INTRODUÇÃO
A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, concedeu ao Júri identidade plena e impregnou-lhe de uma natureza flagrantemente democrática, emprestando-lhe força e efetividade às suas decisões, reconhecendo-o como manifestação da soberania popular, em busca do resgate de sua integridade político-jurídica, na medida em que a Carta Magna convoca cidadãos para compor a amostragem da sociedade e, soberanamente, julgar seus pares nos casos de crimes dolosos contra a vida, participando, assim, diretamente da administração da Justiça.
Nesse espírito, o Tribunal do Júri ganhou os seguintes atributos ou princípios constitucionais explícitos que regem sua atuação: Art. 5º [...]; XXXVIII, CF - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
Na Lei Processual Penal, o Tribunal do Júri é regido pelos arts. 406 a 497, que tratam desde o recebimento da denúncia até a leitura da sentença em plenário, que consistirá na condenação ou absolvição do acusado submetido ao julgamento pelo Cenáculo Popular.
Com efeito, o presente trabalho, dividido em dois itens, visa proceder a uma perfunctória análise de duas espécies de decisão que podem ser tomadas pelo magistrado na fase do juízo de acusação ou judicium accusationis: pronúncia (art. 413, da Lei Processual Penal) e impronúncia (art. 414, do Estatuto Processual Penal).
Assim, o estudo objetiva contribuir com a cultura jurídica e, sobretudo, enaltecer a instituição do Tribunal do Júri que, apesar de vários ataques sofridos durante a história, subsistiu como um dos símbolos do Estado Democrático de Direito e no Brasil figura como cláusula pétrea em nossa Constituição.
PRONÚNCIA
Na pronúncia, ao juiz incumbe apenas reconhecer como admissível a acusação, fixar os seus limites, quanto ao fato (imputação) e à sua classificação (tipo penal), e autorizar o seu prosseguimento, remetendo a análise do caso ao plenário do Tribunal do Júri, para que a Corte Popular decida, soberanamente, sobre a procedência ou não da pretensão condenatória/punitiva estatal.
Com efeito, na fase de “instrução preliminar” não há sequer falar em pretensão condenatória, pois, na denúncia, nesse procedimento específico, o Ministério Público formula mera pretensão acusatória, visando à pronúncia, ou seja, almejando a autorização para sustentar, perante o Conselho de Sentença do Júri, que é o juiz natural, a pretensão condenatória.
Portanto, este é o sentido teleológico da pronúncia: admitir a viabilidade da pretensão acusatória e, nos termos do art. 476, CPP, estabelecer os seus limites, expurgando, inclusive, os seus eventuais exageros, como qualificadoras sem nenhum lastro probatório, para que a acusação seja apresentada aos jurados estritamente dentro dos parâmetros nela estabelecidos.
No tocante aos requisitos, pode-se dizer que são os mesmos daqueles necessários para o recebimento da denúncia (art. 41, CPP), porém respaldados apenas pelas provas produzidas em juízo e sob o crivo do contraditório. A cognição para prolação da decisão de pronúncia é diferenciada: não se exige uma certeza, mas sim apenas verossimilhança – probabilidade razoável de veracidade da hipótese acusatória, que supere a dúvida razoável (dúvida concebida como ausência de probabilidade razoável).
Da decisão de pronúncia caberá recurso em sentido estrito, nos termos do art. 581, inciso IV, da Lei Adjetiva Penal.
Oportuno assinalar que o recurso em sentido estrito é, em suma, aquele cabível contra despacho, decisão interlocutória ou sentença penal, nas hipóteses previstas no art. 581, do Código Processual Penal, interposto no prazo de cinco dias – exceto quando se voltar contra a inclusão ou exclusão de jurado da lista, hipótese em que o prazo será de vinte dias contados da data da publicação definitiva da lista de jurados – em regra, perante o juiz da causa, que poderá exercer o juízo de retratação (efeito regressivo), e endereçado ao tribunal competente, processado nos próprios autos ou pela formação de instrumento, de acordo com a hipótese de cabimento.
A Lei n.º 11.689/08 trouxe profunda alteração no que diz respeito às hipóteses de cabimento do recurso em sentido estrito no processo penal. De acordo com a redação anterior, era cabível tal recurso tanto da decisão de pronúncia (decisão interlocutória mista não terminativa) quanto da decisão de impronúncia (decisão interlocutória mista terminativa). Por esta razão, a doutrina apontava essa hipótese como um dos exemplos em que o recurso em sentido estrito assumia o caráter pro et contra, podendo o recurso ser oponível em relação a uma decisão, bem como àquela que lhe for contrária, a exemplo do art. 581, inciso IV, CPP, que prescrevia caber recurso da decisão que pronuncia e daquela que impronuncia o acusado.
Com a nova sistemática legal há previsão taxativa de cabimento do recurso em sentido estrito somente contra a decisão de pronúncia, passando a assumir o recurso um caráter secundum eventum litis.
No tocante à suspensão do julgamento em face da interposição de recursos perante os Tribunais Superiores, é possível que seja feito o julgamento perante o Tribunal Popular porque esses recursos não têm efeito suspensivo e não impedem a aplicação do art. 421, caput, CPP. Ademais, de acordo com o disposto no art. 637, CPP, a interposição de recurso extraordinário não impede nem mesmo a execução de sentença condenatória. Ainda, deve ser observado o disposto no art. 27, §2º, da Lei n.º 8.038/90.
No entanto, não se pode olvidar que a Corte Superior, ao julgar o recurso interposto, poderá alterar a imputação ou até mesmo absolver ou impronunciar o acusado ou desclassificar a imputação. Nesses últimos casos, obviamente, o julgamento proferido pelo Júri será considerado nulo, para que prevaleça a decisão definitiva da Corte, se a decisão dos jurados for condenatória. E não há que se falar, nessa hipótese, em prejuízo à soberania constitucional dos jurados, pois não se pode invocar uma garantia constitucional contra o interesse do acusado. Mas, se o Júri houver absolvido o acusado, há de prevalecer a decisão soberana dos jurados, independentemente do resultado dos recursos em menção.
Em relação ao sorteio dos jurados, uma vez indicados os réus que deverão ser julgados na reunião periódica do Tribunal do Júri, levando-se a efeito o art. 429, CPP, cumpre ao juiz presidente, em seguida, proceder ao sorteio dos jurados que nela atuarão, bem como em regime extraordinário, caso haja necessidade de sua realização. Cabe à secretaria da Vara Judicial proceder à confecção dos nomes dos jurados constantes na lista definitiva, em cédulas do mesmo tamanho, cor e tonalidade. O sorteio será presidido pelo juiz e não mais por um menor de 18 (dezoito) anos, a portas abertas, a fim de garantir a maior publicidade possível, retirando as cédulas da urna geral até completar o número de 25 (vinte e cinco) jurados. O sorteio deverá ser procedido entre o 15º (décimo quinto) e o 10º (décimo) dia útil antecedente à instalação do Júri (art. 433, §1º, CPP). O descumprimento da regra em epígrafe configura mera irregularidade. Essa exigência é imposta para que haja tempo suficiente de se fazerem as comunicações e convocações que forem necessárias, bem como para que as partes pesquisem óbices referentes aos juízes leigos, para evitar a participação no julgamento de jurado suspeito ou impedido, o que pode ocasionar a sua nulidade (art. 564, I, CPP).
Serão comunicados dessa audiência pública de sorteio o Ministério Público, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Defensoria Pública (art. 432, CPP), podendo ser acompanhada por qualquer do povo, inclusive o réu, não havendo obrigação de o juízo comunicá-lo, tampouco o advogado constituído ou dativo. A audiência não será adiada pelo não comparecimento das partes (art. 433, §2º, CPP). Faz-se necessária a lavratura do termo de sorteio, a fim de documentar todo o ocorrido durante o ato. Os jurados que não foram escolhidos continuarão com os seus nomes na urna geral, havendo a possibilidade de serem sorteados para reuniões futuras (art. 433, §3º, CPP). Possível irregularidade na publicação da lista de jurados deve ser apontada tão logo anunciado o julgamento e apregoadas as partes (STF – HC 70.938- 9/DF).
Após o sorteio dos 25 (vinte e cinco) jurados, o passo seguinte é convocá-los, isto é, chamá-los individualmente, para que compareçam no dia, local e hora determinados, notadamente para que se propicie o julgamento. Nos termos do art. 434, caput, da Lei Adjetiva Penal, o legislador possibilita que o chamamento seja feito pelo correio ou por qualquer meio hábil (via eletrônica, oficial de justiça etc.), desde que haja segurança no sentido de que chegue ao conhecimento do jurado a sua convocação. Dada a obrigatoriedade de transcrever, no ato convocatório, os artigos que disciplinam a função do jurado, há entendimento de que o telefone não pode ser considerado como meio hábil de comunicação, salvo a título de reforço. Será afixada, na porta do edifício do Tribunal do Júri, a relação de jurados convocados, os nomes dos acusados e dos procuradores das partes, além do dia, hora e local das sessões de instrução e julgamento (art. 435, CPP), lavrando-se a respectiva certidão, para juntada aos autos. Essa providência tem por finalidade possibilitar às partes a recusa motivada ou imotivada de algum jurado, bem como para que a sociedade fique ciente dos julgamentos. Para evitar o exacerbado formalismo, pode-se entender que o descumprimento de tal providência configura mera irregularidade. Isto porque se reconhece a possibilidade de o Ministério Público e defesa, no momento do sorteio dos integrantes do Conselho de Sentença, arguirem qualquer fato que obste o julgamento imparcial.
Em casos em que haja risco de intervenção de acusado(s) ou familiar(es) perante os jurados, o magistrado pode também expedir ofício a cada jurado sorteado, juntamente com o mandado de intimação, noticiando os direitos e deveres inerentes à função, bem como disponibilizar o número de telefone e o e-mail institucional da Vara Judicial, para possível contato do jurado.
Existem Varas do Júri dotadas com mais de um plenário, com possibilidade de realização de julgamentos simultâneos. Dos 25 (vinte e cinco) jurados convocados, será instalada a sessão se comparecerem, pelo menos, 15 (quinze) − art. 463, caput, CPP. Dependendo da forma da redação do art. 435, CPP, que será afixada na porta do edifício do Tribunal do Júri, entende-se ser viável o empréstimo de jurados. Se houver uma especificação pura e simples de jurados, para determinado plenário, impossível se torna o empréstimo para atuar em outro, na medida em que as partes serão pegas de surpresa, não se podendo verificar, com antecedência, eventuais impedimentos, suspeições ou incompatibilidades dos julgadores leigos. Nesse mesmo sentido: “STF – 1ª T. – HC 88.801/SP – rel. min. Sepúlveda Pertence – j. em 06.06.2006”. De outra banda, ainda que haja uma divulgação, na forma retromencionada, mas com a ressalva da possibilidade de empréstimo, em caso de não se atingir o quórum mínimo − o que, em nossa visão, não é proibido por lei −, não se vislumbra qualquer óbice no procedimento em tela, pois as partes terão a prévia oportunidade de conhecer e pesquisar o perfil de cada um dos juízes de fato. Para aqueles que não concordam com a essa tese, mas querem evitar o estouro de urna, recomenda-se que, além dos 25 (vinte e cinco) jurados sorteados para a reunião periódica, possam ser convocados suplentes, para evitar-se o adiamento da sessão de julgamento.
Sobre a formação do Conselho de Sentença, o art. 434, CPP, estatui que os jurados serão convocados para comparecer nos dias e horários designados para a reunião periódica, que nada mais é do que o período em que o Tribunal do Júri se reúne para efetuar os julgamentos marcados, o que pode variar de Estado para Estado, segundo suas leis de organização judiciária. Não são convocados, pura e simplesmente, para determinada sessão de julgamento. Sendo assim, havendo várias sessões de julgamento durante a reunião periódica, não há qualquer óbice legal ao jurado participar o mês inteiro. Após o término da reunião periódica, aplicar-se-á o disposto no art. 426, §4º, do CPP, salvo na hipótese de se tornar inexequível o funcionamento do Tribunal do Júri. O pedido de adiamento da sessão de julgamento deve ser feito até o momento da abertura dos trabalhos, salvo por motivo de força maior (arts. 454 e 457, §1º, CPP). Por acarretar um custo considerável para o Estado, deve ser feito sempre de boa-fé e, quando tal princípio restar demonstrado, o magistrado deverá analisá-lo com espírito de compreensão.
O art. 448, do Codex Processual Penal, elenca os casos de impedimentos relacionados ao funcionamento de dois ou mais jurados, num mesmo Conselho de Sentença, em razão de parentesco. O que o comando legal veda é a concomitância de parentes no mesmo corpo de jurados. Com o sorteio dos impedidos, servirá o que houver sido sorteado em primeiro lugar (art. 450, CPP).
Já o art. 449, CPP, elenca três causas de incompatibilidades para o jurado: I - tiver funcionado em julgamento anterior do mesmo processo, independentemente da causa determinante do julgamento posterior; II - no caso do concurso de pessoas, houver integrado o Conselho de Sentença que julgou o outro acusado; III - tiver manifestado prévia disposição para condenar ou absolver o acusado.
Imperioso destacar que, se por motivo de impedimento, suspeição ou incompatibilidade o juiz leigo não puder integrar o Conselho de Sentença, mesmo assim o seu nome será computado para fins de constituição do número legal exigível para a realização do julgamento popular (art. 451, CPP). Trata-se de regra a viabilizar a realização plenária.
No mesmo dia, é possível o mesmo Conselho de Sentença conhecer mais de um processo. A regra está insculpida no art. 452, CPP. A sua operacionalização é bastante restrita. Na prática, somente com o adiantamento da tese absolutória ou desclassificatória do órgão ministerial, aliado à consulta prévia e concordância do ex adverso, fará com que o magistrado designe mais de um julgamento, no mesmo dia, sob pena de não conseguir administrar e enfrentar a superabundância dos processos.
Com esteio no art. 462, CPP, o juiz presidente verificará se a urna contém as cédulas com os nomes dos 25 (vinte e cinco) jurados sorteados para aquela sessão, determinando, em seguida, que o escrivão proceda à chamada nominal deles, a fim de confirmar as presenças. Em caso de convocação de jurados suplentes, estes deverão integrar uma segunda urna, sendo efetivado o sorteio desta urna, tão somente, se esgotados os jurados titulares. Para instalação dos trabalhos, é fundamental que compareçam, pelo menos, 15 (quinze) dos 25 (vinte e cinco) jurados convocados. Tendo o quórum mínimo, o juiz presidente declarará instalados os trabalhos, anunciando o processo que será submetido a julgamento (art. 463, CPP). O anúncio do processo, pelo magistrado, deve ser completo, tornando público o nome do réu, da vítima, das testemunhas, do defensor e do acusador, a fim de possibilitar aos jurados tomar conhecimento a respeito da existência de eventuais vínculos que possuam com as partes ou com os tribunos, dando-se eles, se for o caso, por suspeitos ou impedidos[1]. Ato contínuo, o oficial de justiça fará o pregão, certificando a diligência nos autos (art. 463, §1º, CPP). O pregão consiste no anúncio, em voz alta, do processo a ser julgado, declinando-se o nome do réu, do representante do Parquet, do defensor, do juiz e das testemunhas que irão depor. Além de conferir publicidade ao julgamento, o momento do pregão é importante para as partes arguirem as nulidades relativas verificadas posteriormente à pronúncia (art. 571, V, CPP c.c. o art. 572, I, CPP), sob pena de preclusão temporal e convalidação (RT 558/382). Se a nulidade for absoluta, caberá ao juiz presidente adiar o julgamento e refazer o ato processual viciado.
As partes poderão recusar até 3 (três) jurados sorteados, sem apresentar justificativa (conforme dicção do art. 468, CPP). Em caso de pluralidade de réus, a cada um deles cabe recusar até 03 (três) jurados, não obstante seja lícito atribuir o direito de recusa a um único defensor. Em caso de não obtenção do número mínimo, pode haver a separação do julgamento (conforme art. 469, §1º, CPP), seguindo o critério do §2º do art. 469 do Código de Processo Penal. Se for constituído um Conselho de Sentença sem a presença de no mínimo 15 (quinze) jurados, estar-se-á diante de um caso de nulidade absoluta, conforme reza o art. 563, III, “i”, CPP. É importante observar que os jurados excluídos, em razão de impedimento, suspeição ou incompatibilidade serão considerados para a constituição do número legal exigível para a realização da sessão (cfr. art. 451, CPP).
Ao Conselho de Sentença incumbe também decidir sobre a matéria de fato e se o acusado deve ser absolvido, para tanto serão formulados quesitos pelo juiz presidente observando as disposições dos arts. 482 a 491, do Código de Processo Penal, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 11.689/08, que pretendeu simplificar a quesitação mudando a forma de elaboração dos quesitos relativos à materialidade e autoria do delito – o que sempre foi algo tormentoso no Júri por ser uma fonte inesgotável de arguição e reconhecimento de nulidades pela superior instância.
IMPRONÚNCIA
As decisões interlocutórias mistas, também chamadas de decisões com força de definitivas, são aquelas que têm força de definitividade, encerrando uma etapa do procedimento processual ou a própria relação do processo, sem o julgamento/enfrentamento do mérito da causa. Tais decisões subdividem-se em: a) interlocutórias mistas não terminativas, entendidas como aquelas que encerram uma etapa procedimental (ex.: decisão de pronúncia nos processos do Tribunal do Júri), e b) interlocutórias mistas terminativas, compreendidas como aquelas que culminam com a extinção do processo sem resolução do mérito (ex.: nos casos de rejeição da denúncia, pois encerram o processo sem a solução da lide penal).
São apeláveis as decisões com força de definitivas, chamadas de interlocutórias mistas, que não decidem o mérito, mas põem fim à relação jurídica processual (terminativas) ou põem termo a uma etapa do procedimento (não terminativas).
Analisando as características das chamadas decisões com força de definitivas, ou decisões interlocutórias mistas, constata-se que a decisão de impronúncia se enquadra exatamente nesta espécie de decisão, posto que, embora não resolva a lide penal, põe termo ao processo, sem fazer coisa julgada, motivo por que, enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, é possível que seja formulada nova denúncia ou queixa contra o réu se houver prova nova.
Neste sentido, a decisão de impronúncia possui natureza interlocutória, haja vista que esta extingue o processo, mas não resolve o mérito, ao passo que a decisão de pronúncia possui a natureza interlocutória mista não terminativa, pois encerra uma fase do procedimento, sem julgar o meritum causae.
Já as hipóteses de absolvição sumária estão previstas no art. 415 do CPP: “O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando: I - provada a inexistência do fato; II - provado não ser ele autor ou partícipe do fato; III - o fato não constituir infração penal; IV - demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime”.
Com efeito, trata-se de um julgamento antecipado da lide, que não viola a soberania dos jurados, pois a realização do julgamento, pelo Tribunal do Júri, é um direito constitucional do acusado, não um direito do Estado. Assim, se o juiz está convencido da caracterização de qualquer das hipóteses referidas, o acusado há de ser absolto desde logo e, ao contrário da impronúncia, a absolvição sumária, ao transitar em julgado, torna-se definitiva e impede a renovação do processo, em caso de surgimento de novas provas.
Vale ressaltar que apenas não é cabível a absolvição sumária em razão do reconhecimento da inimputabilidade, com aplicação de medida de segurança, decisão essa chamada de “absolvição imprópria”, quando houver outras teses absolutórias a serem analisadas pelos jurados (art. 415, parágrafo único, CPP).
Assim, não será admitida a absolvição sumária, apesar da comprovação da inimputabilidade, com fundamento no art. 26, CP, quando houver alegação da defesa ou do próprio réu de quaisquer outras teses, a saber: a negativa do fato; a negativa da autoria ou participação; a exclusão da ilicitude, como a legítima defesa ou o estado de necessidade; a exclusão da culpabilidade, como a inexigibilidade de conduta diversa ou a coação moral irresistível. Essas teses absolutórias deverão ser examinadas, pelos jurados, antes da análise da inimputabilidade, pois, caso acolhidas, implicarão na absolvição do acusado sem a imposição da medida de segurança.
Por fim, é de se lembrar que as hipóteses de absolvição sumária previstas no art. 415,CPP, não abrangem todas as hipóteses previstas no art. 386, CPP, para a absolvição. Por exemplo, se houver “prova da inexistência do fato”, cabe a absolvição sumária, mas “se não houver prova da existência do fato”, não (art. 386, II, CPP). Neste caso, o acusado deverá ser impronunciado, se não houver indícios suficientes para a pronúncia, mas deverá ser pronunciado, se houver tais indícios. Outro exemplo: se houver prova de que o acusado “não concorreu para a prática do fato”, deverá ser absolvido sumariamente, mas, se a prova não for suficiente para afastar a participação e se não houver indícios suficientes para a pronúncia, o acusado deverá ser impronunciado (art. 386, V, CPP). Mais um exemplo: se houver certeza da caracterização de excludentes de ilicitude ou culpabilidade, o acusado deve ser absolvido sumariamente, mas, se houver dúvida a respeito, a pronúncia é de rigor, pois apenas os jurados poderão soberanamente se manifestar quanto à absolvição do acusado nessa hipótese (art. 386, VI, CPP). Por derradeiro, lembre-se de que, como a absolvição sumária exige certeza, somente os jurados poderão absolver o acusado por insuficiência de prova (art. 386, VI, CPP).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Tribunal do Júri no Brasil conta com supremacia jurídica por possuir natureza jurídica de garantia fundamental, já que está expressamente declarado entre os direitos e garantias fundamentais na atual Constituição Federal. Portanto, é cláusula pétrea e goza da segurança da intangibilidade do seu núcleo essencial mínimo, já que, nos termos do inciso IV do §4º do art. 60 da Lei Magna, não será sequer objeto de deliberação a proposta de emenda constitucional tendente a aboli-lo.
Ademais, após experimentar uma marcha ascendente de conquista de espaço, o Tribunal do Júri é atualmente garantia individual prevista expressamente no art. 5º, inciso XXXVIII, da Carta Política de 1988, constituindo-se na mais democrática das instituições jurídicas do País, cujo procedimento previsto na legislação processual penal infraconstitucional é dividido em duas fases – juízo de acusação ou judicium accusationis e juízo da causa ou judicium causae – sendo composto por um juiz togado, que exerce a função de presidente, e por vinte e cinco jurados, que serão sorteados dentre os cidadãos alistados, sete dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento de crimes dolosos contra a vida previstos na legislação penal – homicídio; induzimento, instigação ou auxílio a suicídio; infanticídio e aborto.
Além da superioridade jurídica de que goza o Tribunal do Júri, possui ele uma natureza político-constitucional que, embora há tempo venha sendo anunciada, ganhou forma inequívoca e irrefutável com a atual Carta Política e que guarda relação direta com o exercício do poder político. A Constituição de 1988, nominada de “Constituição Cidadã”, adotou um modelo expresso de democracia participativa. Assim, assumindo que é o povo o titular do poder, viabilizou de várias formas a participação popular direta, além de reconhecer a soberania popular. O Tribunal do Júri é a expressão suprema, a coroa da democracia participativa adotada na Lei Magna brasileira, já que é “reconhecido” – e não apenas “declarado” como se dava outrora – como instrumento pelo qual o povo é chamado a exercer diretamente a função jurisdicional do poder político. Por ser instrumento de exercício direto do poder pelo seu legítimo titular, o povo, o Júri é instituição autônoma de natureza primordialmente política, não vinculada a qualquer dos Poderes constituídos, motivo por que a autoridade de suas decisões não pode ser vilipendiada por órgãos do Poder Judiciário ou de qualquer outro Poder da República, sob pena de malferir o Estado Democrático de Direito.
Nota
[1] CAMPOS, Walfredo Cunha. Tribunal do Júri – teoria e prática. São Paulo: Atlas, 2010, p. 138.