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A sombra de Thomas Jefferson: uma análise sobre a responsabilidade dos membros do Poder Judiciário

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Agenda 06/05/2014 às 14:33

5- As reformas introduzidas pela Emenda Constitucional nº 45/04

A partir da constatação dos diversos problemas que permeavam a estrutura do Poder Judiciário no Brasil, alguns projetos de reforma foram gestados. O que veio à luz por meio da Emenda Constitucional nº 45/04 procurou modernizar o Poder Judiciário, conferindo-lhe maior dinamicidade e transparência.

Nesse contexto, a criação de um chamado "órgão de controle externo", o Conselho Nacional de Justiça, enfrentou forte resistência em diversas camadas da magistratura e da própria comunidade jurídica, com grandes temores - alguns justificáveis, outros, nem tanto - acerca de uma possível violação à independência do Poder Judiciário27.

Hoje, diante da redação atualmente vigente dos dispositivos relativos à composição e atuação do CNJ, e diante também de sua prática institucional, é possível afirmar que a independência do Judiciário permanece relativamente íntegra e que a inovação representada pelo CNJ, no todo, veio realmente para aperfeiçoar a experiência institucional pátria.

O ganho em transparência trazido pela publicidade das decisões de caráter administrativo e disciplinar reforçou o prestígio do Judiciário e permitiu que fosse dispensado um tratamento mais franco e eficiente para certos pontos antes tidos como mais problemáticos, como horários de funcionamento, feriados, aplicação de sanções disciplinares, etc.

De outro lado, a despeito dos temores nesse sentido, até o momento o CNJ não vem, na prática, utilizando sua competência disciplinar como instrumento de pressão ou interferência na independência dos Juízes. As maiores queixas ouvidas atualmente a respeito da instituição dizem respeito mais às exigências de produtividade e eficiência na organização administrativa do que à atividade jurisdicional propriamente dita. Isso, aliás, é decorrência do próprio rol de competências do conselho (art.103-B, §4º, da Constituição Federal), que, embora possa ser futuramente estendido pelo Estatuto da Magistratura, no momento, não representa maior ameaça à independência funcional dos magistrados, ao menos não na prática cotidiana da Instituição28. Aliás, quando chamado a se manifestar sobre a constitucionalidade da E.C. nº 45/04, o próprio Supremo Tribunal Federal deixou assente que o Conselho "não julga causa alguma, nem dispõe de atribuição, de nenhuma competência, cujo exercício interfira no desempenho da função típica do Judiciário, a jurisdicional"29.

Além disso, a temida composição mista do CNJ também não repercutiu, nem vem repercutindo de modo negativo sobre o Poder Judiciário.

Em primeiro lugar porque, de qualquer modo, entre os 15 Conselheiros, os membros do Judiciário dispõem de ampla maioria, com um total de 9 componentes (o Presidente do STF, um Ministro do STJ, um Ministro do TST, um Desembargador Federal, um Desembargador Estadual, um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, um Juiz Estadual, um Juiz Federal e um Juiz do Trabalho).

Em segundo lugar porque a presença de advogados e membros do Ministério Público permite a necessária oxigenação da Instituição, com o aporte de experiências e contribuições que vêm de fora do Judiciário. Esse fenômeno, aliás, não é novo na estrutura do Judiciário, bastando lembrar o "quinto constitucional", com o qual se convive bem até os dias de hoje.

Em suma, é possível concluir que as inovações trazidas pela E.C. nº 45/04, apesar dos receios iniciais, contribuíram sim para o aperfeiçoamento do Poder Judiciário.


5- Conclusão: o problema da responsabilidade ante as transformações das Constituições e da atividade jurisdicional

Não obstante os avanços trazidos pela E.C. nº 45/04, a partir de sua análise é forçosa a conclusão de que ela não trouxe alterações essenciais para o sistema de garantias e responsabilidades dos membros do Poder Judiciário, que permanece fundamentalmente ligado a uma concepção liberal e tradicional acerca do papel dos juízes e da natureza da função jurisdicional. O foco da responsabilidade continua sendo o disciplinar, agora reforçado por mais uma instância de controle, o CNJ.

Ocorre que a sociedade e o Direito não são mais os mesmos. A atividade dos juízes não é mais a mesma. Em um país como o Brasil, de urbanização e industrialização tardias, as transformações sociais vieram muito depois do que, por exemplo, nos Estados Unidos ou nos países da Europa Ocidental. Mas elas vieram e desfilam diante de nós com todas as suas contradições e idiossincrasias. Com elas, veio também a transformação da atividade jurisdicional e, principalmente, a transformação daquilo que a sociedade espera dela.

FERRAJOLI localiza esse complexo de transformações a partir da crise do Estado Legal, a partir do fim da 2ª Guerra Mundial, onde se testemunhou a insuficiência do positivismo para a garantia da liberdade. Sua análise ocorre em três eixos: a alteração de paradigmas da natureza e estrutura do direito, da natureza da ciência jurídica e da natureza da atividade jurisdicional30.

Segundo o autor, com a superação do positivismo, a validade das normas passa a depender não apenas da forma como são postas, mas também da conformidade de seus conteúdos em relação aos princípios constitucionais, especialmente os relativos à separação dos poderes e aos direitos fundamentais. E isso justamente em função da rigidez das constituições e de sua garantia, operacionalizada pelo controle de constitucionalidade. Com isso, a ciência jurídica também muda: deixa de ser apenas cognoscitiva e descritiva e passa a ser propositiva e crítica, já que deve mediar os conflitos entre Constituição e leis. A jurisdição também passa por transformação semelhante, já que passam a ser aplicadas apenas as normas que estão em conformidade com a Constituição. A atividade do juiz vai além de simplesmente verificar o direito positivo aplicável: ele passa a identificar as antinomias e lacunas e a solucioná-las de acordo com as diretrizes fornecidas pela Constituição31.

Vê-se então que hoje o paradigma liberal do juiz que é apenas a "boca da lei" está superado, inclusive no Brasil. Ao julgar, o juiz não mais realiza apenas uma mera operação formal - intelectual de subsunção do caso à norma (se é que algum dia fez apenas isso). Ele lida com princípios e opera conceitos jurídicos indeterminados a partir de suas próprias concepções pessoais e - saliente-se - políticas, interferindo diretamente no funcionamento e nos destinos de políticas públicas, matéria que, até então, acreditava-se estar fora do campo de ação do Judiciário.

No campo da Filosofia do Direito e do Direito Constitucional hoje, tal constatação é tão óbvia e disseminada que dispensa maiores comentários32.

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Contudo, isso nos coloca diante de uma questão muito menos óbvia, para a qual a doutrina pátria ainda não fornece uma resposta satisfatória: se o papel dos juízes como decision makers33 no que tange às políticas públicas é uma realidade agora entendida por muitos como irreversível34, qual será a contrapartida desse novo poder decisório?

Sim, porque os decision makers por excelência, provenientes do Legislativo e do Executivo, respondem politicamente com seus próprios cargos pelo sucesso ou fracasso de suas decisões...

A esta altura, a resposta para esse questionamento ainda não aparece formulada de modo claro e coerente em nossa doutrina. A fórmula norte-americana de eleições para os cargos de juiz é vista com extrema desconfiança, ante a possibilidade de exagerada politização (partidarização, em uma palavra). A responsabilização política ora existente depende do mecanismo de impeachment que, em larga medida, se encontra restrito aos membros do STF, sem que tenha sido utilizado na prática. A responsabilidade civil é amplamente rechaçada pela jurisprudência, apesar das crescentes vozes na doutrina. A responsabilidade funcional / disciplinar, por sua vez, simplesmente não parece ser capaz de alcançar o fenômeno do decision making judicial.

A ambiciosa tarefa de propor e estudar possíveis soluções foge ao escopo deste trabalho, mas é premente. Como se vê, a preocupação de Thomas Jefferson com os limites do Poder Judiciário e o seu equilíbrio com os demais poderes, apesar de antiga, permanece atual. No entanto, é preciso avançar na questão, e, nesse sentido, o campo da responsabilidade no Direito Constitucional parece promissor.


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Notas

1 Tradução livre de carta de Thomas Jefferson a Thomas Ritchie, datada de 25 de dezembro de 1820, disponível no site da Biblioteca da Universidade da Virgínia: http://etext.virginia.edu/etcbin/toccer-new2?id=JefLett.sgm&images=images/modeng&data=/texts/english/modeng/parsed&tag=public&part=261&division=div1

2 TÃNÃSESCU, Elena Simina. On Responsibility in Public Law. In Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, n. 17, São Paulo, 2013, p. 6 (tradução livre).

3 DIAS alerta sobre a pluralidade de variações sobre o tema da responsabilidade: "Digamos, então, que responsável, responsabilidade, assim como, enfim, todos os vocábulos cognatos, exprimem idéia de equivalência de contraprestação, de correspondência. é possível, diante disso, fixar uma noção, sem dúvida ainda imperfeita, de responsabilidade, no sentido de repercussão obrigacional (não interessa investigar a repercussão inócua) da atividade do homem. Como esta varia até o infinito, é lógico concluir que são também inúmeras as espécies de responsabilidade, conforme o campo em que se apresenta o problema: na moral, nas relações jurídicas, de direito público ou privado". (DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil, 11ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.4)

4 Em conceituação bastante semelhante à aqui adota, TÃNÃSESCU afirma que "responsabilidade jurídica é espécie do gênero responsabilidade, um conceito de certa forma limitado, ligando um indivíduo não à toda a sociedade, mas sim às suas autoridades. A responsabilidade jurídica não é mais uma dimensão interna ou subjetiva do agente e não mais deriva de uma relação desejada entre o indivíduo e a comunidade, mas sim aparece como um fenômeno onde a autoridade daquela comunidade, frequentemente institucionalizada, impõe ao indivíduo uma conduta específica, que por vezes pode ser entendida e internalizada pelo indivíduo, e por vezes pode ser percebida como uma obrigação". (TÃNÃSESCU, Elena Simina. On Responsibility in Public Law. In Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, n. 17, São Paulo, 2013, p. 7, tradução livre).

5 A partir dessa constatação renova-se a percepção sobre a dimensão do impacto do sistema de partidos e dos sistemas eleitorais na qualidade da representação política. Sobre o tema, conferir CAGGIANO, Monica Herman Salem , Sistemas Eleitorais x Representação Política, Brasília: Ed. Senado Federal, 1990.

6 ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista, Trad. João Roberto Martins Filho, 3ª ed., São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 23.

7 "No ambiente de lutas que caracterizou grande parte da Europa do século dezessete, governantes absolutos utilizaram os serviços dos juízes com objetivos que, muitas vezes, nada tinham a ver com a solução de conflitos jurídicos e que colocavam o juiz na situação de agente político arbitrário e implacável. Em tal circunstância, a escolha dos juízes era feita diretamente por quem detinha o comando político, o que deixava evidente que eles decidiam e praticavam outros atos, não decisórios, em nome e com o respaldo dos chefes supremos. Mas evidentemente, os juízes estavam obrigados a manter fidelidade, antes de tudo, aos interesses de quem os tinha escolhido". (DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos Juízes, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 200, p. 12).

8 "O sistema fiscal e burocrático civil característico do Estado absolutista não era menos paradoxal. Parecia representar uma transição à administração racional-legal de Weber, em contraste com a selva de dependências particularistas da alta Idade Média. Todavia, ao mesmo tempo, a burocracia da Renascença era tratada como propriedade vendável a indivíduos provados: uma confusão central de duas ordens que o Estado burguês sempre distinguiu. Assim, o modo predominante de integração da nobreza feudal ao Estado absolutista no Ocidente assumiu a forma de aquisição de 'cargos'. Aquele que adquirisse, por via privada, uma posição no aparelho público do Estado poderia depois se ressarcir do gasto através do abuso dos privilégios e da corrupção (sistema de gratificações), em uma espécie de caricatura monetarizada da investidura num feudo". (ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista, Trad. João Roberto Martins Filho, 3ª ed., São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 33).

9 É bastante discutível a tese de que no referido capítulo MONTESQUIEU estivesse reproduzindo de modo preciso a experiência inglesa quando formulou sua teoria da tripartição dos poderes. Nesse sentido: SOUZA JÚNIOR, Cezar Saldanha. O Tribunal Constitucional como Poder - Uma nova teoria da divisão dos poderes, São Paulo: Memória Jurídica: 2002, pp.58-60. No mesmo sentido: FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Estado de Direito e Constituição, 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 36.

10 "Dos três poderes dos quais falamos, o de julgar é, de alguma forma, nulo". (MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O Espírito das Leis, Trad. Cristina Murachco, São Paulo: Martins Fontes, 2005, Livro XI, Capítulo VI, p. 172).

11 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O Espírito das Leis, Trad. Cristina Murachco, São Paulo: Martins Fontes, 2005, Livro I, Capítulo I, p. 13.

12 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O Espírito das Leis, Trad. Cristina Murachco, São Paulo: Martins Fontes, 2005, Livro I, Capítulo III, p. 16.

13 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O Espírito das Leis, Trad. Cristina Murachco, São Paulo: Martins Fontes, 2005, Livro XI, Capítulo VI, p. 170.

14 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O Espírito das Leis, Trad. Cristina Murachco, São Paulo: Martins Fontes, 2005, Livro XI, Capítulo VI, p. 175.

15 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O Espírito das Leis, Trad. Cristina Murachco, São Paulo: Martins Fontes, 2005, Livro XI, Capítulo VI, p. 167.

16 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O Espírito das Leis, Trad. Cristina Murachco, São Paulo: Martins Fontes, 2005, Livro XI, Capítulo VI, pp. 167-168.

17 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O Espírito das Leis, Trad. Cristina Murachco, São Paulo: Martins Fontes, 2005, Livro XI, Capítulo VI, p. 168.

18 HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. O Federalista, Trad. Ricardo Rodrigues Gama, 2ª ed., Campinas: Russel, 2005, p. 470.

19 HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. O Federalista, Trad. Ricardo Rodrigues Gama, 2ª ed., Campinas: Russel, 2005, nº 78, pp. 470-471.

20 "As cortes devem esclarecer o sentido do dispositivo legal e, se tentarem substituir julgamento por vontade, as consequências serão as mesmas da predominância de seus desejos sobre os dos legisladores. Se tal procedimento fosse válido, não seria necessário que os juízes deixassem de pertencer ao Poder Legislativo". (HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. O Federalista, Trad. Ricardo Rodrigues Gama, 2ª ed., Campinas: Russel, 2005, nº 78, pp. 472-473).

21 A experiência norte-americana, nesse ponto, é menos pródiga que a brasileira no que tange às supostas garantias de independência e distanciamento dos magistrados. Os sistemas para ingresso na magistratura variam bastante entre os Estados, onde prevalece a eleição direta ou indireta e a esfera federal, em que os juízes são escolhidos pelo Presidente da República e confirmados pelo Senado (artigo 2º, seção 2ª, cláusula 2ª, da Constituição dos EUA). Ademais, quanto à estabilidade no cargo, também há variações significativas, com mandatos por tempo determinado em vários Estados e, na esfera federal, com a adoção de uma vitaliciedade relativa, ante a possibilidade de impeachment ("good behavior clause", conforme artigo 3, seção 1, da Constituição dos EUA).

22 Sem abrir mão da defesa da independência do Judiciário, DALLARI apresenta uma visão crítica sobre o anacronismo generalizado das instituições no Brasil: "Os três Poderes que compõem o aparato governamental dos Estados contemporâneos, sejam ou não definidos como poderes, estão inadequados para a realidade social e política do nosso tempo. Isso pode ser facilmente explicado pelo fato de que eles foram concebidos no século dezoito, para realidades diferentes, quando, entre outras coisas, imaginava-se o 'Estado Mínimo', pouco solicitado, mesmo porque só uma pequena parte das populações tinha a garantia de seus direitos e a possibilidade de exigir que eles fossem respeitados. Esse desajuste, sob certos aspectos, é ainda mais acentuado quanto ao Judiciário (...). No caso do Brasil, essa inadequação tem ficado cada vez mais evidente, porque a sociedade brasileira vem demonstrando um dinamismo crescente, não acompanhado pela organização política formal e pelos métodos de atuação do setor público". (DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos Juízes, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 1).

23 "O fato de os magistrados serem vitalícios permite-lhes certa liberdade de preocupações a respeito da aprovação pública, permitindo uma atuação mais técnica". (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 29ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 520).

24 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 25ª ed., São Paulo: Atlas, 2012, p. 719.

25 ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 816.

26 A observação é de certo modo compartilhada por DALLARI: "A organização, o modo de executar suas tarefas, a solenidade dos ritos, a linguagem rebuscada e até os trajes dos julgadores nos tribunais praticamente permanecem os mesmos há mais de um século. Mas, o que é de maior gravidade, a mentalidade do Judiciário permaneceu a mesma, tendo começado a ocorrer, recentemente, um movimento de mudança, nascido dentro da própria magistratura. Um aspecto importante da velha mentalidade é a convicção de que o Judiciário não deve reconhecer que tem deficiências nem pode ser submetido a críticas, pois tamanha é a magnitude de sua missão que seus integrantes pairam acima do comum dos mortais. Essa convicção é frequentemente reafirmada em discursos proferidos nas solenidades realizadas pelo Poder Judiciário, quando é comum ouvir-se a expressão "missão divina dos juízes". (DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos Juízes, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 6).

27 CAGGIANO, por exemplo, vislumbrou na época alguns aspectos positivos nas transformações introduzidas pela E.C. 45, como a maior transparência e a maior proximidade com a população. De outro lado, no entanto, fez um alerta para a possibilidade de afronta à independência do Judiciário: "O ponto nevrálgico da remodelação do Poder Judiciário, produto da E.C. n. 45/2004, parece repousar, essencialmente, na configuração dos conselhos. A estes, aliás, como acima apontado, contemplou o constituinte revisor com poderes de controle que vão além da mera competência fiscalizatória, de uma singela vigilância, para alcançar o status de verdadeira postura de dominação. Controle, na acepção do control americano, ou seja, um sentido de comando". (CAGGIANO, Monica Herman Salem , Emenda Constitucional n. 45/2004, pp. 16 e 22, disponível em http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/FDir/Artigos/artigos_2o_2012/Prof.Monica_-Reforma_do_Judiciario_artigo_completo.pdf).

28 Deve-se reconhecer, no entanto, que medidas como a avocação e a revisão de processos disciplinares podem sim, em tese, funcionar como instrumentos de pressão. Entretanto, tal risco é próprio de qualquer instância correcional ou disciplinar, o que inclui as Corregedorias dos Tribunais, que já existiam anteriormente à E.C. nº 45/04 e que nem por isso foram descartadas. Apenas isso já basta para demonstrar que o risco abstrato de abusos em hipótese alguma pode ser considerado razão suficiente para justificar descrédito ou desconfiança em relação ao CNJ.

29 ADIN nº 3.367/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 13/04/2005, Informativo STF nº 383.

30 FERRAJOLI, Luigi. Pasado y futuro del Estado de derecho, in CABONELL, Miguel (Coord.), Neoconstitucionalismo(s), 4ª ed., Madrid: Trotta - UNAM, 2009, p.14.

31 FERRAJOLI, Luigi. Pasado y futuro del Estado de derecho, in CABONELL, Miguel (Coord.), Neoconstitucionalismo(s), 4ª ed., Madrid: Trotta - UNAM, 2009, pp.18-19.

32 Sobre o tema, conferir: CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo - Direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. E também ABBOUD, Georges. Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

33 CAGGIANO, com base na terminologia de VIOLA, identifica como peça chave dessa mudança a transição da Constituição-custódia para a Constituição-semente. Cf. CAGGIANO, Monica Herman Salem. Democracia x Constitucionalismo - Um navio à deriva?, disponível em http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/FDir/2011/artigos/monica.pdf, pp. 12-13.

34 O exagero aqui parece claro, afinal, a História nega de forma sistemática, veemente e, por vezes, trágica, as pretensiosas concepções que tentam enxergar nela uma marcha orientada pelo progresso.

Sobre o autor
Marcelo Passamani Machado

Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre e doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo (USP). Procurador Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Marcelo Passamani. A sombra de Thomas Jefferson: uma análise sobre a responsabilidade dos membros do Poder Judiciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3961, 6 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28108. Acesso em: 22 nov. 2024.

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