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Fraude contra credores e fraudes à execução:

suas diferenças e respectivas consequências jurídicas

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Este estudo trata da definição e comparação entre três espécies bastante semelhantes de fraude, mas que possuem algumas diferenças elementares.

RESUMO

Este estudo trata da definição e comparação entre três espécies bastante semelhantes de fraude, mas com algumas diferenças elementares. Em caso de confusão, pode-se valer de meios judiciais indevidos, gerando, assim, consequências gravíssimas em relação à tutela jurisdicional. A fraude contra credores, prevista nos artigos 155 ao 168 do Código Civil, se configura sem que haja ação judicial pendente. É atacada por meio de ação própria, denominada ação pauliana, e, caso deferida, gera a anulação dos atos fraudulentos. Já a fraude à execução, prevista no artigo 593 do Código de Processo Civil, se configura quando já existe demanda judicial, independente de sua natureza, sendo atacada mediante ação incidental que, se deferida, gera a ineficácia dos atos fraudulentos. Por fim, o crime de fraude à execução, previsto no artigo 179 do Código Penal, se configura somente quando existe ação de execução em andamento. É processado mediante ação penal privada, devendo ser oferecida queixa-crime para que esta se inicie.

Palavras-chave: Fraude contra credores. Fraudes à execução. Meios judiciais. Consequências. Tutela jurisdicional.


1 INTRODUÇÃO

Diversas são as espécies de fraudes previstas pela legislação pátria. Com isso, o presente estudo não visa estudar todas elas, mas apenas três, que possuem enorme relevância jurídica, e, se não estudadas da forma correta, podem ser facilmente confundidas. São elas: fraude contra credores (artigos 158 ao 165 do Código Civil), fraude à execução (artigo 593 do Código de Processo Civil) e o crime de fraude à execução (artigo 179 do Código Penal).

A metodologia emprega nesta obra é o de compilação ou o bibliográfico, que consiste na exposição do pensamento de vários autores que escreveram sobre a matéria. Dessa forma, o tema será embasado em diversas e atualizadas legislações, doutrinas e jurisprudências, demonstrando não só o conteúdo teórico, mas também os efeitos no mundo prático-jurídico.

Diante do tema proposto, mister se faz levantar certas indagações, que serão respondidas no decorrer da pesquisa: O que é a fraude contra credores? O que são as fraudes à execução? Qual o momento de caracterização e configuração de cada uma delas? Quais as suas respectivas consequências jurídicas?

Vale dizer que pouquíssimos autores civilistas, penalistas e processualistas arriscam sair da matéria que dominam para melhor explicar tal assunto. Em decorrência dessa interdisciplinaridade, as instituições de ensino pouco se atêm em aprofundá-lo.

Com o intuito de diminuir tal omissão doutrinária e acadêmica, a presente pesquisa busca, humildemente, contribuir para uma maior lucidez da matéria, mesclando diferentes ramos do Direito e concentrando-os em um mesmo plano, facilitando a compreensão de todo o universo que gira entre os institutos em tela.


2 As espécies de fraude no ordenamento jurídico brasileiro

Várias são as espécies de fraudes, divididas pelos diversos corpos legais que formam a legislação pátria. Com isso, serão aprofundadas nesta obra apenas três delas. Porém, antes que se adentre ao tema específico, é fundamental que se estude alguns conceitos inerentes ao assunto.

2.1 Conceitos básicos

Cumpre dizer, inicialmente, que devedor insolvente é aquele que possui o passivo maior que seu ativo, isto é, seu patrimônio não é o suficiente para arcar com suas dívidas (GONÇALVES, 2012, p. 451).

Diferente do que ocorria nos tempos remotos – em que o indivíduo pagava com o seu próprio corpo/vida, tem-se, hoje, o entendimento de que o patrimônio responde pelas dívidas do devedor, isto é, funciona como uma verdadeira garantia da satisfação dos créditos. Tal fator tem aplicação no tocante aos credores quirografários, que são aqueles cujos créditos não possuem garantia real ou preferência legal. É o que ensina os professores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho:

O progresso material e espiritual dos povos consagrou o reconhecimento do princípio segundo o qual não a pessoa do devedor, mas o seu patrimônio, é a garantia da satisfação dos créditos. Portanto, a previsibilidade legal deste vício traduz um instrumento normativo de proteção conferido aos credores quirografários em geral (2012, p. 422).

Com esse raciocínio, chega-se a conclusão de que, ao diminuir bens de seu patrimônio, o devedor estaria dispondo de algo que, na verdade, não lhe pertence, mas sim a seus credores (VENOSA, 2012, p. 446).

Completa o doutrinador Alvino Lima que a ilicitude não está no meio, que, por si só, é lícito, mas sim na finalidade de causar dano a terceiros (1965, p. 29 apud VENOSA, 2012, p. 444).

Nos tópicos seguintes, dar-se-á início ao estudo das seguintes espécies de fraudes: fraude contra credores, fraude à execução e o crime de fraude à execução, respectivamente.

2.2 Fraude contra credores

A fraude contra credores está prevista nos artigos 158 ao 165 do Código Civil vigente, integrando o Capítulo IV, que trata dos defeitos do negócio jurídico, sendo, assim, considerada um vício social e não um vício de consentimento.

Vários são os conceitos dentre as diversas doutrinas que tratam do assunto. Para Carlos Roberto Gonçalves, fraude contra credores é “todo ato suscetível de diminuir ou onerar seu patrimônio, reduzindo ou eliminando a garantia que este representa para pagamento de suas dívidas, praticado por devedor insolvente, ou por ele reduzido à insolvência” (2012, p.451).

A principal diferença entre a fraude contra credores e as fraudes à execução está relacionada ao momento de sua ocorrência. Enquanto aquela se configura antes que haja demanda judicial, estas se configuram quando já existe ação. Sobre o assunto:

Enquanto na fraude contra credores o devedor insolvente antecipa-se, alienando ou onerando bens em detrimento dos seus credores, antes que estes intentem qualquer espécie de ação, na fraude de execução, mais grave por violar normas de ordem pública, o devedor já tem contra si processo judicial, capaz de reduzi-lo à insolvência, e, ainda assim, atua ilicitamente, alienando ou onerando o seu patrimônio, em prejuízo não apenas dos seus credores, mas do próprio processo, caracterizando reprovável atitude de desrespeito à Justiça (GAGLIANO;PAMPLONA FILHO, 2012, p. 426/427, grifo do autor).

São dois os elementos que compõe a fraude contra credores: eventus damni (objetivo), que significa o resultado do dano, e consilium fraudis (subjetivo), que significa o plano de fraudar.

O elemento objetivo, eventus damni, se refere ao prejuízo causado ao credor. Esse prejuízo nada mais é do que a insolvência do devedor que o impossibilita de satisfazer o seu crédito. Com isso, “verifica-se o eventus damni sempre que o ato for a causa do dano, tendo determinado a insolvência ou a agravado” (VENOSA, 2012, p. 448).

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Já o elemento subjetivo, consilium fraudis, se refere ao conluio fraudulento. O legislador optou por proteger o adquirente de boa-fé em desfavor dos interesses dos credores. Todavia, detectada a presença desse elemento subjetivo, caracterizar-se-á a fraude contra credores, sendo seus atos anuláveis (GONÇALVES, 2012, p.452).

Para que se configure o elemento subjetivo, não é imprescindível que o adquirente consinta com a intenção maliciosa do alienante perante seus credores (scientia fraudis), bastando a ciência de que este era ou passou a ser insolvente com o ato. É o posicionamento da professora Maria Helena Diniz:

Contudo, não mais se exige a scientia fraudis para anular o negócio gratuito ou remissão de dívida com fraude contra credores. Mesmo que o devedor, ou o beneficiário do contrato benéfico, transmitindo algo, ou do perdão do débito, ignore que tal ato reduzirá a garantia ou provocará a insolvência do devedor, esse negócio jurídico será suscetível de nulidade relativa (2012, p. 537).

Ensina Elpídio Donizetti “que a declaração da fraude contra credores requer o ajuizamento de ação própria (pauliana ou revocatória)” (2012, p. 935). E, no mesmo sentido, a autora Maria Helena Diniz afirma que “a fraude contra credores, que vicia o negócio de simples anulabilidade, somente é atacável por ação pauliana ou revocatória” (2012, p. 538, grifo nosso). Isso mostra a especificidade da referida ação, que é usada propriamente nesta única hipótese de fraude.

Muito se tem discutido doutrinariamente a respeito dos efeitos da sentença da ação pauliana. Muitos autores adotam o posicionamento de que ela declara a ineficácia dos atos fraudulentos, v.g. Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho e Carlos Roberto Gonçalves, com a justificativa de que, no caso prático, seria mais eficiente. Todavia, o Código Civil de 2002, em seu artigo 165, adotou, explicitamente, que essa sentença gerará a anulação destes atos.

Acrescenta-se que, antes mesmo do referido Código adotar a natureza anulatória, a doutrina tradicional já sustentava tal entendimento, como mostra o clássico autor Clóvis Beviláqua:

Esse remédio é a ação pauliana, revocatória ou rescisória, pela qual o credor obtém a anulação do ato que diminui a soma dos bens de seu devedor, para neles fazer execução, quando outros não existam em quantidade suficiente para a satisfação do débito (apud GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 425, grifo do autor).

Ante o exposto, tendo em vista o entendimento solidificado da natureza anulatória do ato fraudulento, necessário se faz demonstrar seus efeitos práticos. A autora Maria Helena Diniz assim sintetiza:

O principal efeito da ação pauliana é revogar o negócio lesivo aos interesses dos credores, repondo o bem no patrimônio do devedor, cancelando a garantia real concedida (CC, art. 165 e parágrafo único) em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores, possibilitando a efetivação do rateio, aproveitando a todos os credores e não apenas ao que a intentou (2012, p. 540).

Conclui-se, assim, que, uma vez caracterizada a existência da fraude contra credores, mediante uma sentença anulatória que põe fim à ação pauliana, os bens alienados fraudulentamente retornarão ao patrimônio do devedor, revogando-se os atos fraudulentos, o que beneficia a todos os credores.

Trataremos, a seguir, das fraudes à execução, que estão previstas no Código de Processo Civil e no Código Penal, havendo divergências elementares entre doutrinadores desta e daquela matéria.

2.3 Fraudes à execução

Este assunto será dividido em dois tópicos, um abordando o instituto do Código de Processo Civil e outro abordando o instituto do Código Penal, respectivamente.

2.3.1 Do Código de Processo Civil

Este instituto está previsto no artigo 593 do Código de Processo Civil. É entendido como o meio pelo qual o devedor, já insolvente ou que por razão deste o passa a ser, já havendo demanda judicial em relação ao débito, busca prejudicar o credor, impedindo que este tenha seu crédito satisfeito. É o que ensina o Juiz de Direito Wilson Leite Corrêa: “Fraude de execução é a alienação de bens pelo devedor, na pendencia de um processo capaz de reduzi-lo à insolvência, sem a reserva – em patrimônio – de bens suficientes à garantir o débito objeto de cobrança” (2012, online).

Devido ao nome do instituto, muitos são levados a pensar que o processo pendente no momento de sua configuração deve ser, necessariamente, de execução. Entretanto, não é o que prevalece na doutrina e jurisprudência, como demonstra os professores Daniel Assumpção Neves e Rodrigo da Cunha Lima Freire:

A demanda apontada no dispositivo ora comentado não é necessariamente de execução, sendo plenamente admissível que o ato de fraude à execução ocorra na constância do processo/fase de conhecimento ou mesmo cautelar, desde que se discuta nessa ação, de forma direta ou indireta, a dívida (2012, p. 593).

Digno de nota é o fato de que o dispositivo legal em análise tem como objetivo tão somente a tutela das relações jurídicas objeto de questionamento em juízo (SILVA, 2012, online). Ou seja, o Código de Processo Civil, diferentemente do Código Penal – será estudado no tópico seguinte – não visa, de forma imediata, a proteção do credor.

A doutrina e a jurisprudência, sem qualquer divergência relevante, apontam apenas um elemento imprescindível para a configuração da fraude à execução prevista no art. 593 do Código de Processo Civil: o eventum damni.

Entende-se que não há a necessidade do consilium fraudis. É o que ensinam os autores Daniel Assumpção Neves e Rodrigo da Cunha Lima Freire, ao dizer que será “dispensada a prova do elemento subjetivo do consilium fraudis, para a configuração dessa espécie de fraude, bastando a prova do eventum damni’’ (2012, p. 692). Este também é o posicionamento do Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o professor Francisco Antonio Casconi: “Desnecessária para a caracterização de fraude contra a execução a presença do consilium fraudis. Não é caso de presunção legal de fraude bilateral, mas de total dispensa dela” (2012, online).

Configurada a fraude à execução, poderá o credor requerer o pronunciamento do juiz por meio de uma ação incidental. Tal concepção é unânime entre os principais doutrinadores de Processo Civil. É exatamente o que ensinam Daniel Assumpção Neves e Rodrigo da Cunha Lima Freire, ao afirmar que “o reconhecimento da fraude à execução não depende de ação autônoma, sendo realizada incidentalmente na própria execução” (2012, p. 692).

É possível extrair a mesma concepção do julgado a seguir, onde foi pronunciado a declarabilidade da fraude à execução por meio incidental:

A fraude à execução, declarável incidentalmente no processo de execução (dispensável, portanto, o processo autônomo de declaração), resulta na ineficácia do ato de alienação ou oneração contra o credor, autor da ação. (TRT – 1ª Reg.; 8ª T.; AP n. 1.549/98-RJ; Rel. Juiz Marcelo Augusto Souto de Oliveira; j. 9/3/1999, Ltr 63-05/671, grifo nosso).

Ressalta-se que, promovendo a ação declaratória incidental, o autor terá a decisão da fraude à execução decidida de forma permanente, isto é, fazendo coisa julgada material, tendo em vista que será decidida no dispositivo da sentença (NEVES; FREIRE, 2012, p. 26/27).

Dessa forma, configurada a fraude à execução, mediante sentença em ação incidental, os atos fraudulentos serão declarados ineficazes perante os exequentes.

Afirmam os professores Daniel Assumpção Neves e Rodrigo da Cunha que “o ato praticado em fraude à execução é válido, mas ineficaz perante o credor” (2012, p. 692). E, no mesmo sentindo, afirma o professor Bruno Giancoli que a fraude de execução ocasiona “apenas a ineficácia do ato”. (2012, p. 127, grifo do autor).

Acrescenta Carlos Roberto Gonçalves que, se posteriormente o fraudador conseguir pagar a dívida, tal alienação continua sendo plenamente válida. Segue o ensinamento:

A fraude à execução acarreta a declaração da ineficácia da alienação fraudulenta, em face do credor exequente. Assim, se o devedor-alienante, que se encontra em estado de insolvência, conseguir, em razão de algum fato eventual (ganho na loteria, p. ex.), pagar a dívida, mantém-se válida a alienação (2012, p. 468).

Ante o exposto, extrai-se que, diferente da fraude contra credores, que aproveita a todos os credos por ser o ato anulado, na fraude à execução os efeitos da sentença aproveitam apenas ao exequente (GONÇALVES, 2012, p. 469).

Ademais, a fraude à execução viola, além dos direitos do credor, a dignidade da justiça. Em consequência disso, será cabível a aplicação de multa. É o que demonstram Daniel Assumpção Neves e Rodrigo da Cunha Lima Freire ao afirmarem que tal ato é “considerado um ato atentatório à dignidade da justiça, apenado com multa que pode atingir até 20% do valor do débito exequendo (arts. 600 e 601 do CPC), em favor do exequente” (2012, p. 692).

2.3.2 Do Código Penal

Trata-se do crime tipificado pelo artigo 179 do Código Penal. Assim como no instituto anterior, este se configura quando já existe demanda judicial em andamento, todavia, se diferenciam quanto à natureza dessa ação pendente.

No tocante ao tipo penal, prevalece o entendimento de que deve haver, de fato, uma ação executiva ou uma ação civil em fase de execução. É o entendimento do doutrinador e Desembargador do Estado de São Paulo, Guilherme de Souza Nucci:

Há posição, no entanto, com a qual não podemos concordar, sustentando ser possível a configuração do crime desde que exista processo de conhecimento instaurado e o réu já tenha sido citado. Dessa forma, se ele aliena, destrói, desvia ou danifica os bens, evitando, no futuro, pagar o que deve, cometeria o crime. Essa corrente não é a mais acertada, pois o tipo penal é bem claro: é preciso haver execução, o que não acontece no caso do processo cognitivo (2012, p. 876, grifo do autor).

É o entendimento, também, do professor Cezar Roberto Bitencourt, que expõe a ideia de que no Direito Penal não se admite interpretação extensiva, ou seja, que abrange além do que o texto legal tutela:

O direito penal não admite interpretação extensiva; se o legislador quisesse incluir os processos de conhecimento e cautelar, teria adotado outra terminologia menos restritiva, como lide, ação, demanda. Processo judicial, etc. Não o fez, desautorizando, portanto, ao intérprete fazê-lo (2012, p. 343, grifo do autor).

Quanto ao objetivo do instituto, também há distinção entre o Código de Processo Civil e o Código Penal, como fora mencionado no tópico anterior, pois este tem como objetivo a tutela do patrimônio do credor e, secundariamente, proteger a autoridade das decisões judicias. (SANCHES, 2012, p. 372).

Outra diferença é em relação aos elementos de configuração. Para a configuração do tipo penal previsto no art. 179 do Código Penal, é imprescindível o dolo, que “consiste no dolo de fraudar a execução, com a consciência e especial vontade de prejudicar o autor/credor” (SANCHES, 2012, p.179). Com isso, podemos concluir que “não existe a forma culposa, nem se exige elemento subjetivo do tipo específico” (NUCCI, 2012, p. 876).

 Todavia, nem sempre se exigirá o eventum damni, tendo em vista que se admite a modalidade tentada nos casos em que “o agente pratica a conduta ou inicia a prática desta, mas não consegue fraudar a execução por continuar com bens suficientes a garanti-la”. (MIRABETE; FABRINI, 2012, p. 324)

Ressalta-se que o professor Cezar Roberto Bitencourt, apesar de concordar com a admissão da tentativa, discorda do pensamento acima exposto, entendendo que ela será possível não quando o devedor continuar com bens suficientes para garantir a dívida, mas quando ele for impedido de consumar o tipo penal (2012, p. 343/344, grifo do autor).

Em síntese do que já foi exposto, extraindo o significado das terminologias, é possível concluir que o instituto previsto no Código Penal dispensa o dano causado ao credor – admitindo a tentativa – e exige-se a intenção de fraudar (dolo). Em contrapartida, o instituto previsto no Código de Processo Civil dispensa a intenção de fraudar (consilium fraudis) e exige-se o dano causado ao credor (eventum damni).

Uma vez configurado o crime, será utilizado o meio legal capaz de promover uma ação penal de natureza privada, pois, como expresso no Parágrafo Único do artigo 179 do Código Penal, na ocorrência do crime de fraude à execução, a ação penal será promovida mediante queixa.

Estabelece, o mesmo dispositivo, a pena de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa, sendo, com isso, considerada pela legislação pátria como infração de menor potencial ofensivo, tramitando, assim, nos Juizados Especiais Criminais, cujo procedimento é regulado pela Lei 9.099/95.

Uma vez condenado por sentença penal condenatória transitada em julgado, necessário se faz o estudo das hipóteses de aplicação da pena, da sua execução e dos efeitos dessa decisão condenatória.

Caso seja aplicada exclusivamente a pena de multa, deverá o réu, conforme o artigo 84 da Lei 9.099/95, pagar na Secretaria do Juizado. E, embora haja previsão no artigo 85 da Lei 9.099/95, em caso de não pagamento, não poderá ser convertida em pena privativa de liberdade ou restritiva de direito. Sobre o assunto:

No entanto, cessou a possibilidade de transformação da multa em prisão, nos termos previstos em lei, pois o Código Penal, alterado que foi o art. 51, acabou com tal situação. Restaria a transformação da multa em pena restritiva de direitos, o que também não conta com previsão legal (NUCCI, 2010, p. 857, grifo do autor).

 Com fundamento no artigo 43 do Código Penal, também poderão ser aplicadas as penas privativas de direito, que nada mais são do que penas alternativas da pena privativa de liberdade, conforme previsão no inciso IV do artigo 59 do Código Penal. É o que demonstram os autores Julio Mirabete e Renato Fabbrini:

Diante da falência da pena privativa de liberdade, que não atende aos anseios de ressocialização do condenado, a tendência moderna é procurar substitutivos penais para essa sanção, ao menos no que se relaciona com os crimes menos graves e aos criminosos cujo encarceramento não é aconselhável. No Brasil, vingaram tais ideias e a Lei n. 7.209/84 inseriu no Código Penal, ainda que timidamente, o sistema de penas alternativas (ou substitutivas) da pena privativa de liberdade, denominadas penas restritivas de direitos, classificadas no art. 43 […] (2011, p. 241).

Por se tratar de pena privativa de liberdade de no máxima dois anos,  o regime  inicial, sendo o réu primário, será sempre o aberto, conforme o § 2º, alínea “c” do artigo 33 do Código Penal. Todavia, “se o condenado for reincidente, o regime inicial, para esse quantum de pena, será o semiaberto ou o fechado” (CAVALCANTE, 2013, online).

Há ainda, independente da pena aplicada, duas consequências jurídicas do trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória: os maus antecedentes e a reincidência. Aqueles são considerados na fixação da pena-base (primeira fase da dosimetria da pena), sendo uma das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal (MIRABETE, 2011, p. 296). Já esta é agravante, sendo considerada na segunda fase da dosimetria da pena, com previsão no artigo 61, inciso I do Código Penal (MIRABETE; FABBRINI, 2011, p. 326/327).

2.3.3 Relação entre as matérias

Diante de todo o exposto, surgem algumas dúvidas que, geralmente, não são solucionadas pelos doutrinadores das matérias: aplicam-se a fraude à execução do Código de Processo Penal juntamente com a do Código de Processo Civil? Apenas uma de cada vez? Uma pressupõe a existência da outra?

Raríssimas são as doutrinas que dissertam sobre tais dúvidas. Porém, das que se arriscam, todas possuem o mesmo posicionamento: o instituto do Código Penal depende, antes, da configuração do instituto do Código de Processo Civil. É este o entendimento do renomado professor Edgard Magalhães Noronha: “A extensão da fraude à execução deve ser dada pelo direito processual civil, pois seria indefensável punir-se como fraude à execução, o que este não considera como tal” (apud SANCHES, 2012, p. 373).

Da mesma forma, ensina Celso Delmanto que “o crime somente se configura se houver pendencia de ação civil, e se a lei processual civil não considerar o ato fraude à execução, não se poderá cogitar da figura penal” (apud ACQUAVIVA, 2011, p. 422, grifo nosso).

Ou seja, não se configura o crime do art. 179 do Código Penal se para o Código de Processo Civil, em seu art. 593, não se trata de fraude à execução.

Porém, partindo-se de um pensamento lógico, conclui-se que nem sempre que se configurar a fraude do art. 593 do Código de Processo Civil, automaticamente, já se incorrerá no tipo penal, pois, como já visto, para o Código Penal, ao contrário daquele, não basta a existência de uma ação de conhecimento ou cautelar, devendo, obrigatoriamente, tratar-se de uma ação executória ou em fase de execução.

Com o intuito de sistematizar o conteúdo estudado, apresenta-se o seguinte esquema, de própria autoria, que mostra de forma clara e simplificada o processamento dos institutos discutidos:

Figura 1 – Esquematização do trâmite das fraudes estudadas.

Figura 1 – Esquematização do trâmite das fraudes estudadas.

Dessa forma, por óbvio, uma vez configurados os dois institutos, cumular-se-ão seus efeitos sobre o fraudador, isto é, a declaração da ineficácia do ato fraudulento, aplicação de multa não superior a 20% do valor do débito e a condenação criminal, ensejando em reincidência e maus antecedentes.

Em suma, sempre que se configurar o crime de fraude à execução, cumular-se-ão os efeitos dos dois institutos retro mencionados. Em outras palavras, os efeitos criminais nunca serão aplicados de forma isolada, mas conjuntamente com os processuais civis.

Sobre os autores
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Thiago Costa; COSTA, Mariana Rezende Maranhão. Fraude contra credores e fraudes à execução:: suas diferenças e respectivas consequências jurídicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4056, 9 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29090. Acesso em: 2 nov. 2024.

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