especialista em Direito Empresarial, Tribunal de Contas da União e Licitações Internacionais Diretrizes Banco Mundial - BIRD.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALEJARRA, Luis Eduardo Oliveira. A criação do Tribunal de Contas na história constitucional brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3952, 27 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27898. Acesso em: 25 nov. 2024.

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