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O homem dos direitos humanos

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Agenda 25/05/2014 às 11:30

A PESSOA HUMANA E SEUS DIREITOS:

Foi durante o período axial da História que despontou a idéia de uma igualdade essencial entre todos os homens. Mas foram necessários vinte e cinco século para que a primeira organização internacional a englobar a quase-totalidade dos povos da Terra proclamasse, na abertura de uma Declaração Universal de Direitos Humanos, que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.

Ora, essa convicção de que todos os seres humanos têm direito a serem igualmente respeitados, pelo simples fato de sua humanidade, nasce vinculada a uma instituição social de capital importância: a lei escrita, como regra geral e uniforme, igualmente aplicável a todos os indivíduos que vivem numa sociedade organizada.

A lei escrita alcançou entre os judeus uma posição sagrada, como manifestação da própria divindade. Mas foi na Grécia, mais particularmente em Atenas, que a preeminência da lei escrita tornou-se, pela primeira vez, o fundamento da sociedade política. Na democracia ateniense, a autoridade ou força moral das leis escritas suplantou, desde logo, a soberania de um indivíduo ou de um grupo ou classe social, soberania esta tida doravante como ofensiva ao sentimento do cidadão. Para os atenienses, a lei escrita é o grande antídoto contra o arbítrio governamental, pois, como escreveu Eurípedes na peça As Suplicantes (versos 434-437), “uma vez escritas as leis, o fraco e o rico gozam de um direito igual: o fraco pode responder ao insulto do forte, e o pequeno, caso esteja com a razão vencer o grande”.

Mas, ao lado da lei escrita, havia também entre os gregos uma outra noção de igual importância: a de lei não escrita. Tratava-se, a bem dizer, de noção ambígua podendo ora designar o costume juridicamente relevante, ora as leis universais, originalmente de cunho religioso, as quais, sendo regras muitas gerais e absolutas, não se prestavam a serem promulgadas no território exclusivo de uma só nação.

Nas gerações seguintes, o caráter essencialmente religioso dessas leis não escritas foi sendo dissipado. Em Aristóteles elas são chamadas leis comuns, reconhecidas pelo consenso universal, por oposição às leis particulares, próprias de cada povo.

Vale ressaltar que em alguns autores gregos, a igualdade essencial do homem foi expressa mediante a oposição entre a individualidade própria de cada homem e as funções ou atividades por ele exercidas na vida social.

Na tradição bíblica, Deus é o modelo de pessoa para todos os homens. Sem dúvida o cristianismo, proclamando o dogma da Santíssima Trindade, quebrou a unidade absoluta e transcendental da pessoa divina. Mas, em compensação, Jesus de Nazaré concretizou na História o modelo ético de pessoa, e tornou aos homens mais acessível a sua imitação.

Não foi somente este, porém, o ponto de ruptura do cristianismo com o judaísmo. A partir da pregação de Paulo de Tarso, o verdadeiro fundador da religião cristã enquanto corpo doutrinário, passou a ser superada a idéia de que Deus único e transcendente havia privilegiado um povo entre todo, escolhendo-o como seu único e definitivo herdeiro. Algumas passagens dos Evangelhos demonstram o inconformismo de Jesus com essa concepção nacionalista da religião. Paulo levou o universalismo evangélico às últimas consequências, ao afirmar que, diante da comum filiação divina, “já não há nem judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher”.

Mas essa igualdade universal dos filhos de Deus só valia, efetivamente, no plano sobrenatural, pois o cristianismo continuou admitindo, durante muitos séculos, a legitimidade da escravidão, a inferioridade natural da mulher em relação ao homem, bem como a dos povos americanos, africanos e asiáticos colonizados, em relação aos colonizadores europeus. Ao se iniciar a colonização moderna com a descoberta da América, grande número de teólogos sustentou que os indígenas não podiam ser considerados iguais em dignidade ao homem branco.

De qualquer forma, a mensagem evangélica postulava, no plano divino, uma igualdade de todos os seres humanos, apesar de suas múltiplas diferenças individuais e grupais. Competia, portanto, aos teólogos aprofundar a idéia de uma natureza comum a todos os homens, o que acabou sendo feito a partir dos conceitos desenvolvidos pela filosofia grega.

A primeira grande discussão conceitual entre os doutores da Igreja, no entanto, não ocorreu a respeito do ser humano, e sim da identidade de Jesus Cristo. No primeiro concílio ecumênico, reunido em Nicéia em 325, cuidou-se de decidir sobre a ortodoxia ou heterodoxia de duas interpretações antagônicas da identidade de Jesus: a que o apresentava como possuidor de uma natureza exclusivamente divina (daí o nome de monofisitas atribuído aos partidários dessa crença), e a doutrina ariana, segundo a qual Jesus fora efetivamente gerado pelo Pai, não tendo, portanto, uma natureza consubstancial a este. Os padres conciliares recorreram, para a solução da controvérsia, aos conceitos estóicos de hypóstasis e prósopon, decidindo, como dogma de fé, que a hypóstasis de Jesus Cristo apresentava uma dupla natureza, humana e divina, numa única pessoa, vale dizer, numa só aparência.

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Sobre a concepção medieval de pessoa que se iniciou a elaboração do princípio da igualdade essencial de todo ser humano, não obstante a ocorrência de todas as diferenças individuais ou grupais, de ordem biológica ou cultural. E é essa igualdade de essência da pessoa que forma o núcleo do conceito universal de direitos humanos. A expressão não é pleonástica, pois que se trata de direitos comuns a toda a espécie humana, a todo homem enquanto homem, os quais, portanto, resultam da sua própria natureza não sendo meras criações políticas.

É importante destacar que a dignidade da pessoa não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente das coisas, um ser considerado e tratado, em si mesmo, como um fim em si e nunca como um meio para a consecução de determinado resultado. Ela resulta também do fato de que, pela sua vontade racional, só a pessoa vive em condições de autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita.

Daí decorre que todo homem tem dignidade e não um preço, como as coisas. A humanidade como espécie, e cada ser humano em sua individualidade, é propriamente insubstituível: não tem equivalente, não pode ser trocado por coisa alguma.

A escravidão acabou sendo universalmente abolida, como instituto jurídico, somente no século XX. Mas a concepção Kantiana da dignidade da pessoa como um fim em si leva à condenação de muitas outras práticas de aviltamento da pessoa à condição de coisa, além da clássica escravidão, tais como o engano de outrem mediante falsas promessas, ou os atentados cometidos contra os bens alheios. Ademais, se o fim natural de todos os homens é a realização de sua própria felicidade, não basta agir de modo a não prejudicar ninguém. Isto seria uma máxima meramente negativa. Tratar a humanidade como um fim em si implica o dever de favorecer, tanto quanto possível, o fim de outrem. Pois, sendo o sujeito um fim em si mesmo, é preciso que os fins de outrem sejam por mim considerados também como meus.

Já a transformação das pessoas em coisas realizou-se de modo menos espetacular, mas não menos trágico, com o desenvolvimento do sistema capitalista de produção. Como denunciou Marx, ele implica a reificação das pessoas: ou melhor, a inversão completa da relação pessoa-coisa. Enquanto o capital é, por assim dizer, personificado e elevado à dignidade de sujeito de direito, o trabalhador é aviltado à condição de mercadoria, de mero insumo no processo de produção, para ser ultimamente, na fase de fastígio do capitalismo financeiro, dispensado e relegado ao lixo social como objeto descartável. O mesmo processo de reificação acabou transformando hodiernamente o consumidor e o eleitor, por força da técnica de propagando de massa, em mero objeto de direito. E a engenharia genética, por sua vez, tornou possível a manipulação da própria identidade pessoal, ou seja, a fabricação do homem pelo homem.

Insta ressaltar que a reflexão filosófica contemporânea salientou que o ser do homem não é algo de permanente e imutável: ele é, propriamente, um vir-a-ser.

Faz-se mister destacar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada unanimemente pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, condensou toda a riqueza dessa longa elaboração teórica, ao proclamar, em seu artigo VI que todo homem tem direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa.

Nem por isso, no entanto, os problemas ético-jurídicos foram eliminados. Ao contrário, o avanço tecnológico não cessa de criar problemas novo e imprevisíveis, à espera de uma solução satisfatória, no campo ético. Se todo ser humano deve ser havido, em qualquer lugar e circunstância, como pessoa, e em razão disso protegido pela ordem jurídica, a partir de que momento, precisamente, deve-se reconhecer a existência de um homem? Desde a fecundação do óvulo pelo esperma? A partir de duas semanas após a concepção, como dispõe uma lei britânica? Ou apenas pelo nascimento com vida? No juízo da ética e do direito, o aborto intencional equivale a um homicídio?


GLOBALIZAÇÃO E DIREITOS HUMANOS:

Mais de 50 anos se passaram desde a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nesse período, a globalização e a interdependência entre as nações ampliaram a possibilidade e o escopo das sanções contra crimes que ameaçam a humanidade. Além disso passaram a entender que os direitos humanos transcendem as suas fronteiras e que todos devem adotar regras internacionais pertinentes.

Essa noção de direitos humanos na era da globalização é conseqüência do reconhecimento da necessidade de oferecer proteção ao indivíduo onde quer que ele esteja. A intervenção em Kosovo e no Timor Leste são exemplos marcantes da fragilidade das fronteiras geográficas quando se trata de direitos humanos. Assim, a percepção da necessidade de aceitar essa inegável responsabilidade já se encontra distribuída e se tornará cada vez mais visível. O mesmo reconhecimento e a mesma aceitação existem para assuntos ligados ao meio ambiente, em vista da sua magnitude universal.

Desta forma, cada país tem o direito de definir e controlar a situação dos seus cidadãos e dos estrangeiros, mas o direito individual permeia as fronteiras das nações. O reconhecimento dos direitos humanos e da autodeterminação atingiu um nível universal. Por esse motivo, as organizações mundiais são de primordial importância para oferecer garantias aos direitos do indivíduo.


CONCLUSÕES

Com o desenvolvimento do homem, fez-se necessário o surgimento do direito, e posteriormente um ramo mais específico, que foram os direitos do homem ou humanos.

Hoje para se falar dos direitos humanos é também necessário correlacionar com a globalização. Por isto, vale ressaltar que a globalização atual, não sendo a primeira da história, caracteriza-se sobretudo pelas tecnologias que eliminam as distâncias e zombam das fronteiras. Sem dúvida, ela favorece paradoxalmente as reivindicações locais e a proliferação dos Estados, mas antes de tudo favorece as dependências e, portanto, um enfraquecimento dos Estados e de seus sistemas de direito, submetidos a um processo de internacionalização sob a dupla influência da globalização econômica, que abre as fronteiras das práticas (comerciais, mas também criminais) de natureza transnacional, e dos direitos humanos baseados na Declaração de 1948, que postula a existência de valores universais.

Contudo, a simetria entre o mercado e os direitos humanos é apenas aparente, e a relação entre sistemas de direito, globalização e universalismo dos direitos humanos permanece ambígua. O aparecimento de um “direito da globalização” de vocação econômica é muito mais rápido e eficaz do que a “globalização do direito” que permitiria a aproximação dos direitos nacionais sob a influência dos direitos humanos.

Daí o risco de contradição: de um lado, a globalização econômica é a marca de uma mutação caracterizada por uma certa impotência dos Estados que permanecem limitados por seus territórios enquanto os atores econômicos desdobram suas redes à escala de estratégias globais; de outro, o universalismo ético, anunciado pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, é doravante enquadrado por diversos instrumentos internacionais, de alcance regional ou mundial, mas supõe sempre a mediação dos Estados.

Portanto, é importante destacar que para analisar o homem dos direitos humanos tem que buscar uma ligação entre o mercado global, o homem biológico, o homem social, o homem religioso e os direitos humanos. Isto ocorre porque todos estes fatores cooperaram e cooperam ainda hoje para o desenvolvimento do homem incluso na era dos direitos humanos.


REFERÊNCIAS

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3. ed, São Paulo: Saraiva, 2003.

MELO, Joana Angélica D´Ávila. Globalização para quem? Uma discussão sobre os rumos da globalização. São Paulo: Editora Futura, 2002.

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 3. ed, São Paulo: Atlas, 2000.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.

WHITLOCK JR., Luder. Bíblia de Estudo de Genebra. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1995.

Sobre o autor
André Ricardo Fonseca da Silva

Doutor em Políticas Públicas e Formação Humana pela UERJ e Mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB. Professor da UNIPÊ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, André Ricardo Fonseca. O homem dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3980, 25 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27962. Acesso em: 28 dez. 2024.

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