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Princípio da identidade física do juiz na atualidade

Agenda 28/04/2014 às 10:20

Este trabalho vem com o intuito de esclarecer as problemáticas trazidas pelo princípio da identidade física do juiz, demonstrando quais são os entendimentos jurisprudenciais e sumulados presentes em nosso ordenamento jurídico.

CONCEITO GERAL:

Por imposição legal e com o intuito de causar maior presteza e funcionalidade aos julgamentos, reza a legislação processual que este princípio vem com o escopo de determinar que o juiz que encerra a instrução processual civil, aquele que teve contato com as testemunhas, fica vinculado ao processo, devendo, assim, ser o prolator da sentença, visto que estará em melhores condições para analisar a questão, por ser aquele que colheu as provas.

Observa-se que a maior preocupação do legislador foi manter vinculado aquele juiz que teve maior contato com a fase probatória, para assim preservar as observações psicológicas e a experiência do magistrado no respectivo caso.

O princípio da identidade física do juiz, em se tratando do processo civil, vem previsto no artigo 132, redação dada pela lei 8.637/93:

Artigo 132. O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor.
Parágrafo único. Em qualquer hipótese, o juiz que proferir a sentença, se entender necessário, poderá mandar repetir as provas já produzidas.

Antes da lei de 1993, estipulando como seria aplicado tal princípio, a redação era muito mais complexa. Assim dispunha o artigo que foi alterado:

Artigo 132. O juiz, titular ou substituto, que iniciar a audiência, concluirá a instrução, julgando a lide, salvo se for transferido, promovido ou aposentado; casos em que passará os autos ao seu sucessor. Ao recebê-los, o sucessor prosseguirá na audiência, mandando repetir, se entender necessário, as provas já produzidas.

 

Observa-se que, ao contrário da redação anterior, o ato de iniciar a instrução já não tem significado, tornando-se relevante somente o fechamento deste ato processual, pouco importando o fato de ter havido debates ou oferecimento posterior de memoriais.

Esse assunto é de suma importância. Prova disso é que o extinto Tribunal Federal de Recursos editou a súmula 262 em 25/10/1998 afirmando que não se vincula ao processo o juiz que não colheu prova em audiência.

Em nenhuma redação percebe-se de qual audiência se trata essa vinculação, mas presume-se, em se tratando da finalidade da norma, que se tratam das audiências unas, isso no caso dos procedimentos sumários e do juizado especial e das demais audiências de instrução, seja qual for o procedimento.

Algumas observações devem ser estudadas, como por exemplo: este princípio não se aplica ao Estatuto Da Criança e do Adolescente. Mesmo o ECA utilizando das normas processuais subsidiariamente, o próprio estatuto determina que as audiências sejam feitas de maneira fracionada, não mencionando em nenhum momento o princípio da identidade física do juiz. Tal posicionamento é adotado pelo STJ através do HC 165.698, onde determina que o artigo 399, §2º do CPP não será aplicado de maneira subsidiária ao ECA, como já explanado anteriormente.

Já no âmbito da Justiça do Trabalho, o princípio não está consolidado e as discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema são crescentes. Ocorre que, até a promulgação da emenda constitucional nº 24 de 1999, ainda existia no ordenamento jurídico trabalhista brasileiro as Juntas de Conciliação e Julgamento. Estas juntas eram compostas por um Juiz Presidente, concursado, e dois Juízes Classistas, representantes de empregadores e empregados, com mandato de três anos, sendo permitida uma recondução.

Havia, desta forma, um empecilho na aplicação do princípio em questão. Se fosse aplicado rigorosamente como dita o CPC, os três magistrados que participaram da instrução deveriam também participar do julgamento, o que nem sempre era possível, principalmente se considerada a rotatividade dos magistrados classistas. Destarte, o STF e o TST editaram, respectivamente, as súmulas 222 de 1963 e 136 de 1982, ambas decidindo pela não aplicabilidade do princípio aos órgãos trabalhistas de 1º grau. Neste sentido, a redação adotada pela suprema corte quando da edição foi que “o princípio da identidade física do juiz não é aplicável às Juntas de Conciliação e Julgamento da Justiça do Trabalho”.

A emenda constitucional nº 24 de 1999 extinguiu a figura das Juntas de Conciliação e Julgamento, sendo substituídas pelas Varas do Trabalho, com jurisdição exercida por um juiz singular. Neste momento, iniciou-se a discussão sobre a validade das súmulas, visto que o principal argumento não mais vigorava. Em 2003 o TST atualizou a súmula 136, deixando de aplicá-la às extintas Juntas e se orientando às Varas do Trabalho. Porém, com a resolução 185 de 14 de setembro de 2012, cancelou a súmula em questão. Já a súmula do STF ainda vigora com sua redação original, ou seja, citando as Juntas de Conciliação e Julgamento.

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De fato, com a inaplicabilidade do princípio da identidade física do juiz à Justiça do Trabalho, surgiram práticas que, visando a economia e celeridade processuais  se tornaram comuns em certas varas. Pode-se citar como exemplo a divisão de tarefas entre juízes, cabendo a instrução ao juiz titular e o julgamento ao juiz auxiliar, ou vice-versa. Este argumento é utilizado por muitos juízes para manter a inaplicabilidade do princípio na seara trabalhista. Nesse sentido, encontra-se a seguinte ementa proferida pelo Desembargador Federal do Trabalho do TRT da 15a Região, Dagoberto Nishina de Azevedo, no processo nº 0001448-69.2010.5.15.0113:

A Justiça do Trabalho é o ramo mais eficiente do Judiciário, célere e preciso, pois conta uma legislação processual simples, eficiente e não contaminada por filigranas que propiciam chicanas.

A identidade física do Juiz não tem previsão na legislação trabalhista e só seria admissível caso evidenciado qualquer prejuízo à parte.

Um Juiz instrui e outro julga, ambos investidos no mesmo cargo, com a mesma jurisdição, competentes (lato senso), nivelados no conhecimento jurídico e igualmente argutos, portanto, indistintamente aptos e capazes de presidir e julgar o processo.

Biso e friso, a falta de previsão legal específica na processualística trabalhista vinculando o Juiz da instrução ao julgamento da causa fere princípios mais nobres, da utilidade das normas, da higidez dos atos não prejudiciais e da celeridade processual.

Como explanado, as discussões sobre o tema são crescentes, tanto pela relevância quanto pelos recentes desdobramentos. Mas, cabe destacar a regulamentação que alguns tribunais tem criado, como realizado pelo TRT da 4a Região através do Provimento Conjunto nº 11 de 29 de dezembro de 2012, portanto, editado após o cancelamento da súmula do TST:

Art. 14. Os juízes lotados na unidade judiciária poderão estabelecer, de comum acordo, compensações de serviços, respeitados os princípios da economia e celeridade processuais e de modo a prevalecer, necessariamente, o interesse do jurisdicionado.

§1o  O processo permanecerá vinculado ao juiz a quem distribuído originariamente seja qual for o sistema acordado, mesmo quando o outro juiz encerrar a fase de instrução.

§3o     Admitir-se-á a alteração de vinculação somente em situações excepcionais e condicionada a requerimento prévio e fundamentado dos juízes ao Corregedor Regional, que poderá, ou não, deferi-lo.

Art. 16. Nas unidades judiciárias não abrangidas por regime de lotação, a prolação da sentença caberá ao juiz que encerrar a instrução, mesmo quando o encerramento da instrução ocorrer em audiência em que os demais atos se restringirem à apresentação de razões finais e/ou formalização da segunda proposta de conciliação.

No âmbito do processo penal, este princípio vem estipulado em seu artigo 399, §2º, neste caso é imposta a vinculação para aquele juiz que preside a instrução. Percebe-se, portanto, uma pequena diferença com o processo civil, sendo vinculado o juiz que conclui a fase de instrução.

Para os doutrinadores essa imprecisão do legislador é proposital, vez que, em regra, as audiências no processo penal são unas. Entretanto, não é o que os operadores do direito encaram na prática, pois eventualmente pode faltar a presença de alguma testemunha indispensável ou até mesmo o próprio déficit do poder público, onde a falta de oficiais de justiça com tempo hábil para diligenciar impede que o processo siga com seu curso normal ou o magistrado deferir que as alegações finais sejam feitas por escrito, conferindo um prazo para isso.

Destarte, a aplicabilidade do princípio da identidade física do juiz no âmbito processual penal fica da seguinte maneira: se o juiz que presidiu a audiência finalizá-la no mesmo dia, ele que ficará vinculado por força do artigo 399, §2º do CPP, mas se a audiência no Processo penal for partilhada, seja qual for o motivo, ficará vinculado o último juiz que presidiu a sequência da instrução, com força no artigo 3º do mesmo diploma, sendo aplicado subsidiariamente o artigo 132 do Código de Processo Civil.

É bem verdade que esse princípio da identidade física do juiz não é absoluto, contudo, suas exceções serão estudadas em capítulo oportuno deste trabalho.

III. CONSEQUÊNCIAS DA NÃO OBSERVÂNCIA DESTE PRINCÍPIO:

Como já citado, o princípio da identidade física do juiz tem o objetivo de garantir que o magistrado prolator da sentença seja aquele com mais condições para analisar a questão, por ter colhido as provas.

É evidente que o juiz que conduziu a instrução, ouviu o acusado e testemunhas e teve acesso direto aos laudos e outros documentos probatórios está mais apto a prolatar uma sentença justa, seja condenatória ou absolutória.

Portanto, caso este princípio não seja observado, há o risco de que a sentença seja incongruente com as provas colhidas, condenando ou absolvendo indevidamente o acusado. A questão é ainda mais delicada na seara do processo penal, quando está em jogo a liberdade do réu, um dos bens jurídicos mais valiosos garantidos pela Constituição Federal.

Quando do não cumprimento deste instituto, observadas as exceções previstas na lei, é cabível, em sede de recurso, a anulação da sentença prolatada para que outra seja proferida nos termos da lei processual.

EXCEÇÕES DO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ:

Como já previamente citado, o Código de Processo Civil, em seu artigo 132, institui o princípio da identidade física do juiz. Observa-se em sua redação que o legislador garantiu uma flexibilidade deste instituto nos casos em que o magistrado que concluir a audiência estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado. A jurisprudência consolidou que casos de férias também caracterizam o afastamento por qualquer motivo, como julgado pelo STF no RHC 116.205/SP. Em todos estes casos, o julgamento da lide será passado ao seu sucessor, garantindo o direito de se mandar repetir as provas já produzidas, caso julgue necessário.

Diferentemente do CPC, o Código de Processo Penal, em seu artigo 399, não prevê flexibilidade do instituto em questão. Porém, já há um entendimento pacífico na jurisprudência que, permitida pelo artigo 3o do CPP, aplica por analogia as exceções do CPC ao código em questão.

Neste sentido, o STJ afirmou no julgamento do HC 16.3425/RO: 

II - Segundo o Princípio da Identidade Física do Juiz, previsto no art. 399, § 2º, do CPP (modificação trazida pela Lei nº 11.719/08), o Magistrado que concluir a instrução em audiência deverá sentenciar o feito.

III - No entanto, em razão da ausência de regras específicas, deve-se aplicar por analogia o disposto no art. 132 do CPC, segundo o qual no caso de ausência por convocação, licença, afastamento, promoção ou aposentadoria, deverão os autos passar ao sucessor do Magistrado.

IV - "A adoção do princípio da identidade física do Juiz no processo penal não pode conduzir ao raciocínio simplista de dispensar totalmente e em todas as situações a colaboração de outro juízo na realização de atos judiciais, inclusive do interrogatório do acusado, sob pena de subverter a finalidade da reforma do processo penal, criando entraves à realização da Jurisdição Penal que somente interessam aos que pretendem se furtar à aplicação da Lei." (CC 99023/PR, 3ª Seção, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJU de 28/08/2009).

Cabe ressaltar que, por se tratar de recurso para anulação de um ato processual, deve ser observado o princípio “pas de nullité sans grief”. Ou seja, deve ser demonstrado o prejuízo concreto à parte que suscita o vício, pois não se decreta nulidade processual por mera presunção.

O Min. Moreira Alves, relator para o acórdão do julgamento no STF do HC 74.131/MG, assentou que na aplicação do princípio da identidade física do juiz no processo penal, “sob a perspectiva da instrumentalidade das formas, impunha reconhecer nulidade apenas no caso de patente descompasso entre a decisão e as provas colhidas”.

No mesmo sentido, o Min. Ricardo Lewandowski, relator para o acórdão do julgamento do RHC 116.205/SP pela Segunda Turma do STF, complementa:

Naquela oportunidade, ressaltei que tenho aplicado esse princípio com temperamento. Ou seja, conforme o caso concreto. Se houver um prejuízo flagrante para o réu, uma incompatibilidade entre aquilo que foi colhido na instrução e a sentença de primeiro grau, seria, em tese, o caso de anulação.

Em se tratando de casos onde o magistrado se encontra afastado, inclusive de férias, ainda há de se considerar que a não observância da exceção ao princípio poderia acarretar a permanência do réu preso enquanto não houvesse o retorno do juiz que colheu as provas. Ou seja, haveria maior prejuízo ao acusado na demora da prestação jurisdicional.

É igualmente importante ressaltar que, na ocorrência de alguma das hipóteses citadas onde há a flexibilização do princípio da identidade física do juiz, deve ser consignado nos autos o motivo pelo qual o magistrado que encerrou a instrução não poderá proferir a sentença. Caso contrário, também fica caracterizado vício processual, devendo a sentença ser anulada. Neste sentido, pode-se citar o entendimento do TJ-SP no julgamento da apelação 0000334-58.2010.8.26.0495:

Assim, embora se admita que o juiz prolator da sentença não seja o mesmo que atuou na instrução do feito, essa situação só é possível se estiver presente alguma das hipóteses previstas no art. 132 do CPC, o que deve ficar explicitado nos autos, sob pena de inegável ofensa ao princípio da identidade física do juiz, acarretando a nulidade absoluta da decisão proferida. (grifos meus)

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Diante do exposto, dessume-se que o princípio da identidade física do juiz é um instituto constantemente aplicado em nosso ordenamento jurídico, uma vez que é de suma importância para a segurança de um processo fiel às provas e testemunhos trazidos em juízo.

Sua aplicabilidade encontra-se respaldada nos artigos 399, §2º do CPP e 132 do CPC, como já exemplificado anteriormente. No entanto, em decorrência de fatores históricos e de forma a facilitar a celeridade do processo ele não é aplicado na justiça do trabalho, desde que não ocorra nenhum prejuízo a uma das partes, uma vez ocorrido, deve ser demonstrado. Tampouco é usado no Estatuto da Criança e do Adolescente, mesmo este tendo sua aplicabilidade subsidiária ao CPC e ora ao CPP ele não prevê este instituto.

REFERÊNCIAS

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

BRASIL, J. O que vem a ser o princípio da identidade física do juiz no processo do trabalho. Disponível em: <http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/597376/o-que-vem-a-ser-o-principio-da-identidade-fisica-do-juiz-no-processo-do-trabalho-katy-brianezi>, acesso em: 13 out 2013.

DUARTE, J. Cristiane. Identidade Física do Juiz. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=9660>, acesso em: 13 out 2013.

Sobre o autor
Luiz Guilherme Alvarenga

Graduado em Direito pelo Centro Universitário Salesiano – campus: São Joaquim, Lorena-SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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