Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

O princípio da eficiência na gestão pública brasileira:Considerações atuais

Agenda 26/04/2014 às 14:31

O presente artigo visa destacar a relevância da promoção da eficiência administrativa em prol do cumprimento de tarefas (ou deveres) fundamentais do Estado brasileiro.

A Constituição de um país é a norma mais importe de sua estrutura política e jurídica. Cada nova Constituição constitui um novo Estado. É neste documento que se registram direitos fundamentais, entre eles direitos políticos, sociais, econômicos e culturais, além da própria estrutura do Estado, definindo se trata de uma federação, de um Estado Unitário, definindo se trata de uma república, de uma monarquia ou de um sistema parlamentarista, definindo a composição e estruturação dos órgãos dos poderes executivo, legislativo e judiciário.

Segundo precisa lição de Hans Kelsen, convém que se aplique a um dado ordenamento jurídico a teoria da infra-supra ordenação, ou seja, deve haver um sistema escalonado de comandos (normas) que sejam aptas a regrar as condutas humanas. Neste sentido, a constituição é a norma mais importante e basilar de todas as outras. Toda e qualquer norma que com ela entre em choque deverá ser declarada contrária à constituição ou inconstitucional, e por via de consequência, ser excluída do sistema normativo. As sociedades primitivas mostraram o que os seres humanos eram capazes de fazer aos seus semelhantes, quando algum interesse lhes era comum: partiam para a agressão e vencia o mais forte.

Com a evolução das sociedades, evoluiu-se também a forma como esta deveria se regrar, ou seja, como esta deveria criar normas que pudesse haver um convívio harmônico. Assim, os agrupamentos humanos se desenvolveram como vilas, pequenas cidades e Estados, tornando-se, gradativamente, mais complexos em termos de seus ordenamentos normativos. O movimento conhecido como constitucionalismo já havia iniciado antes da Revolução Francesa, mas foi, no entanto, a partir deste evento que as constituições nacionais passaram a ser semelhantes às que existem nos dias de hoje, dispondo em sua estrutura, de uma carta de direitos tidos como superiores, indispensáveis a uma vida de qualidade com um mínimo de dignidade.

O Brasil, desde sua independência já teve oito textos constitucionais, sendo as Constituições de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, EC nº 1/69 e 1988. A última, em pleno vigor, foi alcunhada de Constituição Cidadã, Constituição Democrática, entre outras. Teve importância marcante, pois foi a constituição que se seguiu ao regime militar, conhecido como ditadura militar, que se instituiu durante 2 (duas) décadas.

Como é de sua natureza intrínseca, a Constituição de 1988 lançou as bases para um regime democrático republicano pautado sobre um modelo de Estado federal, onde a Administração Pública deve se portar segundo padrões de comportamento (através, obviamente, do comportamento de seus agentes) que sejam compatíveis com a própria ideia republicana. República, em sua origem, quer dizer res publicae, ou seja, coisa publica. Neste sentido, tem-se que a Gestão de uma República significa a gestão de algo que não é de ninguém em específico, mas de todos em especial. Neste sentido, convém que tratemos de um dos princípios mais importantes para que haja a eficiente aplicação dos recursos públicos, os quais serão direcionados à realização das mais variadas políticas públicas: o princípio da eficiência.

 

 

Em linguagem simples, princípios são os valores essenciais que justificam a criação de determinados padrões de comportamentos. Os princípios são mais importantes do que textos normativos específicos, uma vez que constitui o fundamento e a justificativa dos mesmos. Ao se violar uma norma, se viola um comando (ou a norma em sua totalidade) específico, ao passo que ao se violar um princípio viola-se todo um sistema de normas, comprometendo em muitos casos a unidade de um dado ordenamento jurídico.

No ordenamento jurídico brasileiro, os princípios têm o status de normas integrativas do direito positivo[2] brasileiro. Tal afirmação encontra respaldo no artigo 4º do Decreto 4657/1942, conhecido como “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”, o qual dispõe que quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

No entanto, convém asseverar que os princípios funcionam não apenas como mecanismo de integração do direito positivo, mas como normas dotadas de força própria. Em obra intitulada “A Força Normativa da Constituição”, Konrad Hesse afirma que normas positivadas e as de cunho principiológicas presentes em um Texto Constitucional possuem a força necessária à concretização de determinados direitos, principalmente daqueles tidos como direitos fundamentais. Este autor afirma que toda norma Constitucional deve ser revestida de um mínimo de eficácia, sob pena de figurar “letra morta em papel” e afirma que a Constituição não configura apenas o “ser” (os princípios basilares que determinam a formação do Estado), mas um dever ser, ou seja, a Constituição deve incorporar em seu bojo a realidade jurídica do Estado, estando conexa com a realidade social[3].

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Em um Estado como o Brasil, com graves crises sociais e regionais a serem superadas, eficiência nas áreas políticas, econômicas e administrativas são pontos a serem buscados diligentemente. Neste sentido, trataremos do princípio da eficiência, previsto como um dos princípios norteadores da Administração Pública no Brasil.

 

 

O artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 37, no texto original previa como princípios norteadores da Administração Pública a Legalidade, Impessoalidade, Moralidade e a Publicidade. Com a Emenda Constitucional nº 19/1998, que produziu o que foi chamado de Reforma Administrativa, foi acrescentado o princípio da eficiência ao rol do tratado artigo 37.

Como bem recorda Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o princípio da eficiência impõe ao agente público um modo de atuar que produza resultados favoráveis à consecução dos fins que cabem ao Estado alcançar. Trata-se de ideia muito presente entre os objetivos da Reforma do Estado. Explicita ainda a doutrinadora que a reforma do Estado permitirá que seu núcleo estratégico tome decisões mais corretas e efetivas, e que seus serviços – tanto os exclusivos, quanto os competitivos, que estarão apenas indiretamente subordinados na medida que se transformem em organizações públicas não estatais – operem muito eficientemente[4].

Em outras palavras, uma Administração Pública eficiente é aquela que cumpre seus objetivos de forma a não haver desperdício de recursos ou de “força” estatal desnecessária. É aquele modelo de gestão que produz o máximo de resultado com o mínimo de esforço (possível), de energia ou de recursos financeiros. A licitação pode ser citada como exemplo de mecanismo para a concretização do princípio da eficiência, uma vez que a doutrina jurídica coloca como um de seus principais objetivos a obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública.

Não raras vezes a eficiência na Administração Pública encontra óbices à sua fruição no âmbito dos órgãos públicos. Entre estes óbices estão o desprezo à coisa pública, a falta de entusiasmo no ambiente de trabalho, a promoção de “leis” de vantagens pessoais, enfim, práticas que tornam os serviços públicos e as prestações estatais ineficientes, trazendo consigo desperdício de tempo, esforço e recursos, fatos estes que adiam cada vez mais a concretização de direitos, muitos deles fundamentais.

Neste sentido, vale destacar que a eficiência deve caminhar, lado a lado, com o princípio da moralidade. Recorde-se ainda que o princípio da moralidade está assentado sobre a concepção de consciência moral, fundamento para a ética nas relações de trabalho, em especial, para a ética no serviço público.

Órgãos de controles internos e externos são importantes para a gestão da eficiência oriundo dos órgãos e serviços públicos, uma vez que servem a monitorar o quadro de atuação dos setores e agentes envolvidos em suas tarefas específicas. Contudo, se fez necessária a promoção de uma política (campanha) de moralização no serviço e nos agentes públicos, de modo que estes se percebam como agentes transformadores da realidade estatal, ainda que o Estado não corresponda ao “ideal” pleiteado pela categoria profissional envolvida na prestação estatal. Nestes termos, deve-se prevalecer o seguinte entendimento: “a luta por melhores condições de trabalho deve continuar, mas o serviço público eficiente não pode parar”.

Waldo Fazzio Júnior é preciso ao afirmar que a eficiência é o fim colimado na própria escolha do detentor do Poder[5].

Em relação aos princípios constitucionais da Administração Pública (previstos no artigo 37 da CF/1988) Carmem Lúcia Antunes Rocha ressalta:

 

“Postos para serem determinantes de comportamentos públicos e privados, não são eles arrolados como propostas ou sugestões: formam o Direito, veiculam-se por normas e prestam-se ao integral cumprimento. A sua inobservância vicia de mácula insanável o comportamento, pois significa a negativa dos efeitos a que se deve prestar. Quer-se dizer, os princípios constitucionais são positivados no sistema jurídico básico para produzir efeitos e deve produzi-los.[6]

 

Percebe-se que a eficiência na prestação estatal constitui uma virtude da qual o gestor público não tem o direito de se dissociar, uma vez que este valor se dilui nas responsabilidades públicas assumidas quando da nomeação ou investidura em determinado cargo ou função pública, tendo o agente, portanto, compromisso consigo mesmo e com a sociedade para o desempenho mais eficiente possível daquela tarefa que lhe incumbe realizar.

 

 

Não constitui objetivo deste breve artigo adentrar nas ricas nuances que envolvem o princípio da eficiência e suas relações com os demais princípios da Administração Pública (Legalidade, Impessoalidade, Moralidade e Publicidade) e com os princípios da igualdade e da proporcionalidade. Vale-se destas linhas para que seja destacada a relevância da promoção da eficiência administrativa em prol do cumprimento de tarefas (ou deveres) fundamentais do Estado brasileiro de modo a encurtar o tempo necessário para que ocorram as transformações que precisam ser realizadas nas estruturas políticas, administrativas, jurídicas e econômicas do país, imprescindíveis à promoção e garantia de direitos fundamentais para o povo brasileiro. A moralidade na vida das pessoas e na Administração Pública deve auxiliar nas mudanças que o país precisa. Para tanto, exemplos de eficiência e justiça devem ganhar o cenário nacional, servindo como mecanismo de elevação da estima e moral do povo brasileiro. Enquanto este tempo não chegar, não há justificativas que caibam aos agentes públicos para negligenciarem suas atuações públicas eficientes.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Atlas, 1999.

 

JÚNIOR, Waldo Fazzio. Improbidade administrativa e crimes de prefeitos. São Paulo: atlas, 2000.

 

ROCHA, Carmen Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994.

 

<http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,o-principio-da-forca-normativa-da-constituicao-e-a-maxima-efetividade-das-normas,31982.html>

[2] Direito escrito, através de leis, decretos, portarias, resoluções, etc.

[3] Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,o-principio-da-forca-normativa-da-constituicao-e-a-maxima-efetividade-das-normas,31982.html>, acesso em 24 de abril de 2014.

[4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Atlas, 1999, pág. 73.

[5] JÚNIOR, Waldo Fazzio. Improbidade administrativa e crimes de prefeitos. São Paulo: atlas, 2000, pág. 171.

[6] ROCHA, Carmen Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994, pág. 50 ss.

Sobre o autor
Carlos Sérgio Gurgel da Silva

Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), Mestre em Direito Constitucional pena Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Especialista em Direitos Fundamentais pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (FESMP/RN), Professor Adjunto IV do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Advogado especializado em Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RN (2022-2024), Geógrafo, Conselheiro Seccional da OAB/RN (2022-2024), Conselheiro Titular no Conselho da Cidade de Natal (CONCIDADE).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!