Sumário: 1. Introdução. 2. Sentença como ato jurisdicional recorrível. 3. Princípio da singularidade. 4. A omissão da sentença e o recurso cabível. 4.1. A "omissão" aparente da sentença não enseja embargos de declaração. 5. Conclusões. 6. Bibliografia.
1. Introdução.
O presente trabalho objetiva suscitar e apresentar algumas considerações acerca do princípio da singularidade e da possibilidade de se interpor o recurso de embargos de declaração e(ou) apelação contra uma sentença omissa.
A questão é facilmente respondida quando se indaga qual o recurso cabível em face de um pronunciamento judicial final omisso, de primeiro grau: embargos de declaração. Não se apresenta, contudo, imediata a resposta quando se questiona, em seqüência, se também seria cabível apelação do mesmo ato judicial. Respondida afirmativamente esta indagação, o cabimento de um deles excluiria o do outro, em face do princípio da singularidade recursal? Será, por exemplo, que a apelação interposta contra uma sentença omissa deve ser inadmitida pelo juiz singular ou pelo tribunal, quando do juízo de admissibilidade, por não ser este o recurso cabível?
A matéria não apresenta resposta uniforme na doutrina. Não se pretende, contudo, solucionar o caso – até porque a variedade de exemplos que a experiência forense oferta é vultosa e instigante –, mas apenas apresentar algumas reflexões para um futuro equacionamento do tema.
Não foi objeto de pesquisa a relação existente a sentença obscura ou contraditória e o recurso a lhe ser dirigido (cabimento de embargos de declaração, pelo permissivo inciso I do art. 535 do CPC, ou de apelação), mas o raciocínio desenvolvido para a sentença omissa pode ser aplicado, com as cautelas necessárias. Pedimos ainda licença para usar sempre exemplos, com o único escopo de aclarar a teoria.
2. A sentença como ato jurisdicional recorrível.
No sistema processual civil brasileiro, três são as espécies de pronunciamentos proferidos pelos magistrados (CPC, art. 162). Os atos que impulsionam o processo, sem nenhuma carga decisória, recebem a denominação de despacho; se, além de proporcionar o avanço da marcha processual, o juiz resolve uma questão incidente e desta resulta um gravame à parte, está-se diante de uma decisão interlocutória[1]; se o ato põe termo ao processo - não importa qual o seu conteúdo -, trata-se de sentença.
A origem dos termos remonta ao direito romano, no qual o ato do juiz que decidia o mérito da causa era a sentença, sendo os demais atos decisórios considerados interlocutiones. Apartando-se um pouco da raiz histórica, mas aproveitando a denominação, o direito brasileiro diferenciou os conceitos.
Com efeito, o Legislador de 1973 foi extremamente formal ao conceituar sentença como ato do juiz que finda processo. Não se indaga se aquele ato é executável ou não, ou mesmo se chegou a apreciar o mérito da demanda. Basta saber se o ato é o marco último do processo – ao menos na instância[2] primária.
Logo foi proscrita a idéia inicial, quando da ampliação do instituto da antecipação da tutela trazida com a lei n. 8.952/94, de que este ato possuía natureza de sentença, em face de sua executoriedade (CPC, art. 273, §3º). Não importa a entrega do bem da vida postulado à parte: se aquele ato não findou o processo, não pode ser considerado sentença. Contudo, se o autor não preencheu os requisitos mínimos para a obtenção de uma decisão sobre o direito postulado, o juiz extinguirá o processo sem julgamento de mérito e esse ato será necessariamente uma sentença (CPC, art. 267, incisos IV e VI).
Vê-se, pois, que a sentença decide a relação jurídica processual, mas nem sempre o faz quanto à relação de direito material afirmada pelo autor.
O Código de Processo Civil previu em seu art. 513 o recurso de apelação contra as sentenças definitivas e terminativas, além de antever no inciso II do art. 535 os embargos de declaração como o recurso oponível às decisões omissas. É, aliás, da interpretação deste dispositivo a afirmação quase uníssona da doutrina e da jurisprudência do cabimento de embargos de declaração em face de decisões interlocutórias[3]. Ou seja, contra sentenças omissas poderão, em tese, ser opostos embargos de declaração ou interposta apelação. Mas se o sistema rege-se por um axioma segundo o qual só cabe um único recurso contra a mesma decisão, então ao intérprete fica a tarefa de harmonizar as regras previstas no Código.
Há ainda de se lembrar que as sentenças proferidas em embargos a Execuções Fiscais, cujo valor seja igual ou inferior a 50 ORTN´s, serão atacáveis por embargos infringentes, dirigidos ao juiz prolator da decisão. Nesse caso, porém, a lei n. 6.830/80, em seu art. 34, foi taxativa ao só admitir a admissão deste recurso e dos embargos de declaração – não aceitando o apelo genérico.
3. O Princípio da Singularidade.
São conhecidos, no direito comparado, três sistemas de impugnação de decisões através de recursos. Pode-se prevê um único recurso a decisão; dois ou mais, cumulativamente; ou dois ou mais, alternativamente. Na realidade, nenhuma legislação adota pura e simplesmente um desses postulados. Um há a orientar o sistema processual, mas nada impede a manifestação dos demais.
No direito italiano, existe previsão expressa de possibilidade de interposição alternativa de recursos. Desde que as partes acordem em desistir da apelação, poderão apresentar desde logo o recurso de cassação. Já no direito brasileiro, fez-se a opção pela regra da unirrecorribilidade.
O Código de Processo Civil de 1939 continha disposição expressa acerca do princípio da singularidade. Dispunha o art. 809 em sua parte final: "a parte não poderá usar, ao mesmo tempo, de mais de um recurso". No sistema anterior, pois, era clara a vedação da utilização simultânea de mais de um recurso em face de uma decisão judicial. O Texto legal trouxe, pois, ao direito processual, o postulado segundo o qual contra uma decisão só seria interponível um único recurso, salvo as exceções legais. Nesse desiderato excepcional, previu expressamente a interposição simultânea de recurso extraordinário e revista, à opção do recorrente (CPC/39, art. 808, § 2º).
Embora a norma tenha sido retirada do Código atual, a doutrina entende pela permanência do princípio, pela interpretação conjugada dos dispositivos do art. 496, que prevê o cabimento dos recursos enumerados, e ainda dos arts. 162, 413 e 522. Ora, uma vez que se previu taxativamente quais os pronunciamentos judiciais e os meios endoprocessuais de atacá-los, não havia necessidade de repetir a disposição. Sob a égide de elaboração do Código de 1939, é compreensível a retirada de determinadas regras do sistema, inclusive esta, que pareciam ao Legislador desnecessárias.
Havia uma preocupação muito grande com coesão e cientificidade do Projeto. Nesse sentido, criticando a Lei Processual antiga, o Min. Alfredo Buzaid bem salientou[4]: "O rigor da ciência jurídica depende substancialmente da pureza da linguagem (sic) não devendo designar com um nome comum institutos diversos, nem institutos iguais com nomes diferentes. O direito brasileiro, ao nomear os recurso, não observou essa exigência da técnica jurídica(...)O legislador brasileiro não abraçou porém, nenhum critério. Divorciado de qualquer preocupação científica ou sistemática, preferiu, em cada lei, as soluções puramente empíricas".
Nessa ordem de idéias, também foi retirada a regra que autorizava a fungibilidade dos recursos (CPC/39, art. 810), uma vez que já havia previsão tipológica para cada pronunciamento judicial. Mas ainda aqui, doutrina e jurisprudência sustentam a vigência deste princípio, pois o direito oferece casos em que há dúvida fundada acerca da natureza do pronunciamento, como p. ex. o ato do juiz que resolve o incidente de falsidade documental (CPC, art. 395), que julga a exibição de documento ou coisa em poder de terceiro (CPC, art. 361) etc.
Insta salientar, no entanto, não obstante a presença do referido princípio também no sistema atual, a existência de exceções. O art. 408 do CPC abre a possibilidade de oposição de embargos infringentes à parte não unânime do acórdão e a interposição de recurso especial ou extraordinário ao comando uniforme da decisão. Prevê o Texto: "Quando o dispositivo do acórdão contiver julgamento por maioria de votos e julgamento unânime e forem interpostos simultaneamente embargos infringentes e recurso extraordinário ou recurso especial, ficarão estes sobrestados até o julgamento daquele" [5].
Outra exceção apontada à singularidade é o ônus de, na hipótese de presença de violação a dispositivo federal e constitucional, apresentar-se simultaneamente recurso especial e extraordinário ao acórdão (CPC, art. 541 e 543). Aproveitando o exemplo acima, três recursos poderiam ser cumulativamente ofertados a uma mesma decisão: o especial e o extraordinário, da parte unânime que malferisse norma federal e constitucional, respectivamente, e os embargos infringentes, das conclusões desuniformes. Alternativamente, o Código prevê a oposição de embargos de declaração, caso presente alguma obscuridade, contradição ou omissão. Usando ainda a exemplificação, a oposição tempestiva dos declaratórios interromperia o prazo e fecharia a via extraordinária e dos infringentes, pelo menos até a complementação/integração do acórdão.
Por aí já se vê o quanto a regra não é absoluta.
Interessa agora analisar, a luz da singularidade e das particularidades dos embargos de declaração e da apelação, o caso da sentença omissa e o cabimento do recurso a ela oponível.
4. A omissão da sentença e o recurso cabível. Efeitos.
O sistema recursal brasileiro prevê a apelação como o recurso cabível contra as sentenças de uma forma geral, decidam elas o mérito ou não. Assim dispõe o art. 513 do CPC: "Da sentença caberá apelação (arts. 267 e 269)." De outro tanto, o Código pressagia no art. 535: "Cabem embargos de declaração quando: I -... omissis... II - for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal."
Está-se, em tese, diante de dois recursos contra uma mesma decisão. E agora? Será que se trata de uma exceção à singularidade ou a particularidade de uma sentença omissa é caso de apenas embargos de declaração, confirmando a regra geral?
Em favor da primeira opinião, tem-se o magistério do mestre Barbosa Moreira, para quem desde o regime anterior a hipótese já configurava exceção ao princípio da singularidade, permanecendo no direito hodierno. São palavras suas, ao comentar acerca da unicidade dos recursos[6]: "Também os embargos declaratórios eram interponíveis, em tese, contra quaisquer decisões, comportassem ou não outro recurso. Esta última exceção subsiste no regime atual...".
Sustentando tratar-se de uma exceção aparente, que não abre à parte a alternativa de interposição de embargos ou de apelação, é o escólio do Prof. Nelson Nery[7]: "Essa possibilidade, entretanto, não fica ao alvedrio da parte, que não poderá escolher entre um ou outro recurso para atacar a sentença. É exceção, é verdade, mas só formalmente, pois o cabimento de ou outro recurso será determinado pelo tipo de vício que se pretende ver corrigido. Logo, no seu aspecto intrínseco e essencial, aquela decisão ensejará a interposição de um único recurso. Se este for de embargos de declaração, somente após a(sic) esclarecimento ou a complementação da sentença é que será admissível a apelação"(os grifos são originais). Conclui o processualista, então, pela incidência da regra geral ao caso, divergindo do Prof. carioca.
A nós, a solução a ser encontrada deve ser tópica. Quer nos parecer, data venia, tratar-se de mais uma exceção ao princípio da singularidade, que oportuniza à parte a interposição de um ou outro recurso.
Mencionou-se que a interpretação deve ser tópica, porque outros fatores devem ser levados em consideração quando da análise de um caso concreto, quais sejam: o princípio do juiz natural, a extensão e a profundidade do efeito devolutivo da apelação, a translatividade das questões de ordem pública e a instrumentalidade do processo.
Com o princípio do juiz natural quer-se significar que o julgamento de determinadas questões não podem ser afetas ao tribunal, enquanto não tiverem recebido ainda apreciação do magistrado de primeiro grau. Se isso ocorrer, haverá o que se costuma chamar de ´supressão de instância`. A sentença citra petita é o exemplo clássico. Se o autor requereu indenização por danos morais e materiais, e o juiz só decidiu na sentença sobre o primeiro, silenciando acerca do segundo, o recurso a ser apresentado devem ser os embargos declaratórios[8].
Porém, neste caso, se a parte apelar no décimo quinto dia, já tendo passado o prazo dos embargos, não deve o tribunal simplesmente não conhecer o recurso – o que manteria a sentença -, afastando a possibilidade de o autor obter a indenização do dano sofrido. Em nome da instrumentalidade, proscrevendo o tecnicismo processual, deve-se perseguir um modo possível de garantir à parte, da forma mais rápida e eficaz, aquilo que realmente é seu direito. Evita-se, em particular, a propositura de uma nova ação só para a cobrança de danos materiais[9]. A questão não é, portanto, do cabimento do recurso, mas sim do efeito que ele deve ter. Se forem os embargos, poderá desde já o juiz corrigir a omissão[10]. Se for o apelo, o tribunal deverá mandar corrigir o erro in procedendo, devolvendo os autos ao primeiro grau, para complementação da prestação jurisdicional.
Ainda aqui não vemos espaço para a incidência da singularidade.
Por outro lado, hipóteses há em que é lícito ao tribunal analisar questões que deveriam ter sido analisadas em primeira instância e não o foram. Isso em razão da extensão e da profundidade do efeito devolutivo da apelação, bem como do seu efeito translativo, contidos nos dispositivos dos arts. 515 e 516 do CPC.
Pela sua importância, é prudente transcrevermos os Textos: "Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. § 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro. § 2º Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais. Art. 516. Ficam também submetidas ao tribunal as questões anteriores à sentença, ainda não decididas."
Os parágrafos do art. 515 devem ser interpretados sempre em conformidade com o caput. No topo do artigo encontra-se prevista a extensão do efeito devolutivo, ao passo que seus parágrafos contemplam a profundidade da análise.
Dizer sobre extensão do apelo significa delimitar o seu objeto. Cabe, pois, ao apelante esta tarefa. Já a profundidade respeita aos fundamentos do pedido. Um exemplo elucida o assunto. Suponha-se ter o autor postulado as verbas 1, 2 e 3, cada uma sob fundamentos distintos, (a e b, para a verba 1), (c e d, para a verba 2) e (e e f, para a verba 3). O juiz, na sentença, concedeu, não obstante tenha analisado todo o pedido, apenas a verba 1, sob o fundamento a. Na apelação, o autor recorre apenas quanto a verba 2. Ora, dentro dessa hipótese, o tribunal poderá trabalhar livremente para conceder ou negar a verba 2 (extensão), apreciando livremente os fundamentos c e d (profundidade). Não poderá, contudo, ingressar no pedido atinente à verba 3, e portanto analisar suas causas próximas ( fundamentos e e f), tudo em face do princípio do efeito devolutivo: a matéria devolvida à Corte é delimitada pelo apelante. Prosseguindo no exemplo, o tribunal, ao confirmar o pedido da verba 1, poderá alterar-lhe o fundamento, de a para b. (inteligência do § 2º do art. 515).
Primeiro deve-se delimitar a extensão do recurso (CPC, art. 515, caput); em seguida trabalha-se a sua profundidade(CPC, §§ 1º e 2º do art. 515).
Suponha-se outro exemplo - comezinho, aliás - para apreciação da questão. Numa ação de cobrança de dívida, o réu alega prescrição do crédito[11] e o juiz, silenciando a respeito, julga procedente o pedido. A sentença é embargável ou apelável? Dentro do raciocínio que se está desenvolvendo, os dois recursos são cabíveis, mas a apelação levada ao tribunal poderia ter o efeito de acolher a prescrição e julgar improcedente o pedido? Ou ainda, se o réu deduziu toda uma defesa na contestação e o juiz não a apreciou, julgando procedente o pedido do autor, poderia o réu apelar no mesmo sentido?
Pensamos ser aplicável o mesmo raciocínio da sentença citra petita, ao inverso. O réu, quando deduz sua defesa em juízo, também apresenta um pedido, só que de natureza negativa[12]. Ele requer ao Estado-Juiz que não reconheça aquela pretensão, por ser infundada. Ora, quem é competente para dizer sobre o pedido do réu é o juiz de primeiro grau, e não o tribunal. Se o magistrado a quo foi omisso, deve-se forçar o reexame da causa em primeira instância.
A profundidade do efeito devolutivo da apelação também não pode ir ao ponto de rever o que não foi decidido pelo juízo natural e que, portanto, não pode ser impugnado (art. 515, caput). Pensamos que nem o argumento da instrumentalidade calha ao caso, devendo ser prestigiado o órgão a quem a Constituição Federal outorgou competência originária (CF/88, art. 5º, inciso LIII).
Ademais, no Brasil, ao contrário dos países do velho continente, costuma-se desprestigiar sobremaneira as decisões de primeiro grau, não creditando a legislação – e porque não dizer também, nós, operadores do direito - a confiança necessária aos magistrados de primeiro grau. A solução proposta visa justamente a prestigiar a decisão primária, do juiz natural do caso. Faz-se oportuna a transcrição de decisão do Min. Marco Aurélio, ao julgar os ED, Ag. Rg. AI 163.047-PR, com a lucidez que lhe é peculiar: "Embargos declaratórios. Aperfeiçoamento do acórdão. Os embargos declaratórios não consubstanciam crítica ao ofício judicante, mas servem-lhe de aprimoramento. Ao apreciá-lo, o órgão deve fazê-lo com o espírito de compreensão, atentando para o fato de consubstanciarem verdadeira contribuição da parte em prol do devido processo legal".
Citamos mais uma vez, em socorro também à tese, a doutrina de Barbosa Moreira, ao comentar sobre extensão do efeito devolutivo da apelação[13]: "Como o apelante, à evidência, não pode impugnar senão aquilo que se decidiu,...,conclui-se desde logo que a apelação não devolve ao tribunal o conhecimento de matéria estranha ao âmbito do julgamento do órgão a quo." Pois bem, se o magistrado não decidiu sobre o pedido do réu, fundado na prescrição, o tribunal não poderia fazê-lo. Respeitamos, à evidência, as opiniões em contrário.
E quanto às questões de ordem pública, que ficam devolvidas ao tribunal por força do efeito translativo? Desde que seja possível ao tribunal conhecer o recurso, defendemos sua análise pela Corte, em razão não só dos arts. 515 e 516 do CPC, mas também do disposto no art. 267, §3º: "O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e Vl; todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que Ihe caiba falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento". Aqui, ao contrário, não se perquire acerca da extensão e da profundidade do efeito devolutivo, para efeito da possibilidade de análise de questões omissas. O efeito translativo é decorrência do princípio inquisitório, e não do dispositivo, permitindo ao magistrado examinar, mesmo ex officio, questões (de ordem pública) não suscitadas[14]¯[15].
4.1. A "omissão" aparente da sentença não enseja embargos de declaração.
Em sustentação ao que vimos afirmando, de ser necessariamente tópica a análise, citamos o exemplo de uma sentença (aparentemente) omissa - leia-se decisão em que foi omitido ponto sobre o qual deveria pronunciar-se o juiz – que não enseja a oposição de embargos de declaração.
Suponha-se que em uma ação de cobrança, o réu alegue duas defesas, a(prescrição) e b(inexistência da obrigação). O juiz julga procedente o pedido, rejeitando a defesa a (prescrição) e silenciando sobre a defesa b (inexistência da obrigação). Poderia a parte opor embargos de declaração para ver apreciada sua segunda defesa? Parece-nos que não, pois aí a omissão é aparente. Se o juiz rejeitou a prescrição, é de se esperar tenha em um antecedente lógico, embora não o tenha dito expressamente, considerado existente a obrigação.
Em outro caso, numa ação de cobrança, o réu alegou prescrição e pagamento da dívida. Se o juiz acolher a prescrição, não precisará analisar se houve ou não o pagamento. Essa questão fica prejudicada e o silêncio, a seu respeito, não configura omissão. O réu não poderia - é lógico - apelar, por lhe faltar interesse processual. Mas, quando do oferecimento de contra-razões de apelação, nesse caso, o réu poderá sustentar a análise subsidiária do seu segundo argumento, para ver mantida a improcedência do pedido, caso o tribunal rejeite a prescrição. Isso porque, em face da profundidade do efeito devolutivo da apelação (CPC, art. 515, § 2º), o apelo do autor devolve toda a matéria – de defesa, inclusive – ao tribunal.
Ou seja, desde que se trate de questão prejudicial a outra, que não diga respeito a construção lógica da sentença, não haverá omissão do juiz e conseqüentemente não caberão embargos. Nesse diapasão, é percuciente a observação do magistrado Amir José F. Sarti[16]: "É dizer, as questões que a sentença deve enfrentar são apenas aquelas indispensáveis para fundamentar suas premissas e conclusões, nada mais."
Barbosa Moreira, uma vez mais, foi preciso ao explicar o que se deve considerar omissão para fins embargabilidade[17]: "Há omissão quando o tribunal deixa de apreciar questões relevantes para o julgamento, suscitadas pelas partes ou examináveis de ofício..." (o grifo é nosso). A omissão só existe quando o juiz deveria se pronunciar sobre ponto que alteraria o julgado, e ele não o faz.