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Ativismo judicial: quem poderá nos defender da bondade dos bons?

Agenda 11/07/2014 às 11:30

A busca pelo paradigma filosófico presente no ativismo judicial: A metafísica e a filosofia da consciência.

RESUMO: Através da desconstrução e reconstrução da história da filosofia, é possível identificar o paradigma filosófico que habita o imaginário do juiz ativista, qual seja, a metafísica moderna e a filosofia da consciência, o que notabiliza o juiz ativista como um positivista, eis que como um justiceiro, parte de “grau zero” (niilismo) através da discricionariedade judicial , isto é, o juiz ativista aplica seus princípios axiológicos baseados em seus valores intersubjetivos, ele utiliza a linguagem como mero instrumento de ligação entre suas crenças e os objetos, ele é o senhor dos sentidos. Essa justiça com as próprias mãos não coaduna com os anseios do Constitucionalismo Contemporâneo, que por sua vez, ao vindicar a efetiva superação com o positivismo jurídico, pleiteia a inserção de um novo paradigma filosófico, a fenomenologia hermenêutica de Heidegger. Esta (re)inserção da filosofia e de um novo paradigma no imaginário da comunidade jurídica é uma tarefa difícil,  pois vivemos em uma era em que o direito tornou-se mera epistemologia.

PALAVRAS-CHAVE: Ativismo judicial. Hermenêutica. Filosofia. Direito Constitucional

SUMÁRIO: 1.INTRODUÇÃO; 2. FILOSOFIA E DIREITO – DA INDISSOLUBILIDADE AO ESQUECIMENTO; 3.O POSITIVISMO JURÍDICO (NORMATIVISTA) DE KELSEN; 4. A PROPOSTA DE SUPERAÇÃO DO POSITIVISMO JURÍDICO NORMATIVISTA DE KELSEN – A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA DE ROBERT ALEXY; 5. O ATIVISMO JUDICIAL E O NOVO COM OS OLHOS OS DO VELHO; 6. A RE-INSERÇÃO DA FILOSOFIA NO DISCURSO JURÍDICO COMO ANTÍDOTO CONTRA O ATIVISMO JUDICIAL: A NECESSÁRIA SUPERAÇÃO DA METAFÍSICA E DA RELAÇÃO SUJEITO-OBJETO QUE UTILIZA A LINGUAGEM COMO MERO INSTRUMENTO; 7. CONCLUSÃO; 8. REFERÊNCIA.

1.INTRODUÇÃO

O que torna uma decisão judicial ativista? O que é o ativismo judicial? O presente artigo tem como desiderato investigar o paradigma filosófico subjacente das decisões ativistas, isto é, trata-se de uma desconstrução e reconstrução da história da filosofia com o fim de alcançar os princípios epocais que sustentam a decisão ativista. Esta investigação nos demonstrará que a filosofia da consciência e metafísica moderna concernem ao paradigma investigado. Paradigmas que também sustentam o positivismo jurídico, mormente no que tange a (inexorável, segundo Kelsen) discricionariedade judicial. Assim sendo, chegaremos a conclusão que a decisão ativista é positivista, pois é discricionária. O que talvez mimetiza e legitima a decisão ativista no imaginário do senso comum é o seu conteúdo axiológico, (conteúdo carregado pelos princípios enquanto valor), o que mais uma vez confirma nossa tese que o ativismo judicial traz em seu cerne o positivismo jurídico, a não ser para aqueles que ainda acham que positivismo jurídico concerne apenas a tese da separação entre direito e moral, ledo engano....

A maior dificuldade da investigação do paradigma filosófico que habita na decisão ativista é a ausência da filosofia no discurso jurídico, que na atual quadra histórica tornou-se mera epistemologia, mormente após a implantação da teoria do direito posta pelo positivismo jurídico. O nosso primeiro passo neste artigo será a proposta de re-inserção da filosofia no discurso jurídico, melhor dizendo, o desiderato é demonstrar qual o paradigma filosófico que hiberna inconscientemente no imaginário das correntes jus positivistas (que legitimam o ativismo), para após insugir com um novo paradigma filosófico que deveras sustente o Constitucionalismo Contemporâneo e o tão almejado pós-positivismo, ainda não alcançado pelos juízes ativistas.

Afinal quem poderá nos proteger da bondade dos bons??

2. FILOSOFIA E DIREITO – DA INDISSOLUBILIDADE AO ESQUECIMENTO

Qual a relação entre direito e filosofia[1]? A história demonstra possibilidades distintas nesta relação que aqui podem ser investigadas a partir da história do direito. Inicialmente devemos voltar para a Ius naturalis scientia, berço do jusnaturalismo, época anterior ao movimento de codificações que desencadeou o positivismo, nesta época pode-se dizer que direito e filosofia (da época) eram indissolúveis, isto é, o direito anterior à codificação (iniciada por Napoleão) era filosofia.

O jusnaturalismo racionalista preparou o movimento de codificação que, por sua vez, fez nascer o positivismo jurídico (exegético), este movimento criou uma espécie de cisão na até então indissolúvel relação entre direito e filosofia, criando a filosofia do direito, isto é, filosofia e direito tornaram-se campos distintos, contudo, ainda coube a filosofia o papel de nortear as condições de possibilidade do conhecimento jurídico. O avançar do positivismo acarretou um terceiro ponto nesta analise histórica, a teoria do direito, momento em que  a tese da separação acarretou uma separação total entre direito e filosofia, o direito tornou-se autônomo. Direito tornou-se epistemologia.

O paradigma filosófico presente na época da ius naturalis scientia era a metafísica clássica e a filosofia clássica aristotélico-tomista, “lugar” em que o objeto constrange o sujeito. O movimento de codificação foi o pontapé inicial do positivismo exegético e da filosofia do direito, época em que a metafisica  permanecia presente, principalmente,  através da jurisprudência dos conceitos (pandectistas) e da Escola de Exegese, em tal “lugar” imperava o “mito do dado”. O positivismo normativista, já na época da teoria do direito trouxe a primeira viragem copernicana (1º giro linguístico), trata-se de uma corrente juspositivista que caminha sobre a metafísica moderna de Descartes (cogito), Kant (eu transcendental) e Nietzsche (Vontade de poder), em suma, no normativismo o objeto deixa de constranger o sujeito para o sujeito se tornar senhor dos sentidos e, de forma assujeitadora, definir o objeto. É esta passagem da relação objeto-sujeito para sujeito-objeto que cria o sujeito solipsista que, por sua vez, legitima a discricionariedade judicial presente em todas as correntes positivistas pós-exegéticas. De Kelsen a Alexy, é esta discricionariedade que até hoje impera inconscientemente no imaginário da teoria do direito (tida como mera epistemologia), isto é, é na relação sujeito-objeto presente na metafísica moderna, na filosofia da consciência e na jurisprudência dos valores que exsurge a discricionariedade judicial presente em toda decisão ativista, pois como já dito, o juiz ativista é positivista. O único modo de conter o ativismo judicial é a (necessária) ruptura com os paradigmas filosóficos que legitimam o positivismo jurídico e a sua (inexorável) discricionariedade judicial.

Antes de penetrar na metafísica enquanto paradigma a ser superado, faz-se mister uma analise do pensamento jus filosófico que habita as decisões ativistas, o positivismo jurídico, mormente o positivismo que exsurgiu com a viragem copernicana da metafísica moderna (o 1º giro linguístico que fundou o neopositivismo), qual seja, o positivismo jurídico pós-exegético, isto é, o normativismo de Kelsen e, posteriormente, o axiologismo de Alexy. Vejamos.

3.O POSITIVISMO JURÍDICO (NORMATIVISTA) DE KELSEN

Norberto Bobbio[2] há de muito leciona que o positivismo jurídico é uma proposta de superação do jusnaturalismo (racionalista), isto é, sob a forma inicial de positivismo exegético (segundo Ferrajoli, paleopositivismo) que concerne ao pensamento iluminista liberal-burguês que derrubou o Antigo Regime, ou seja,  este exegetismo deita sobre o ideário de estatalismo e completude do direito(o que representa uma ingênua crença no pensamento essencialista da filosofia clássica aristotélico-tomista), crença que fez que exsurgir o Código Civil Francês de 1804, o Código de Napoleão. No positivismo exegético a interpretação da lei posta é mitigada, o que acarretava um “juiz boca-da-lei”. O passar do tempo demonstrou que esta corrente de pensamento apenas possibilitou a “passagem do bastão” da ditadura, eis que o positivismo exegético possibilitou a passagem da ditadura do Antigo Regime para a ditadura do Estado de legalidade, isto é, a era da supremacia do parlamento.

No final do século XIX, exsurge uma corrente de pensamento que postulava a ruptura com esta ditadura parlamentarista do Estado de legalidade, trata-se do positivismo normativista capitaneado por Kelsen, integrante do Círculo de Viena[3], autor da Teoria Pura do Direito[4].

Em suma, Kelsen postulava uma cisão entre ciência jurídica e direito, ou seja, nesta ordem, razão teórica e razão prática. O catedrático do Círculo de Viena pontuava a tese da separação entre direito e moral apenas na razão teórica, sobretudo com o desiderato que combater a invasão de correntes de pensamento que cresciam gradualmente, quais sejam, a jurisprudência dos interesses de Ihering e a Escola do Direito Livre de Gény. A ciência jurídica não admitia a penetração da moral e demais valores em seu discurso, havendo um único ponto de validade da regra posta, qual seja,  a observância a grundnorm, isto é, não há(via) analise de vigência e eficácia, bastando para ser lei apenas a validade. O direito era apenas o direito posto e que observava a grundnorm, por isso a interpretação da ciência jurídica é um ato de conhecimento[5].

A razão prática, por sua vez, dizia respeito a analise dos casos concretos, isto é, da casuística, é nela que pessimista Kelsen admitia a inevitável penetração dos predadores exógenos tão combatidos na razão teórica, aqui o direito não é ciência, ao revés, ele é política, por isso que em tais casos o juiz, enquanto interprete, tem  a possibilidade de julgar até mesmo contra legem, isto é, na prática a interpretação é um ato de vontade e a sentença é um “sentire”, abrindo espaço para o ponto mais polemico da obra kelseniana, ponto presente no famoso capítulo 8º da Teoria Pura do Direito[6]: a discricionariedade judicial, isto é, o juiz que pode decidir conforme sua consciência, florescendo o solipsismo judicial.

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Na razão teórica, Kelsen parece habitar na jurisprudência dos conceitos, mormente por forte influência do 1º giro linguístico que possibilitou o (neo)positivismo (positivismo lógico do Circulo de Viena), isto é, Kelsen acreditava  na ciência jurídica como pressuposto de uma metalinguagem e seu rigor linguístico. Por sua vez , na razão prática (a caixa de pandora da teoria kelseniana) Kelsen  admitia a inexorabilidade da discricionariedade judicial, neste “lugar”  predominava a metafísica moderna e a filosofia da consciência, isto é, o decidir conforme a consciência, ponto em comum de todas as correntes positivistas pós-exegetismo, que como já dito inúmeras vezes, é também o cerne do ativismo judicial.

O fim da segunda guerra mundial e a derrota da Alemanha nazista, iniciou uma nova era, marcada pela criação do Tribunal Federal Alemão e a Constituição Alemã de 1949 (Lei Fundamental de Bonn, promulgada em 24/05/1949)[7]. Florescia uma era de hipervalorização dos direitos fundamentais e da dignidade humana. Direitos fundamentais e democracia tornaram-se os dois pilares do novo modelo de constitucionalismo. Esse novo ideário vindicava o rompimento com o positivismo jurídico. Uma promessa até hoje não alcançada no cenário brasileiro, marcado pela modernidade tardia, pois ainda vivemos com o positivismo e as vulgatas (neo)constitucionalistas.

4. A PROPOSTA DE SUPERAÇÃO DO POSITIVISMO JURÍDICO NORMATIVISTA DE KELSEN – A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA DE ROBERT ALEXY

Após a segunda guerra mundial surgiram correntes de pensamento que postulavam uma superação do positivismo jurídico, se autodenominando pós-positivistas, ou não positivistas, vindicando a reinserção da moral no discurso jurídico, trata-se de uma espécie de repristinação do jusnaturalismo, movimento inicialmente capitaneado por Gustav Radbruch (autor da fórmula de Radbruch) e, posteriormente, pela teoria da argumentação jurídica de Alexy, que, em síntese, pugnavam a implementação da tese da complementariedade através de uma pretensão de correção, isto é, postulavam a superação da tese da separação entre direito e moral (como se o positivismo jurídico fosse só isso), para, quando necessário, a moral corrigir o direito posto. A teoria de Alexy concede normatividade aos princípios que, enquanto valores, tem o condão de corrigir a regra posta pelo legislador.

A teoria da argumentação de Alexy[8] advoga uma cisão entre regras e princípios, sendo estes mandados de otimização e aquelas, as regras, mandados de definição. As regras são aplicadas através da subsunção nos casos batizados por Alexy como “casos fáceis”. Na mesma esteira, Alexy leciona que em alguns casos a aplicação silogística e dedutiva da regra não é suficiente, sendo nestes casos necessário a aplicação de princípios. Princípios são mandados de otimização, porque, diferente das regras (que devem ser aplicadas numa espécie de “tudo-ou-nada”), devem ser otimizados ao máximo, fato que inexoravelmente acarreta uma colisão ente estes. Colisão que, segundo a teoria Alexyana, só poderá ser resolvida através da ponderação norteada pela proporcionalidade. Segue trecho da lição de Alexy:

“A base do argumento dos princípios é constituída pela distinção entre regras e princípios. Regras são normas que, em caso de realização do ato, prescrevem uma consequência jurídica definitiva, ou seja, em caso de satisfação de determinados pressupostos, ordenam, proíbem ou permitem algo de forma definitiva, ou ainda autorizam a fazer algo de forma definitiva. Por isso, podem ser designadas de forma simplificada como “mandados definitivos”. Sua forma característica de aplicação é a subsunção. Por outro lado, os princípios são mandados de otimização. Como tais, são normas que ordenam que algo seja realizado em máxima medida relativamente às possibilidades reais e jurídicas. Isso significa que elas podem ser realizadas em diversos graus e que a medida exigida de sua realização depende não somente das possibilidades reais, mas também das possibilidades jurídicas. As possibilidades jurídicas da realização de um princípio são determinadas não só por regras, como também, essencialmente por princípios opostos. Isso implica que os princípios sejam suscetíveis e carentes de ponderação. A ponderação é a forma característica da aplicação de princípios[9].”

Mas quem determina o que são "casos fáceis" e "casos difíceis"? Quem determina se um enunciado é uma regra ou um princípio? Ora, segundo o pensamento de Alexy sempre será o juiz, o que nos faz cair na pedra fundamental do positivismo jurídico: a discricionariedade judicial. Com efeito, conclui-se que Alexy tenta combater positivismo com positivismo, eis que não conseguiu superar a inevitabilidade da discricionariedade judicial nos tais "casos difíceis".

5. O ATIVISMO JUDICIAL E O NOVO COM OS OLHOS OS DO VELHO

Prima Facie, faz-se mister deixar claro a diferença entre a judicialização da política e o ativismo judicial, um tema  polêmico mormente por conta da  “plastificada” doutrina que rapta o raciocínio do senso comum teórico dos juristas (Luis Alberto Warat[10]).

A judicialização da política é uma consequência da evolução do Estado Democrático de Direito, ela é inexorável, isto é, a judicialização faz parte da inter independência entre os “três poderes”, normalmente exercida pelo judiciário através do controle externo. Em outras palavras, o Estado Democrático de Direito postula a eficácia dos direitos fundamentais, mormente os de segunda e terceira dimensão, através do constitucionalismo dirigente, contudo, os países de modernidade tardia, v. g. o Brasil, são notabilizados pela ineficácia dos direitos sociais, sobretudo por ainda reinar no imaginário do senso comum o paradigma iluminista liberal-burguês, o que inevitavelmente abre espaço para a judicialização da política, logo, a decisão judicial que determina que o Poder Público providencie a entrega de medicamentos a um jurisdicionado, por exemplo, nem sempre será ativista. Na realidade, o ativismo urge com a decisão judicial que tenta locupletar atribuição do Poder Público através da discricionariedade judicial. Em suma, o ativismo reside em um paradigma filosófico que deve ser superado, a filosofia da consciência e a metafísica moderna.

A judicialização da política é um fenômeno contingencial, isto é, no sentido de que insurge na insuficiência dos demais Poderes, em determinado contexto social, independente da postura de juízes e tribunais, ao passo que o ativismo diz respeito a uma postura do judiciário para além dos limites constitucionais[11].

É importante determinar o paradigma filosófico que habita no pensamento de Alexy, pois é este que não raramente compõe a fundamentação das decisões ativistas, melhor explico, o juiz ativista utiliza os princípios axiológicos (mandados de otimização como instrumentos de uma pretensão de correção) como álibis teóricos para salvaguardar a decisão que ultrapassa os limites da (necessária) judicialização da politica.

Alexy e Kelsen são positivistas. Alexy é positivista porque não conseguiu romper com a discricionariedade judicial, melhor explico: Kelsen, na razão prática, via a discricionariedade judicial como uma fatalidade, Alexy, por sua vez, enxergava a discricionariedade como uma salvação. Eis o novo com os olhos do velho. Vejamos.

Alexy é um analítico que não conseguiu superar a discricionariedade judicial por que não incluiu em seu pensamento uma necessária reflexão filosófica, eis que apenas rebatizou a teoria kelseniana com outros nomes. Alexy não inovou porque manteve-se preso ao mesmo paradigma filosófico da teoria Kelseniana, qual seja, a metafísica moderna, base da filosofia da consciência.

Stein[12] leciona que a ciência não é suficiente para identificar o paradigma filosófico presente em um pensamento, com efeito, para se identificar, e após superar, este paradigma é fundamental uma desconstrução e reconstrução da história da filosofia. Algo que Alexy e Kelsen não fizeram, pois criaram seus conceitos partindo de um “grau-zero” (niilismo), sem nenhuma investigação histórica. Ambos são adeptos da metafísica moderna, por isso que  utilizam a matemática para criar a cisão cartesiana entre seus dogmas, v. g., razão prática e razão teórica, casos fáceis e casos difíceis, princípios e regras, além disso, por serem adeptos da filosofia da consciência, identificam a linguagem como um mero canal instrumental entre o sujeito e objeto, isto é, numa relação sujeito-objeto o sujeito, enquanto senhor dos sentidos, de uma forma assujeitadora define o conteúdo do objeto. É nesta relação sujeito-objeto que o interprete, segundo Alexy, identifica os princípios axiológicos de acordo com sua consciência, possibilitando que toda essa idiossincrasia interpretativa seja a base de criação de princípios com valores subjacentes que irão corrigir a norma. É esta relação sujeito-objeto que permite ao interprete definir o que é um caso fácil e um caso difícil, assim como, permite que o juiz, baseado em uma ponderação, norteada pela vulgata da proporcionalidade, identifique qual o mandado de otimização a ser aplicado (sem ser interpretado, tampouco compreendido).

Além disso, insta ressaltar que Alexy, ao utilizar a metafisica cisão entre casos fáceis e casos difíceis, acredita que naqueles  basta a subsunção, isto é, nos casos fáceis reina o “mito do dado” presente no positivismo exegético e na filosofia clássica (paradigma filosófico aristotélico-tomista em que o sujeito fica aprisionado ao objeto), na medida em que as respostas surgem antes das perguntas, justamente porque para Alexy os textos tem sentido em si, o que demonstra que, na vulgata dos casos fáceis, Alexy é um adepto da jurisprudência dos conceitos, é um pandectista. Em suma, na dicotomia entre casos fáceis e difíceis, fica claro perceber que Alexy está esquizofrenicamente ligado a jurisprudência dos conceitos e a jurisprudência dos valores, a filosofia clássica e a filosofia da consciência.

Em suma, o ativismo judicial está intimamente ligado ao positivismo, na medida em que está ligado a discricionariedade judicial, eis que se mimetiza na vulgata do neoconstitucionalismo que carrega o pensamento de Alexy em seu cerne. Para romper com o voluntarismo ativista, e com o solipsismo judicial, é necessário alcançar deveras o pós-positivismo não alcançado por Alexy. Para tal, é fundamental romper com o paradigma filosófico presente no positivismo, qual seja, a metafisica. É necessária uma viragem copernicana. A resposta é a viragem ontológico-linguística, isto é, a linguagem deixar de ser instrumento para se tornar condição de possibilidade. A reposta é Heidegger[13].

6. A RE-INSERÇÃO DA FILOSOFIA NO DISCURSO JURÍDICO COMO ANTÍDOTO CONTRA O ATIVISMO JUDICIAL: A NECESSÁRIA SUPERAÇÃO DA METAFÍSICA E DA RELAÇÃO SUJEITO-OBJETO QUE UTILIZA A LINGUAGEM COMO MERO INSTRUMENTO.

Até aqui se tentou evidenciar que o ativismo judicial caminha sobre a metafísica relação sujeito-objeto, presente  na filosofia da consciência e na jurisprudência dos valores, todos estes paradigmas que habitam o positivismo axiológico de Alexy e sua teoria da argumentação jurídica.

Esta relação sujeito-objeto utiliza a linguagem como mero instrumento que liga as idiossincrasias do sujeito e sua assujeitadora conclusão do conteúdo do objeto, isto é, é neste paradigma que o juiz, enquanto interprete, utiliza a linguagem apenas para exteriorizar sua solipsista decisão sobre  o que deveras é um caso fácil ou difícil, ou seja, o juiz ativista parte de um “grau zero” para definir qual caso, de acordo com sua consciência, merece a injeção axiológica dos princípios. Em outras palavras, o juiz ativista decide para depois fundamentar, isto é, ao receber determinado caso, após identificar sua “dificuldade”, de imediato aplica um princípio axiológico que irá nortear o roteiro de sua fundamentação, com efeito, é neste quadro que a linguagem se torna um álibi teórico dos valores intersubjetivos do juiz ativista.

Com certeza o relativismo oriundo da teoria da argumentação jurídica de Alexy não coaduna com os anseios do  Constitucionalismo Contemporâneo, quais sejam, a democracia e os direitos fundamentais, pois como cediço, o juiz tem o dever fundamental de fundamentar sua decisão de forma adequada, respeitando, é claro, o símbolo maior da democracia, a lei (e obviamente a Constituição).

O que se quer dizer é que o juiz não pode atribuir valores subjacentes a determinado princípio por um simples motivo, princípios não são valores, não são axiológicos, pois princípios são deontológicos, eles na realidade tem o desiderato de injetar a necessária prática na interpretação/aplicação das regras, isto é, o princípio atravessa as regras e fecha a interpretação, sem voluntarismos. Mas é bem verdade que isto não ocorrerá enquanto a  metafísica e seus desdobramentos percorrerem o imaginário do juiz (ativista), pois, como já dito aqui inúmeras vezes, este paradigma filosófico deve ser superado. A  linguagem deve deixar de ser um mero instrumento a mercê da única vontade do interprete aplicador. O primeiro passo é abandonar a relação sujeito-objeto, por um simples motivo, nesta relação é inevitavelmente olvidada a importância do sujeito enquanto ser. Dai a importância da fenomenologia hermenêutica de Heidegger.

Heidegger propõe uma ruptura com a metafísica e a relação sujeito-objeto, através da investigação da auto compreensão do ser. Heidegger propõe uma  relação sujeito-sujeito, em que há uma diferença ontológica entre ser e ente. A fenomenologia hermenêutica de Heidegger se destina a investigar a auto compreensão do ser, mas não se trata de  um ser qualquer eivado de vícios e sentimentos, e sim o Dasein, que pode ser traduzido como ser-aí.

O ser-aí é finito[14] e essa finitude pressupõe que sua auto compreensão seja baseada na sua historicidade e representada pela sua linguagem, Mas é bom deixar claro que esta investigação não é feita de forma individualizada, pois não há ser sem ente e nem ente sem ser, isto é, todo ser é um ser-no-mundo. Com efeito, para alcançar a verdadeira auto compreensão do ser-aí, objetivo da analítica existencial, é necessário que o ser-aí mergulhe em sua facticidade carregando consigo todos os entes desvelados.

Em outras palavras, não há ser sem ente nem ente sem ser, o homem não está sozinho, ele na realidade está no centro do mundo e carrega consigo todos os entes desvelados ao seu redor, logo, a linguagem não é capaz de criar o mundo, pelo contrário, as coisas chegam ao ser-aí e tornam-se linguagem, por isso a linguagem se torna condição de possibilidade, pois o ser-aí antecipa seus sentidos formados na sua compreensão que norteia sua interpretação. Assim sendo, todo ser do ente desvelado, ao ser desvelado se torna linguagem. O homem não cria as coisas, estas na realidade vão até o homem e tornam-se linguagem, isto é, as coisas são coisas independentemente do homem, mas elas só chegam ao homem, enquanto ser-no-mundo, através da linguagem.

O ente homem não se compreende a si mesmo sem compreender o ser, e não compreende o ser sem compreender-se a si mesmo[15], esta lição corresponde ao círculo hermenêutico de Heidegger (que como todo círculo hermenêutico caminha do todo para a parte e da parte para o todo), que assim como a analítica existencial, é um dos pilares da fenomenologia hermenêutica.

É a fenomenologia hermenêutica que promove o novo giro-ontológico-linguístico (assim denominado por Lenio Streck para não ser confundido com os anteriores giros promovidos pelo positivismo lógico do Círculo de Viena e pelo 1º Wittgenstein). É nesta revolução copernicana que a linguagem deixa de ser instrumento e torna-se condição de possibilidade, com efeito, pondo fim a metafísica moderna e a filosofia da consciência (presentes no positivismo jurídico e nas vulgatas neoconstitucionalistas que fundamentam as decisões ativistas), pois a linguagem não é do ser assim como queria metafísica moderna, pelo contrário, a linguagem é a casa do ser, ou como ensinava Gadamer, discípulo de Heidegger: ser que pode ser compreendido é linguagem.

O ser-aí é histórico, é finito, é linguagem.

Essa analise da autocompreensão do ser-aí, numa relação sujeito-sujeito, estampa a necessidade da investigação da faticidade e da historicidade de todos os casos concretos, logo, conclui-se, não há qualquer possibilidade de determinação abstrata da dicotomia casos fáceis e difíceis, regras e princípios[16], justamente porque nenhum texto dispensa interpretação. Todo texto é um evento! Destarte, submerge o “mito do dado” presente no exegetismo e na subsunção dos casos “fáceis”, assim como, por sua vez, falecem os “casos difíceis”, pois o interprete não pode partir de um “grau-zero” sem a necessária investigação do texto, para, antes mesmo de interpretar, antecipar os sentidos e aplicar os princípios axiológicos que habitam seu imaginário, pois a compreensão é um pressuposto da interpretação, não há interpretação sem compreensão.

Enfim, é o giro ontológico-linguístico que de fato alcança a ruptura com todas as falácias baseadas na metafísica moderna, quais sejam, a filosofia da consciência, a jurisprudência dos valores e a inevitabilidade da discricionariedade judicial do positivismo (normativista ou axiológico) jurídico.

7. CONCLUSÃO

O ativismo judicial é fundando na discricionariedade judicial presente em todas as correntes positivistas, isto é, o juiz ativista é positivista, e como um “lobo com pele de cordeiro” se intitula pós-positivista e (neo)constitucionalista, eis que repristina um jusnaturalismo que nunca existiu, na medida em que usa toda esta construção como mero álibi para fundamentar suas decisões baseadas em valores intersubjetivos, pois o ativista decide para depois fundamentar, ele antecipa os sentidos impondo suas crenças através de seus princípios axiológicos.

Em nome do Constitucionalismo Contemporâneo, faz-se mister o apego a  uma teoria da decisão norteada pela Critica Hermenêutica do Direito, assim como leciona Lenio Streck, que através do revolvimento do chão linguístico[17], da hermenêutica anitmetodológica e a da investigação da história da filosofia, possa ser capaz de identificar quais os princípios epocais que habitam o imaginário do juiz ativista que julga de acordo com sua consciência, isto é, é através desta reflexão que será possível alcançar efetivamente a ruptura com a metafísica e seus voluntarismos decorrentes, porque a linguagem não é um instrumento, ela é a casa do ser.

Antes de decidir, o juiz deve investigar a faticidade do caso concreto, a faticidade de todos os entes desvelados. Deve deixar de lado todos os seus valores intersubjetivos, pois como muito bem lembra Eros Grau[18], o juiz é um garçom, e assim deve sempre ser, isto é, ele deve servir, sempre, independente de seus gostos ou preferências.

8. REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

ALEXY, Robert. Conceito e Validade do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009

BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: Lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 2006

CARNEIRO, Walber Araujo. Hermenêutica Jurídica Heterorreflexiva. Uma teoria dialógica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado,2011

HEIDEGGER, Martin. Ontologia (Hermenêutica da faticidade)/ tradução de Renato Kirchner. 2ª ed. Petrópolis: Vozes. 2013.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991

OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Decisão Judicial e o Conceito de Princípio. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008

SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de Direito Constitucional/ Ingo Wolfgang Sarlet, Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e (m) crise. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2014

STRECK, Lenio. Lições de Crítica Hermenêutica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014

TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e Ativismo judicial: limites da atuação do judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013

WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito. Vol I. Interpretação da lei. Temas para reformulação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1994

 


[1] OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Decisão Judicial e o Conceito de Princípio. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, pág. 94

[2] BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: Lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 2006, p. 25

[3] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e (m) crise. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2014, p. 241.

[4] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

[5] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. P. 392

[6] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. P. 387

[7] SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de Direito Constitucional/ Ingo Wolfgang Sarlet, Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

[8] ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013

[9] ALEXY, Robert. Conceito e validade do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006. P. 85

[10] WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito. Vol I. Interpretação da lei. Temas para reformulação. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1994

[11] TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e Ativismo judicial: limites da atuação do judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 36

[12] STEIN, Ernildo. Exercícios da Fenomenologia: Limites de um Paradigma. Ijuí: Unijuí, 2004, p. 127. In: STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e (m) crise. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2014, p. 143.

[13] HEIDEGGER, Martin. Ontologia (Hermeneutica da faticidade)/ tradução de Renato Kirchner. 2ª ed. Petrópolis: Vozes. 2013.

[14] CARNEIRO, Walber Araujo. Hermenêutica Jurídica Heterorreflexiva. Uma teoria dialógica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado,2011, p. 121.

[15] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e (m) crise. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2014. p. 272

[16] STRECK, Lenio. Lições de Critica Hermenêutica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 91/93

[17] STRECK, Lenio. Lições de Crítica Hermenêutica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado,2014,p.9

[18] GRAU, Eros Roberto. Porque tenho medo dos juízes (a interpretação/aplicação do direito e os princípios. 6ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013.

Sobre o autor
Fernando de Carvalho

Advogado.<br>Direito Constitucional.<br>Hermenêutica Jurídica.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Fernando. Ativismo judicial: quem poderá nos defender da bondade dos bons?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4027, 11 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28725. Acesso em: 15 nov. 2024.

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