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Novas alternativas de proteção do consumidor no comércio eletrônico

Agenda 21/05/2014 às 15:54

O presente artigo científico busca discutir alternativas para que o consumidor eletrônico esteja protegido de todos os riscos que o comércio eletrônico possa apresentar.

                                  NOVAS ALTERNATIVAS DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR NO
                                                                          COMÉRCIO ELETRÔNICO

                                                                    Bernardo Mafia Vieira

Sumário: 1. Introdução; 2. Proteção do Consumidor no Comércio Eletrônico; 2.1. Contratos Eletrônicos; 2.2. Legislação Aplicável; 2.2.1. Lei Modelo da UNCITRAL; 2.2.2. Projeto de Lei 4.906/01; 2.2.3. Código de Defesa do Consumidor; 3. Novas Alternativas de Proteção do Consumidor no Comércio Eletrônico; 3.1. Arbitragem; 3.2. Auto-Regulamentação; 3.3. Lex Mercatoria; 4. Conclusão 

Resumo: Comércio eletrônico ou e-commerce pode ser definido como a realização de transação comercial de bens ou serviços entre duas ou mais partes, através de algum meio eletrônico. O mais utilizado nos dias de hoje é o computador, através da Internet. E ao passo que a rede mundial de computadores vai expandindo-se mais e mais a cada dia, o mesmo acontece com o comércio realizado através dela. Do mesmo modo que um consumidor tradicional (ou presencial) necessita de uma tutela jurisdicional específica, por sua condição de hipossuficiente na relação de consumo, o consumidor virtual também precisa. E esta tutela é dada pelo CDC – Código de Defesa do Consumidor, lei esta que abrange de forma mais ampla as questões relativas às relações de consumo e a proteção ao consumidor do que o Código Civil. Assim, muitas das problemáticas existentes no e-commerce podem ser resolvidas através da analogia feita a partir do CDC. Principalmente quando se trata de
institutos mais tradicionais e, muito importante ressaltar, de comércio eletrônico realizado entre duas partes estabelecidas no Brasil. Porém, há várias questões que fogem à capacidade (abrangência) do CDC e é aí que entra a necessidade de
criação de uma legislação mais específica ao assunto. Hoje o comércio eletrônico se vale da regulamentação que foi estabelecida pela medida provisória 2.200-2 de 2001, que estabelece a validade jurídica da assinatura digital e cria a ICP-Brasil
(Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira). Mas isto ainda é pouco para uma área tão vasta e cheia de inovações. O consumidor virtual ainda se vê muito desprotegido quando vai realizar uma transação via Internet, o que causa insegurança e trava a expansão deste meio de comércio. Desta forma, fica claro que a regulamentação da Proteção ao consumidor no Comércio Eletrônico é algo necessário e urgente, tanto para que o “e-consumidor” tenha seus direitos como tal tutelados, como para o crescimento deste ramo, que é de grande interesse de empresários e até mesmo para o país.

Palavras-chave: Comércio, Eletrônico, Proteção, Consumidor, Internet.

ABSTRACT: Electronic commerce or e-commerce can be defined as the achievement of business transaction in properties or services between two or more parties, by any electronic expedient. The most widely used today is the computer, through the Internet. And while the global network of computers will expand it more and more every day, so does the trade conducted through it. Just as a traditional consumer (or presence) requires a specific legal protection for their condition weaker in relation to consumption, the virtual consumer also needs. And this authority is given by the CDC - Consumer Defense Code, the law that covers more widely the issues concerning the relations of consumption and consumer protection than the Civil Code. Thus, many of the existing problems in e-commerce can be solved by analogy made from the CDC. Especially when it comes to more traditional institutions, and very important note, e-commerce conducted between two parties established in Brazil. However,
there are several issues that fall outside the capacity (coverage) of the CDC and it is here that enters the need for a more specific legislation on the matter. Today electronic commerce uses the regulations yhat was established by measure 2200- 2/2001, establishing the legal validity of digital signature and creates the ICP-Brazil (Brazilian Infrastructure for Public Key). But this is still low for an area as large and full of innovations. The virtual consumer still see very unprotected when we conduct a transaction via the Internet, which causes insecurity and hinders the expansion of this mode of trade. Thus, it is clear that the regulation of consumer protection in e-Commerce is necessary and urgent, both for the “e-consumer” have their rights protected as such, as for the growth of this industry, which is of great interest to businessmen and even the country.

Keywords: Commerce, Electronic, Protection, Consumer, Internet.

1. Introdução

Trata-se de um tema polêmico entre os juristas vez que hoje o comércio eletrônico é uma realidade crescente e a qual o direito não está acompanhando na mesma velocidade. Com todas essas novas especificidades trazidas por este meio de negócio jurídico, a antiga legislação muitas vezes não é capaz de abordar todas as questões. Existem, então, várias lacunas, que culmina na criação de sistemas de certificação e regulamentação dentro do próprio meio eletrônico e que necessitam serem abordados em lei mais específica.
              Dessa forma, fica a dúvida se há possibilidade do uso da legislação já existente para resolver os conflitos entre contratantes que realizaram negócio via comércio eletrônico ou se é necessário a criação de toda uma nova legislação para este fim. Nesta mesma linha, até que ponto o Código de Defesa do Consumidor e outras leis já existentes contemplam este meio de comércio.

2. Proteção do Consumidor no Comércio Eletrônico

2.1. Contratos Eletrônicos

A expressão contrato “deriva do latim contractus, de contrahere e possui o sentido de ajuste, convenção, pacto, transação. Ocorre quando as partes contratantes, reciprocamente, ou uma delas assume a obrigação de dar, fazer ou
não fazer alguma coisa” (De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, 2006, p. 373).

Segundo o princípio do pacta sunt servanda, os contratos criam lei entre as partes. Porém, estas estão subordinadas ao direito positivo. Em nosso direito pátrio, visando flexibilizar este princípio, há a cláusula geral rebus sic stantibus, que permite a revisão judicial dos contratos, e em caso de haver cláusula abusivas ou fraudulentas, estas poderão ser invalidadas pelo juiz sem que se anule todo o contrato.

Na esfera digital, o contrato de consumo é chamado de contrato eletrônico. Guilherme Magalhães conceito este tipo de contrato como sendo "aquele celebrado por meio de programas de computador ou aparelhos com tais programas. Dispensam assinatura ou exigem assinatura codificada ou senha. A segurança de tais contratos vem sendo desenvolvida por processos de codificação secreta, chamada criptografia" (Guilherme Magalhães Martins, Formação dos Contratos Eletrônicos de Consumo Via Internet, 2006, p. 138). 

A validade deste tipo de contrato está diretamente ligada à validade dos documentos eletrônicos. Assim, faz-se necessário a existência de uma tecnologia que, de forma segura, transmita estes documentos e registros. E para que estes
documentos tenham força probatória, são necessários dois requisitos básicos, quais sejam: "Autenticidade, ou seja, é o registro que permite associar-se de maneira inequívoca o documento ao seu autor, afastando qualquer dúvida quanto à autoria da manifestação de vontade consubstanciada nos termos do documentoeletrônico. Nos documentos físicos a autenticidade é evidenciada pela firma, ou assinatura, que ainda poderá ser reconhecida por tabelião que passa a afirmar a sua legitimidade; e integridade, ou seja, a certeza que o conteúdo do documento eletrônico está completo, ou seja, a garantia de que o o documento tem o seu conteúdo preservado, durante a transmissão" (Patrícia Peck, Revista do Advogado, Internet. Contratos Eletrônicos. 2003, p.124).

O Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Ruy Rosado de Aguiar, em uma reportagem no site do tribunal, fala destes requisitos e como eles são importantes para o consumidor. "O consumidor deve ter conhecimento que existe um sistema
moderno, denominado criptografia, e só com ele é possível controlar a autenticidade e veracidade de informações contidas nas cláusulas do documento eletrônico, sem o uso de assinatura criptográfica não se obtém um documento eletrônico com força de prova em juízo (Disponívelem: http://www.stj.gov.br/portal_stj/objeto/texto/impressao.wsptmp.estilo=&tmp.area=368&tmp.texto=67059, acesso em 01o de junho de 2009.).

A criptografia é um método de segurança com o intuíto de proteger o conteúdo de uma informação. A partir deste conjunto de práticas e técnicas é que haverá uma confiabilidade nos documentos eletrônicos (Cf. ICP – BRASIL, Disponível em https://www.icpbrasil.gov.br/duvidas/faq/o-que-e-criptografia, acesso em 01o de junho de 2009). Continuando nesta linha,
temos os dois requisitos que ensejam a validade dos contratos eletrônicos. São a certificação eletrônica e a assinatura digital.

A certificação eletrônica no Brasil é feita por empresas especializadas, conhecidas como Autoridades Certificadoras, que devem ser credenciadas na ICPBrasil (Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileiras). Usa-se o padrão criptográfico
assimétrico, utilizando-se simultaneamente, chaves públicas e privadas para cifrar e decifrar a informação. Insere-se a chave criptográfica para que o arquivo a ser enviado torne-se ilegível e, apenas com a chave será possível a decifragem e a recuperação dos dados originais. Assim, o titular da chave privada só disponibiliza sua chave pública para o destinatário da mensagem eletrônica, para que apenas este tenha acesso ao seu conteúdo. Os certificados digitais contendo a assinatura
podem ser alocados no próprio equipamento ou em mídia portátil - smart card e token - que armazenam a chave privada do usuário. As informações contidas nos certificados digitais são acessíveis através da senha pessoal eleita pelo titular.

Todo este sistema montado pela ICP-Brasil visa trazer segurança quanto à autoria e integridade do documento eletrônico, vinculando indissociavelmente a assinatura do documento. Este certificado, emetido por empresa credenciada à ICPBrasil, é um documento de identidade eletrônica que associa essa identificação a uma chave pública.

Este aparato tecnológico será de grande utilidade para identificar as partes e comprovar o consentimento das mesmas na realização do negócio. Eduardo Weiss nos transmite um ensinamento do autor Marco Aurelio Grecco, que diz haver quatro sistemas para que isto ocorra: (a) certificação e autenticação; (b) senhas de acesso e assinatura digital; (c) criptografia ou codificação do texto que necessita de posterior chave ou código para decodificação; (d) estenografia ou codificação acompanhada de espécie de marca d’água, como a usada em dinheiro (Eduardo Weiss Martins de Lima, Proteção do Consumidor Brasileiro no Comércio Eletrônico Internacional, 2006, p. 24, apud Marco Aurelio Grecco, Internet e Direito, 2000, p.38 ss.).

Após analisarmos estas questões mais técnicas que envolvem os contratos eletrônicos, podemos ingressar na esfera do direito civil que trata dos contratos. Desta forma, perceberemos que não há grandes diferenças na aplicação da teoria contratual no meio digital e no meio tradicional. Isto porque todos os requisitos de validade de um contrato que são exigidos por lei devem estar presentes no contrato eletrônico: capacidade das partes; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e de forma prescrita ou não defesa em lei.

O que muda na verdade quando tratamos de contratos eletrônicos é a utilização da Internet para que estes sejão efetuadas. Mas a forma como eles se aperfeiçoam ocorre da mesma maneira. E nosso Código Civil prega a liberdade da
forma de contratação, quando não há nenhuma exigência especial por consequência do objeto do contrato. Isto mostra que a realização de um negócio via Internet não gera qualquer empecilho legal.

A questão do objeto também não deve gerar maiores discussões, pois a via eletrônica não modifica em nada a natureza do mesmo. Assim, se o objeto for lícito, possível, determinado ou determinável para uma contratação da forma tradicional, o será também para uma feita via meios eletrônicos.

A questão da capacidade, por se tratar de uma contratação impessoal, sem um contato direto entre as partes, pode gerar um certo desconforto para quem realiza uma transação eletrônica. É grande a dificuldade para se ter certeza se quem
está do “outro lado da tela” tem de fato capacidade para estar contratando alguma obrigação. Mas como já foi demonstrado anteriormente, será a partir do aperfeiçoamento das técnicas de certificação e assinatura digital que se extinguirá este problema.

2.2. Legislação Aplicável

No Brasil, quando se fala de proteção ao consumidor, temos um dos mais avançados sistemas jurídicos do planeta, com um código próprio que trata especificamente da matéria. Os institutos mais avançados visando tutelar os direitos dos consumidores hipossuficientes são hoje utilizados por nosso ordenamento jurídico, até porque o CDC é um código relativamente novo.

Porém, ao tratarmos desta proteção em âmbito digital, não temos uma legislação específica, que cuide de suas peculiaridades técnicas. Como já viemos mostrando ao longo deste trabalho, a defesa do consumidor eletrônico é feita
através da aplicação das normas presentes no CDC e demais leis correlatas.

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Em consonância com o atual momento em que vivemos, os legisladores, não só brasileiros, mas de todo o mundo, vêm estudando e projetando novas leis para que se construa uma segurança jurídica em torno do comércio eletrônico da mesma forma como existe em relação às práticas comerciais da maneira mais tradicional. Os projetos mais relevantes para este estudo e que serão aprofundados neste capítulo são a Lei Modelo da UNCITRAL sobre Comércio Eletrônico e o Projeto de Lei 4.906/01, que tem apensado a ele o Projeto de Lei 1.589/99, elaborado pela OAB/SP.

2.2.1. Lei Modelo da UNCITRAL

A UNCITRAL é uma comissão da ONU que é voltada para o Direito do Comércio Internacional. Sua sigla significa United Nations Comission om International Trade law – como dito, Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional. A lei modelo sobre Comércio Eletrônico, sobre a qual trataremos, foi elabora em 14 de julho de 1996. Alguns anos depois, em 2001, foi editada pela mesma comissão a lei modelo que trata das Assinaturas Eletrônicas.

A lei modelo sobre Comércio Eletrônico veio com a proposta de ser um modelo de lei a ser seguida por vários países, e que, com isso, houvesse uma maior unificação sobre os entendimentos jurídicos sobre a questão do comércio realizado via Internet no mundo. Sua intenção não é vincular os países que fazem parte da realização de sua Assembléia formadora a uma única lei. É importante ressaltar que nenhum deles tem a mínima obrigação de seguir as letras desta lei modelo. Assim, ela serviria na verdade como uma diretriz, que cada país poderá se adaptar levando em consideração suas realidades culturais, econômicas e sociais.

Em seu art. 2o, a lei modelo trás várias definições, as quais são muito bem aceitas por várias legislações nacionais.

- Mensagem eletrônica: a informação gerada, enviada, recebida ou arquivada eletronicamente, por meio óptico ou por meios similares incluindo, entre outros, "intercâmbio eletrônico de dados" (EDI), correio eletrônico, telegrama, telex e fax;
             - Intercâmbio eletrônico de dados (EDI): a transferência eletrônica de computador para computador de informações estruturadas de acordo com um padrão estabelecido para tal fim;
             - Remetente de uma mensagem eletrônica: a pessoa pela qual, ou em cujo nome, a referida mensagem eletrônica seja enviada ou gerada antes de seu armazenamento, caso este se efetue, mas não quem atue como intermediário em relação a esta mensagem eletrônica;
             - Destinatário de uma mensagem eletrônica: é a pessoa designada pelo remetente para receber a mensagem eletrônica, mas não quem atue como intermediário em relação a esta mensagem eletrônica;
              - Intermediário: é a pessoa que em nome de outrem envie, receba ou armazene esta mensagem eletrônica ou preste outros serviços com relação a esta mensagem;
              - Sistema de Informação: é um sistema para geração, envio, recepção, armazenamento ou outra forma de processamento de mensagens eletrônicas. 

“Em seus artigos 6° e 7° estabeleceu que os contratos via Internet devem obedecer o mínimo exigido nos contratos celebrados em papel, para assim, obterem a mesma confiabilidade e segurança jurídica, além de alcançarem o mesmo nível de
reconhecimento eletrônico”(Flávia D’Ávila Honorato, Disponível em:www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigosc/Flavia_internet.doc,
acesso em: 03 de junho de 2009). Estes artigos rezam que uma mensagem eletrônica poderá preencher os requisitos exigido por lei, de que certa informação conste por escrito ou que haja a assinatura de uma pessoa. Neste último caso, exige-se a
utilização de métodos de identificação da parte, para que se gere segurança e confiabilidade na negociação.

O art. 9o da Lei Modelo trata da admissibilidade e da força probatória das mensagens de dados ou como é sinônimo em nosso entendimento, documentos eletrônicos. Este artigo exige que sejam aceitas com força de prova estes documentos eletrônicos e que não haja óbice à sua admissão em procedimentos judiciais, administrativos ou arbitrais.

No art. 11, em que é tratada a questão da formação e validade dos contratos, a lei modelo da UNCITRAL diz que não se deverá negar validade ou eficácia a um contrato, se a oferta e sua aceitação tiverem sido expressas por mensagens eletrônicas. A única exceção prevista é se houver disposição em contrário das partes.

Um último ponto muito importante tratado pela UNCITRAL, vem regido em seu art. 15, que fala do tempo e lugar de despacho e recebimento das mensagens de dados. Como no artigo anteriormente explorado, salvo disposição contrária das
partes, os locais considerados como remetente da mensagem de dados e de recebimento desta são os estabelecimentos dos contratantes. Quando não houver estabelecimento comercial, considera-se a residência habitual destes.

2.2.2. Projeto de Lei 4.906/01

O Legislativo brasileiro, através deste projeto de lei, vem tendenciando para seguir os parâmetros definidos pela lei modelo da UNCITRAL, seguindo seus fundamentos em vários pontos. Segundo Eduardo Weiss, o projeto reserva pequena
previsão ao comércio eletrônico interno, tratando mais de questões do documento eletrônico, da assinatura digital, da certificação e das entidades certificadoras (Cf. Eduardo Weiss Martins de Lima, Proteção do Consumidor Brasileiro no Comércio Eletrônico Internacional, 2006, p. 69).

Muitos dos temas que expusemos sobre a lei modelo da UNCITRAL, considerados por nós os mais importantes, foram utilizados para a confecção do projeto de lei 4.906/01. Como exemplo, podemos citar o art. 3o do PL, que prevê a validade e a eficácia de documentos em forma eletrônica, desde que preenchidas algumas exigências, assim como acontece na lei modelo. Já o art. 2o faz a conceituação de vários elementos ligados ao comércio eletrônico:

I – documento eletrônico: a informação gerada, enviada, recebida, armazenada ou comunicada por meios eletrônicos, ópticos, optoeletrônicos ou similares;
             II – assinatura digital: resultado de um processamento eletrônico de dados, baseado em sistema criptográfico assimétrico, que permite comprovar a autoria e integridade de um documento eletrônico cifrado pelo autor com o uso da chave privada;
              III – criptografia assimétrica: modalidade de criptografia que utiliza um par de chaves distintas e interdependentes, denominadas chaves pública e privada, de modo que a mensagem codificada por uma das chaves só possa ser decodificada com o uso da outra chave do mesmo par;
              IV – autoridade certificadora: pessoa jurídica que esteja apta a expedir certificado digital;
              V – certificado digital: documento eletrônico expedido por autoridade certificadora que atesta a titularidade de uma chave pública;

VI – autoridade credenciadora: órgão responsável pela designação de autoridade certificadora raiz e pelo credenciamento voluntário de autoridades certificadoras.

Apenas uma pequena parcela do Projeto de Lei é dedicada exclusivamente para a defesa do consumidor no comércio eletrônico. O projeto visa mais especificamente é delinear o comércio realizado pela Internet, dando mais formalismo a este e também o diferenciando do comércio tradicional, relevando as suas especificidades. Em razão disto, o PL determina que as relações de consumo realizadas via Internet devem ser regidas pelo CDC, continuando da mesma forma como vem sendo feito hoje.

Para Eduardo Weiss, o PL inova quanto á oferta de bens, serviços ou informações por meio eletrônico, devendo os mesmos sempre trazer: I – nome ou razão social do ofertante; II – número de inscrição do ofertante no respectivo cadastro geral do Ministério da Fazenda e, em se tratando de serviço sujeito a regime de profissão regulamentada, o número de inscrição no órgão fiscalizador ou regulamentador; III – domicílio ou sede do ofertante; IV – identificação e sede do provedor de serviços de armazenamento de dados; V – número de telefone e endereço eletrônico para contato com o ofertante; VI – tratamento e
armazenamento, pelo ofertante, do contrato ou das informações fornecidas pelo destinatário da oferta; VII – instruções para
arquivamento do contrato eletrônico pelo aceitante, bem como para sua recuperação em caso de necessidade; e VIII – sistemas de segurança empregados na operação (Ibidem, p. 71).

Inovação relevante trazida pelo PL é também sobre a responsabilidade do provedor de serviços de conexão ou de transmissão de informações, que é regida pelos arts. 34 a 38. Para o projeto, não haverá responsabilidade do provedor quanto
ao conteúdo das informações transmitidas, salvo em ação regressiva, quando este não tiver cumprido as exigências da lei.

2.2.3. Código de Defesa do Consumidor

Como já citamos anteriormente, o contrato eletrônico, quanto ao seu conteúdo, não se difere em nada de um contrato tradicional. Produzem os mesmos efeitos e estão sujeitos aos mesmos princípios e regras aplicáveis aos demais contratos disciplinados pelo CDC. O próprio Projeto de Lei analisado logo acima, trás em seu art. 30 que as normas de defesa do consumidor vigentes no Brasil devem ser aplicadas ao comércio eletrônico. E esta lei, hoje, é o Código de Defesa do Consumidor.

Desta análise, podemos perceber que as relações consumeristas realizadas via Internet em âmbito (ou território) nacional, podem ser tranquilamente regidas pelas normas que solucionam as questões do consumo feito por vias tradicionais. Todos os aspectos que traçam as premissas do direito consumerista brasileiro, serão utilizados para solucionar as lides que venham a existir em virtude de problemas em uma negociação no meio digital.

A necessidade que está evidente em nosso ordenamento jurídico em relação ao tema aqui abordado vem de dois lados diferentes. Tratando ainda das relações realizadas em território brasileiro, as normas do CDC são suficientes para solucionar as lides. Por se tratar de assunto muito específico, fica evidente a necessidade de novas leis tratando particularmente de comércio eletrônico, o que reforçaria a proteção ao consumidor digital. Podemos perceber que a tendência dos legisladores brasileiros vai por este caminho, ao analisarmos o texto do Projeto de Lei 4.906/01, que trás mais uma regulamentação do comércio eletrônico, conceituando muitos de seus elementos fundamentais, do que uma própria busca por criar uma nova forma de tutelar a proteção ao consumidor. Isto também é evidente pela criação da ICP-Brasil, que como vimos, estabelece regras e
procedimentos de identificação e certificação, para gerar uma maior segurança para os usuários da rede.

Lemos faz uma excelente exposição desta tendência que citamos, mostrando que a linha a ser seguida realmente deve ser a de estrututar a forma de realização deste comércio via Internet e uní-la às já sedimentadas normas de proteção ao consumidor no ordenamento brasileiro. Para ele: Pouco adianta dizer que o código de defesa do consumidor aplica-se às relações de comércio eletrônico, sem ao mesmo tempo entender a estrutura dessas relações eletrônicas de consumo, tal qual
factualmente ocorrem. Nesse sentido, a norma jurídica é definitivamente influenciada pela mudança substancial dos fatos, de
modo que para a regulaçao da internet é necessário referência aos mesmos; em outras palavras, é necessário entender a internet de um ponto de vista funcional interno para que se proponham modelos de regulação realistas com impacto sobre relações on-line (Ronaldo da Silva Lemos, Comércio Eletrônico, 2001, 151-2).

A outra necessidade clara de nosso ordenamento jurídico é quanto às relações de consumo quando realizadas entre uma parte situada no território brasileiro e outra em território estrangeiro. Nestas situações, “o consumidor encontra-se sujeito a diversas incertezas quanto à sua proteção, especialmente no que tange a questões relativas a foro competente e direito aplicável” (Ibidem, p. 145). E é nesse ponto que encontramos uma problemática mais ampla.

Será que o comércio eletrônico em âmbito internacional estaria sujeito à intervenção estatal da mesma forma que o que ocorre dentro de um mesmo território nacional? Será que isto seria viável economica e politicamente? As regras de direito
internacional privado seriam capazes de solucionar as lides entre consumidores e fornecedores de Estados diferentes?

Para muitos autores, a resposta a estes quetionamentos é negativa, por entenderem que não cabe aos Estados atuarem nesta esfera. Para Peck, “o Direito Digital tem como princípio normativo a auto-regulamentação, que permite que a
adoção das regras de conduta se dê em via paralela à via legislativa” (Patrícia Peck, Direito DigitaI, 2002, p. 41). Analisando de uma forma mais sociológica do que jurídica, Castells também traça bem este cenário: Às portas da Era da informação, uma crise de legitimidade tem esvaziado de sentido e de função as instituições da era industrial. Sobrepujado pelas redes globais de riqueza, poder e informação, o Estado-Nação moderno vem perdendo boa parte de sua soberania. Ao tentar intervir estrategicamente nesse cenário global, o Estado perde sua capacidade de representar suas bases políticas estabelecidas no território. Em um mundo regido pelo multilateralismo, a divisão entre Estados e nações, entre a política de representação e a política de intervenção, desorganiza a unidade de medida política sobre a qual a democracia liberal foi construída e passou a ser exercida nos últimos dois séculos. A privatização de empresas públicas e a queda do estado do bem-estar social, embora tenha aliviado as sociedades de parte de seu fardo burocrático, faz piorar as condições de vida da maioria dos cidadãos, rompe o contrato social histórico entre capital, trabalho e Estado, e usurpa grande parte da rede de seguridade social, viga mestre da legitimidade do governo na visão de pessoas comuns (Letícia Canut, Proteção do Consumidor no Comércio Eletrônico, 2008, p. 144-5, apud Manuel Castells, O poder da identidade. A era da informação: economia, sociedade e cultura, 1999b, p. 417).

Nesta linha, vemos que uma das saídas para a questão discutida é a adoção de novas alternativas de solução de conflitos pelas pessoas que atuam na realização do comércio eletrônico. Para Lemos, há uma “emergência de estruturas
híbridas de auto-regulamentação ou de regulamentação por parte do próprio mercado” (Ronaldo da Silva Lemos, Comércio Eletrônico, 2001, 160). E a tendência atual é que a proteção aos direitos do consumidor no comércio realizado via Internet, quando estão presentes partes de países diferentes, seja feita a partir de regras negociais.

Desta forma, a arbitragem, a auto-regulamentação e a lex mercatoria são hoje vistas como as futuras formas de solução de lides no meio digital, por não estarem ligadas diretamente ao ordenamento jurídico específico de um Estadonação.
Quanto à questão das regras de direito internacional privado, que alguns usam para solucionar estes tipos de lide, não entraremos em meandros, pois não é objeto deste trabalho.

Entretanto, com a devida vênia, é plausível que deixemos nosso ponto de vista sobre a questão. Em consonância com o entendimento de Zaclis, o qual diz “que os diminutos valores unitários dos negócios realizados no segmento de vendas ao consumidor (Business-to-consumer – B2C) não suportam os altos custos de transação decorrentes da utilização do direito internacional privado” (Letícia Canut, Proteção do Consumidor no Comércio Eletrônico, 2008, p. 161, apud Lionel Zaclis, Revista de Direito do Consumidor, 2002, p. 193), entedemos que não é viável a realização da tutela pelo Estado em todas as situações que envolvem o consumidor em âmbito internacional. Esta inviabiliade, a nosso ver, existe por motivos econômicos e políticos. Econômicos por vários motivos, como por exemplo, o citado por Zaclis acima ou pela desnecessidade de mover várias
máquinas públicas em dimensão global para solucionar questões patrimoniais às vezes tão diminutas. Politicamente pois são sempre muito complicadas as relações diplomáticas entre países e a tentativa de intervenção por parte de um Estado em
outro pode acarretar inúmeras consequências indesejadas.

Assim, o desenvolvimento destas novas alternativas de proteção do consumidor no comércio eletrônico que, em nosso entendimento, são mais necessárias quando se trata de transações realizadas em âmbito internacional, é de grande utilidade para todos: tanto os envolvidos no comércio como para os Estados, que acabam tendo um saneamento de seu corpo jurídico.

3. Novas Alternativas de Proteção do Consumidor no Comércio Eletrônico

No capítulo anterior, concluímos que quando estamos diante de uma lide envolvendo fornecedores e consumidores que realizaram uma comercialização eletrônica dentro do terrítório brasileiro, o Código de Defesa do Consumidor será capaz de solucioná-la. Assim, o que realmente esperamos de nossos legisladores são novas leis que regulamentem de forma mais atual e dinâmica o próprio ecommerce.

Todavia, continuamos com um problema em aberto, das situações em que a relação consumerista envolve pessoas de países distintos. E a partir da realização deste estudo, entedemos que a melhor maneira para que se realize a tutela do consumidor nesta seara, seria a utilização das técnicas negociais: a arbitragem, a auto-regulamentação e a lex mercatoria, as quais passaremos a analisar a seguir.

3.1. Arbitragem

A arbitragem é um instituto muito conhecido e utilizado no comércio tradicional. Tem como princípio a solução pacífica de conflitos relacionados a direitos patrimoniais disponíveis. No Brasil, é regulamentada pela Lei 9.307/96 e vem ajudando bastante a descongestionar o Judiciário brasileiro, vez que é um método bastante eficiente de resolução de conflitos.

Esta forma de resolução de conflito tem sido opção de muitas empresas hoje, por inúmeras razões. Por ser premissa da arbitragem a autonomia da vontade das partes, criam-se regras particulares entre as partes e de comum acordo,
gerando segurança, sigilo e economia para as partes. Deve-se citar ainda a agilidade desta resolução, pois é estipulado um prazo legal máximo de 180 dias para que se resolva o caso, salvo se outro prazo for estipulado entre as partes. Além do
mais, a sentença proferida por árbitro tem força de titulo executivo judicial, conforme artigo 475-N, VI do Código de Processo Civil.

Mesmo sendo um instituto muito utilizado pelos comerciantes tradicionais, a arbitragem ainda não fez muitos adeptos no comércio eletrônico brasileiro. Em outras partes do mundo, este já é de uso mais comum. Podemos citar como exemplo a Itália, onde “esta experiência inovadora existe a partir da criação do Colégio Arbitral Virtual”. Já no Brasil “o debate nasce juntamente com a criação do IBCI – Instituto Brasileiro de Proteção e Defesa dos Consumidores de Internet” (Eduardo Weiss Martins de Lima, Proteção do Consumidor Brasileiro no Comércio Eletrônico Internacional, 2006, p. 174).

Para que este instituto começasse a desenvolver-se em sua plenitude no Brasil, seria necessário antes de mais nada uma Câmara Arbitral especializada no ecommerce. Com isto, seria possível o cadastramento dos interessados em se verem
“tutelados” pela arbitragem, o que geraria um banco de dados destes comerciantes com seus dados autênticos. É importante falar da autenticidade destes dados, pois este é um dos maiores problemas sofridos pelo consumidor eletrônico, que sem uma
instituição específica para certificar estes dados, nunca tem certeza se eles são ou não falsos.

Criada estas Câmaras, a forma de resolução de conflitos pela arbitragem, entre partes localizadas no Brasil, não inovaria muito. Os procedimentos a serem seguidos seriam os mesmos que são regidos pela Lei 9.307/96. Assim como já
citamos anteriormente neste trabalho, os conflitos de comércio eletrônico que acontece integralmente em território brasileiro não vem causando grandes problemas para serem resolvidos. A única dificuldade mesmo vem na regulamentação de leis específicas de certificação e segurança para a própria Internet.

A maior problemática, mais uma vez, está na resolução de conflitos entre parte brasileira e outra estrangeira. Para explicar bem, transcrevemos a ideia de Wanderson de Oliveira, que aborda o assunto com clareza: Quando se tratar de vendedor-eletrônico estabelecido fora do Brasil, por exemplo, um site norte-americano, a solução de conflito por arbitragem poderá seguir quase nos mesmos moldes sugeridos para o caso nacional. O vendedor-eletrônico que deseja demonstrar
credibilidade e negociar no mundo todo submeter-se-á a certificação eletrônica em uma Corte Arbitral Internacional, por exemplo, a CIA – Corte Internacional de Arbitragem. A Câmara nacional estará vinculada a Corte Internacional para mediação dos conflitos, e por conseqüência as Cortes Locais estão vinculadas a Câmara Nacional. Para resolução do conflito, o rito segue as mesmas características do caso nacional, uma das diferenças é que far-se-á necessário um tradutor, caso a negociação tenha sido feita entre pessoas de países com línguas distintas. Outro detalhe a ser observado, é que na
definição do Direito a ser aplicado, é salutar que seja os das regras internacionais do comércio. É princípio da arbitragem que as partes possam escolher o direito a ser aplicado (Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2903/Arbitragem-na-solucao-de-conflitos-nocomercio- eletronico, acesso em 09 de junho de 2009).

Observamos então que mesmo no caso de transação internacional, os procedimentos não seriam assim tão diferentes. São apenas alguns detalhes que devem ser observados, como o caso do tradutor. É muito importante ressaltar, que como falamos no início de nossa exposição sobre a arbitragem, que uma de suas premissas é a autonomia da vontade das partes, podendo assim as mesmas fazer a escolha do direito a ser aplicado.

Eduardo Weiss acha que a arbitragem eletrônica deve ser estimulada, chamando a atenção para a criação de câmaras arbitrais virtuais. Porém, diz que a instituição do procedimento arbitral em relação às questões de comércio eletrônico e Internet, por uma questão de ordem pública, interna e internacional, necessita de expressa concordância ou manifestação do hipossuficiente consumidor digital (Cf. Eduardo Weiss Martins de Lima, Proteção do Consumidor Brasileiro no Comércio Eletrônico Internacional, 2006, p. 175-6).

Já Lorenzetti faz um alerta em relação aos cuidados que devem ser tomados com a arbitragem como resolução alternativa de controvérsias. Para ele, o cuidado está na necessidade de haver regras e a possibilidade de adesão voluntária
do consumidor, e também na necessidade de evitar qualquer sistema privado implementado pelos fornecedores (Ricardo Luis Lorenzetti, Comércio Eletrônico, 2004, p.417-8).

3.2. Auto-Regulamentação

A auto-regulamentação, assim como a arbitragem e a Lex Mercatoria, é hoje vista como umas das novas alternativas para que a proteção ao consumidor no comércio eletrônico torne-se mais consistente. Lemos chama a atenção para a
“emergência de estruturas híbridas de auto-regulamentação ou de regulamentação por parte do proprio mercado” (Ronaldo da Silva Lemos, Comércio Eletrônico, 2001, 146).

Para começarmos a entender a importância do desenvolvimento deste instituto dentro do comércio eletrônico, é bom sabermos do que ele se trata. Antes de mais nada, a auto-regulamentação não sofre interferência do poder estatal, tendo
assim autônomia para criar suas diretrizes. Devemos, todavia, fazer uma ressalva quanto a este ponto. Mesmo não sofrendo interferência estatal para a criação de suas premissas, “a proteção do consumidor constitui um ‘piso mínimo’ que não pode
ser derrogado” (Ricardo Luis Lorenzetti, Comércio Eletrônico, 2004, p. 369-70), devendo ser respeitados todos os direitos que são assegurados por lei.

Para os objetivos deste trabalho, devemos conceituar a autoregulamentação como a criação de regras pelos próprios participantes e interessados diretos na proteção de determinado direito e na solução de determinada controvérsia ou pelas entidades privadas, que acabam criando espécies de "códigos”, e obtêm adesão por parte do mercado. Para entender ainda
mais claramente o que vem a ser a auto-regulamentação do comércio eletrônico, citamos um exemplo de Lemos: Como exemplo de novos agentes de poder atuando na internet, menciona-se as entidades de certificação que começam a
desempenhar um papel cada vez mais significativo em termos de uma auto-regulamentação ou regulamentação por parte do próprio mercado. Muito além da certificação de assinaturas eletrônicas, as entidades certificadoras desempenham hoje um papel relevante quanto ao comércio eletrônico em geral, na média em que criam códigos de conduta quanto a relações de consumo, que, se atendidos pelas empresas on-line, permitem a utilização de marcas de certificação destas mesmas entidades mediante o pagamento de royalties, permitindo por sua vez, que os consumidores em visita ao site possam identificar que o mesmo segue as normas de conduta definidas por aquela entidade certificadora (Ronaldo da Silva Lemos, Comércio Eletrônico, 2001, 147). 

Como a auto-regulamentação do comércio eletrônico ainda é uma idéia muito nova e que precisa ser muito desenvolvida, algumas perguntas ainda não têm respostas exatas. Como na definição exposta, fica uma dúvida: quem é o
responsável pela realização desta regulamentação. Na primeira, citamos os participantes ou interessados, e na segunda, entidades privadas. Nas duas, o campo é muito amplo, não excluindo várias hipóteses. Quando fala-se de participantes ou
interessados, englobamos qualquer tipo de pessoa que tenha capacidade para realizar qualquer forma de negociação via Internet. Podem ser pessoas físicas, pessoas jurídicas privadas ou até pessoas jurídicas públicas. Havendo a participação ou o interesse na relação de comércio, ela estará apta para regulamentar. A ressalva que fazemos neste ponto, como já a fizemos
anteriormente, é que não se deve haver uma auto-regulamentação por parte do Estado, senão não estaríamos diante de uma auto-regulamentação, e sim de uma tradicional regulamentação feita pelo poder estatal. O mercado deve se encarregar de, por si próprio, criar e aceitar as regras.

Diante de dúvidas como esta, ainda sem resposta, a única certeza que podemos ter é que a auto-regulamentação vem com o intuito de criar novos mecânismos para viabilizar o crescimento do comércio eletrônico. E este crescimento tem como principais alicerces a confiança e a segurança neste tipo de comércio, que com a criação de meios mais concretos de proteção ao consumidor, parte hipossuficiente da relação, crescem exponencialmente. A certeza de que há todo um sistema montado visando evitar qualquer problema na contratação ou criar meios formais e materiais para que se resolva a situação caso ela venha a dar errado, é a melhor forma de fortalecer a confiança do consumidor do e-commerce, dando-lhe segurança e tranquilidade.

Todavia, nem todos são a favor desta nova alternativa. “A política de autoregulamentação, defendida pelos grandes fornecedores mundiais de tecnologia, esbarra na fragilidade dos outros grupos de interesses, num processo por meio do
qual o Estado se constitui num forte grupo de interesse, com características e dinâmica própria” (Disponível em: http://www.anpad.org.br/enanpad/2001/dwn/enanpad2001-adi-441.pdf, acesso em 10 de junho de 2009). Assim, uma das maiores barreiras para o desenvolvimento da auto-regulamentação é a posição governamental. Estando este a favor, com certeza o seu crescimento será rápido e eficaz.

3.3. Lex Mercatoria

A Lex Mercatoria foi criada na Idade Média por comerciantes europeus e vigorou no mundo até o século XVII. A imposição dela nunca foi feita por uma autoridade central, mas sim através do uso e do costume que os mercadores, ao
longo do tempo, foram desenvolvendo para regular suas transações. Seus reflexos foram muitos fortes no direito comercial internacional moderno e também em códigos civis e comerciais em todo o mundo, a partir do século XIX (Cf. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Lex_mercatoria, acesso em 11 de junho de 2009).

Para a doutrina moderna, hoje fala-se de uma nova Lex Mercatoria, que seria, em princípio, um direito anacional. Há, porém, três correntes distintas que tentam explicar o que vem a ser esta nova Lex Mercatoria: a) direito anacional ou ordem jurídica autônoma, criada espontaneamente pelos agentes do comércio internacional, cuja existência independe dos ordenamentos jurídicos estatais; b) lex mercatoria seria uma alternativa para a ordem jurídica aplicável, por constituir um corpo suficiente de regras jurídicas que permitem decidir um litígio entre agentes do comércio internacional; c) lex mercatoria se destinaria a complementar o direito nacional aplicável, constituindo-se numa consolidação dos usos e costumes do comércio internacional (Disponível em: http://jus.com.br/artigos/6262, acesso em 11 de junho de 2009).

Desta forma, percebemos que a Lex Mercatoria é um sistema jurídico voltado a solucionar questões de comércio em âmbito internacional. E como já concluímos ao longo deste trabalho, o problema a ser solucionado por estas novas alternativas de proteção ao consumidor no comércio eletrônico está relacionado a questões que envolvem partes de países diferentes, ou seja, comércio internacional. Isto porque, o Código de Defesa do Consumidor mostrou-se capaz de solucionar todas as questões relacionadas ao e-commerce, quando as duas partes envolvidas na relação de consumo estiverem no Brasil.

Como estamos tratando do comércio eletrônico, a Lex Mercatoria ganha alguns nomes diferentes. Para Maria Eugênia Reis Finkelstein, deve-se falar em elex mercatoria. Já para Ricardo Luis Lorenzetti, o mais correto seria dizer lex informática. Uma última denominação é dada por Newton de Lucca, que a chama de lex electronica. Não entraremos no mérito de qual nome está mais certo, mas iremos nos referir à Lex Mercatoria no mundo digital como e-lex mercatoria.

Assim como as duas outras alternativas que estudamos, a e-lex mercatoria também visa aumentar a confiança e a segurança do comércio eletrônico, para gerar cada vez mais crescimento deste ramo. Finkelstein defende a sua aplicação, mostrando que ela seria capaz de melhorar a situação para todos os envolvidos: A aplicação da lex mercatoria para solver disputas derivadas de questões originadas em operações comerciais eletrônicas internacionais pode vir a ser uma boa opção para dirimir tais conflitos, vez que esta forma de decidir controvérsias, se aceita, poderá em muito contribuir para regulamentar uma “forma” de comércio carente de regras, que se desenvolve com uma velocidade espantosa e que a cada dia adquire mais adeptos, tornando-se cada vez mais específica e disseminada, misturando aspectos do comércio eletrônico com o comércio internacional (Maria Eugênia Reis Finkelstein, Aspectos Jurídicos do Comércio Eletrônico, 2004, p.127).

Na visão da autora, a e-lex mercatoria poderia ser bastante eficaz, pois da mesma forma que o desenvolvimento tecnológico na área da Internet é muito veloz, a capacidade de mutação da e-lex mercatoria é enorme, podendo as duas andarem lado a lado. E em alguns lugares, isto já começa a ser uma realidade. Segundo Eduardo Weiss Martins de Lima, está acontecendo não só por regras estabelecidas pelos costumes da rede, mas também através de estímulos de entidades privadas ou paraestatais de auxílio e proteção do consumidor. De acordo com o autor: Muitas entidades e associações pelo mundo, especialmente nos EUA e países como Canadá e UK, trabalham com essa realidade e necessidade, como a Consumers International, que cria e estimula foros de debates e resolução de conflitos, inclusive na modalidade ODR – On-line Dispute Resolution, em que as partes em conflito nem precisam sair de suas casas ou escritórios, para a resolução de
disputas (utilizando a própria Internet!) originárias das modalidades B2B (Business to Business), B2C (Business to Consumer) e até mesmo nas relações diretas entre pessoas não fornecedoras, incluindo as Cross-border disputes, entre duas partes localizadas em diferentes países sob diferentes legislações (Eduardo Weiss Martins de Lima, Proteção do Consumidor Brasileiro no Comércio Eletrônico Internacional, 2006, p. 174).

Mesmo já havendo a aplicação deste instituto por algumas entidades pelo mundo, há pensadores que não vêem com bons olhos a regulamentação do comércio eletrônico pela tal e-lex mercatoria. É o caso de Letícia Canut, que diante
da complexidade gerada pelo ciberespaço, acredita que o consumidor não seria beneficiado com o desenvolvimento desta alternativa.

A falta de unanimidade em um assunto tão complexo não é nada raro. Mas podemos perceber que a criação de uma e-lex mercatoria é, ao menos, possível. Como citamos anteriormente, em alguns países isto já vem até acontecendo. Espera-se que este instituto, caso venha a proporcionar um real crescimento no grau de segurança ao consumidor eletrônico, venha a desenvolverse e expandir através da rede.

4. Conclusão

Através de nossa análise, em nada difere o contrato físico daquele celebrado virtualmente, sendo que sua única diferença está no tipo de plataforma utilizada, que é a internet e seus recursos. Ficou demonstrado, então, que o contrato
eletrônico tem plena capacidade para ser aceito em qualquer tipo de contratação, desde que não haja nenhum impedimento quanto a sua forma.

Desta maneira, o contrato eletrônico de consumo terá o mesmo tratamento que um contrato de consumo tradicional, físico. E como visto, a legislação consumerista regula vários aspectos no comércio eletrônico, sendo plenamente aplicável. A transação comercial realizada entre duas partes localizadas no Brasil não trás nenhum empecilho para a aplicação direta das normas do CDC.

Quanto a estas transações, o que ficou claro é a necessidade de novas leis de regulamentação em relação ao próprio comércio eletrônico, criando entidades específicas para este ramo que prezem pela segurança do consumidor. Um bom
exemplo que foi mostrado é a ICP-Brasil (Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira).

A dificuldade prática que ficou demonstrada em relação à aplicação da legislação nacional vigente é quanto às transações comerciais realizadas entre partes em países diferentes. O direito tradicional mostrou-se ineficaz para solucionar
lides entre consumidores e fornecedores que têm seus direitos regidos por legislações, muitas vezes, completamente diferentes.

Com a constatação desta ineficiência, novas alternativas que procuram maximixar a proteção do consumidor em relações comerciais pela Internet foram estudadas. As três alternativas expostas neste trabalho, e que são as mais citadas
hoje pelos especialistas, são a arbitragem, a auto-regulamentação e a lex mercatoria.

Em comum, elas têm o fato de estarem procurando um aumento no grau de segurança e confiança do consumidor para que o comércio eletrônico ganhe ainda mais adeptos e venha a se tornar um ramo cada vez mais lucrativo. Com este
incremento de importância econômico, o e-commerce já recebe um ótimo tratamento por parte de grandes empresas. Estes três institutos, aliás, já vêm sendo experimentados por várias entidades e em muitos casos com enorme sucesso.

Além disto, também há o fato de serem alternativas ao próprio direito estatal. Daí fica a dúvida se elas seriam capazes de substituir integralmente a tutela dada pelo Estado ou seria necessário um trabalho conjunto entre este direito tradicional e estas novas alternativas para que realmente funcione. O maior problema está no direito discutido, que é o do consumidor, que é sempre a parte hipossuficiente da relação de consumo.

Mas estas alternativas, como bem vem sendo dito, são muito novas, e estão sendo experimentadas aos poucos. Para nós, a retirada total da intervenção estatal em relação à proteção ao consumidor pode gerar um certo clima de insegurança. Assim, nas relações de consumo no comércio eletrônico internacional, a arbitragem, a auto-regulamentação ou a lex mercatoria (ou e-lex mercatoria), aliadas ao poder estatal poderiam ser a melhor forma na busca da proteção do “econsumidor”.

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Sobre o autor
Bernardo Mafia Vieira

Formado em Direito pela Universidade Federal de Goiás - UFG (2005/2009). Advogado nas áreas tributária, administrativa e cível, desde o ano de 2010. Integrante das Comissões de Direito Tributário e de Direito Desportivo da OAB/GO. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET (2010/2011). Aprovado nos Concursos: Fiscal de Tributos de Aparecida de Goiânia (2012); Analista Legislativo da Câmara dos Deputados (2012); Advogado do Conselho Regional de Medicina Veterinária no Estado de Goiás (2013); Procurador do Estado de Goiás (2014).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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