INTRODUÇÃO.
O estudo do direito empresarial passa por uma constante revitalização, a fim de ajustar a legislação vigente, ao novo momento econômico de nosso País.
Tal exigência implicou na reformulação da legislação que disciplina a atividade empresarial, o que se deu por intermédio das inúmeras modificações constantes do ordenamento jurídico pátrio, de sorte a se garantir o melhor funcionamento e proteção do mercado, através da tentativa de manutenção da empresa que, em última análise, atua em benefício da sociedade, e acarreta no crescimento econômico do País.
Sob esta perspectiva é que está fundamentada a Lei de Recuperação Judicial e Falência, Lei 11.101/2005, que tem por escopo recuperar a empresa em crise, substituindo-se, destarte, a retrógada mentalidade do direito comercial brasileiro que enxergava na falência o único remédio jurídico adequado para extirpar do mercado os malefícios provocados pela empresa devedora que, invariavelmente culminava no seu decreto de quebra.
Em razão da necessária aplicação das disposições processuais ao chamado processo de recuperação judicial, tal como preconizado pela Lei 11.101/2005, optamos por analisar, de forma detida, o princípio do contraditório no processo de recuperação judicial, preocupação esta que surgiu em razão da moderna concepção doutrinária que apregoa a autonomia de um direito processual empresarial.
Sob essa perspectiva é que procuramos pesquisar o princípio em comento, de sorte a verificarmos as construções teóricas que se construíram aos longos dos anos, bem como as perspectivas delineadas pela doutrina para o futuro.
De início, partimos do estudo de seu histórico, como forma de compreender sua importância para o ordenamento jurídico nacional, para depois buscarmos analisar seus reflexos no processo de recuperação judicial, uma vez que, sabidamente, a inobservância do princípio em análise poderá acarretar em alguma espécie de nulidade processual, o que, certamente, acarretará no estancamento da marcha procedimental.
Na sequencia abordaremos os aspectos relativos à origem da atividade empresarial, a empresa em crise, e sua recuperação judicial, encerrando esta abordagem com a conciliação entre o direito processual civil e empresarial, notadamente no que diz respeito à plena observância do princípio do contraditório.
Diante disso buscaremos apresentar a incidência do princípio do contraditório ao longo das etapas que integram o processo de recuperação judicial, através do estudo de casos já apreciados pelas Cortes Superiores, de modo a identificarmos a necessária e irrestrita observância do princípio em questão.
CAPÍTULO I. BREVE NOÇÃO SOBRE O PRINCÍPIO JURÍDICO
Remonta à tradição dos antigos sistemas religiosos, a fundamental importância acerca do estudo dos princípios, posto que comumente aceita pelas mais variadas comunidades eclesiásticas do mundo a ideia basilar de que os céus e a terra foram criados, no princípio, por um ser supremo.
Nesse sentido, Louis Berkhof, um dos mais notáveis estudiosos da chamada Teologia Reformada do século 20, destaca que:
As obras de dogmática ou de teologia sistemática geralmente começam com a Doutrina de Deus. A opinião prevalecente tem reconhecido sempre este procedimento mais lógico, e ainda continua apontando na mesma direção. Em muitos casos, mesmo aqueles cujos princípios fundamentais pareceriam exigir outro arranjo, continuam na prática tradicional. Há boas razões para começar com a doutrina de Deus, se partirmos da admissão que a teologia é o conhecimento sistematizado de Deus de quem, por meio de quem, e para quem são todas as coisas. Em vez de surpreender-nos de que a dogmática comece com a doutrina de Deus, bem poderíamos esperar que ela seja completamente um estudo de Deus, em todas as suas ramificações, do começo ao fim. Como uma questão de fato, é isto exatamente o que se pretende que seja, embora somente o primeiro locus ou capítulo teológico trate diretamente de Deus, enquanto as partes ou loci subsequentes tratem dele de maneira mais indireta. (2012, p.19).
É bem por isso que a concepção do vocábulo princípio, em sua expressão vulgar, conforme definição estabelecida por Ferreira (2004, p. 1631), significa aquilo que está em primeiro lugar, podendo também dizer respeito ao elemento predominante na constituição de um corpo orgânico, preceito ou regra.
Tratam-se, por certo, de noções extraídas da experiência cotidiana de pessoas comuns, o que não significa dizer que tais definições se mostrem equivocadas, ou distantes da realidade mas, tão-somente, desprovidas de critérios científicos sólidos que acabam por impedir, de certa maneira, a compreensão ordenada e uniforme do verdadeiro sentido da expressão princípio, dada sua natureza polissêmica. É bem por isso que se deve buscar, primeiramente, uma definição científica do que se deve entender por princípio, como forma de se garantir uma margem segura e necessária aos resultados científicos que se procurará obter através do presente estudo.
Atento à distinção existente entre o conhecimento tido por vulgar, e aquele considerado científico, procurou o professor Reale (1978, p. 53-61), com a lucidez e precisão técnica que lhe caracterizou como um dos mais insignes juristas brasileiros, definir princípio como “verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade”.
Nota-se, portanto, que a noção de princípio está umbilicalmente ligada ao fundamento de validade de determinado sistema científico, daí porque sua importância se mostre vital para a compreensão de qualquer ciência sobre a qual se debruçará o pesquisador, uma vez que, diante da existência de lacunas, ou seja, de absoluta norma geral previamente prevista, deverá o cientista valer-se dos princípios como elementos de integração e interpretação, necessários à regulamentação de determinadas situações fáticas.
Ingressando na seara jurídica, notadamente no cenário jurídico brasileiro, palco da pesquisa em análise, podemos verificar que o estudo dos princípios tem demonstrado significativo avanço, principalmente após o advento da Constituição Federal de 1988, uma vez que todo arcabouço jurídico, como já advertia Kelsen (2000), deverá encontrar seu fundamento de validade na Constituição, sendo esta, inclusive, a advertência de José Afonso da Silva, que assim se posiciona:
Nossa Constituição é rígida. Em conseqüência, é a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais. Nem o governo federal, nem os governos dos Estados, nem os dos Municípios ou do Distrito Federal são soberanos, porque todos são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas positivas daquela lei fundamental. Exercem suas atribuições nos termos nela estabelecidos.
Por outro lado, toda as normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas se se conformarem com as normas da Constituição Federal. (1996, p. 49-50).
Ao procurarmos uma definição do que se deve entender pelo vocábulo princípio, agora qualificado por seu enfoque jurídico, colhemos, na lição dos mais notáveis doutrinadores pátrios, diversos significados, merecendo destacar, desde logo, a definição proposta pelo professor paulistano Celso Antônio Bandeira de Mello, que assim se posiciona:
Princípio [...] é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. (2000, p. 747-748).
Por sua vez, de forma primorosa, o catedrático professor gaúcho Juarez Freitas define princípio jurídico da seguinte maneira:
Por princípios fundamentais entendem-se, por ora, os critérios ou as diretrizes basilares do sistema jurídico, que se traduzem como disposições hierarquicamente superiores, do ponto de vista axiológico, às normas estritas (regras) e aos próprios valores (mais genéricos e indeterminados), sendo linhas mestras de acordo com as quais guiar-se-á o intérprete quando se defrontar com as antinomias jurídicas. (2002, p. 56).
Encerrando as definições doutrinárias, o memorável constitucionalista alagoano Antônio de Sampaio Doria, ao apresentar sua definição sobre princípio jurídico, nos ensinou que:
[...] princípios se entendem por normas geraes e fundamentaes que inferem leis. E, em constitucional, princípios são as bases orgânicas do Estado, aquellas generalidades do direito publico, que como naus da civilização, devem sobrenadar ás tempestades políticas, e ás paixões dos homens. Os principios constitucionaes da União brasileira são aquelles cânones, sem os quaes não existiria esta União tal qual é nas suas características essenciaes. (1926, p. 17-18).
Pelo que podemos observar, os princípios jurídicos, por expressarem os principais valores existentes dentro de uma sociedade civilmente organizada, se constituem em verdadeiros alicerces do ordenamento jurídico, uma vez identificados pelas características relativas à generalidade, abstração, e imperatividade, posto que dirigidos, tanto a um número indeterminado de situações, quanto de pessoas, merecendo, por isso, incondicional observância por parte de seus destinatários, sejam estes individuais, coletivos, ou ainda os próprios órgãos do Poder Público.
Importante destacar, ainda, que assim como toda ciência, os princípios jurídicos também comportam classificação, sendo que o critério mais difundido pela doutrina, para apresentar uma divisão estruturada deste importantíssimo instituto jurídico adota, como pressuposto inicial, o âmbito de incidência dos princípios sobre determinado ramo científico, sendo esta, por exemplo, a metodologia utilizada nos trabalhos de Gasparini (1995, p. 5), e Kümpel (2007, p. 98-99).
Assim, adotada esta corrente doutrinária, podemos afirmar que os princípios podem ser universais ou omnivalentes, que são aqueles comuns a todas as ciências como, por exemplo, o princípio de não-contradição, posto que uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Por sua vez, existem os princípios regionais ou plurivalentes, que são aqueles destinados a um determinado grupo de ciências, tais como as ciências sociais, que pregam a existência de um princípio da causalidade, pela qual toda causa corresponde a um dado efeito. Por fim, verificamos a existência de princípios monovalentes ou univalentes, circunscritos ao campo de uma única ciência, como é o caso dos princípios gerais de direito, o da supremacia do interesse público sobre o particular, ou ainda, do princípio da reciprocidade, específico ao direito internacional público.
Apresentadas as primeiras considerações relativas aos princípios jurídicos, e avançado um pouco mais no seu estudo, necessário se faz traçarmos algumas breves observações acerca da diferença existente entre princípios e regras, discussão esta que, segundo Nery Júnior (2009, p. 21-35), vem sendo hodiernamente difundida por alguns estudiosos da teoria geral do direito, da filosofia do direito, e do direito constitucional.
No que diz respeito a tal questão, conveniente afirmarmos de início, que princípios e regras são espécies do gênero norma, distinção esta que ganhou destaque a partir dos estudos de Ronald Dworkin e Robert Alexy (ESPÍNDOLA, 2002, p. 66).
Procurando estabelecer as principais distinções existentes entre princípios e regras, Gomes (2005) adverte que as regras, por disciplinarem situações específicas, devem incidir tão-logo ocorra a situação hipoteticamente prevista pelo legislador, sendo que, na hipótese de existirem duas ou mais normas, deverá o intérprete valer-se dos meios clássicos de interpretação como, por exemplo, o critério da especialidade da norma, a fim de encontrar a norma aplicável ao caso concreto. Por outro lado, prossegue referido doutrinador, afirmando que os princípios, por incidirem sobre uma pluralidade de situações, contam com espectro de incidência muito mais generalizado do que as regras, permitindo, às vezes, aplicação concomitante de dois ou mais deles, uma vez que, quando colidem, não se excluem.
De maneira extremamente ilustrativa procurou Humberto Ávila, em primoroso trabalho desenvolvido acerca da teoria dos princípios, apresentar as principais diferenças existentes entre regras e princípios, adotando, para tanto, o seguinte quadro:
Princípios |
Regras |
|
Dever imediato |
Promoção de um estado ideal de coisas |
Adoção da conduta descrita |
Dever mediato |
Adoção da conduta necessária |
Manutenção de fidelidade à finalidade subjacente e aos princípios superiores |
Justificação |
Correlação entre efeitos da conduta e o estado ideal de coisas |
Correspondência entre o conceito da norma e o conceito do fato |
Pretensão de decidibilidade |
Concorrência e parcialidade |
Exclusividade e abarcância |
(2006, p.78)
Tecidas essas considerações gerais, podemos afirmar ainda que os princípios cumprem duas funções primordiais para o sistema jurídico pois, de uma banda, contribuem para a perfeita interpretação do texto normativo, e de outra, conferem coerência ao sistema, já que não se deve interpretar o direito em tiras ou, aos pedaços, posto que um texto de direito desprendido do sistema jurídico, não expressa significado normativo algum (GRAU, 2009, passim).
Posicionando nossa pesquisa para o estudo do direito empresarial, podemos afirmar que este nobre ramo do direito também conta com seus princípios, abordagem esta que, inclusive, ganhou importância especialmente após o ressurgimento do estudo do direito comercial, o que se deu por força da unificação do direito das obrigações imposta pelo Código Civil de 2002, bem como pela modificação da vetusta Lei de Falências e Concordatas, tal como regulamento pela Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005.
Debruçando-se sobre a análise dos princípios do direito comercial, Fábio Ulhoa Coelho afirma que os princípios do direito comercial podem ser classificados em três categorias distintas, sendo uma de ordem hierárquica, outra que segue o critério da abrangência, e por fim a divisão que leva em conta sua positivação (2012, p.26-27).
Assim, conforme nos ensina o mestre da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, segundo o critério hierárquico, os princípios podem ser constitucionais, isto em razão de serem extraídos diretamente da Constituição Federal, tal como o princípio da liberdade de iniciativa previsto na cabeça do art.170 da CF/88[1], ou legais, haja visto que previstos no texto da legislação ordinária como, por exemplo, o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais aos terceiros de boa-fé, conforme estipulado pelo art. 916 do Código Civil[2]. Em contrapartida, de acordo com a abrangência, os princípios podem ser gerais, já que aplicáveis a todas as relações jurídicas regidas pelo direito comercial, ou especiais, posto que destinados à regulação das específicas relações decorrentes do direito comercial, tais como o direito societário, cambiário, falimentar, entre outros. Por fim, os princípios podem ser explícitos, posto que expressamente previstos pelo legislador constituinte ou ordinário, como ocorre, por exemplo, com os princípios da celeridade e da economia processual da falência, conforme previstos no art. 75, parágrafo único da Lei 11.101/2005[3], bem como o princípio da preservação da empresa contido no art. 47 da Lei em comento[4], ou implícitos, que são aqueles que decorrem dos dispositivos vigentes, tal como o princípio da função social da empresa.
CAPÍTULO II – O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO
II.1. Breve histórico sobre o princípio do contraditório.
É essencial ao homem a necessidade de justificar determinados fatos relevantes ocorridos em sua vida na tentativa de ver afastada a imposição de eventuais reprimendas. A história clássica relata inúmeras situações pelas quais o homem se valeu da contraposição de idéias como forma de fundamentar suas ações, surgindo, a partir daí, o que mais tarde viria a ser compreendido como exercício do direito de defesa. Basta lembrarmos que Adão, ao ser questionado por Deus acerca de sua desobediência, indicou Eva como sendo a responsável por aquilo que se convencionou chamar pecado original (ALMEIDA, 1993). Da mesma forma o filósofo Sócrates, ao ser julgado e condenado à morte pelo Tribunal Ateniense, sob a acusação de corromper a moral de seus concidadãos, procurou, em defesa registrada por seus discípulos Platão e Xenofonte, apresentar os pilares de sua nova filosofia (STONE, 1988). Sob esse ângulo cunhou-se aquilo que a doutrina viria a se referir como fundamento jusnaturalista do contraditório (GRECO, 2005, p. 541).
Trilhando os rumos da história universal podemos verificar que a civilização romana, fonte inspiradora do direito dos países latinos (RÁO, 1999, p.102), também se preocupou em assegurar aos seus cidadãos o efetivo direito ao contraditório, surgindo, nesta remota civilização, a idéia de que decisões justas prescindem da oitiva da parte contrária, noção esta que adquiriu dimensões imensuráveis, mesmo após a aniquilação do império romano pelos povos bárbaros, através da parêmia audiatur et altera pars.
Precedente histórico de notável importância até os dias atuais, a Magna Carta inglesa, assinada em 1215, pelo rei João Sem Terra, foi o primeiro documento a limitar, na história política medieval, as desigualdades existentes no processo, impondo ao rei o dever de julgar os indivíduos conforme a lei, devendo assim observar o devido processo legal, e não mais sua vontade, até então absoluta (COMPARATO, 2008, pg. 79-80). Através deste relevante documento histórico contornaram-se as linhas mestras do devido processo legal, estando hoje enfeixada a este princípio garantias outras representadas, principalmente, pelos princípios do contraditório, ampla defesa, duplo grau, publicidade, juiz natural, e assistência judiciária gratuita (PORTANOVA, 2008, p.160). Verifica-se, portanto, que o princípio do contraditório decorre como corolário lógico do princípio do devido processo legal, uma vez que ninguém poderá ser julgado, senão pela lei, e após ser devidamente ouvido em juízo.
Prosseguindo na história mundial é possível verificamos na idade moderna, que a expansão do regime absolutista monárquico por quase todo continente europeu, aliado ao fortalecimento dos tribunais da inquisição, foram determinantes para que a garantia ao contraditório fosse retirada de cena, circunstância esta que veio permitir a utilização de acusações secretas e da tortura, como mecanismos destinados a incitar o acusado a confessar a prática de um crime do qual supostamente poderia ser o autor (MIRABETE, 2000). Assim, neste período, marcado pela ausência de qualquer garantia ao acusado, experimentou a sociedade um verdadeiro retrocesso da tutela judicial dos direitos do homem.
Sob os atentos olhos da idade contemporânea, inúmeras civilizações buscaram fixar seus limites além de seus territórios. Franceses, ingleses, e norte-americanos, ostentando o lábaro da liberdade, justiça, e fraternidade, iniciaram movimentos revolucionários destinados à reformulação da concepção clássica do Estado. O fenômeno da industrialização, provocado pelo descobrimento da máquina a vapor, fez surgir novas classes sociais, criando entre elas desníveis brutalmente injustos, vindo assim impulsionar a mudança no modo de vida de milhares de pessoas. A revolução tecnológica promoveu a incansável busca pelo fortalecimento da economia interna pelos países europeus vindo mais tarde a servir como estopim para deflagrar sucessivas guerras entre nações preocupadas exclusivamente em alcançar sua hegemonia econômica.
O desequilíbrio econômico e político, provocado pelo desencadeamento dos fatores sociais que mencionamos, conjugaram na abalizada opinião de Dallari (1995, p.175), “para que se chegasse à noção da existência de direitos inerentes à natureza humana, que precedem a própria existência do Estado”.
Sob este prisma surgiria no cenário global, a partir do século XVIII, as Declarações de Direitos, fixando valores e preceitos que deveriam ser acolhidas por todas as Constituições, resgatando, dentre inúmeros direitos assegurados, agora a todos os homens, àquele objeto de nossas atenções.
A partir de então, prestigiado em inúmeros ordenamentos jurídicos espalhados ao redor do mundo, passou também o direito brasileiro a consagrar, ainda que de forma tardia, a garantia ao contraditório, uma vez que no histórico das Constituições brasileiras, segundo pesquisa desenvolvida por Cabral (2005, pg. 59), deixou referido princípio de contar expressamente das Constituições de 1824, 1891 e 1934, vindo ganhar assento constitucional com a Carta de 1937[5], ainda que de forma tímida, posto que limitada apenas ao campo do direito processual penal, restrição esta que foi mantida nas constituições de 1946[6], e 1967[7], mas que viria a ser retirada pela Carta de 1988[8], vigente até os dias atuais.
Atualmente a sétima constituição brasileira prevê, no capítulo de direitos e deveres individuais e coletivos, sob o título dos direitos e garantias fundamentais, a garantia ao contraditório, tal como definido no art. 5º, inciso LV, contudo, de maneira mais abrangente do que os textos constitucionais que a precederam, posto que retirada toda e qualquer limitação quanto ao seu âmbito de incidência, característica esta que conferiu maior elastério e amplitude àquela noção rudimentar do princípio do contraditório que marcou a história do nosso direito constitucional.
O nosso direito processual civil legislado, Lei nº 5.869, de 11 de Janeiro de 1973, embora anterior à Constituição Federal de 1988, também prevê, em diversos dispositivos, a garantia das partes ao contraditório, devendo elas ser ouvidas sobre todos os elementos que venham aos autos e que de alguma forma possam ter relevância na solução da causa ou de alguma questão incidental.
Nesse sentido anota o memorável professor Moacyr Amaral Santos:
Em respeito ao princípio do contraditório, no processo civil brasileiro impõe-se a citação do réu, sob pena de nulidade, no começo do processo: “Para a validade do processo, é indispensável a citação inicial do réu” (Cód. cit., art.214). Pela citação dá-se a este oportunidade para defender-se (Cód.cit., arts. 278, 282, VII, 285, 571, 621 etc). (2008, p. 75).
É o que se verifica, por exemplo, na hipótese contida no art. 326, do diploma processual civil, ao exigir manifestação da parte autora quando o réu, reconhecendo o fato em que se fundou a ação, outro lhe opuser impeditivo, modificativo ou extintivo[9]. Hipótese semelhante se verifica no art. 327, do CPC, ao determinar que o juiz ouça a parte autora, caso o réu alegue qualquer matéria de cunho estritamente processual[10]. O mesmo ocorre em relação ao disposto no art. 398, do CPC[11], que impõe ao juiz o dever de ouvir a parte adversa, sempre que a outra parte requerer a juntada de documento aos autos. Igual previsão ocorre na situação do art. 372, do CPC, que exige prévia manifestação da parte acerca da autenticidade do documento particular[12].
A respeito de tais disposições, pontual se mostram os comentários de Fábio Guidi Tabosa Pessoa:
É imperativo ligado ao contraditório que as partes tenham a possibilidade de discutir plenamente a causa, não apenas expondo e demonstrado suas razões como também participando da formação do convencimento do juiz por meio da manifestação acerca dos atos da parte contrária, sejam os de ordem meramente postularia, sejam os de natureza instrutória. Além disso, devem elas ser ouvidas sobre todos os elementos que venham aos autos e que de alguma forma possam ter relevância na solução da causa ou de alguma questão incidental. (2008, p.1274).
Interessante anotar ainda que a Lei nº 9307, de 23 de setembro de 1996, que dispôs sobre a arbitragem como método alternativo de solução de conflitos, impôs ao juízo arbitral, o dever de assegurar às partes a garantia ao contraditório no procedimento arbitral (art. 21, §2º)[13].
Diante da abordagem histórica que promovemos, ainda que de forma sintetizada, podemos verificar que o contraditório deixou de ser simples regra para transformar-se em verdadeiro princípio constitucional, status este que lhe rendeu notável importância no cenário jurídico contemporâneo, posto que essencial ao próprio direito de acesso à Justiça, assegurado, indistintamente, a todos os cidadãos.
II.2. O conceito de contraditório, seu objeto e finalidade para o processo civil brasileiro.
Dominar os conceitos jurídicos de forma precisa, e com extremo rigor técnico, é indispensável àqueles que se propõem a interpretar a norma jurídica, uma vez que a equivocidade presente na definição dos inúmeros institutos jurídicos existentes em nossa legislação, poderá conduzir o intérprete a conclusões capengas e desgarradas da congruência e completude que se mostram indispensáveis para que se possa aceitar a idéia de que o ordenamento jurídico se constitui em verdadeiro sistema jurídico, destinado à solução de problemas concretos (BOBBIO, 1999).
Discorrendo a propósito disso, Pontes de Miranda, no mais alto ponto de sua sabedoria, se mostrou taxativo ao defender que:
O conceito jurídico é estéril como qualquer outro conceito, e perigoso, porque pode levar ao mal como ao bem. Com ele consegue-se a solução acertada, mas pode chegar-se apenas a enganos; não é conteúdo, é meio; é o fim que lhe dá a fecundidade, e para acertar depende de ser conferido com o real. (2000, p.107).
De ver, portanto, que a tarefa destinada à conceituação dos institutos jurídicos sempre se mostrou por demais difícil, posto que toda definição jurídica deve conter, ainda que de maneira sumarizada, os elementos destinados a identificar sua natureza jurídica, seus requisitos, bem como sua finalidade para o ordenamento jurídico, circunstâncias essas que motivaram o constituinte de 1988 a deixar de conceituar o contraditório, honrando assim com a tradição consolidada ao longo dos tempos, no sentido de que compete à doutrina, e não à lei, a definição de conceitos jurídicos.
É bem por isso que a clássica definição de contraditório apresentada por Joaquim Canuto Mendes de Almeida (1973, p.82), como “a ciência bilateral dos atos e termos processais e possibilidade de contrariá-los”, embora tenha servindo ao longo de anos como pedra de toque para identificar os elementos desta secular garantia inerente a todos os cidadãos, não se mostra mais ajustada às tendências atuais do direito processual, notadamente diante da chamada constitucionalização do Processo civil que, diga-se de passagem, não se constitui em disciplina autônoma, mas tão-somente em novo método de estudo desse fundamental ramo do direito, e que consiste, através da releitura do Código de Processo Civil à luz da Constituição Federal, na remodelação do sistema processual de acordo com os preceitos constitucionais vigentes em nosso ordenamento jurídico (LOPES, 2005, p.41).
Partindo de tais premissas, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, numa visão extremamente moderna, conceituam o contraditório da seguinte maneira:
A garantia do contraditório compreende para o autor a possibilidade de poder deduzir ação em juízo, alegar e provar fatos constitutivos de seu direito e, quanto ao réu, ser informado sobre a existência e conteúdo do processo e poder reagir, isto é, fazer-se ouvir (Rosenberg-Schwab-Gottwald, §85, III, 456/457), Dinamarco, Fund.93). Para tanto é preciso dar as mesmas oportunidades para as pares (Chancengleichheit) para que possam fazer valer em juízo seus direitos. (2004, p.145).
Na análise de Luis Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida, e Eduardo Talamini, referido princípio significa:
[...] que é preciso dar ao réu possibilidade de saber da existência de pedido, em juízo, contra si, dar ciência dos atos processuais subseqüentes, às partes (autor e réu), aos terceiros e aos assistentes, e garantir a possível reação contra decisões, sempre que desfavoráveis (2005, p.73).
Igualmente preocupado com tais aspectos, Cândido Rangel Dinamarco, assim define o princípio do contraditório:
A garantia do contraditório, imposta pela Constituição com relação a todo e qualquer processo – jurisdicional ou não (art. 5º, inc. LV) – significa em primeiro lugar que a lei deve instituir meios para a participação dos litigantes no processo e o juiz deve franquear-lhes esses meios. Significa também que o próprio juiz deve participar da preparação do julgamento a ser feito, exercendo ele próprio o contraditório. A garantia deste resolve-se portanto em um direito das partes e uma série de deveres do juiz. É do passado a afirmação do contraditório exclusivamente como abertura para as partes, desconsiderada a participação do juiz. (2009a, p.220).
Através dessas definições, podemos concluir que o princípio em questão é determinado, encontra-se positivamente incorporado na Constituição, contando, portanto, com natureza de princípio fundamental, não admitindo, em razão disso, quaisquer tipos de exceções, uma vez destinado a assegurar a defesa pelas partes antes que o juiz pronuncie o seu julgamento.
Constata-se, assim, que tanto o princípio do contraditório, quanto o da ampla defesa, encontram-se inseridos na própria noção que se tem acerca do devido processo legal, também chamado pelo professor e Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, João Batista Lopes (2009), de devido processo constitucional, posto que destinado a assegurar aos cidadãos tanto o exercício do direito de acesso ao Poder Judiciário como o desenvolvimento processual de acordo com as normas previamente estabelecidas.
É bem por isso que os constitucionalistas apontam que a garantia ao devido processo legal, por conter em seu bojo o contraditório e ampla defesa, permite assegurar ao indivíduo paridade total nas ações dirigidas contra o Poder Público, sendo esta, por exemplo, a posição defendia por Alexandre de Moraes, que de forma brilhante sustenta:
O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persercutor e plenitude de defesa (direito a defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal). (2009, p.106)
Em última análise, pois, o contraditório decorre do próprio exercício do direito de defesa, que a despeito de ser impostergável, se mostra, nos termos do art.267, IV, do Código de Ritos[14], indispensável para a constituição e o desenvolvimento válido e regular do processo (RIBEIRO, 1981, p. 251).
Definida sua natureza jurídica conveniente se faz também identificarmos seu objeto, sendo que, em relação aos elementos essenciais que o identificam, apontam tanto a doutrina, quanto a reinante jurisprudência de nossos tribunais, a garantia da participação das partes no processo, e a possibilidade de influência na decisão, como componentes indispensáveis que informam o princípio do contraditório, noções estas que se mostram sintetizadas através do seguinte trinômio: informação-reação-participação (LOPES, 2008, p.104).
Assim, numa visão tradicional, para que se entenda ter sido respeitado o contraditório, também denominado de princípio da audiência bilateral (SILVA; GOMES, 2006, p.55), necessário se faz que às partes tenham sido asseguradas oportunidades reais para que possam influir na decisão judicial, não se exigindo, efetiva participação por parte dos contendores (SANTOS, Ob.cit., p.75).
Recentemente, contudo, vem ganhando fôlego tendência defendida por parcela considerável da doutrina nacional, fortemente influenciada pela teoria idealizada pelo professor italiano Élio Fazzalari, a partir da noção de processo como procedimento em contraditório, no sentido de se exigir a efetiva participação da parte, sob pena de malferir o princípio do contraditório, sendo esta, por exemplo, a posição assumida pelo advogado e professor-adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, Fredie Didier Júnior, que a respeito do tema se posiciona da seguinte maneira:
Se não for conferida a possibilidade de a parte influenciar a decisão do órgão jurisdicional – e isso é o poder de influência, de interferir com argumentos, idéias, alegando fatos, a garantia do contraditório estará ferida. É fundamental perceber isso: o contraditório não se efetiva apenas com a ouvida da parte; exige-se a participação com a possibilidade, conferida à parte, de influenciar no conteúdo da decisão. (2010, p.52).
Comungando do mesmo pensar, o ilustre processualista, e também professor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Cassio Scarpinella Bueno, criticando a doutrina clássica, anota que:
É fundamental, destarte, que sejam criadas condições concretas do exercício do contraditório, não sendo suficiente a mera possibilidade ou eventualidade de reação. Ela tem de ser real. Ademais, a depender da qualidade do conflito de direito material levado para solução perante o Estado-juiz e dos fatos processuais, o estabelecimento do contraditório é expressamente determinado pela lei processual civil. Assim, por exemplo, quando o art. 320, II, diante de direitos indisponíveis, proíbe a possibilidade de julgamento sem a produção de outras provas, vedada a presunção que pode decorrer da inércia do réu, e quando o art. 9º, II, impõe para o réu revel citado não pessoalmente a nomeação de um “curador especial”, forma de garantir, em um e em outro caso, um efetivo contraditório, que não se contenta em ser meramente potencial ou, menos do que isto, presumido, ficto. (2008, p.108).
De ver que referida posição não se mostra mais circunscrita ao simples academicismo, vez que encampada por algumas Cortes de Justiça de nosso País, tal como se verifica, por exemplo, a partir do V.Aresto emanado da 12ª Câmara Cível do E.Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, proferido no julgamento do Recurso de Apelação nº 70026653006, que foi relatado pela Desembargadora Judith dos Santos Mottecy, cujo julgamento se deu em 02/04/2009, e que assim diz:
APELAÇÃO CIVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO CUMULADA COM PEDIDO DE RESCISÃO CONTRATUAL E REPETIÇÃO DO INDÉBITO. JULGAMENTO DO FEITO SEM ANÁLISE DA INTEGRALIDADE DA PROVA POSTULADA PELO AUTOR. CERCEAMENTO AO DIREITO DE AÇÃO E AO DEVIDO PROCESSO LEGAL CARACTERIZADO. DIREITO à CONCLUSÃO DA INSTRUÇÃO probatória.
O respeito ao contraditório e à ampla defesa compreende o debate, entre as partes, de todas as questões integrantes do objeto litigioso, bem como o amplo exercício do direito de ação e de defesa; comportamento este que tem por objetivo primordial oportunizar, de forma efetiva, a participação dos litigantes na formação do livre convencimento motivado do juiz. In casu, o julgamento do processo sem a análise da integralidade do pedido de provas postulado pelo autor, além de caracterizar cerceamento ao direito de ação, afronta o princípio do devido processo legal e do contraditório.
APELAÇÃO PROVIDA. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA.
Em que pese a respeitável posição adotada pelos adeptos da teoria de Fazzalari, entendemos, com arrimo na bem lançada lição de Cândido Rangel Dinamarco (2009b, p. 28-30), construída a partir dos ensinamentos que recebeu diretamente do professor Enrico Tullio Liebman (1984, p.11), que não se exige efetiva participação das partes litigantes para que se tenha respeitado o contraditório, posto que a simples oferta de situações jurídicas ativas e passivas, para que possam participar, sob pena de suportarem conseqüências não desejadas, se mostram suficientes a garantir a plena observância do princípio em comento, posto que, depois de convocada, fica a parte livre para fazer ou não fazer uso dessa ocasião de se fazer ouvir pelo juiz.
Assim também fala o Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Antonio Raphael Silva Salvador, que de maneira mais incisiva afirma que:
Esses princípios do contraditório e da ampla defesa, dentro do processo civil, não exigem que haja efetiva defesa, mas apenas se exige que a parte seja de tudo comunicada e que possa, dentro do prazo, apresentar a sua defesa, querente. Não contestando, o réu será revel, sofrendo normalmente os efeitos da revelia, como dizem os arts. 319, 322 e 330, II. O réu, ao ser citado, pode preferir não se defender, pois essa defesa é uma faculdade sua, mas que, não feita, traz a ele os ônus da não defesa (2005, p.70).
Interessante observar que outra não é a solução indicada por Marcus Vinicius Rios Gonçalves que, após tecer riquíssimas considerações acerca da notória distinção existente entre o contraditório promovido no processo penal, e aquele desenvolvido no campo da ciência processual civil, de maneira bastante similar aos demais doutrinadores que sustentam a inexistência de uma efetiva participação da parte, se posiciona da seguinte da maneira:
No processo civil o contraditório tem menor amplitude. Basta que seja dada ciência às partes do que ocorre no processo, com a oportunidade de reação. Se a parte não desejar defender-se ou manifestar-se, sofrerá as conseqüências de sua inércia, não cabendo ao juiz forçá-la. E, se o advogado apresentar defesa insuficiente ou atécnica, não poderá sr substituído pelo julgador. Isso vale mesmo para os processos em que se discutem direitos indisponíveis. (Ob.cit., p. 30).
Ademais, condicionar a efetiva atuação da parte nos autos, como exigência necessária ao reconhecimento do contraditório, não se mostra sadio para o atual estágio da ciência processual, cujas preocupações mostram-se voltadas à construção de um modelo processual no qual se possa alcançar, através da máxima efetividade do processo, desenvolvido dentro de um espaço de tempo razoavelmente considerável, a efetiva realização da Justiça, evitando, destarte, que ocorra a eternização do processo (HOFFMAN, 2006, p.32-34).
A dar suporte ao entendimento adotado, confira-se, nesse sentido, V.Aresto emanado da 37ª Câmara de Direito Privado do E.Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferido no julgamento do Recurso de Apelação nº 990.10.037102-9, que foi relatado pelo Juiz convocado Luís Fernando Lodi, cujo julgamento se deu em 28/04/2010, e que assim diz:
AÇÃO MONITORIA - CERCEAMENTO DE DEFESA - Inexistência - Sendo o Juiz o destinatário das provas, cabe a ele verificar a pertinência da sua produção - Correto o julgamento antecipado.
AÇÃO MONITORIA - NULIDADE DA SENTENÇA - Inexistência - Não há que se falar em nulidade do provimento jurisdicional que não analisou a peça de defesa apresentada se houve reconhecimento da revelia por ausência de regularização da representação processual.
AÇÃO MONITORIA - REVELIA - Ocorrência – Apelada que foi devidamente intimada para que regularizasse a representação processual, sob pena de revelia - Descumprimento da determinação - Inércia que deu ensejo ao reconhecimento da revelia.
AÇÃO MONITORIA - Afronta a princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa - Inexistência, já que foi garantido à apelante o direito de apresentar defesa e acompanhar os atos processuais.
AÇÃO MONITORIA - Prova do pagamento – Documentos que não são capazes de elidir o crédito da apelada.
Agravo retido e recurso de apelação improvidos.
Encerrada a análise relativa às divergências existentes a propósito da necessária realização do processo em contraditório, imperioso se faz apreciarmos outra questão que se mostra de relevante importância para o estudo em exame, e que diz respeito à vinculação da regra da audiência bilateral ao princípio constitucional da igualdade das partes, exigência esta que impõe seja franqueada às partes o exercício da defesa, pelo contraditório, em igualdade de condições, tal como se verifica através das hipóteses previstas pelo Código de Processo Civil, e que foram condensadas pelo Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Ernane Fidélis dos Santos, da seguinte forma:
[...] O autor é sempre ouvido, quando o réu deduzir matéria de defesa processual e de carência de ação (arts. 327 e 301). Se o réu reconhecer o fato em que se fundou o pedido (contrato, por exemplo), mas outro opuser impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (pagamento, perdão, prescrição etc.), este terá de ser ouvido (ar. 398). No procedimento ordinário, a parte deve sempre depositar o rol de testemunhas dez dias antes da audiência (art. 407), para que a outra dela tome conhecimento; no procedimento sumário, o autor, com a petição inicial, e o réu, na própria audiência (arts. 276 e 278, ambos com redação dada pela Lei n. 9.245/95). (2007, p.40).
Conveniente destacarmos, que o conceito de igualdade processual não deve ser tido como absoluto, vez que a igualdade, sabidamente, impõe, em certas ocasiões, tratamentos díspares (MELLO, 2000, p.12), tanto é verdade que o Código de Processo Civil excepciona referido princípio ao confiar, por exemplo, tratamento diferenciado aos menores e incapazes que contam com a assistência do Ministério Público (art.83)[15], à Fazenda Pública que tem o prazo em dobro para recorrer, em quádruplo para contestar (art.188)[16], e o reexame obrigatório das sentenças que lhe for desfavorável (art.475)[17], bem como ao atribuir, em algumas situações, maior força, rapidez, e efetividade ao interesse do autor, em detrimento do réu como ocorre nas ações possessórias de força nova (art.928)[18], e ao proibir a parte que comete atentado de falar nos autos (art. 881)[19].
Tais hipóteses, no entender de Vicente Greco Filho (1999, p.65-66), justificam a opção do legislador pátrio ao desnivelar o tratamento dispensado às partes por motivos de especial situação do direito material litigioso, sendo que tal perspectiva se coaduna perfeitamente com a visão instrumentalista do processo, pela qual se busca a plena conscientização de que o processo deve servir como simples instrumento para se alcançar à satisfação dos direitos subjetivos e a obtenção do resultado justo, tal como preconizado através da seguinte máxima do Direito Romano: pax est quaerenda.
A propósito disso, vale colacionar a observação de José Roberto dos Santos Bedaque, nos seguintes termos:
Por isso parece importante a visão da tutela jurisdicional, ângulo de análise do processo a partir do direito material, pois possibilita adequar melhor o instrumento ao seu objeto. Confere mais eficácia à visão instrumentalista do processo, uma vez que procura adequar a ciência processual à realidade material que constitui seu objeto, permitindo verificar as vantagens e desvantagens de determinadas soluções propostas, com o fim de melhorar a efetividade do processo. (2003, p.45).
No mesmo sentido, José Roberto Neves Amorim e Sandro Gilbert Martins sustentam que:
O processo é um instrumento para a efetivação do Direito Material, vale dizer, o processo é meio, é condutor, mas não é fim. Embora o CPC contenha regras a serem seguidas, o excesso formal deve ser rejeitado, sem, contudo, viciar o processo ou afrontar princípios e garantias constitucionais ou processuais, trazendo nulidades e a já dita insegurança jurídica. Mas, na medida do possível, devem-se procurar formas mais objetivas para que a tutela jurisdicional seja aplicada ou alcançada com maior rapidez. (2008, p.27).
Interessante observar, ainda em relação ao seu objeto, que o contraditório, embora apresente forte paralelo com o princípio da ampla defesa, com ele não deve ser confundido, isto em razão de contar com características próprias que o distinguem da garantia que a parte tem de tomar conhecimento de todos os termos do processo, e que foram anotados pelo Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Rui Portanova, nos seguintes termos:
O princípio da ampla defesa é uma conseqüência do contraditório, mas tem características próprias. Além do direito de tomar conhecimento de todos os termos do processo (princípio do contraditório), a parte também tem o direito de alegar e provar o que alega e – tal como o direito de ação – tem o direito de não se defender. Optando pela defesa, o faz com plena liberdade. Ninguém pode obrigar o cidadão a responder às alegações da outra parte, mas também nada e ninguém podem impedi-lo de se defender. Ademais, nada pode limitar o teor das alegações defensivas. (Ob. cit. p. 125).
No que tange aos destinatários da garantia do contraditório, decorre do próprio texto constitucional que referida regra endereça-se às partes litigantes, com a observação anotada pela doutrina no sentido de que o conceito de parte não deva se dar de forma restrita, posto que não limitado o contraditório apenas entre autor e réu, devendo ser assegurado também ao litisdenunciado, opoente, chamado ao processo, assim como também ao assistente litisconsorcial e simples, bem como ao Ministério Público, ainda quando atue na função de fiscal da lei.
Nesse sentido, inclusive, é a posição encabeçada pelo festejado professor Nelson Nery Junior (Ob.cit. p. 206), que a propósito do tema pondera que “todos aqueles que tiverem alguma pretensão de direito material a ser deduzida no processo têm direito de invocar o princípio do contraditório em seu favor”.
De ver, contudo, que às testemunhas, bem como aos peritos, por não terem qualquer pretensão a ser discutida no feito, não assiste o direito ao contraditório.
Ainda em relação aos seus destinatários, afirma a doutrina especializada que referida regra não se endereça apenas às partes, mas também ao juiz, isto porque, através do contraditório, passa o magistrado a tomar conhecimento das versões antagônicas apresentadas de parte a parte, devendo, em razão disso, manifestar-se de forma expressa sobre as provas produzidas e sobre os argumentos deduzidos por aquelas, seja acolhendo-os, ou mesmo rejeitando-os, cumprindo, assim, o disposto no art.93, IX, da Constituição Federal[20], que determina a motivação e fundamentação de todas as decisões, sob pena de nulidade (OLIVEIRA, 1994).
Neste sentido, destacam-se os ensinamentos de João Batista Lopes:
A paridade de armas constitui aspecto importante do contraditório e traduz-se na garantia de que as partes tenham as mesmas oportunidades de atuação no processo, com alegações e requerimentos, bem assim os mesmos instrumentos de ataque e defesa para que o juiz possa, ao final, proclamar a solução mais justa e equânime da causa;
[...]
Na medida em que garante a paridade de armas, o juiz faz atuar efetivamente os princípios do contraditório e da isonomia e colhe elementos para a fundamentação das decisões;
A fundamentação das decisões é dever do juiz e garantia dos jurisdicionados na medida em que assegura a transparência da atividade jurisdicional e permite o controle das decisões pela partes, pelos órgãos jurisdicionais superiores e pela sociedade. (2008, p. 269).
Verifica-se, destarte, que referida exigência tende a garantir o equilíbrio da relação processual existente entre as partes e o juiz, posto que não seja dado ao julgador simplesmente eleger as questões sobre as quais pretende se manifestar, devendo, ao revés, expor, de forma cristalina, e apoiado em farto material doutrinário e jurisprudencial, as razões em virtude das quais argumentos deduzidos ou fatos comprovados não foram levados em conta no momento da prolação da decisão.
Nesse tocante, calha à fiveleta, ensinamento professado pelo saudoso professor baiano José Joaquim Calmon de Passos, que a propósito dizia:
Daí ter sempre afirmado a meus colegas e alunos que é bem mais fácil se traçar os limites do dever constitucional de fundamentação dos julgados imposta aos magistrados. Viola-o quem julga sem apoio na prova dos autos, ou aplica o direito aos fatos sem invocar um suporte doutrinário autorizado ou precedentes jurisprudenciais que atenderam à exigência constitucional de sua fundamentação substancial e ainda, se tanto puder, inovar ele próprio, oferecendo conclusão inédita mas alicerçada em cânones da dogmática legitimada como saber jurídico pela comunidade em que atua. (2008, p.222).
A par disso, na hipótese de descumprimento deste dever, poderá a parte prejudicada valer-se dos embargos de declaração a fim de compelir o Poder Judiciário a cumpri-lo de maneira adequada, sendo esta, por exemplo, a posição defendida pela professora Teresa Arruda Alvim Wambier, que a respeito do assunto tece as seguintes considerações:
Esta nova dimensão que hoje vem sendo atribuída ao contraditório interferiu, como não poderia deixar de ser, com a maior relevância que vêm adquirindo os embargos de declaração. Isto porque, se se diz que a parte tem o direito de ver refletidos na decisão seus argumentos, as provas que produziu, as razões em virtude das quais quer ver seu pedido acolhido (ou o do réu, rejeitado), é claro que a este direito tem de corresponder o dever do magistrado de apreciar todos estes elementos. Não sendo cumprido este dever, a via adequada para levar o Poder Judiciário a cumpri-lo é a dos embargos de declaração. (2008, pg.381).
Contudo, a despeito da posição sustentada pela professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, constata-se, através do vasto repertório de nossa jurisprudência, pensamento há muito consolidado, no sentido de ser desnecessário que o Poder Judiciário, para expressar sua convicção, se pronuncie sobre todos os argumentos suscitados pelas partes, tal como se verifica através do V.Aresto emanado da 5ª Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça, proferido no julgamento do Recurso Especial nº 38544-SP, que foi relatado pelo Ministro Felix Fischer, cujo julgamento se deu em 15/06/1999, e que assim diz:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART.464, II, DO CPC. INOCORRÊNCIA.
- Os embargos de declaração possuem finalidade determinada pelo artigo 535, do CPC e, excepcionalmente, podem conferir efeito modificativo ao julgado. Admitem-se também embargos para o fim de preqüestionamento (Súmula 98-STJ).
- Exigir que o Tribunal a qüo se pronuncie sobre todos os argumentos levantados pela parte implicaria rediscussão da matéria julgada, o que não se coaduna com o fim dos embargos. Assim, não há que se falar em omissão quanto ao decisum vergastado, uma vez que, ainda que de forma sucinta, fundamentou e decidiu as questões. O Poder Judiciário, para expressar sua convicção, não precisa se pronunciar sobre todos os argumentos suscitados pelas partes.
- O apelo especial, não obstante sua interposição pela alínea “c” do permissivo constitucional, não traz decisão alguma para confronto.
- Recurso não conhecido.
No mesmo sentido, confira-se V.Decisão proferida pela 8ª Câmara de Direito Privado do E.Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, da lavra do Desembargador Salles Rossi, no julgamento do Recurso de Embargos de Declaração nº 990.10.087768-0/5000, cujo julgamento se deu em 11/08/2010, e que assim define:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – Ausentes quaisquer das hipóteses previstas no art. 535 do CPC - Órgão Julgador que não está obrigado a rebater todos os argumentos das partes, se fundamentou seu convencimento (hipótese dos autos) - Prequestionamento com o fim exclusivo de interposição de recurso à Instância Superior - Inadmissibilidade - Embargos rejeitados.
No que diz respeito à sua finalidade, questiona-se, em doutrina, se conta o contraditório com natureza de pressuposto de existência do processo, ou de simples validade da relação jurídica processual, discussão esta que se mostra controvertida, e que se aflorou a partir da afirmação do professor italiano Élio Fazzalari, de que inexiste processo sem contraditório (NEVES, 2009, p.43).
A teoria desenvolvida pelo mestre italiano é exposta de maneira brilhante por Daniel Francisco Mitidiero, que de maneira sintetizada assevera:
Com efeito, para Fazzalari o processo seria uma espécie do gênero procedimento, desse distinguindo-se precisamente por ser um procedimento que se desenvolve em contraditório, em uma estrutura dialética, possibilitando-se por aí uma participação concreta e efetiva no manejo do poder estatal. (2005, p.144).
Em seguida, amarrando suas conclusões às lições professadas pelo mestre italiano, adverte:
A teoria do processo como procedimento em contraditório, ainda, outorga especial relevo ao contraditório, enunciado lá em seu núcleo básico, tornando o processo um autêntico “instrumento de vida democrática”, na medida em que concebe a participação dos cidadãos na conformação do poder do Estado como algo indissociável do mesmo. Nesse azo, a teoria funda as bases do processo na Constituição, comprometendo-o irremediavelmente com o sentido democrático de nossas normas fundamentais, já anunciado inclusive no preâmbulo constitucional, o que por certo o livra da indiferença axiológica que cerca o conceito de relação jurídica. (Ob.cit. p. 145).
À posição sufragada pelo Professor Emérito da Universitá di Roma, a qual sugere ser o contraditório pressuposto indispensável à existência do próprio processo, filiou-se também Alexandre Câmara, sendo taxativo ao afirmar que:
Tal definição significa dizer que o processo – o qual deve, sob pena de não ser verdadeiro processo, se realizar em contraditório – exige que seus sujeitos tomem conhecimento de todos os fatos que venham a ocorrer durante seu curso, podendo ainda se manifestar sobre tais acontecimentos. (2005, p.50).
Em seguida o professor da cidade maravilhosa conclui:
Para demonstrar a veracidade dessas afirmações, basta lembrar que, proposta uma ação, deve-se citar o réu (ou seja, informá-lo da existência de um processo em que este ocupa o pólo passivo), para que o mesmo possa oferecer sua defesa. Da mesma forma, se no curso do processo alguma das partes juntar aos autos um documento qualquer, é preciso intimar a parte adversa, para que esta, tomando conhecimento da existência do documento, possa sobre ele se manifestar. Estes e muitos outros exemplos poderiam ser aqui apresentados, o que não se faz apenas para não nos alongarmos demasiadamente. Consideramos, assim, demonstrada a veracidade da definição apresentada para o princípio do contraditório, sendo este visto em seu aspecto puramente jurídico. (Ob.cit., p.50-51).
Diante dessas idéias, necessário se faz verificarmos se o contraditório realmente pode ser identificado como requisito cuja existência anterior seja necessária ao nascimento de um processo, ou simples elemento que se mostra indispensável ao desenvolvimento válido para que possa atingir seu escopo, não sendo possível atingirmos uma conclusão segura sem que seja apreciada, ainda que em breves linhas, a chamada teoria dos pressupostos processuais.
Vigora no direito brasileiro a idéia de que os pressupostos processuais, como exigências legais que são, cuja inobservância o processo não se estabelece ou não se desenvolve validamente, se constituem em verdadeiro filtro, impedindo a passagem de pretensões formalmente inviáveis (BARBOSA MOREIRA, 1989), prevalecendo, ainda, em detrimento da corrente restritiva, que limita esses requisitos apenas aos necessários à existência do processo, a denominada corrente ampliativa, segundo a qual os pressupostos processuais seriam tanto os requisitos de existência, quanto de desenvolvimento válido e regular do processo, que por sua vez subdividem-se em subjetivos, os quais referem-se ao juiz e às partes, e objetivos, que dizem respeito aos atos do processo.
Assim, para a corrente ampliativa, são pressupostos de existência e validade, a presença de juiz dotado de investidura, e livre de quaisquer vícios de capacidade, tais como impedimento ou suspeição, partes dotadas de capacidade civil e devidamente representadas por advogado, e a observância da forma processual adequada à pretensão deduzida (THEODORO JÚNIOR, ob.cit., p.266).
Diante disso, podemos concluir, com apoio na bem lançada lição do Professor José Roberto dos Santos Bedaque (2008, passim), que o único requisito de existência do processo, sem o qual a sentença é mero fato, destituído de efeito jurídico é, na verdade, a jurisdição, isto é, a presença de um juiz regularmente investido dessa função, funcionando os demais elementos como simples pressupostos necessários ao julgamento do mérito.
De ver, portanto, que o contraditório, diferentemente do que sustentam os defensores da teoria de Élio Fazzalari, não se revela indispensável à existência da formação da relação processual, mas sim em assegurar a efetiva validade do vínculo desenvolvido entre as partes litigantes, posto que eventual violação dessa fundamental garantia constitucional acarretará evidente nulidade dos atos processuais praticados posteriormente.
Finalizando essa questão, conveniente e oportuno se mostram os comentários de Cândido Rangel Dinamarco, que assevera, com pena de ouro que:
Esse modo de ver o processo corresponde ao pensamento mais moderno da teoria processualista e é de cômoda assimilação na teoria do Estado e do poder. Diz-se que o processo é todo procedimento realizado em contraditório e isso tem o mérito de permitir que se rompa com o preconceituoso vício metodológico consistente em confiná-lo nos quadrantes do “instrumento da jurisdição”; a abertura do conceito de processo para os campos da jurisdição voluntária e da própria administração ou mesmo fora da área estatal constitui fator de enriquecimento da ciência ao permitir a visão teleológica dos seus institutos além dos horizontes acanhados que as tradicionais posturas introspectivas impunham. O fascínio que acompanha essa colocação está ligado, aliás, ao importante sinal metodológico que contém e que é a visão do processo mesmo (como instituto jurídico) e do sistema processual a partir de um ângulo externo, ou seja, a partir de uma exigência política formulada a nível constitucional. Procedimento e contraditório fundem-se numa unidade empírica e somente mediante algum exercício do poder de abstração pode-se perceber que no fenômeno “processo” existem dois elementos conceitualmente distintos: à base das exigências de cumprimento dos ritos instituídos em lei está a garantia de participação dos sujeitos interessados, pressupondo-se que cada um dos ritos seja desenhado de modo hábil a propiciar e assegurar essa participação. Dessa forma, cumprir o procedimento é também observar o contraditório: sendo apenas o aspecto visível do processo, ele, no fundo, não tem o seu próprio valor, mas o valor das garantias que tutela. O direito ao procedimento, que as partes têm e é solenemente assegurado mediante a cláusula due process of law, em substância é direito aos valores processuais mais profundos e notadamente a participação em contraditório. (2001, p.132-133). Destaques no original.
Além do mais, não é exagero lembrar que a “inserção do contraditório em sede constitucional timbra da eiva de inconstitucionalidade todo e qualquer procedimento que o abandone” (FUX, 2004, p.254).
Contudo, a despeito da ocorrência de nulidade, resta saber se tal incorreção se mostra passível de ser sanada, vislumbrando, destarte, processo válido, muito embora ausente o contraditório, ou não.
Pioneiro no exame dessa questão, José Roberto dos Santos Bedaque, apresenta as seguintes situações hipotéticas para justificar a desconsideração do vício inerente à inobservância do contraditório.
Pois bem. Nada obsta à desconsideração do vício se o réu não citado vier aos autos e responder ou, embora ausente, se o pedido for rejeitado.
Fenômeno idêntico ocorre com a parte não intimada. Se ela tomar ciência do ato por outro meio e adotar o comportamento previsto no procedimento, a omissão torna-se irrelevante. Também o julgamento favorável à parte prejudicada pela falta de intimação possibilita a desconsideração da falha.
Em síntese, o comparecimento espontâneo da parte ou a sentença em seu favor tornam irrelevante a inexistência do ato de comunicação processual, cuja finalidade principal é assegurar o contraditório efetivo, possibilitando a participação dos sujeitos, a fim de que eles possam influir no resultado. Se essa intervenção ocorrer, ou se a parte a quem a informação se destinava for beneficiada pela decisão, a ausência do ato acaba não tendo importância, pois dele não terá resultado prejuízo. Os objetivos visados com sua prática foram alcançados independentemente dele. (2008, p.487)
Expostas essas considerações, conclui o Professor das Arcadas de São Francisco que:
Talvez pensando nessas situações é que se vislumbra a hipótese do processo válido não obstante ausente o contraditório. Se, embora não observada determinada regra destinada a propiciar a participação, esta efetivamente se verificar, terá havido violação do contraditório em seu momento estático, não quanto ao momento dinâmico. E é este que importa. O fato de configurar garantia constitucional não impede a incidência das regras e princípios destinados a sanar irregularidades e conservar os atos do processo (2008, p. 488).
Diante dessas situações, possível percebermos, portanto, que a simples inobservância do contraditório, não acarreta, por si só, em violação ao princípio da bilateralidade da audiência, posto que condicionado o reconhecimento da nulidade à efetiva prova do prejuízo experimentado pela parte.
Assim, verifica-se que a inobservância da garantia ao contraditório, nas hipóteses aventadas pelo professor franciscano, não somente se mostram permitidas, como também recomendáveis, a fim de que seja evitado o chamado contraditório inútil, sendo esta, por exemplo, a recomendação anotada por Daniel Amorim Assumpção Neves, que a propósito do assunto adverte:
Por outro lado, também se admite que o próprio procedimento, de forma ampla e genérica, afaste em algumas situações o contraditório, evitando-se o chamado “contraditório inútil”. A sentença proferida inaudita altera parte que julga o mérito em favor do réu (arts. 285-A e 295, IV, do CPC) que nem foi citado certamente não se amolda ao conceito de contraditório, porque nesse caso o réu não é sequer informado da existência da demanda. Mas realmente se pode falar em ofensa ao princípio do contraditório? Exatamente qual seria a função de citar o réu e dele permitir uma reação se o juiz já tem condições de dar a vitória definitiva da demanda (sentença de mérito) a seu favor? Evidentemente, nenhuma digna de nota, não se podendo antever qualquer agressão ao ideal do princípio do contraditório nessas circunstâncias. (Ob. cit. p.59).
Interessante observar, contudo, que o argumento em questão parece não convencer Daniel Francisco Mitidiero, que chega a sustentar, inclusive, a inconstitucionalidade da hipótese relativa à improcedência liminar prevista no art. 285-A, do CPC:
Com efeito, a pretexto de agilizar o andamento dos feitos, pretende o legislador sufocar o caráter dialético do processo, em que o diálogo judiciário, pautado pelos direitos fundamentais, propicia ambiente de excelência para reconstrução da ordem jurídica e conseguinte obtenção de decisões justas. Aniquila-se o contraditório, subtraindo-se das partes o poder de convencer o órgão jurisdicional do acerto de seus argumentos. Substitui-se, em suma, a acertada combinação de uma legitimação material e processual das decisões judiciais por uma questionável legitimação pela eficiência do aparato judiciário, que, de seu turno, pode facilmente desembocar na supressão do caráter axiológico e ético do processo e de sua vocação para ponto de confluência de direitos fundamentais. Afora essa flagrante inconstitucionalidade, temos que fora desacertada igualmente a escolha do parâmetro autorizador do julgamento de improcedência liminar das demandas repetitivas. (2007, p.106).
Em que pesem as considerações anotadas pelo professor gaúcho, em relação à alegada inconstitucionalidade do dispositivo em análise, parece-nos que a orientação delineada pelos professores paulistas melhor se ajusta à atual realidade do nosso sistema processual que, pautado pelo desapego ao formalismo, em detrimento da efetividade da realização dos direitos em jogo, impõe seja dispensada a prévia oitiva do réu para ser absolvido de uma demanda fadada ao mais absoluto insucesso.
A propósito disso, conveniente transcrevermos, novamente, trecho da bem lançada lição de José Roberto dos Santos Bedaque:
Do ponto de vista procedimental apontam-se quatro óbices ao exercício dos direitos: prazos muito exíguos, deficiente regulamentação da fase instrutória, complexidade e duração excessiva. Um quinto empecilho pode ser acrescentado: o culto à forma e à técnica, cujas regras chegam a sobrepor-se ao próprio direito substancial.
Por isso, a forma do ato processual e o formalismo do processo devem ser submetidos sempre a exame crítico, fundado nos princípios da economia processual, da ausência de prejuízo, da instrumentalidade das formas e, principalmente, do contraditório e da ampla defesa. (Ob.cit., p. 98-99).
Diante de tais circunstâncias podemos definir que mais do que assegurar a validade da relação processual, o contraditório busca também garantir, como bem observado por Cláudio Henrique de Castro (1997, p.311-313), o trinômio vida-liberdade-propriedade, bens jurídicos estes que, no atual estágio de nossa evolução social, se mostram indispensáveis ao pleno desenvolvimento da pessoa humana em condições dignas de subsistência (FACHIN, 2001).
Assim, compulsando o vasto repertório da doutrina, verificamos que as definições propostas para identificar o princípio do contraditório, quando não se aproximam, a ponto de ocorrer verdadeira sobreposição de idéias, se afastam por completo, divergência esta que se mostra perfeitamente justificável em razão da evolução histórica pela qual a regra do contraditório passou desde sua origem, até os dias atuais.
É bem por isso que deixamos de apresentar nova definição para este secular princípio, valendo-nos, portanto, daquelas já existentes, e que se mostraram, no nosso sentir, suficientes a garantir a adequada compreensão desta fundamental garantia constitucional, bem como seu objeto, e sua finalidade para o processo civil brasileiro.
CAPÍTULO III. O PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL
III.1. A origem da atividade empresarial, a empresa em crise e sua recuperação judicial.
Conforme pudemos observar ao longo deste trabalho, é indispensável para qualquer estudioso do direito compreender, ainda que em linhas gerais, um pouco da história do instituto jurídico ao qual se busca investigar, para melhor elucidação de seu estágio atual.
É bem por isso que se torna imperioso que lancemos nossos olhos para a história que marca o início do desenvolvimento da atividade empresarial, bem como para os motivos que podem atingir seu regular funcionamento, tendo por finalidade a melhor compreensão das soluções trazidas pelo legislador ordinário, com o advento da Lei 11.101, de 9 de Fevereiro de 2005, que passou a regular a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.
Nesse sentido, é a advertência pontuada por Marcelo M. Bertoldi e Marcia Carla Pereira Ribeiro, para quem:
É imprescindível o conhecimento da história de um instituto para se atingir um grau de compreensão da conformação atual. Não há como conhecer as suas características atuais sem o entendimento das razões de sua concepção e da forma como sua utilização se difundiu no tempo. Ver-se-á que as soluções trazidas pela LRE advêm de mudanças nos institutos jurídicos, conformadas pelo tempo, e sob a influência das necessidades que se instalaram ou se instalam. (2011, pag. 468).
Diante disso procuraremos conhecer a origem e evolução do Direito Empresarial no decorrer do tempo, até os dias atuais, evolução esta que, como bem observou Roque (2006, pg.43), passou por três fases distintas: a) fase mercantil, que vigorou de 1553 a 1807; b) fase comercial, com período de duração entre 1807 e 1942; c) fase empresarial, iniciada em 1942 permanecendo até nossos dias atuais.
Em que pese tal distinção, observa o festejado autor em questão que o direito empresarial precede a fase mercantil, já que, por força do direito regulamentado pela antiga Roma, notadamente por conta do direito contratual, havia a necessidade de disciplinar a atividade empresarial que se mostrava alicerçada principalmente nos contratos, como o de compra e venda, referindo-se a este período como sendo o período “proto-histórico”.
Muito embora a prática comercial fosse vista com certo desprezo pelos cidadãos romanos que, em razão da sua elevação política, se mostravam indiferentes às atividades comerciais destinadas a troca de mercadorias, ao comércio marítimo, e a troca de moedas, surgia a necessidade de regulamentar determinados empreendimentos que passaram a contar com a aceitação do povo romano, notadamente aqueles destinados ao Comércio Marítimo que, posteriormente, viria a influenciar as legislações das grandes nações da atualidade.
Sintetizando as informações trazidas à baila pelo Professor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, podemos verificar, no período mercantil, que o Direito Empresarial resulta das legislações emanadas das chamadas “Corporações de Ofícios”, que eram organizações formadas por profissionais, como alfaiates, ourives e outras espécies de artesões, que editavam normas em seu interesse. Esta fase, de nítida inspiração italiana, é predominantemente marcada como sendo um direito classista, por ser o direito da classe dos mercadores, e prático, posto que decorrente do caráter consuetudinário que envolvia as relações comerciais daquele período.
De outra banda, a denominada fase comercial, que teve início a partir dos ideais incorporados pelo Código Comercial francês de 1807, passou a adotar o critério objetivo, considerando os atos praticados pelo mercador, e não mais os agentes desses atos.
Por fim, a terceira e última fase que busca esclarecer o surgimento histórico da atividade mercantil, consiste na chamada fase empresarial, que teve seu surgimento com a promulgação do Código Civil italiano de 1942, que buscou substituir as expressões “atos de comércio” e “comerciante”, pelas figuras do “empresário” e da “atividade empresarial”, atendendo assim as reivindicações desenvolvidas pelo jurista italiano Tullio Ascarelli, que buscou remodelar o Direito Comercial daquela época, a partir da criação da denominada “teoria da empresa”, que teve em Alberto Asquini seu grande idealizador, que procurou compreender o conceito de empresa sob a perspectiva de um fenômeno poliédrico, o qual tem o sob o aspecto jurídico, não um, mas diversos perfis em relação aos inúmeros elementos que o integram.
A partir da tradução para o português do artigo intitulado “Perfis da Empresa”, conforme desenvolvida pelo Professor Fábio Konder Comparato, cuja publicação se deu na Revista de Direito Mercantil, passou a doutrina brasileira a tomar contato direto com o brilhantismo do professor Asquini, que procurou esclarecer os limites dos perfis subjetivo, funcional, patrimonial e corporativo que integram o conceito de empresa.
Sob a perspectiva do perfil subjetivo a empresa manifesta-se pela pessoa do empresário, que é aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada, tendo por fim a produção ou a troca de bens ou serviços.
Verifica-se, portanto, que a organização dos fatores de produção é indispensável à configuração da pessoa do empresário que, nas palavras do próprio mestre Alberto Asquini:
Não é, portanto, empresário, quem exerce uma atividade econômica às custas de terceiros e com o risco de terceiros. Não é tampouco empresário, quem presta um trabalho autônomo de caráter exclusivamente pessoal, seja de caráter exclusivamente pessoal, seja de caráter material, seja de caráter intelectual. Não é ainda empresário quem exerce uma simples profissão (o guia, o mediador, o carregador etc.) nem de regra, quem exerce uma profissão intelectual (o advogado, o médico, o engenheiro, etc.), a mesmo que o exercício da profissão intelectual dê lugar a uma atividade especial, organizada sob forma de empresa (art.2238), como no caso do exercício da farmácia, de um sanatório, de uma instituição de ensino, etc. (1996, pag. 114).
Sob o prisma do perfil funcional a empresa é o resultado da somatória de todos os atos jurídicos, bem como dos esforços empenhados pelo empresário, sempre de forma profissional, voltados para o mercado e a para a obtenção do lucro, que é bem definido por Gilberto de Abreu Sodré Carvalho, como sendo:
[...] a diferença entre o que for recebido na entrega do produto ou serviço (preço final) e o valor negativo dos passivos. O fornecedor de produtos ou serviços objetiva lucro, isto é, o retorno líquido por sua atividade. Lucro é o valor final buscado pelo fornecedor. (2008, pag. 45)
Já sob a perspectiva do perfil patrimonial a empresa é o conjunto de bens corpóreos e incorpóreos, organizados e colocados à disposição para a execução da atividade própria à empresa, constituindo uma universalidade conhecida como estabelecimento empresarial.
A propósito disso, Marcelo Fortes Barbosa Filho destaca:
Considerada a empresa, tal qual afirmado no art.966, como uma estrutura complexa e capaz de ser examinada de quatro ângulos ou perfis diferenciados, o estabelecimento empresarial corresponde a seu perfil patrimonial. A produção ou a circulação de mercadorias ou serviços precisa, para ser desenvolvida, do agrupamento de bens corpóreos e incorpóreos dotados de destinação econômica específica, organizados e dispostos racionalmente para a execução da atividade profissional própria à empresa. Forma-se, assim, uma universalidade, ou seja, um bem coletivo que conforma um todo único, mas heterogêneo. A vontade de um empresário manifestada por meio de decisões individuais e interligadas, envolve o conjunto composto por uma quantidade variável de bens singulares, de identidade e qualidade totalmente díspares, vinculando-o a uma mesma finalidade econômica e dotando-o, por isso, de unidade. Surge, então como universalidade de fato, dado seu enquadramento na definição contida no caput do art.90, o estabelecimento empresarial. Seja qual for o empreendimento realizado, haverá sempre um estabelecimento, pois o empresário necessitará se aproveitar de algum suporte material, somando-se, por exemplo, materiais de escritório, bens de capital, marcas, patentes ou veículos, tudo integrado pelos mesmos desígnios volitivos. O estabelecimento pode ser simples, concentrando-se todos os bens num único logal geográfico, mas, também, assume a forma complexa e pode apresentar ramificações, estendendo-se a locais diferentes, sob a forma de sucursais ou filiais, de acordo com a magnitude e o conteúdo da atividade escolhida. A variabilidade é bastante grande, contrastando, inclusive, o estabelecimento urbano, voltado para o comércio ou para a indústria, com o estabelecimento rural, voltado para a agricultura ou a pecuária. (2007, pag. 944).
Por fim, e não menos importante, temos a empresa sobre seu perfil corporativo, que outra coisa não é senão a especial organização de pessoas que é formada pelo empresário, seus empregados, e colaboradores.
Nas palavras do próprio professor Alberto Asquini:
O empresário e os seus colaboradores dirigentes, funcionários, operários, não são d fato, simplesmente uma pluralidade de pessoas ligadas entre si por uma soma de relações individuais de trabalho, com fim individual, mas formam um núcleo social organizado, em função de um fim econômico comum, no qual se fundem os fins individuais do empresário e dos singulares colaboradores: a obtenção do melhor resultado econômico, na produção. A organização se realiza através da hierarquia das relações entre o empresário dotado de um poder de mando e os colaboradores, sujeitos à obrigação de fidelidade no interesse comum. (Ob.cit., pag. 122).
Não é exagero lembrar que os ensinamentos de Alberto Asquini impactaram profundamente a legislação brasileira que, a partir da publicação do Código Civil de 2002, passou a adotar, em seu art.966[21], a teoria da empresa.
Superados os aspectos históricos que deram origem ao desenvolvimento da atividade empresarial, indispensável se mostra verificarmos também o fenômeno do insucesso empresarial e suas implicações jurídicas.
Com o objetivo de elucidar esta questão, Wilges Bruscato tece os seguintes comentários:
Uma ação empreendedora bem-sucedida é a que dá lucro suficiente para remunerar seus titulares, manter a empresa e atender às necessidades de reinvestimento. Quando isso acontece, estão garantidos os benefícios pessoais dos titulares, o interesse dos credores, da economia de mercado e da sociedade – pelo menos teoricamente.
Desse modo, a empresa que apresenta resultados negativos, prejuízos, não só não se sustenta como não atende aos interesses coletivos e sociais que justificam sua preservação.
Lidar com o insucesso é uma das situações mais difíceis que o ser humano enfrenta, a começar do nível psicológico-emocional. Nunca é agradável, mesmo que não seja conosco. A ruína, dessa forma, paira como visão terrível e apavorante na mente das pessoas. Para o empresário, então, o insucesso vem em dobro: no campo corporativo e econômico, sujeitando, invariavelmente, todos aqueles que dele dependem, como sua família e empregados. (2011, pag. 505-506).
Na sequencia, com arrimo nas lições de Jorge Lobo que, com maestria, classifica as causas do insucesso empresarial em internas, externas e acidentais, Bruscato (2011) aponta alguns exemplos para melhor fixação destes conceitos, indicando, como exemplo de causas internas, a sucessão de controle ou administração, desentendimento entre sócios, desfalques, baixa produtividade, e obsolescência de equipamentos. Já em relação às causas externas, cita a diminuição da liquidez dos bancos, mudanças na política cambial, fiscal e creditícia, criação ou majoração de impostos, surgimento de novos produtos, como situações que também acarretam o insucesso da atividade empresarial. Por fim, narra como hipóteses acidentais a escassez de papel-moeda, a desvalorização cambial, situação econômica anormal na região, conflitos sociais e fatos da natureza como circunstâncias como hipóteses que implicam na malograda tentativa de sucesso do empresário.
Propondo sistematizar este assunto Fabio Ulhoa Coelho, distingue a crise empresarial em econômica, financeira e patrimonial abordando esta questão da seguinte maneira:
Por crise econômica deve-se entender a retração considerável nos negócios desenvolvidos pela sociedade empresária. Se os consumidores não mais adquirem igual quantidade dos produtos ou serviços oferecidos, o empresário varejista pode sofrer queda de faturamento (não sofre, a irgor, só no caso de majorar seus preços). Em igual situação está o atacadista, o industrial ou o fornecedor de insumos que veem reduzidos os pedidos dos outros empresários. A crise econômica pode ser generalizada, segmentada ou atingir especificamente uma empresa; o diagnóstico preciso do alcance do problema é indispensável para a definição das medidas de superação do estado crítico. Se o empreendedor avalia estar ocorrendo retração geral da economia, quando, na verdade, o motivo da queda das vendas está no atraso tecnológico do seu estabelecimento, na incapacidade de sua empresa competir, as providências que adotar (ou que deixar de adotar) podem ter o efeito de ampliar a crise em vez de combatê-la. (2011, pag. 249).
E prossegue afirmando que:
A crise financeira revela-se quando a sociedade empresária não tem caixa para honrar seus compromissos. É a crise de liquidez. As vendas podem estar crescendo e o faturamento satisfatório – e, portanto, não existir crise econômica –, mas a sociedade empresária ter dificuldades de pagar suas obrigações, porque ainda não amortizou o capital investido nos produtos mais novos, está endividada em moeda estrangeira e foi surpreendida por uma crise cambial ou o nível de inadimplência na economia está acima das expectativas. A exteriorização jurídica da crise financeira é a impontualidade. Em geral, se a sociedade empresária não está também em crise econômica e patrimonial, ela não pode superar as dificuldades financeiras por meio de operações de desconto em bancos das duplicatas ou outro título representativo dos créditos derivados das vendas ou contraindo mútuo bancário mediante a outorga de garantia real sobre bens do ativo. Se estiver elevando o custo do dinheiro, contudo, essas medidas podem acentuar a crise financeira, vindo a comprometer todos os esforços de ampliação de venda e sacrificar reservas imobilizadas. (Ob.cit., pag.249-250).
Por fim, arremata seu pensamento dizendo:
Por fim, a crise patrimonial é a insolvência, isto é, a insuficiência de bens no ativo para atender à satisfação do passivo. Trata-se de crise estática, quer dizer, se a sociedade empresária tem menos bens em seu patrimônio que o total de suas dívidas, ela parece apresentar uma condição temerária, indicativa de grande risco para os credores. Não é assim necessariamente. O patrimônio líquido negativo pode significar apenas que a empresa está passando por uma fase de expressivos investimentos na ampliação de seu parque fabril, por exemplo. Quando concluída a obra e iniciadas as operações da nova planta, verifica-se aumento de receita e de resultado suficiente para afastar a crise patrimonial. (Ob.cit. pag. 250).
Em sendo assim, verifica-se que tanto a dificuldade financeira, que possibilita o processo de recuperação, seja judicial ou extrajudicial, quanto o encerramento da atividade empresarial, por intermédio do processo falimentar, não decorre apenas e tão somente da incapacidade administrativa de seu titular, já que fatores externos como a crise econômica e financeira, podem ser também determinantes para acarretar o insucesso do empreendimento empresarial.
É bem por isso que o processo de recuperação judicial não deva ser equiparado ao simples calote, como bem esclarece Luiz Eduardo Vacção da Silva Carvalho:
Mês a mês a Boa Vista Serviços S/A divulga os números de processos de recuperação judicial distribuídos em todo o território brasileiro. Os números crescem a cada nova publicação. Contam, até agora, com um crescimento de 49,1% se compararmos o número de processos de recuperação judicial distribuídos neste ano com os pedidos realizados no ano de 2012.
O crescimento do número de pedidos de recuperação judicial pode ter duas causas principais: a) uma crise não pontual, que se alastra por vários setores do mercado, afetando empresas e empresários indistintamente (uma vez que o número de pedidos de falência também aumenta exponencialmente), e b) a recuperação judicial passou a ser conhecida e compreendida por uma parcela maior de empresas e empresários, que nelas vislumbram uma possível saída para um momentâneo estado de crise.Ou seja, são quadros antagônicos que se complementam.
A crise mundial, apesar de negada pelo governo durante muito tempo (a famosa “marolinha”), vem agora sendo sentida pelas empresas nacionais. Neste ano de 2013 várias empresas nacionais de grande porte ajuizaram pedidos de Recuperação Judicial (H-Buster, Mabe, Grupo Rede, Usina São Fernando, LBR Lácteos – Parmalat), sendo cogitada inclusive pela OSX, do grupo do empresário Eike Batista.
Por outro lado, essa mesma crise faz com que o empresário busque alternativa viável para superá-la, o que o leva a tomar conhecimento do instituto da recuperação judicial.
Ocorre, porém, que, se comparado ao verdadeiro tamanho da crise e do número de pedidos de falência e autofalência que são mensalmente distribuídos, ainda são tímidos os números de pedidos de recuperação judicial.
A principal razão para esse pouco uso do instituto certamente é o preconceito que a grande maioria das empresas e dos empresários possui contra a recuperação judicial.
Ainda remanesce a ideia de que a recuperação judicial nada mais seria do que uma nova nomenclatura para a malfadada e extinta concordata, considerada um calote institucionalizado. Tal pensamento, entretanto, se revela altamente equivocado, pois a recuperação judicial nenhuma semelhança guarda com o extinto instituto.
A recuperação judicial representa verdadeira opção para que a empresa viável que atravessa uma crise possa se soerguer, com o devido respaldo legal, longe de representar o calote. O principal escopo da Lei 11.101/2005 é a recuperação de uma empresa que se demonstre viável, apesar da crise que atravessa. É o que diz o artigo 47.
Em seu pedido de recuperação judicial a empresa deve, dentre outras providências, expor os motivos da crise, seja ela financeira, econômica ou de gestão. Com isso, o juiz deferirá o processamento do pedido, quando então a empresa deverá apresentar aos credores a forma através da qual pretende realizar o pagamento da sua dívida, através do chamado Plano de Recuperação Judicial.
A lei confere à empresa em crise a possibilidade de, na prática, apresentar a proposta que melhor se encaixe nas suas possibilidades, sendo vedadas, naturalmente, propostas ilegais ou que prejudiquem algum dos credores. Caberá exclusivamente aos credores deliberar se a proposta lhes é interessante ou não, assim como analisar se a empresa possui condições de deixar o estado de crise como afirma.
Caso aceitem e aprovem o pedido de recuperação judicial, todas as dívidas sujeitas ao processo serão pagas na forma proposta. Caso rejeitem, é decretada a falência da empresa, que terá seus bens alienados para satisfazer as dívidas.
E caso a empresa não cumpra com os pagamentos assumidos no plano de recuperação nos dois anos iniciais após a homologação da recuperação judicial, podem os credores requerer a decretação da falência. Ultrapassado esse prazo, poderão promover a competente ação de execução judicial.
Ou seja, uma vez que a empresa em crise reúna condições para se apresentar como um negócio viável aos credores, a recuperação judicial é o caminho mais fácil para superar esse estado, revelando-se, assim, proveitosa para todas as partes, colimando no atingimento da finalidade almejada pela lei. (2013).
Portanto, associar o fenômeno da crise empresarial exclusivamente à figura do empreendedor inábil ou ardiloso, se revela inadequado, posto que resultante de ideias preconcebidas e ofensivas aos mais comezinhos princípios constitucionais que permeiam e tutelam desde a simples ameaça, até a efetiva violação da dignidade da pessoa humana, nos exatos termos em que definido pela Constituição Federal de 1988.
Encerrando esta abordagem, e diante do fato da nossa pesquisa se mostrar voltada ao processo de recuperação judicial, desnecessário tecer grandes considerações sobre o mecanismo de recuperação extrajudicial, ou mesmo do processo falimentar da sociedade empresária acometida de crise econômico-financeira, razão pela qual limitaremos a abordagem aos aspectos da recuperação judicial.
Nesse tocante, necessário observar que a Lei 11.101, de 09.02.2005, promulgada em substituição do Decreto-lei 7.661/45, que regulamentava a Lei de Falências e Concordatas, modificou significativamente a disciplina jurídica aplicável à empresa em crise, notadamente no que diz respeito à recuperação judicial que, em linhas gerais, tem por finalidade evitar a falência da sociedade empresária submetida à momentânea desestruturação econômica.
Dentre as principais inovações trazidas pela Lei 11.101/2005, destaca-se a mudança do foco anteriormente centrado na satisfação dos credores, para a proteção jurídica do mercado, através da manutenção de seu sadio desenvolvimento que, em última análise, atua em benefício de toda a sociedade e implica no crescimento econômico do País.
É bem por isso que a legislação em análise expressamente prevê, em seu artigo 47[22], os princípios da preservação da empresa, da função social, e do estímulo da atividade econômica, como vetores interpretativos imperativos, os quais se destinam à preservação da atividade empresarial sempre que possível e viável ao bom funcionamento do mercado.
Analisando o teor da norma contida no art.47 da lei 11.101/2005, Ricardo Negrão, de maneira extremamente didática, aponta ainda e existência de outros princípios norteadores, esclarecendo que:
Ao atuar preponderantemente sobre a empresa em seu aspecto funcional, os novos instrumentos legais de recuperação em juízo trabalham com os seguintes princípios:
- Supremacia da recuperação da empresa (aspecto funcional) sobre o interesse do sujeito da atividade (aspecto subjetivo), permitindo-se o afastamento do empresário e de seus administradores, se sua presença comprometer a eficiência do processo (LRF, art.64).
- Manutenção da fonte produtora (aspecto objetivo) e do emprego dos trabalhadores (aspecto corporativo), que se verifica com ações efetivas de preservação dos elementos corpóreos e incorpóreos (LRF, art.66) e vedação à venda ou retirada de bens de propriedade de credores titulares da posição de proprietário fiduciário, de arrendador mercantil, proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, durante o período de suspensão (LRF, art.49, §3º).
- Incentivo à manutenção de meios produtivos à empresa, concedendo privilégio geral de recebimento em caso de falência, aos credores quirografários que continuarem a prover bens e serviços à empresa em recuperação (LRF, art.67, parágrafo único).
- Manutenção dos interesses dos credores (LRF, art.47), impedindo a desistência do devedor após o deferimento do processamento do pedido de recuperação (LRF, art.52, §4º), submetendo à assembleia de credores toda deliberação que afete o interesse dos credores (LRF, art.35, I,f).
- Observação dos princípios da unidade, universalidade do concurso e igualdade de tratamento dos credores como diretrizes para as soluções judiciais nas relações patrimoniais não reguladas expressamente pela lei (LRF, art.126). (2008, pag. 237).
Interessante destacar também que a preservação da atividade empresarial não deva ser vista como um valor jurídico a ser buscado a qualquer custo, sendo esta a orientação de Fabio Ulhoa Coelho, que a respeito do assunto se posiciona da seguinte maneira:
Nem toda falência é um mal. Algumas empresas, porque são tecnologicamente atrasadas, descapitalizadas ou possuem organização administrativa precária, devem mesmo ser encerradas. Para o bem da economia como um todo, os recursos- materiais, financeiros e humanos – empregados nessa atividade devem ser realocados para que tenham otimizada a capacidade de produzir riqueza. Assim, a recuperação da empresa não deve ser vista como um valor jurídico a ser buscado a qualquer custo. Pelo contrário, as empresas devem falir para que as boas não se prejudiquem. Quando o aparato estatal é utilizado para garantir a permanência de empresas insolventes inviáveis, opera-se uma inversão inaceitável: o risco da atividade empresarial transfere-se do empresário para os seus credores (Lynn Lo Puchi, apud Jordan-Warren, 1985:657). (Ob.cit., pag.252).
Em sendo assim, verifica-se que a simples invocação pela empresa em recuperação judicial, da irrestrita obediência ao princípio da preservação da empresa, para eventualmente justificar a dilação de prazos peremptórios assinalados pela Lei 11.101/2005, como por exemplo, aquele destinado a suspensão das ações e execuções, por 180 dias, não se mostra por si só suficiente para atingir tal desiderato.
A propósito disso, já se posicionou a Colenda 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por ocasião do julgamento do Recurso de Agravo de Instrumento nº 0162404-47.2013, por Voto da lavra do Desembargador Fernando Antônio Maia da Cunha, conforme julgamento ocorrido em 07 de novembro de 2013, cujo trecho se transcreve:
Mas a interpretação que respeitosamente se faz dos precedentes do Colendo Superior Tribunal de Justiça, diferentemente do que se tem apregoado, é no sentido de que, no confronto entre o prazo legal improrrogável e o princípio da conservação da empresa, aquele prazo de 180 dias pode ser prorrogado desde que a demora comprovadamente não decorra de desídia da recuperanda. Não se trata, pois, de direito automático à prorrogação sempre que por alguma razão não forem cumpridos os prazos legais previstos na Lei nº 11.101/2005, mas de mera e excepcional faculdade concedida ao juiz para contornar o prazo improrrogável se, de modo comprovado, a demora não houver
decorrido de conduta da recuperanda.
No caso, não há razão especial e excepcional que justifique a prorrogação do prazo de 180 dias, a tanto não se prestando a genérica dificuldade de continuidade da recuperação se não prorrogado o prazo legal (fls. 91/94 do agravo).
E é bom relembrar, aqui, que o princípio da preservação da empresa não legitima a inobservância dos prazos previstos na Lei nº 11.101/2005. A recuperação judicial se sujeita aos parâmetros que a lei, já levando em conta o princípio da preservação da empresa, considerou razoável para a verificação da real capacidade de recuperação, o que significa dizer, em outras palavras, não se inserir no princípio da preservação da empresa aquelas que não têm condições para tanto se consideradas todas as balizas que a lei estabeleceu. Estarão fora do princípio da preservação da empresa as que não possuem condição de recuperar-se, se observadas as regras legais, até porque a recuperação judicial tem um custo social que, direta ou indiretamente, é pago pela sociedade em geral.
Haverá séria deturpação do objetivo da recuperação judicial e do princípio da preservação da empresa se forem descartadas as regras legais, o que transformaria a recuperação judicial apenas num bom negócio para o devedor com dificuldades financeiras que superam a sua capacidade de se reerguer.
Todavia, é preciso ter em mente que o processo de recuperação judicial da empresa em crise deve buscar não só a preservação da atividade econômica, mas também os vínculos de emprego, e a cadeia de fornecedores que gravitam em torno desta atividade.
Discorrendo a propósito disso, Elisabete Vido se mostra taxativa ao defender que:
A recuperação empresarial tem o objetivo de contribuir para que a empresa que passa por um crise econômico-financeira tenha condições de superá-la. A intenção do legislador foi preservar não só a empresa em recuperação, mas também a relação empregatícia e toda a cadeia de fornecedores que dela dependa. Para tanto, é indispensável que a empresa demonstre os requisitos estabelecidos na Lei 11.101/2005, bem como a proposta de pagamento de suas obrigações será devidamente aprovada pelos credores.
A recuperação de empresas tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, de sua função social e o estímulo à atividade econômico (art. 47 da Lei 11.101/2005). (2012, pag.373).
Por fim, interessante observar que a Lei que regulamenta o processo de Recuperação Judicial, em nenhum momento impõe ao empresário devedor a obrigatoriedade na utilização deste instrumento, sendo esta a interpretação que se extrai através da singela leitura da disposição contida no art.105 da Lei em análise[23].:
Nesse sentido é a abalizada lição de Wilges Bruscato:
O art.105 da lei deixa claro que tal avaliação está na esfera de subjetividade do devedor. Por outro lado, mesmo em caso de insolvência, ou seja, quando o passivo supera o ativo, não há, em princípio, impedimento para o aforamento da recuperação, tendo em vista que a lei não exige prova da viabilidade econômica para o aforamento da recuperação, e, além do mais, um plano de recuperação genial, aliado a prazos coerentes e tolerância, pode resultar na reversão do estado insolvente (Ob. Cit., pag. ).
Diante de tais considerações, podemos concluir que a recuperação judicial objetiva a reorganização da empresa em crise econômico-financeira, de sorte a se atingir a preservação dos vínculos de emprego, e os interesses dos credores, promovendo, destarte, a plena manutenção da sociedade empresária, bem como sua função social, e o estímulo à ordem econômica.
III. 2. O processo de recuperação judicial.
Conforme verificamos no tópico anterior a Lei 11.101/2005 trouxe significativas modificações no que diz respeito aos mecanismos jurídicos destinados à recuperação da empresa em crise, substituindo a retrógada mentalidade do direito comercial brasileiro que enxergava na falência o único remédio jurídico adequado para extirpar do mercado os malefícios ocasionados pela empresa em crise que, invariavelmente culminava no seu decreto de quebra.
Nesse sentido, comenta o festejado jurista, e também Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Manoel Justino Bezerra Filho, que:
Esta Lei pretende trazer para o instituto da falência e da recuperação judicial uma nova visão, que leva em conta não mais o direito dos credores, de forma primordial, como ocorria na lei anterior. A lei anterior, de 1945, privilegiava sempre o interesse dos credores, de tal forma que um exame sistemático daqueles artigos demonstra a ausência de preocupação com a manutenção da empresa como unidade produtiva, criadora de empregos e produtora de bens e serviços, enfim, como atividade de profundo interesse social, cuja manutenção deve ser procurada sempre que possível. (2007, pag.135).
Com o advento da nova Lei de Recuperação e Falência, surgem novos mecanismos destinados à superação da crise econômico-financeira do empresário e da sociedade empresária, com destaque para o processo de Recuperação Judicial, disciplinado entre os artigos 47 e, 74 da Lei em apreço, e que se destina aos devedores viáveis, já que se a situação de crise se mostrar insuperável, o mecanismo da recuperação deverá ceder lugar à falência do devedor que, como se sabe, se trata da execução coletiva do devedor, e que tem por finalidade liquidar o passivo a partir da realização do patrimônio da empresa, observada a par conditio creditorium.
Analisando detalhadamente o processo de Recuperação Judicial, Coelho (2011), afirma que tal mecanismo se divide em três fases bem distintas, denominando a primeira etapa como fase postulatória, pela qual a sociedade empresária deduz em Juízo o pedido direcionado à concessão de sua recuperação, encerrando-se com o despacho judicial determinando o processamento do feito. Na segunda fase, a qual se refere como sendo deliberativa, ocorre à discussão e aprovação do plano de reorganização, encerrando-se com a decisão concessiva do benefício. Por fim, a terceira e última etapa do processo, por ele chamada de fase de execução, consiste na fiscalização do cumprimento do plano, que se inicia com a decisão concessiva da recuperação judicial, terminando com a sentença de encerramento do processo.
III. 2. 1. A fase postulatória.
Particularizando as etapas deste complexo procedimento processual empresarial, possível verificar que cada fase deverá obedecer aos preceitos da legislação processual civil, nos exatos termos em que definido pela Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973 que, por força do disposto no art.189, da Lei 11.101/2005, deva ser aplicado aos procedimentos nela previstos, de maneira supletiva, notadamente no que diz respeito às condições da ação, e aos pressupostos processuais de desenvolvimento válido e regular do feito.
Diga-se, “en passant”, que a despeito da aplicação subsidiária das disposições contidas no Código de Processo Civil, os prazos previstos na lei nº 11.101/2005 são sempre simples, não se aplicando o artigo 191, do Código de Ritos, sendo esta a orientação do enunciado da Súmula 58 do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo.
Em sendo assim, na chamada fase postulatória, devem ser verificados aspectos relativos à legitimidade ativa e passiva, bem como ao efetivo preenchimento dos requisitos da petição inicial, conforme estabelecido pelo art. 282 do Código de Ritos.
Desse modo, o pedido de recuperação deve ser deduzido ao juízo competente que, nos termos do art. 3º, da Lei 11.101/2005, corresponde ao foro do principal estabelecimento do devedor que, como se sabe, pode não corresponder exatamente à sede administrativa da empresa, mas ao local onde se concentra o maior volume de seus negócios.
Nesse sentido, é o entendimento de Sérgio Campinho, que a respeito do assunto pontifica:
O conceito de principal estabelecimento não se confunde, pois, com o de sede, que é o domicílio do empresário individual eleito e declarado perante o Registro Público de Empresas Mercantis no ato do requerimento de sua inscrição ou o da sociedade empresária, declinado em seu contrato social ou estatuto no mesmo Registro arquivado. Consiste ele na sede administrativa, ou seja, o ponto central de negócios do empresário no qual são realizadas as operações comerciais e financeiras de maior vulto ou intensidade, traduzindo o centro nervoso de suas principais atividades. Nas palavras de Amaury Campinho, consiste no “lugar onde o empresário centraliza todas as suas atividades, irradia todas as ordens, onde mantém a organização e administração da empresa. Não é necessário que seja o de melhor ornamentação, o de maior luxo, ou o local onde o empresário faça maior propaganda. O que importa, em última análise, é ser o local de onde governa sua empresa (2012, pag. 34).
Conveniente observar que este era o entendimento do memorável Trajano de Miranda Valverde, que em comentário ao artigo 7º, da revogada Lei de Falências, defendia que:
A sede administrativa é, com efeito, o ponto central dos negócios, de onde partem todas as ordens, que imprimem e regularizam o movimento econômico dos estabelecimentos produtores. As relações externas, com fornecedores, clientes, bancos, etc., realizam-se por seu intermédio. Na sede da administração é que se faz a interessante contabilidade geral das operações, onde, por isso, devem estar os livros legais da escrituração, os quais, mais do que o valor pecuniário, ou a importância do estabelecimento produtor, interessam, na falência ou concordata, à Justiça. Não há, acreditamos, divergência sobre esse ponto, ainda mesmo quando conste do registro da pessoa jurídica, ou da inscrição de firma individual, um domicílio diverso do lugar em que se encontra a sede da administração.
Este é o entendimento que prevalece junto à 1ª Câmara Reservada de direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme se verifica através do julgamento do Recurso de Agravo de Instrumento nº 0124191-69.2013, relatado pelo Desembargador Alexandre Marcondes, cujo julgamento se deu em 05/12/2013, e que assim define a questão:
PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL – Competência para o processamento do pedido de recuperação judicial - Competência do foro do local onde está situado o centro decisório da empresa - Exegese do art. 3º da Lei nº 11.105/05 - Precedentes do STJ e do TJSP – Principal estabelecimento correspondente ao local de onde emanam as principais decisões estratégicas, financeiras e operacionais da empresa e no qual está situada sua principal planta industrial - Irrelevância da sede estatutária estar situada em outra cidade - Agravante que não se desincumbe do ônus de comprovar que o centro decisório da recuperanda está situado em cidade diversa daquela em que foi ajuizado o pedido - AGRAVO DESPROVIDO.
Não bastasse isso oportuno alertar que o juízo da recuperação judicial não é competente para decidir sobre a constrição de bens não abrangidos pelo plano de recuperação da empresa, sendo esta a orientação da Súmula 480 do Colendo Superior Tribunal de Justiça.
No que diz respeito ao campo da legitimidade, é legitimado ativo para requerer a recuperação judicial o devedor empresário ou sociedade empresária, desde que devidamente regularizados, nos exatos termos em que disposto pelo art. 968, e seguintes do Código Civil de 2002, uma vez que também expostos ao eventual decreto de falência, daí porque, eventual pedido de recuperação judicial deduzido por produtor rural empresário, se mostra condicionado à comprovação de sua efetiva inscrição junto ao Registro Público de Empresas Mercantis.
A dar suporte a este entendimento, confira-se V.Aresto emanado da Câmara Reservada de Direito Empresarial do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferido no julgamento do Recurso de Agravo de Instrumento nº 648.198-4/2-00, que foi relatado pelo Desembargador Pereira Calças, cujo julgamento se deu em 15/11/2009, e que assim diz:
Agravos de instrumento. Recuperação Judicial. Pedido formulado por produtor rural não inscrito na Junta Comercial. Conhecimento de agravo tirado contra decisão que defere o processamento da recuperação judicial. Decisão que reconhece que o produtor rural é empresário rural inscrito no CNPJ e tem legitimidade para requerer a recuperação. Precedente do STJ que admite a recorribilidade da decisão que examina a legitimidade ativa do requerente da recuperação judicial. Produtor rural que não se vale da faculdade do art. 971 do Código Civil não é equiparado a empresário para os fins do art. 1o da Lei n° 11.101/2005 e não atende ao requisito do art. 48 do mesmo diploma legal. A inscrição do produtor rural no CNPJ-Receita Federal, não o equipara a empresário para fins do direito à recuperação judicial. Agravos conhecidos e providos para reformar a decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial. Extinção do processo de recuperação judicial, sem resolução de mérito, com base no art. 267, I, do CPC.
Conveniente destacar ainda que as chamadas sociedades em comum, de economia mista, cooperativa ou simples, bem como as instituições financeiras, integrantes do sistema de distribuição de títulos ou valores mobiliários no mercado de capitais, corretas e câmbio, seguradoras, e as operadoras de planos privados de assistência à saúde, não podem requerer o benefício da recuperação judicial, justamente por não estarem sujeitas ao eventual decreto de quebra, posto que submetidas a regime jurídico próprio.
Podem ainda requerer a recuperação judicial o cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente, sendo interessante notar também que, por força de expressa previsão legal (art. 48, da Lei 11.101/2005), não se mostra possível que eventuais credores, o Ministério Público, ou mesmo o Juiz, ainda que de ofício, promovam o pedido de recuperação judicial, sendo esta a advertência Wilges Bruscato, que a propósito do assunto é taxativa em afirmar que:
Em nosso sistema, a recuperação é uma faculdade posta à disposição do empresário, ou seja, os credores não tem legitimidade para agir nesse sentido em face do devedor, obrigando-o a recuperar-se, nem pode iniciar o procedimento o Ministério Público, nem o juiz pode determiná-lo. (Ob.cit., pag.589).
Por fim, a legislação em análise exige ainda que a sociedade empresária não esteja falida, que explore atividade econômica há mais de dois anos, não tenha obtido a recuperação judicial há menos de cinco anos, e que seu sócio controlador ou seus administradores não tenham sido condenados pela prática de crime falimentar[24].
No que diz respeito à legitimidade passiva, a recuperação judicial deve ser direcionada em desfavor dos credores do devedor empresário, ao tempo do pedido, ainda que não vencidos os créditos, nos moldes em que indicado pelo art. 49, “caput”, da Lei 11.101/2005.
Destaca-se, ainda, que a legislação em testilha também impõe a exclusão dos efeitos da recuperação judicial em relação ao credor proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis; ao arrendador mercantil; ao proprietário ou promitente vendedor em venda irretratável ou irrevogável de imóvel, inclusive em incorporações imobiliárias; ao proprietário em contrato de venda com reserva de domínio; e ao credor de adiantamento a contrato de câmbio para exportação.
Vale dizer que o proprietário fiduciário deverá demonstrar a efetiva constituição de seu direito, por intermédio do regular registro do instrumento no registro de títulos e documentos do domicílio do devedor, sendo este o entendimento constante do enunciado da Súmula 60, emanada do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Também não estão submetidas ao processo de recuperação judicial, por força do disposto na Lei 10.214/2001, as obrigações assumidas no âmbito das Câmaras ou Prestadoras de Serviços de Compensação e de Liquidação Financeira, sendo esta, inclusive, a orientação que se colhe da jurisprudência da Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme se pode verificar através do seguinte Aresto:
RECUPERAÇÃO JUDICIAL - OBRIGAÇÃO ASSUMIDA VIA CÂMARA DE COMPENSAÇÃO E LIQUIDAÇÃO FINANCEIRA - EXCLUSÃO DO CRÉDITO A PEDIDO DE CREDOR APÓS HABILITAÇÃO – ADMISSIBILIDADE - ARTIGOS 19, 194 E 195 DA LEI Nº 11.101/2005 - PRODUTO DA REALIZAÇÃO DAS GARANTIAS PRESTADAS PELO PARTICIPANTE SUBMETIDO AO REGIME DA LEI Nº 10.214/2001 A SER DESTINADO À LIQUIDAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES ASSUMIDAS NO ÂMBITO DAS CÂMARAS - EXCLUSÃO DO CRÉDITO DETERMINADA - RECURSO IMPROVIDO. (Agravo de Instrumento nº 0304899-85.2011, Relator Desembargador Elliot Akel, recurso julgado em 17/04/2012, por votação unânime).
Além dos requisitos para a legitimação ativa, o art. 51, da Lei 11.101/2005, exige que a petição inicial contendo o pedido de recuperação judicial seja instruída com a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira; as demonstrações contáveis relativas aos três últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de: a) balanço patrimonial; b) demonstração de resultados acumulados; c) demonstração do resultado desde o último exercício social; d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção; a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente.
Deverá ser exibida também a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento; certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores; a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor; os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento ou em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras.
Por fim, o pedido deve ser instruído com certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial; e a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que este figure como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores demandados.
Na hipótese do pleito inaugural se mostrar capenga, deverá o juiz determinar a complementação da inicial, individualizando os elementos faltantes, não se mostrando, portanto, adequada, a genérica determinação de emenda da inicial, sendo este o entendimento da Súmula 56 do Egrégio Tribunal Bandeirante[25].
Estando em termos a documentação o magistrado proferirá decisão determinando o processamento da recuperação judicial que, como se sabe, não se confunde com a decisão concessiva da recuperação, contra a qual caberá Recurso de Agravo de Instrumento, sem efeito suspensivo, a ser intentado por qualquer credor, bem como pelo Ministério Público.
III. 2. 2. A fase deliberativa.
Superados os aspectos da chamada fase postulatória, verifica-se, agora em relação à fase deliberativa, que o principal objetivo desta etapa, que tem como termo inicial o despacho de processamento do feito, é a obtenção da votação do plano de recuperação da sociedade empresária devedora.
É nesta etapa que ganha destaque a discussão relativa à natureza jurídica do instituto da recuperação judicial.
Para Marzagão (2005) não há dúvida quanto à natureza contratual da recuperação judicial que a princípio, obriga a participação efetiva de todos os credores representados em Assembleia Geral de Credores, os quais terão o poder de aprovar ou rejeitar o plano de recuperação apresentado pela devedora.
Por sua vez, Waldo Fazzio Júnior entende que a recuperação judicial conta com natureza jurídica de uma ação, isto porque:
Diz a LRE que a recuperação judicial é uma ação. Ação de conhecimento da espécie constitutiva acrescente-se. Inaugura uma nova conjuntura jurídica, modificando a índole das relações entre o devedor e seus credores e, bem assim, entre o devedor e seus empregados. Para não dizer, entre devedor e a atividade empresarial que exerce. (2005, pag.359).
Analisando esta controvérsia, Wilges Bruscato esclarece com a habitual precisão que:
A apreciação do plano de recuperação judicial pela assembleia tem sido apontada como o epicentro da contratualidade do instituto. Porém, algumas ponderações são necessárias a respeito.
Em primeiro lugar, nem todo plano será apreciado por assembleia que o aprovará. A concessão da recuperação não está condicionada à aprovação do plano pela assembleia. Não há obrigatoriedade legal em sua realização para votar o plano senão quando houver oposição a ele. E, no regime especial, ela não se realizará em nenhuma hipótese para tal finalidade.
É facilmente perceptível que, na verdade, oferecido o plano, não há necessidade de nenhuma ação do credor; a sua inércia implica a continuidade do procedimento e a concessão da recuperação, desde que atendidos os requisitos e pressupostos legais. É o envolver natural e automático do procedimento.
Por certo se objetará que é perfeitamente possível, no entanto, que o feito se desenrole de maneira diversa, ou seja, que o credor se oponha ao plano, o que pode resultar, na pior das alternativas, na rejeição deste, com a decretação da falência. O direito do credor de se opor ao plano, então, teria o poder de decidir o destino do devedor. Ora, se o destino do devedor está nas mãos do credor, não há falar em contrato se a deliberação é unilateral.
Porém, o alardeado poder dos credores em relação ao plano apenas poderá ser exercido em caso de haver oposição. Não importa se de um único credor ou de todos. Havendo mesmo que uma única oposição, remeter-se-ia o plano à assembleia.
A objeção ao plano é, portanto, ocorrência anormal no feito. (Ob.cit., pag.585).
Diante das considerações lançadas de parte a parte, filiamo-nos ao entendimento daqueles que defendem a natureza jurídica da recuperação judicial como ação, posto que tal conclusão decorra do próprio texto legal, conforme expressamente previsto pelo art. 47, e seguintes da lei em análise, que assegura ao titular do direito postulado, a concessão de tutela jurisdicional destinada à reorganização da empresa em crise.
Em relação ao plano de recuperação, que deverá ser apresentado no prazo improrrogável de 60 (sessenta dias), a lei exige em seu art. 43, a indicação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregada pelo devedor, a efetiva demonstração de sua viabilidade econômica, bem como a exibição de laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.
A propósito desta exigência legal, Fabio Ulhoa Coelho assevera que:
O plano de recuperação deve indicar pormenorizada e fundamentadamente o meio ou meios pelos quais a sociedade empresária devedora deverá superar as dificuldades que enfrenta. A consistência econômica do plano está diretamente relacionada ao adequado diagnostico das razões da crise e de sua natureza (se econômica, financeira ou patrimonial) e à adequação dos remédios indicados para o caso. Os órgãos da recuperação judicial, inclusive o juiz e o promotor de justiça, devem ter particular preocupação em que se alcance um plano viável e tecnicamente consistente, para que todos os esforços investidos, gastos realizados e providências adotadas se justifiquem: para que a perda de tempo e recursos caros à sociedade brasileira não frustre as expectativas de reerguimento da atividade econômica em foco. (Ob.cit., pag. 443).
Quanto aos prazos mínimos e máximos de carência para pagamento, descontos, e remuneração dos credores, destaca-se que a Lei 11.101/2005 fixa, em seu art. 54, parâmetros máximos apenas quanto ao prazo de carência de pagamento dos créditos trabalhistas sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, definido, como prazo máximo de 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial, e de 30 (trinta) dias para o pagamento dos débitos limitados até 5 (cinco) salários mínimos de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação judicial.
Por sua vez, no que diz respeito ao prazo de carência de pagamento, desconto, e remuneração de outros créditos, inexiste previsão legal a respeito de seu limite mínimo ou máximo.
Existindo a objeção de qualquer credor ao plano de recuperação, o juiz convocará a Assembleia-Geral de Credores, a ser realizada no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, conforme estipulado no art. 6º, §4º, da Lei 11.101/2005, a fim de deliberar sobre o plano de recuperação apresentado pelo devedor, que somente será considerado aprovado se houver a concordância de todas as classes de credores, ou seja, dos credores trabalhistas, com garantia real, quirografários, com privilégio especial, geral ou subordinado[26].
A observância deste prazo se revela extremamente importante para o devedor, uma vez que desrespeitada esta exigência, perderá a prerrogativa de obter a suspensão, pelo prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias, das ações e execuções movimentadas pelos credores, nos termos em que definido pelo art.6º, da Lei de Recuperação Judicial[27].
Contudo, referido prazo poderá ser excepcionalmente prorrogado, caso o retardamento do feito não puder ser imputado ao devedor, sendo esta a conclusão atingida pelos estudiosos da 1ª Jornada de Direito Comercial, por força do enunciado 42, alicerçado no fato de que este prazo tem como finalidade proporcionar ao empresário em crise um lapso temporal para melhor organizar suas finanças, daí porque, não atingido este fim, por procrastinação dos credores, deva ser prorrogado o prazo.
Conveniente frisar que a retomada da marcha processual das ações individuais deflagradas contra a empresa devedora não deva se dar de forma automática, ante ao simples transcurso do prazo em questão, sendo esta a remansosa orientação do Colendo Superior Tribunal de Justiça, conforme se verifica através da ementa do V.Aresto que ora se transcreve:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – SUSPENSÃO DE EXECUÇÕES SINGULARES – RETOMADA AUTOMÁTICA – DECISÃO MONOCRÁTICA NEGANDO PROVIMENTO AO RECURSO – INSURGÊNCIA DO CREDOR INDIVIDUAL.
1. A aprovação do plano de recuperação judicial tem o condão de sobrestar o curso de execuções individuais deflagradas contra a empresa devedora, não sendo possível a retomada da marcha processual de modo automático, ante ao simples transcurso do lapso do art. 6, §4º, da Lei n. 11.101/2005, em obséquio ao princípio da preservação da empresa, segundo pacífica jurisprudência da Segunda Seção desta Corte Superior.
2. Agravo desprovido. (Quarta Turma, Relator Ministro Marco Buzzi, AgRg no Recurso Especial nº 1.259.411-DF, recurso julgado em 23/10/2012).
Vale destacar que a soberania da Assembleia Geral de Credores para deliberar sobre a aprovação ou rejeição do plano de recuperação judicial não é absoluta, uma vez que a exigência de homologação judicial permite ao juiz verificar aspectos relativos à legalidade, a constitucionalidade, a ética, a boa fé, o respeito aos credores e a manifesta intenção do devedor de cumprir a meta de recuperação.
Nesse tocante é o lapidar entendimento adotado pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por ocasião do julgamento do Recurso de Agravo de Instrumento tirado nos autos da Recuperação Judicial da renomada marca de cerâmicas Gyotoku, cujo Acórdão foi relatado pelo festejado Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, e que a respeito do assunto se manifestou da seguinte maneira:
Agravo. Recuperação Judicial. Plano aprovado pela assembleia-geral de credores. Plano que prevê o pagamento do passivo em 18 anos, calculando-se os pagamentos em percentuais (2,3%, 2,5% e 3%) incidentes sobre a receita líquida da empresa, iniciando-se os pagamentos a partir do 3º ano contado da aprovação. Previsão de pagamento por cabeça até o 6º ano, acarretando pagamento antecipado dos menores credores, instituindo conflitos de interesses entre os credores da mesma classe. Pagamentos sem incidência de juros. Previsão de remissão ou anistia dos saldos devedores caso, após os pagamentos do 18º ano, não haja recebimento integral. Proposta que viola os princípios gerais do direito, os princípios constitucionais da isonomia, da legalidade, da propriedade, da proporcionalidade e da razoabilidade, em especial o princípio da "pars conditio creditorum" e normas de ordem pública. Previsão que permite a manipulação do resultado das deliberações assembleares. Falta de discriminação dos valores de cada parcela a ser paga que impede a aferição do cumprimento do plano e sua execução específica, haja vista a falta de liquidez e certeza do "quantum" a ser pago. Ilegalidade da cláusula que estabelece o pagamento dos credores quirografários e com garantia real após o decurso do prazo bienal da supervisão judicial (art. 61, 'caput', da Lei nº 11.101/2005). Invalidade (nulidade) da deliberação da assembleia-geral de credores declarada de ofício, com determinação de apresentação de outro plano, no prazo de 30 dias, a ser elaborado em consonância com a Constituição Federal e Lei nº 11.101/2005, a ser submetido à assembleia-geral de credores em 60 dias, sob pena de decreto de falência. (TJSP, Câmara Reservada de Direito Empresarial, Recurso de Agravo de Instrumento nº 0136362-29.2011, recurso julgado em 28/02/2012, por votação unânime).
Em que pese à aprovação do plano de recuperação judicial pela Assembleia Geral de Credores, com a plena observação do quórum estabelecido pelo art. 45 da Lei 11.101/05, que exige a aprovação do plano de todas as classes de credores referidas no art. 41 da Lei em questão, poderá o juiz indeferir o pedido de recuperação judicial, caso verifique que o plano de recuperação se revele violador dos princípios gerais de direito, dos princípios e regras da Constituição Federal, bem como das regras de ordem pública constantes da Lei 11.101/2005.
Some-se a isso que, eventual inclusão no plano de recuperação de cláusulas que estabeleçam a alienação de quaisquer bens, móveis e imóveis, inclusive os que são objeto de arrendamento mercantil e de alienação fiduciária, independente de autorização do Juiz, da Assembleia-Geral, e dos titulares das garantais reais e fidejussória, e que autorizem a supressão das garantias reais e fidejussórias, sem a expressa aprovação dos credores titulares das respectivas garantias, e proíbam o ajuizamento de ações e execuções contra a empresa recuperanda e seus garantidores, não deverão prevalecer, ainda que obtida sua aprovação pela Assembleia de Credores.
Neste sentido, confira-se a ementa do V.Aresto proferido no julgamento do Recurso de Agravo de Instrumento nº 0288896-55.2011, proferido pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, cujo julgamento se deu em 31/07/2012, e que também foi relatado pelo Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, e que assim definiu a questão:
Agravo. Recuperação judicial. Recurso contra decisão que, em face da aprovação do plano pela Assembleia- Geral de Credores pelo quórum legal, concede a recuperação. A Assembleia-Geral de Credores só é reputada soberana para a aprovação do plano se este não violar os princípios gerais de direito, os princípios e regras da Constituição Federal e as regras de ordem pública da Lei nº 11.101/2005. Proposta que viola princípios gerais de direito, normas constitucionais, regras de ordem pública e o postulado da "pars conditio creditorum", ensejando a manipulação do quórum assemblear, é nula. Cláusula que outorgue liberdade para a alienação de quaisquer bens, móveis e imóveis, inclusive os que são objeto de arrendamento mercantil e de alienação fiduciária, independente de autorização do Juiz, da Assembleia-Geral, e dos titulares da propriedade é nula. Supressão das garantias reais e fidejussórias sem a expressa aprovação dos credores titulares das respectivas garantias implica nulidade da cláusula. Proibição de ajuizamento de ações e execuções contra as recuperandas e seus garantidores e a extinção de tais ações viola a Constituição Federal. Cláusulas que
consubstanciam abuso de direito, violação dos princípios gerais de direito, da Carta da República e das leis de ordem pública são nulas. Agravo provido para decretar a nulidade da deliberação da AGC, com determinação de apresentação de outro plano, no prazo de 30 (trinta) dias, a ser elaborado em consonância com os princípios gerais do direito, a Constituição Federal e a Lei nº 11.101/2005, a ser submetido à Assembleia-Geral de Credores no prazode 60 (sessenta) dias, sob pena de decreto de falência. "A assembleia de credores é soberana em suas decisões quanto aos planos de recuperação judicial. Contudo, as deliberações desse plano estão sujeitas aos requisitos de validade dos atos jurídicos em geral, requisitos esses que estão sujeitos ao controle judicial" (REsp. 1.314.209-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi).
Por fim, oportuno registrar que na hipótese do plano de recuperação judicial não obter a aprovação pela maioria dos credores pertencentes a duas classes, deverá o Administrador Judicial proclamar a rejeição da proposta de recuperação judicial, já que não atingido o quórum legal estabelecido no art.45 da Lei 11.101/05, que exige a aprovação do plano em todas as classes de credores referidas no art. 41 da LRF.
Contudo, poderá o Juiz rever a declaração do Administrador Judicial, através do sistema de aprovação extraordinária, também conhecido como “Cram Down”, conforme disciplinado no art. 58, §1º, da LRF[28], e que significa a possibilidade de o juiz impor aos credores discordantes o plano apresentado pelo devedor e já aceito pela maioria.
Importante consignar que o instituto do “Cram Down” ganhou notoriedade no Brasil, a partir de sua aplicação pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, por intermédio de sua Câmara Reservada à Falência e Recuperação, na emblemática recuperação judicial da companhia aérea VarigLog, cujo decisão resultou definida da seguinte maneira:
Recuperação judicial. Plano aprovado por unanimidade pelos credores trabalhistas (classe I). Não existência de credores com garantia real (classe II). Plano reprovado por maioria pelos credores quirografários (classe III). Cram down (art. 58. § Io. da Lei 11.101/05). Concessão da recuperação judicial. Agravo de instrumento interposto por credora. Preenchimento do requisito do inciso II (aprovação por uma das duas classes existentes), bem como do inciso III (na classe que rejeitou o plano, aprovação por mais de 1/3). Existência de credores que rejeitaram o plano, mas apresentaram impugnação. ainda pendente de julgamento, em que perseguem a sua não sujeição aos seus efeitos. Tais credores, tão somente para cômputo dos quóruns de instalação, deliberação e resultado das votações, não podem ser considerados. Com a exclusão de tais credores, preenchimento também do inciso I do § Io do art. 58. Cram down mantido, assim como a concessão da recuperação judicial, porém por outro fundamento. Inexistência de usurpação da competência que seria exclusiva da Assembléia Geral de Credores. Inexistência, também, de ato abusivo ou atentatório à livre concorrência. Irrelevante ato contraditório entre o comportamento do Administrador Judicial, que determinou que os credores apenas votassem sim ou não ao plano, sem justificativa, e a decisão agravada, que considerou abusivo o voto dos credores por não ter sido supostamente justificado.
Discussão limitada aos lemas decididos pela r. decisão agravada. Certidões negativas de débito fiscal inexigíveis enquanto não for promulgada a legislação específica a que faz referência o art. 68 da Nova Lei, a respeito de parcelamento de crédito da Fazenda Pública e do INSS Agravo de instrumento não provido. (Agravo de Instrumento nº 994.09.273364-3, Relator Desembargador Romeu Ricupero, recurso julgado em 01/06/2010).
Destaca-se que a lacuna da lei, consistente na rejeição do plano manifestada pelo credor único de determinada classe, não se revela suficiente para acarretar na rejeição do plano. Entendimento diverso prestigiaria o abuso de direito manifestado pelo credor minoritário, em nítida violação ao princípio da preservação da empresa esculpido no art. 47 da LRF, sendo esta a orientação emanada do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, conforme se verifica através da ementa do seguinte julgado:
Recuperação judicial - Plano aprovado pela unanimidade dos credores trabalhistas e pela maioria dos credores da classe III do art. 41 e rejeitado por credor único na classe com garantia real - Concessão da recuperação judicial pelo juiz - Agravo de instrumento interposto por credor, que não é aquele com garantia real — Preenchimento indiscutível do requisito do inciso II do § 1" do art. 58 (aprovação por duas classes) - Preenchimento, também, do requisito do inciso I do § 1" do art. 58 (voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembléia, independentemente de classes) - Requisito do inciso III do § 1" do art. 58 que jamais será preenchido, no caso de credor único que rejeite o plano, consagrando o abuso da minoria - Hipótese não cogitada pelo legislador e pelo cram down restritivo da lei brasileira - Juiz que, não obstante, não se exime de decidir, alegando lacuna na lei — Inteligência do disposto no art. 126 do CPC, aplicável supletivamente ao caso (art. 189 da nova LFR) - Decisão de concessão mantida - Agravo de instrumento não provido. (TJSP, Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais de Direito Privado, Recurso de Agravo de Instrumento nº 638.631-4/1-00, Relator Desembargador Romeu Ricupero, recurso julgado em 18/08/2009).
Concedida a recuperação judicial, seja pela homologação em juízo do plano aprovado pelos credores, ou em razão de sua aprovação extraordinária pelo juiz, encerra-se a fase de deliberação e tem início a de execução do plano.
III. 2. 3. A fase executiva.
Examinando a última etapa do processo de recuperação judicial, podemos dizer que ao menos três questões devam ser destacadas durante esta fase.
A primeira delas diz respeito à mutabilidade do plano de recuperação judicial, prevalecendo, como regra, o entendimento no sentido de que o plano de recuperação judicial não pode sofrer alterações depois de homologado em juízo.
Nesse sentido, é a orientação que se colhe da jurisprudência da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme se verifica através do seguinte Aresto:
RECUPERAÇÃO JUDICIAL. BENEFÍCIO CONCEDIDO A CREDORES ESTRATÉGICOS E PARCEIROS. Possibilidade. Credores que permanecem como fornecedores das recuperandas. Garantia constitucional da igualdade substancial. Princípios da preservação da empresa e de sua função social. Efetivação. Artigo 47 da
Lei nº 11.101/05. Precedente. Recurso não provido, neste ponto.
SUSPENSÃO DE AÇÕES E EXECUÇÕES AJUIZADAS EM FACE DOS DEVEDORES SOLIDÁRIOS. Inadmissibilidade, na espécie. Agravante que votou pela rejeição do plano, em especial quanto à cláusula de extensão dos efeitos da recuperação aos fiadores, avalistas e demais garantidores das recuperandas. Ineficácia da cláusula em relação ao Agravante. Precedente. Recurso provido, neste ponto.
LIVRE ALIENAÇÃO DE BENS DAS RECUPERANDAS. Inteligência de cláusula do Plano que permite a alienação de bens. Inexistência de ofensa ao disposto no artigo 66 da Lei nº. 11.101/05. Recurso não provido, neste ponto.
ALTERAÇÃO DO PLANO APÓS HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL. Impossibilidade, pena de violação do artigo 48, II e III, da Lei nº. 11.101/05. Qualquer alteração do plano de recuperação, após a sua homologação, deve ser compreendida como mera concessão individual do credor aderente. Inadmissível sua extensão aos credores ausentes e aos presentes que se oponham à modificação do plano. Nulidade da cláusula. Recurso provido, neste ponto.
CONVOLAÇÃO DA RECUPERAÇÃO EM FALÊNCIA. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO. O descumprimento de qualquer obrigação prevista no plano de recuperação acarreta a convolação da recuperação em falência. Inteligência do artigo 61, § 1º, da LRF. Inexigibilidade de prévia convocação da Assembleia Geral de Credores para deliberação. Nulidade da cláusula. Recurso provido, neste ponto. Recurso parcialmente provido. (Agravo de Instrumento nº 0014816-36.2013, Relator Desembargador Tasso Duarte de Melo, recurso julgado em 09/12/2013, por votação unânime).
Por outro lado, o posicionamento doutrinário inclina-se no sentido de defender a efetiva possibilidade de modificação do plano de recuperação judicial, desde que comprovada à alteração da condição econômico-financeira da sociedade empresária devedora.
Fervoroso defensor deste posicionamento, Fabio Ulhoa Coelho é imperativo ao dizer que:
Não pode, porém, a lei ignorar a hipótese de revisão do plano de recuperação, sempre que a condição econômico-financeira da sociedade devedora passar por considerável mudança. Nesse caso, admite-se o aditamento do plano de recuperação judicial, mediante retificação pela Assembleia dos Credores. A retificação está sujeita ao mesmo quórum qualificado de deliberação previsto para aprovação do plano original. Se pretender o aditamento, a sociedade beneficiada deve aduzir requerimento acompanhado da exposição circunstanciada dos fatos que fundamentam a revisão do plano. (Ob.cit., pag.449).
Na esteira desse raciocínio, bastante pertinente transcrever V.Aresto emanado da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferido no julgamento do Recurso de Agravo de Instrumento nº 0175337-86.2012, e que foi relatado pelo Desembargador Francisco Loureiro, cujo julgamento se deu em 11/12/2012, por votação unânime, e que assim diz:
RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Homologação de alteração de plano de recuperação judicial. Alteração aprovada por esmagadora maioria dos credores, com concordância do
administrador judicial e do Promotor de Justiça. Impugnação de credor que não demonstra, de modo objetivo, qual a ilegalidade da alteração. Possibilidade da criação de tratamento diferenciado dentro da mesma classe de credores, desde que observados princípios da razoabilidade e da boa-fé objetiva. Recurso improvido. (Agravo de Instrumento nº 0175337-86.2012, Relator Desembargador Francisco Loureiro, recurso julgado em 11/12/2012, por votação unânime).
A segunda questão que também se mostra relevante nesta fase é aquela que diz respeito à personalidade jurídica da empresa em recuperação. Ao contrário do que poderia se pensar a sociedade empresária em recuperação judicial não tem suprimida sua personalidade jurídica.
Como bem destaca Coelho (2011), a única restrição que recai sobre a personalidade jurídica da sociedade empresária em recuperação judicial diz respeito aos atos de alienação ou oneração de bens ou direitos do ativo permanente, que somente poderão ser praticados se indispensáveis à recuperação judicial, sendo presumida sua relevância em termos absolutos caso previsto no plano de recuperação judicial, e devidamente aprovado em juízo.
Em razão do disposto no Art. 69, da Lei 11.101/2005[29], durante toda a fase de execução, a sociedade empresária deverá acrescer ao seu nome empresarial a expressão “em recuperação judicial”, para permitir que todos que com ela se relacionem tenha conhecimento de sua atual situação jurídica.
Comentando este dispositivo legal, Manoel Justino Bezerra Filho, assevera que:
À semelhança do que determina o art. 191, este artigo também determina que o devedor faça constar, após o nome empresarial, a expressão que esclarece o fato de estar em recuperação judicial. Essa providência é de boa cautela, pois visa dar conhecimento imediato ao terceiro, que está negociando com o devedor, da situação na qual este se acha naquele momento.
Para o fim previsto no parágrafo único, o juiz deve determinar a expedição de ofício à Junta Comercial, quando prolatar a decisão prevista no art.52. (Ob. cit., pag. 188).
Por fim, destaca-se a importância do tema correspondente à administração da sociedade empresária beneficiada pela recuperação judicial, sendo que, em princípio, continuará sob a direção de seus administradores eleitos, salvo se o plano de recuperação estabelecer a reestruturação da administração, ou ainda na hipótese dos administradores incorrerem em conduta indevida[30].
A este respeito, Marcelo M. Bertoldi e Marcia Carla Pereira Ribeiro esclarecem que:
Já que os administradores serão mantidos, como regra, na condução da empresa, não há a incidência de normas que venham a interferir nos direitos e deveres dos administradores, salvo o acompanhamento do exercício de sua atividade por parte do administrador judicial, do Comitê de Credores, do juiz e do Ministério Público, além da restrição à alienação de bens que integrem o ativo permanente da empresa. (Ob. cit., pag. 557).
De ver, portanto, que durante o procedimento de recuperação judicial, o devedor ou seus administradores serão mantidos na condução da atividade empresarial, sob a fiscalização do Comitê de Credores, se houver, e do administrador judicial, salvo se qualquer deles houver sido condenado em sentença penal transitada em julgado por crime cometido em recuperação judicial ou falência anteriores ou por crime contra o patrimônio, a economia popular ou a ordem econômica previstos na legislação vigente, houver indícios veementes de ter cometido crime previsto na Lei de Recuperação e Falência, houver agido com dolo, simulação ou fraude contra os interesses de seus credores, houver praticado condutas destinada ao injustificado esvaziamento de seu patrimônio.
Prosseguindo para a etapa final do processo de recuperação judicial verifica-se que a legislação em questão prevê duas hipóteses de encerramento da fase de execução, sendo a primeira delas atingida caso ocorra o integral cumprimento do plano de recuperação, e a segunda em razão do pedido de desistência da devedora beneficiada.
Nesse tocante, Fabio Ulhoa Coelho é taxativo ao prescrever que:
De duas formas diferentes se encerra a fase de execução do processo de recuperação judicial. A primeira corresponde ao cumprimento do plano de recuperação no prazo de até 2 anos. Nesse caso, o juiz profere a sentença de encerramento, determinando a quitação dos honorários do administrador judicial e das custas remanescentes, a apresentação em 15 dias de relatório do administrador judicial, a dissolução dos órgãos auxiliares da recuperação judicial e a comunicação à Junta Comercial do término do processo. A segunda decorre de pedido de desistência da devedora beneficiada, que poderá ser apresentada a qualquer tempo e está sempre sujeita à aprovação pela Assembleia Geral dos Credores. (Ob. cit., pag. 451).
Diga-se, por fim, que na hipótese do devedor descumprir o plano de recuperação judicial, durante o período previsto de 2 (dois) anos, ocorrerá a convolação em falência, com o natural encerramento da recuperação judicial, sendo esta a advertência destacada por Ricardo Negrão que assim se pronuncia:
O devedor permanece em estado de recuperação judicial por dois anos, contados da data de concessão, devendo, nesse período, cumprir as obrigações previstas no plano aprovado.
Durante este biênio, o descumprimento de qualquer cláusula acarreta a convolação em falência. Se cumpridas as obrigações, o magistrado proferirá sentença, decretando o encerramento da recuperação judicial e determinando (LRF, art.63): I - o pagamento do saldo de honorários ao administrador judicial; II – a apuração do saldo das custas judiciais a serem recolhidas; III – a apresentação de relatório circunstanciado do administrador judicial, no prazo máximo de quinze dias, versando sobre a execução do plano de recuperação pelo devedor; IV – a dissolução do Comitê de Credores e a exoneração do administrador judicial; V – a comunicação ao Registro Público de Empresas para as providências cabíveis.
Depois de decorrido o biênio, se o devedor deixar de cumprir obrigação prevista no plano de recuperação, não cabe providência no âmbito da universalidade de credores, mas execução individual, em processo autônomo, ou pedido de falência do devedor, nos termos do art. 94, III, g. (Ob. cit., pag. 245).
Por outro lado, uma vez cumpridas as obrigações vencidas no prazo previsto no caput do art. 61 da lei em comento, o juiz decretará por sentença o encerramento da recuperação judicial, e determinará o pagamento do saldo de honorários ao administrador judicial, somente podendo efetuar a quitação dessas obrigações mediante prestação de contas, no prazo de 30 (trinta) dias, a apuração do saldo das custas judiciais a serem recolhidas, a apresentação de relatório circunstanciado do administrador judicial, no prazo máximo de 15 (quinze) dias, versando sobre a execução do plano de recuperação pelo devedor, a dissolução do Comitê de Credores e a exoneração do administrador judicial, e por fim, a comunicação ao Registro Público de Empresas para as providências cabíveis.
CAPÍTULO IV. O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Sabe-se que atualmente um dos grandes desafios do direito empresarial brasileiro consiste na sua revitalização, de sorte a se ajustar a legislação vigente ao novo momento econômico de nosso País.
Nesse sentido é a bandeira defendida por Fabio Ulhoa Coelho, que a respeito desta necessária, e cada vez mais urgente exigência de mudança de paradigmas, assevera com pena de ouro que:
Está em curso, no Brasil, um pungente movimento de revitalização do direito comercial. O seu motor de propulsão é fácil de identificar: a maturação do processo de desenvolvimento econômico.
Nosso país, após um sólido e frutífero programa de estabilização da moeda e de ajuste da presença estatal nas atividades econômicas (na última década do século passado), bem como de importantes medidas de inclusão social e redução da pobreza (na primeira década deste século), subiu vários degraus na escalada do desenvolvimento econômico. Foi o último país a entrar e o primeiro a sair da grande crise do capitalismo de 2008. Atrai a atenção de investidores de todo o mundo e vê os indicadores das agências de risco apontando a construção de um consistente ambiente para os negócios. Sediará as duas mais importantes competições esportivas (Copa do Mundo de Futebol, em 2014, e Olimpíadas, em 2016), que correspondem, juntamente com as exposições internacionais, a elementos simbólicos fortemente associados ao reconhecimento mundial de redefinições das posições econômicas.
A nova posição econômica demanda um novo direito comercial.
Este processo de revitalização da disciplina jurídica das relações entre os empresários atende, assim, a uma necessidade do Brasil, de ajustar o arcabouço legislativo ao seu novo momento econômico. É do interesse nacional, assim, que o nosso direito comercial se modernize e se fortaleça, na busca das soluções específicas para os temas da nossa realidade.
A revitalização do direito comercial é uma questão brasileira, e não global. Embora alguns outros países também possam se defrontar com idêntico desafio de ajustar o ordenamento legal às novas demandas de mudança significativas na economia (como parece ser, por exemplo, o caso da Ucrânia, ao aprovar seu primeiro Código Comercial, em 2003), cada um deve procurar os caminhos tipicamente nacionais, com respeito à cultura jurídica de seu povo. (2012, pag.11-12).
Também críticos da necessária reestruturação do arcabouço jurídico direcionador da atividade empresarial, Maidame e Alvarenga (2012, passim) destacam a importância da empresa como principal fonte econômica do país, isto em razão da produção de renda, consumo e desenvolvimento, características estas que, segundo sustentam, deva implicar na gradual redução da intervenção do Estado na atividade privada, através de uma legislação que imponha maior responsabilização dos deveres e obrigações atribuídas ao empresário.
Sob este aspecto, necessário acrescentar que a diminuição da intervenção estatal não deva se dar ao ponto de implicar no seu absoluto afastamento, uma vez que o princípio da livre iniciativa privada, nem mesmo em sua origem, consagrava a irrestrita liberdade de iniciativa econômica, sendo esta a observação anotada pelo ilustre professor Eros Roberto Grau, que assim pontifica:
Uma das faces da livre iniciativa se expõe como liberdade econômica, ou liberdade de iniciativa econômica, cujo titular é a empresa. O princípio da liberdade de iniciativa econômica – originariamente postulado no édito de Turgot, de 9 de fevereiro de 1776 – inscreve-se plenamente no decreto d’Allarde, de 2-17 março de 1791, cujo art. 7º determinava que, a partir de 1º de abril daquele ano, seria livre a qualquer pessoa a realização de qualquer negócio ou exercício de qualquer profissão, arte ou ofício que lhe aprouvesse, sendo contudo ela obrigada a se munir previamente de uma “patente” (imposto direto), a pagar as taxas exigíveis e a se sujeitar aos regulamentos de polícia aplicáveis. Meses após, na chamada Lei Le Chapelier – decreto de 14-17 de junho de 1791 – que proíbe todas as espécies de corporações, o princípio é reiterado. Vê-se para logo, nestas condições, que no princípio, nem mesmo em sua origem, se consagrava a liberdade absoluta de iniciativa econômica. Vale dizer: a visão de um Estado inteiramente omisso, no liberalismo, em relação à iniciativa econômica privada, é expressão pura e exclusiva de um tipo ideal. Pois medidas de polícia já eram, neste estágio, quando o princípio tinha o sentido de assegurar a defesa dos agentes econômicos contra o Estado e contra as corporações, a ele impostas. (2013, pag.1792).
Na sequencia, Maidame e Alvarenga (Ob.cit.), também destacam a necessária constitucionalização do direito empresarial, através da sua releitura com base na chamada Teoria dos Direitos Fundamentais, de sorte a se elevar o direito daqueles que exploram atividade econômica, bem como dos agentes que com eles se relacionam, à categoria jurídica de direitos subjetivos pétreos, de sorte a obterem efetiva imunização contra o constituinte reformador[31].
Por fim, sustentam a indispensável autonomia do direito empresarial em relação ao direito civil, isto em razão de contar com normas, princípios e institutos jurídicos próprios, o que lhe atribui autonomia científica e didática, máxime diante da dinâmica do mercado, caracterizado pela celeridade, especulação, especialização técnica, circulação dos bens em escala e globalização.
No que diz respeito ao direito processual civil, podemos dizer que o direito empresarial brasileiro também deva a ele se amoldar, seja por intermédio de sua adequação aos seculares técnicas destinadas à efetivação da tutela jurisdicional, ou ainda pelos contemporâneos instrumentos dirigidos à satisfação da chamada tutela de urgência.
Nesse ponto, destaca-se também importância do necessário respeito do princípio do contraditório, durante o chamado processo civil empresarial, uma vez que o Estado Democrático de Direito assegura que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (CF/1988, art.5º, LIV), devendo, portanto, a norma em questão ser igualmente aplicada à propriedade empresarial, uma vez que o conceito de propriedade privada adotado pelo legislador constitucional, não deva ser interpretado de maneira limitada, mas de forma ampla para também contemplar as inúmeras relações de índole patrimonial desenvolvidas em sociedade.
A respeito disso, se mostram pontuais os comentários do grandioso jurista, e também Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Ferreira Mendes, ao afirmar que:
O conceito de propriedade sofreu profunda alteração no século passado. A propriedade privada tradicional perdeu muito do seu significado como elemento fundamental destinado a assegurar a subsistência individual e o poder de autoderminação como fator básico da ordem social. Como observado por Hesse, a base da subsistência e do poder de autodeterminação do homem moderno não é mais a propriedade privada em sentido tradicional, mas o próprio trabalho e o sistema previdenciário e assistencial instituído e gerido pelo Estado.
Essa evolução fez com que o conceito constitucional de direito de propriedade se desvinculasse, pouco a pouco, do conteúdo eminentemente civilístico de que era dotado.
Já sob o império da Constituição de Weimar passou-se a admitir que a garantia do direito de propriedade deveria abranger não só a propriedade sobre bens móveis ou imóveis, mas também os demais valores patrimoniais, incluídas aqui as diversas situações de índole patrimonial, decorrentes de relações de direito privado ou não.
Essa mudança da função da propriedade foi fundamental para o abandono da ideia da necessária identificação entre o conceito civilístico e o conceito constitucional de propriedade.
Ao revés, essencial para a definição e qualificação passa a ser a “utilidade privada” (Privatnutzigkeit) do direito patrimonial para o indivíduo, isto é, a relação desse direito patrimonial com o titular. Vê-se, assim, que o conceito constitucional de proteção ao direito de propriedade transcende à concepção privatística estrita, abarcando outros valores de índole patrimonial, como as pretensões salariais e as participações societárias. Em rigor, trata-se de especificações do direito de propriedade no sentido em que Bobbio fala de especificações (novas) dos direitos fundamentais.
Essa orientação permite que se confira proteção constitucional não só à propriedade privada em sentido estrito, mas, fundamentalmente, às demais relações de índole patrimonial. Vê-se que esse conceito constitucional de propriedade contempla as hipotecas, penhores, depósitos bancários, pretensões salariais, ações, participações societárias, direitos de patente e de marcas etc.
Teria esse entendimento validade no ordenamento constitucional brasileiro?
A resposta há de ser afirmativa. (2012, pag.368).
E na sequencia, prossegue seu raciocínio dizendo, de maneira extremamente brilhante que:
Nos seus comentários à Constituição de 1967/69, já assinalava Pontes de Miranda:
“‘Propriedade’, no sentido do texto, exige a realidade do direito, ou ‘propriedade’, no sentido da Constituição brasileira de 1967, abrange todos os bens patrimoniais? A questão é mais grave do que se pensa. Se a segunda opinião é que é a verdadeira e é a dominante (Martin Wolff, Reichsverfassung und Eigentum, 3), o legislador não é obrigado a manter o conceito de propriedade real, e todos os direitos patrimoniais poderiam passar a ser reais. Mais ainda: não se poderiam ‘desapropriar’ créditos pessoais ou direitos formativos geradores, modificativos ou extintivos, sem observância do art.153, §22. Se a primeira opinião é que é a verdadeira, e foi a de “. Schelcher (Eigentum und Enteignung, Fischers Zeitschrift, 60, 193 s.), então, sim, o legislador não só seria obrigado a manter também a realidade dos direitos tidos hoje como propriedade (direitos reais), como sendo mínimo. A verdadeira interpretação é a que vê em ‘propriedade’, no art. 153, §22, propriedade individual, no mais largo sentido; e de modo nenhum se exclui a desapropriação dos bens que não consistam em direitos reais”.
Não existem razões que recomendem a necessidade de mudança de orientação na ordem constitucional de 1988. (Ob. cit., pag.369-370).
Na sequencia conclui dizendo que:
De resto, essa orientação corresponde ao entendimento assente na moderna doutrina constitucional.
É o que afirma, igualmente, Celso Bastos em suas anotações sobre o Texto de 1998:
“O conceito constitucional de propriedade é mais lato do que aquele de que se serve o direito privado. É que do ponto de vista da Lei Maior tornou-se necessário estender a mesma proteção, que, no início, só se conferia à relação do homem com as coisas, à titularidade da exploração de inventos e criações artísticas de obras literárias e até mesmo a direitos em geral que hoje não o são à medida que haja uma devida indenização de sua expressão econômica”.
É evidente que a propriedade, nos termos do art.5º, XXII, da Constituição, há de compreender aquilo que a ordem jurídica ordinária designa como tal.
Tal orientação não impede que outras situações jurídicas possam vir a ser abrangidas por esse conceito, obtendo assim, a proteção constitucional devida. Daí observam Pieroth e Schilink que “as alterações do direito ordinário pertinentes à propriedade revelam-se, a um só tempo, como conteúdo e limite do direito”.
Assim, embora integre o conceito de propriedade a definição constante da legislação civil, é crto que a garantia constitucional da propriedade abrange não só os bens móveis ou imóveis, mas também outros valores patrimoniais.
No direito alemão, entende-se que o conceito de propriedade compreende direito de construção, títulos com juros prefixados, ações, licença de exploração mineral, direitos autorais, direitos de marcas e patentes, domínio na internet, créditos privados e o direito de posse do locatário. (Ob.cit., pag.370).
É bem por isso que durante a chamada fase postulatória do procedimento de recuperação judicial, o princípio do contraditório deva incidir, por exemplo, para melhor exame pelo juiz do pedido de convolação da recuperação judicial em falência, sob o fundamento da ocorrência de fraude imputada ao administrador da empresa devedora.
Nota-se que tal posição conta com forte aceitação na jurisprudência pátria, conforme se verifica através da leitura do V.Aresto emanado da Câmara Reservada à Falência e Recuperação do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferida no julgado julgamento do Recurso de Agravo de Instrumento nº 0022277-30, e que foi relatado pelo Desembargador Pereira Calças, cujo julgamento se deu em 31/05/2011, e que assim definiu a questão:.
Agravo. Decisão que convola recuperação judicial em falência, sob o fundamento de fraude imputada ao principal acionista da companhia devedora. Increpação de fraude ao
controlador da empresa que pretendia adquirir o controle da recuperanda. Decisão baseada em prova emprestada de procedimento administrativo criminal. Inobservância dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Violação ao art. 5º, LIV e LV, da Constituição Federal. Inadmissível o uso de "prova emprestada" (escuta telefônica autorizada judicialmente), sem observância do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. Nulidade da sentença reconhecida. Agravo provido para revogar a sentença de falência e restabelecer o processamento da recuperação judicial.
Em relação à fase deliberativa, também deva ser respeitado o princípio do contraditório durante a ocorrência de eventuais objeções apresentadas pelos credores ao plano de recuperação judicial, isto em razão da necessária apresentação de justificativas plausíveis que indiquem sua rejeição, a fim de permitir a deliberação do plano pela Assembleia Geral de Credores, nos termos em que definido pelo art. 56 da Lei 11.101/2005.
Neste sentido, Ivan Lorena Vitale Junior observa que:
A objeção não se reveste num caráter de contestação, é apenas uma manifestação de credor discordando do plano. Ela deve ser justificada pelo credor, sob pena de indeferimento. Deve-se justificar por que não concorda com o plano apresentado. O mérito da discordância não é objeto em que o juiz poderá decidir, o credor tem apenas a obrigação de justificar.
Entendemos que as objeções não são privativas de advogados, o credor ou representante legal poderá fazê-la. Evidentemente que a sua confecção por advogado tende a ser mais técnica e elaborada sob o ponto de vista jurídico, mas não que seja obrigatória sua presença neste ato processual.
Caso não exista objeção de credor, o juiz concederá a recuperação judicial, mencionada no caput do art. 58 da lei. A lei deixa implícito que, como não houve objeção, se presume que todos os credores estão de acordo com o plano; desta forma, deve ser concedida a recuperação judicial.
No entanto, havendo objeção de qualquer credor ao plano de recuperação judicial o juiz convocará a assembleia geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação (art. 56 ). (2012, pag. 382).
Interessante anotarmos a existência de julgado proferido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no qual identificamos a prevalência desse entendimento, sendo caso de se transcrever ementa do V.Aresto emanado da Câmara Reservada à Falência e Recuperação, proferida no julgamento do Recurso de Agravo de Instrumento nº 0300694-81.2009, que foi relatado pelo Desembargador Lino Machado, cujo julgamento se deu em 23/08/2011, e que assim diz:
Agravo de Instrumento - Recuperação Judicial - Violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa Inexistência - Impugnação de crédito - Bônus de adimplência se ocorrer o pagamento tempestivo das prestações assumidas.
Não configurada ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, não se há de anular a decisão agravada - Não cabe ao juiz da recuperação judicial dizer se o contrato será devidamente cumprido pelas devedoras e se elas farão jus ao bônus contratualmente pactuado, ou decorrente de lei, razão pela qual deve ser mantido o crédito da União na sua íntegra, mas sem prejuízo do direito ao bônus que as devedoras tenham se pagarem tempestivamente as prestações às quais se obrigaram.
Agravo provido em parte.
Já em relação a terceira e última fase do processo de recuperação judicial da empresa em crise, podemos destacar ainda a importância do princípio do contraditório, no eventual reconhecimento da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade em recuperação judicial, para atingir o patrimônio particular dos sócios.
Nesse sentido, inclusive, já decidiu a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento do Recurso de Agravo de Instrumento nº 0099935-96.2012, que foi relatado pelo Desembargador Pereira Calças, conforme julgamento ocorrido em 26/06/2012, que:
Agravo de Instrumento. Recuperação judicial. A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade em recuperação judicial, para atingir o patrimônio particular de sócios de responsabilidade limitada, pode ser declarada incidentalmente, desde que observada a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal (art. 50 do Código
Civil). Não observados os princípios constitucionais, impõe-se a revogação da ordem de indisponibilidade dos bens particulares dos sócios. Recurso prejudicado, em parte, em razão do deferimento do processamento conjunto da recuperação judicial das empresas
agravantes. Agravo conhecido, em parte, e provido na parte conhecida.
De ver, portanto, que tal questão se mostra extremamente relevante, em razão do entendimento pacificado junto ao Colendo Superior Tribunal de Justiça, no sentido de se admitir a declaração incidental da consagrada “Teoria da Disregard of Legal Entity”, inclusive no próprio bojo do processo falimentar.
Na esteira desse raciocínio, bastante pertinente transcrever V.Aresto emanado da Quarta Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça, proferido no julgamento do Recurso Especial nº 1180714-RJ, e que foi relatado pela Ministro Luis Felipe Salomão, cujo julgamento se deu em 05/04/2011, por votação unânime, e que assim diz:
DIREITO CIVIL E COMERCIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SEMELHANÇA COM AS AÇÕES REVOCATÓRIA FALENCIAL E PAULIANA. INEXISTÊNCIA. PRAZO DECADENCIAL. AUSÊNCIA. DIREITO POTESTATIVO QUE NÃO SE EXTINGUE PELO NÃO-USO. DEFERIMENTO DA MEDIDA NOS AUTOS DA FALÊNCIA. POSSIBILIDADE. AÇÃO DE RESPONSABILIZAÇÃO SOCIETÁRIA. INSTITUTO DIVERSO. EXTENSÃO DA DISREGARD A EX-SÓCIOS. VIABILIDADE.
1. A desconsideração da personalidade jurídica não se assemelha à ação revocatória falencial ou à ação pauliana, seja em suas causas justificadoras, seja em suas consequências. A primeira (revocatória) visa ao reconhecimento de ineficácia de determinado negócio jurídico tido como suspeito, e a segunda (pauliana) à invalidação de ato praticado em fraude a credores, servindo ambos os instrumentos como espécies de interditos restitutórios, no desiderato de devolver à massa, falida ou insolvente, os bens necessários ao adimplemento dos credores, agora em igualdade de condições (arts. 129 e 130 da Lei n.º 11.101/05 e art. 165 do Código Civil de 2002).
2. A desconsideração da personalidade jurídica, a sua vez, é técnica consistente não na ineficácia ou invalidade de negócios jurídicos celebrados pela empresa, mas na ineficácia relativa da própria pessoa jurídica - rectius, ineficácia do contrato ou estatuto social da empresa -, frente a credores cujos direitos não são satisfeitos, mercê da autonomia patrimonial criada pelos atos constitutivos da sociedade.
3. Com efeito, descabe, por ampliação ou analogia, sem qualquer previsão legal, trazer para a desconsideração da personalidade jurídica os prazos decadenciais para o ajuizamento das ações revocatória falencial e pauliana.
4. Relativamente aos direitos potestativos para cujo exercício a lei não vislumbrou necessidade de prazo especial, prevalece a regra geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade, segundo a qual os direitos não se extinguem pelo não-uso. Assim, à míngua de previsão legal, o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, quando preenchidos os requisitos da medida, poderá ser realizado a qualquer momento.
5. A superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente processual e não como um processo incidente, razão pela qual pode ser deferida nos próprios autos da falência, nos termos da jurisprudência sedimentada do STJ.
6. Não há como confundir a ação de responsabilidade dos sócios e administradores da sociedade falida (art. 6º do Decreto-lei n.º 7.661/45 e art. 82 da Lei n.º 11.101/05) com a desconsideração da personalidade jurídica da empresa. Na primeira, não há um sujeito oculto, ao contrário, é plenamente identificável e evidente, e sua ação infringe seus próprios deveres de sócio/administrador, ao passo que na segunda, supera-se a personalidade jurídica sob cujo manto se escondia a pessoa oculta, exatamente para evidenciá-la como verdadeira beneficiária dos atos fraudulentos. Ou seja, a ação de responsabilização societária, em regra, é medida que visa ao ressarcimento da sociedade por atos próprios dos sócios/administradores, ao passo que a desconsideração visa ao ressarcimento de credores por atos da sociedade, em benefício da pessoa oculta.
7. Em sede de processo falimentar, não há como a desconsideração da personalidade jurídica atingir somente as obrigações contraídas pela sociedade antes da saída dos sócios. Reconhecendo o acórdão recorrido que os atos fraudulentos, praticados quando os recorrentes ainda faziam parte da sociedade, foram causadores do estado de insolvência e esvaziamento patrimonial por que passa a falida, a superação da pessoa jurídica tem o condão de estender aos sócios a responsabilidade pelos créditos habilitados, de forma a solvê-los de acordo com os princípios próprios do direito falimentar, sobretudo aquele que impõe igualdade de condição entre os credores (par conditio creditorum), na ordem de preferência imposta pela lei.
8. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.
Além dos casos já apreciados pelas Cortes Superiores, podemos citar também a impugnação à nomeação do Administrador Judicial, ou sua destituição, bem como a eventual modificação de seus respectivos honorários, como de indispensável observância ao princípio do contraditório, posto que esta importante figura, que desenvolve ao longo do processo de recuperação judicial, tanto atividades administrativas, quanto judiciais, deva ter a oportunidade de apresentar sua oposição aos argumentos que lhe são dirigidos de maneira desfavorável.
A propósito disso Wilges Bruscato adverte:
Em sendo assim, podemos afirmar, sem vacilar, que o princípio do contraditório deva ser observado no processo de recuperação judicial, sem qualquer restrição, sob pena de ofensa a norma constitucional que garante o pleno respeito a este secular princípio de ordem processual.
CONCLUSÃO.
O trabalho teve como finalidade demonstrar a necessária aplicação do princípio do contraditório no processo de recuperação judicial.
Inicialmente partimos da abordagem genérica do princípio jurídico, de modo a verificarmos sua importância para o sistema jurídico pátrio. Em seguida apontamos considerações sobre as distinções existentes entre princípios e regras jurídicas, para em seguida, apresentarmos a classificação dos princípios, tal como indicada pela doutrina.
No capítulo seguinte desenvolvemos uma análise histórica do princípio do contraditório, buscando, ainda, apresentar seu conceito e finalidade para o processo civil, além de demonstrarmos os elementos identificadores de sua natureza jurídica. Atribuirmos ao princípio do contraditório, natureza de princípio fundamental, haja vista a inadmissibilidade de exceções, posto que destinada a assegurar a defesa pelas partes antes que o juiz pronuncie o seu julgamento.
Nesta parte do trabalho abordamos a temática pertinente à necessária participação das partes no processo, a fim de que seja respeitado o princípio em questão. Nossa pesquisa permitiu conduzir à conclusão de que tal participação se mostre desnecessária, uma vez que condicionar a efetiva atuação da parte nos autos, como exigência necessária ao reconhecimento do contraditório, não se mostra sadio para o atual estágio da ciência processual, cujas preocupações se voltam ao alcance da efetividade do processo.
Ao vincularmos a garantia do contraditório, ao princípio da igualdade das partes, defendemos como legítimas as previsões constantes do Código de Processo Civil que permitem o desnivelamento do tratamento dispensados aos participantes da relação de direito processual, fundamentado nossas conclusões no princípio da instrumentalidade do processo.
Esclarecemos, também, que o conceito de parte não deva se dar de forma restrita, posto que não limitado o contraditório apenas entre autor e réu, devendo ser assegurado também ao litisdenunciado, opoente, chamado ao processo, assim como também ao assistente litisconsorcial e simples, bem como ao Ministério Público, ainda quando atue na função de fiscal da lei.
Ainda em relação aos seus destinatários, sustentamos que a garantia da audiência bilateral não se endereça apenas às partes, mas também ao juiz, isto porque, através do contraditório, passa o magistrado a tomar conhecimento das versões antagônicas apresentadas de parte a parte, devendo, em razão disso, manifestar-se de forma expressa suas decisões.
Avançando nossa pesquisa abordamos a controvertida questão envolvendo os pressupostos processuais, momento em que nos apoiamos nas lições de inúmeros doutrinadores para defendemos que o contraditório se constitui em pressuposto de validade da relação jurídica processual, sendo que, inclusive, não descartamos a possibilidade de processo válido, muito embora ausente o contraditório.
Ao final do segundo capítulo concluímos que o princípio do contraditório se revela necessário à garantia dos valores mínimos indispensáveis ao pleno desenvolvimento da pessoa humana em condições dignas de subsistência.
No terceiro capítulo do nosso trabalho voltamos nossas atenções para o processo de recuperação judicial. De inicio, abordamos a origem da atividade empresarial, a empresa em crise e sua recuperação judicial. Para isso fizemos importantíssimas considerações sobre a origem e evolução do direito empresarial no decorrer do tempo, até chegarmos ao atual estágio do conceito de empresa, sob a perspectiva de um fenômeno poliédrico.
Na sequencia verificamos as inúmeras circunstâncias que conduzem à chamada crise empresarial, momento em que pudemos constatar que o insucesso empresarial não deva estar associado à figura do empreendedor inábil ou ardiloso, posto que resultante de ideais preconcebidas e ofensivas ao princípio da dignidade da pessoa humana, conforme preconizado pela Constituição Federal de 1988.
Em seguida focamos a mudança de paradigmas existente entre a revogada lei falimentar, e a atual lei que disciplina a recuperação da empesa em crise. Neste ponto, podemos constatar que as principais mudanças trazidas pela Lei nº 11.101/2005, se mostram direcionadas à proteção jurídica do mercado, através da tentativa de manutenção da empresa que, em última análise, atua em benefício da sociedade, e implica no crescimento econômico do País. É bem por isso que destacamos a relevância dos princípios da preservação da empresa, da função social, e do estímulo da atividade econômica, como vetores interpretativos obrigatórios na condução do processo de recuperação judicial.
Depois dessas considerações destacamos as três fases que integram o processo de recuperação judicial, conforme estabelecido pela doutrina especializada, sem nos esquivarmos da responsabilidade de indicar suas nuances.
Em sendo assim, constatamos, já na primeira fase do processo de recuperação judicial, que se mostra voltada a postulação do pedido de recuperação judicial, o ponto de encontro existente entre a legislação processual civil e empresarial, uma vez que a Lei 11.101/2005 impõe a aplicação supletiva aos procedimentos nela previstos, das disposições contidas no Código de Processo Civil, daí porque, destacamos as hipóteses relativas às condições da ação e pressupostos processuais, bem como sua efetiva interpretação pelas inúmeras Cortes Superiores.
Posteriormente, ao analisarmos a segunda fase do processo de recuperação judicial, pela qual se dá a deliberação do plano de recuperação judicial, destacamos a discussão relativa à natureza jurídica do instituto da recuperação judicial, momento em que nos filiamos ao entendimento daqueles que defendem a sua natureza jurídica como ação, extraindo nossa conclusão da leitura contida no art.47, e seguintes da lei em questão.
Avançando nossa pesquisa pudemos identificar os prazos destinados à apresentação do plano, à convocação da Assembleia-Geral de Credores, e a suspensão das ações e execuções movimentadas pelos credores em desfavor da devedora.
Prosseguindo no desenvolvimento do nosso trabalho abordamos o conflito existente entre as classes de credores, e a efetiva possibilidade da aprovação extraordinária do plano de recuperação judicial, também conhecido como “Cram Down”, e que significa a possibilidade do juiz impor aos credores discordantes o plano apresentado pelo devedor e já aceito pela maioria. Neste ponto, abordamos, inclusive, a possibilidade da aplicação do “Cram Down”, na hipótese consistente na rejeição do plano manifestada por credor único de determinada classe, de modo a coibir o abuso de direito manifestado pelo credor minoritário.
Ao final deste capítulo abordamos a terceira e última etapa do processo de recuperação judicial, momento em que destacamos questões relativas à mutabilidade do plano de recuperação judicial que, conforme pudemos observar, admite sua modificação, de forma excepcional, a plena manutenção da personalidade jurídica da sociedade empresária devedora que, ao contrário do que poderia se pensar, não tem suprimida sua personalidade jurídica, e sua administração e eventual destituição de seus Administradores, o que, somente se dará, com a sua expressa previsão junto ao plano de recuperação judicial, ou nas taxativas hipóteses previstas na legislação em comento.
No quarto e último capítulo do nosso estudo buscamos conciliar o princípio do contraditório no processo de recuperação judicial. Para atingirmos tal desiderato iniciamos nossa abordagem a partir da visão que apregoa a necessária revitalização do direito empresarial brasileiro, notadamente no que diz respeito à reestruturação do arcabouço jurídico direcionador da atividade empresarial.
Em sendo assim, constatamos o clamor da doutrina no que diz respeito à necessária redução da intervenção do Estado na atividade privada, o que deve se dar através de uma legislação que imponha maior responsabilização dos deveres e obrigações atribuídas ao empresário, bem como em relação à imprescindível constitucionalização do direito empresarial, através de sua releitura com base na chamada Teoria dos Direitos Fundamentais, identificando, também, o indispensável estudo autônomo do direito empresarial em relação ao direito civil, isto em razão da dinâmica do mercado, caracterizado pela celeridade, especulação, especialização técnica, circulação dos bens em escala e globalização.
No que diz respeito ao direito processual civil, identificamos que a revitalização do direito empresarial deverá se dar por intermédio de sua adequação as seculares técnicas destinadas à efetivação da tutela jurisdicional, ou ainda pelos contemporâneos instrumentos dirigidos à satisfação da chamada tutela de urgência.
Neste ponto, destacamos a importância do princípio do contraditório, durante o chamado processo civil empresarial, uma vez que o Estado Democrático de Direito assegura que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, devendo, portanto, a norma em questão ser igualmente aplicada à propriedade empresarial, uma vez que o conceito de propriedade privada adotado pelo legislador constitucional, não deva ser interpretado de maneira limitada, mas de forma ampla para também contemplar as inúmeras relações de índole patrimonial desenvolvidas em sociedade.
Diante disso buscamos apresentar a incidência do princípio do contraditório ao longo das etapas que integram o processo de recuperação judicial, através do estudo de casos já apreciados pelas Cortes Superiores, momento em que constatamos a irrestrita aplicação do princípio em questão.
Com base nestes esclarecimentos acreditamos que a abordagem que desenvolvemos ao longo do nosso trabalho, se mostrou adequada para destacar os principais pontos que dizem respeito ao princípio do contraditório no processo de recuperação judicial, contribuindo ainda, através das conclusões a que chegamos, com a adequada compreensão desta fundamental garantia constitucional.
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