Sem, de forma alguma, questionar ou pôr em dúvida o enorme valor e conhecimento jurídico dos seus autores, pretendo, com este trabalho, formular um pedido (mesmo que seja somente a nível de conhecimento ou de exegese jurídica) para esclarecimentos e troca de idéias acerca dos arts. 316, 404, 406, 412, 416 do Novo Código Civil.
Art. 316. É lícito convencionar o aumento progressivo de prestações sucessivas.
O aludido aumento progressivo de prestações sucessivas demonstra grandes possibilidades de vir a significar capitalização de juros (juros sobre juros), a despeito da diversa denominação que lhe foi atribuída, produzindo a perniciosa evolução negativa do saldo de forma a gerar GANHO SEM CAUSA que em nada eleva os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (artigos 1.º, III e 170, ambos, da Constituição Federal).
Por certo, o indigitado artigo tem muitas chances de vir a produzir uma desvantagem exagerada para aquele que deve pagar as prestações a que se obrigou. Sendo assim, o aludido artigo ofende a dignidade da pessoa humana (artigos citados da Constituição Federal), a garantia do desenvolvimento nacional com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, de modo a possibilitar a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais e regionais e a não favorecer a marginalização (artigos 3.º, I , III e 170, VII, ambos da CF). O peso que desta obrigação pode advir, retira a função social da propriedade (art. 170, III, da CF).
Os avanços, universalmente, reconhecidos ao Código de Defesa do Consumidor (mesmo tendo prevalência por ser lei especial) podem começar a sofrer restrições porque, por exemplo, poderiam argüir que não seria abusiva a cláusula que trata do assunto respaldado em Lei; etc.
Nesta particular opinião, um atraso legislativo desmedido.
Art. 404. As perdas e os danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagos com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.
Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.
O Código Civil abre aqui uma oportunidade para novas discussões judiciais e "melhores negócios" que vão de encontro com alguns avanços legislativos que imperavam de 1988 aos dias atuais. Com a Constituição da República Federativa do Brasil, criou-se um novo modelo de Estado, preocupado com a Democracia e com o Estado de Direito que se pretendeu Social, ou seja, voltado para o benefício da nossa castigada sociedade. É o que se presume, por exemplo, do preâmbulo e dos Princípios Fundamentais da nossa Constituição.
O dinheiro já é assegurado pela correção monetária que prevê índices objetivando a manutenção dos valores pelo decurso do tempo. A essa correção monetária, somam-se os juros que se por alguma razão não pactuados, hoje, seria de 0,5% (meio por cento) ao mês. Legalmente, seria possível ocorrer ainda um acréscimo pela incidência da cláusula penal que, hoje, seria de no máximo 10% do valor contratado (Lei de Usura). Como se não bastasse, ainda, seria possível incidir o juros de mora que teria como teto o limite de 2% do valor da prestação em atraso (Código de Defesa do Consumidor). Quer dizer, hoje, o dinheiro faz muito dinheiro e sua falta, mesmo que momentânea, acarreta enorme aumento das dificuldades e prejuízos. Mas, ainda "era justo".
Agora, tende a ficar muito pior. Não é difícil crer que os "comerciantes" não vão encontrar maiores dificuldades para provar que os juros de mora não cobrem os "prejuízos" e, neste caso, não havendo pena convencional, devido ao caráter da transação, pode o juiz, fundamentada (mas subjetivamente), conceder ao credor indenização suplementar. Pode servir de estímulo a criação de "novos e bons contratos", sem pena convencional, objetivando os privilégios deste artigo (por exemplo). A meu ver, a lei não deve facilitar a "esperteza".
Em vários dos seus artigos, o Novo Código Civil, aparentemente, concedeu ao aplicador do direito (normalmente ao juiz) exagerado subjetivismo. É sabido que mesmo dentro da objetividade da Lei já possui o intérprete meios e poder de ampliar ou restringir o significado das normas, bem como de integrá-la ao sistema, possibilitando, com parâmetros reduzidos às próprias leis, meios de melhor interpretá-la de acordo com os fins da norma ou do direito.
A Lei é instrumento de segurança e melhor medida de contenção de eventuais arbítrios aparentemente legalizados ou instituídos. Sob pena de mais facilmente poder infringir e atentar contra o Estado de Direito, não pode a lei conceder maiores margens de elasticidade ao subjetivismo do aplicador da Lei que no exercício das suas funções pode ser tentado a valorar mais certas razões ou condições pessoais dos litigantes do que propriamente legal.
Nem sempre, mas até pela inamovibilidade dos aplicadores da Lei dentro das suas Comarcas, como condição humana, passam os aplicadores da Lei a fechar certos círculos de amizade ou de relações sociais. Passam, ainda, a não nutrir maiores considerações por aqueles que por alguma razão não lhes agradam. Assim, e principalmente nas pequenas Comarcas, se não for dada objetividade à interpretação da lei, pode ser que a almejada distribuição paritária da justiça tenha, ainda mais, menor chance de prevalecer.
Permanecendo a conceder tamanho subjetivismo às funções do intérprete praticamente nula restará a possibilidade de responsabilizá-lo, civil e criminalmente, por desvio de conduta. Deve haver, SEMPRE, limites objetivos à atuação do intérprete e aplicador do direito que já amplamente pode exercê-lo. Não há poder ilimitado que seja bom. A Lei deve criar mecanismos de controle e limitar as funções, o exercício e a extensão das condutas de todos aqueles que formam (ou atuam) num Estado Democrático de Direito. Não há razão jurídica para tamanho e exacerbado subjetivismo que tem condições de possibilitar ao intérprete (e aplicador) do Direito afetar o próprio Estado de Democrático de Direito, cometendo abusos que podem vir a se tornar menos raros.
Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
A meu ver, sem dúvida alguma, muitas saudades vão deixar os artigos 1.062 e 1.063 do Código Civil em Vigor (de 1.º de janeiro de 1916), que fixa a taxa de juros moratórios (ou os juros de lei), não convencionadas, em 6% (seis por cento) ao ano. Quanto mais o "inaplicável" § 3.º do art. 192 da Constituição Federal, que limita as taxas de juros reais, incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, a 12% (doze por cento) ao ano (* Não aplicar o aludido § 3.º é, com a devida vênia, um absurdo e uma afronta ao bom Povo brasileiro).
O Código de Defesa do Consumidor, tido como uma das melhores leis do Brasil e que tem servido de exemplo para muitos Países, prevê que as multas de mora não poderão ser superior a 2% do valor da prestação (art. 52, § 1.º).
Até então um avanço que agora passa a ser novamente ameaçado. Nas relações de consumo, pela especialidade das Leis, vigora o citado índice (2%). Ocorre que o Código Civil acabou por abrir nova fonte de discussão perniciosa para os direitos sociais que vinham se consolidando. Serão as mais diversas interpretações e julgados, por vários e longos anos, até que se consolide um entendimento desconhecido frente as diversas possibilidades que a prática vai gerar.
Salvo melhor juízo, quase sempre o Estado extrapola os direitos e não os particulares. O correto seria emparelhar as possibilidades do Estado com as dos particulares em tudo o que se refere a fixação de juros, índices, multas ou cobranças. Na pior das hipóteses, ainda inconcebível, seria emparelhar a situação dos particulares com a do Estado, somente, quando ambos se relacionassem.
Entretanto, aconteceu o pior. Foi transferida às relações entre particulares a possibilidade de estabelecer a abusividade que até então era própria do Estado. A possibilidade do aumento dos índices ou taxas cobradas, pode criar uma "cultura" favorável a estabelecer situações onde a solvabilidade não seja pretendida. Se hoje as longas prestações apresentam-se como uma das melhores formas de capitalização, imagina-se o que acontecerá com as "novas oportunidades".
Em se tratando de fatos ligados a dinheiro, finanças, primordial à garantia do desenvolvimento nacional e à redução da pobreza, da marginalização e das desigualdades sociais e regionais; imprescindível seria a unificação da legislação em torno do disposto na Constituição Federal (art. 192, especialmente o § 3.º), no Código de Defesa do Consumidor e na Lei de Usura. Leis boas, estas, que deveriam ser integralmente aplicáveis a todos (inclusive ao bancos, cada dia mais favorecidos por uma política de arrecadação e concentração de riquezas) por se apresentarem compatíveis com um País que se pretende cada dia mais social.
Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal.
Até o momento, o valor da cláusula penal não pode ser superior a 10% do valor da dívida (art. 9.º do Decreto n. 22.626, de 1933). Agora, os legisladores, em nova afronta aos interesses sociais, procuram dar à cláusula penal um aumento de 90% ou mais.
Com tantos benefícios advindos do atraso, parece ser possível entender que foi criada toda uma estrutura "legal" tendendo a criar dificuldades para o adimplemento das obrigações na medida em que visa conferir tão desmedidos lucros em decorrência dos aviltantes encargos. Os acordos foram feitos para serem cumpridos, assim como o Estado foi feito para dar proteção e segurança ao seu Povo que é, a final de contas, a razão deste. Ao que leva a crer, na forma como está, o Novo Código Civil é uma ferramenta para o aumento das já agigantadas diferenças sociais. Ao que tudo indica, poder vir a se transformar numa apologia ao lucro sem causa.
Dando força à aludida piora:
Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo.
Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado; se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente.
Como se não bastasse o vertiginoso aumento da pena convencional (citada cláusula penal) e dos demais encargos das obrigações, pode o credor exigir indenização suplementar se assim for convencionado. Frente algumas "práticas comerciais", imagina-se não ser tão assombroso, a partir de agora, o surgimento de novos prejuízos além dos convencionalmente acertados.
Contratos com aparência de benéficos poderão criar situações que coloquem o devedor, ainda, em muito maior desvantagem pela simples comprovação de prejuízos além do livremente pactuado e previsto em cláusula contratual (que nem mesmo necessitaria existir).
É a "liberdade de contratar" num Estado que, aparentemente, institui inúmeras possibilidades de fulminar com mínimas garantias constitucionais e sociais. O pequeno valor da cláusula penal pode, verdadeiramente, ocultar os interesses dos seus estipuladores. Ao contrário do que certamente pretendeu o legislador, este artigo não trará benefício algum à pacificação social (escopo do direito); pelo contrário, vai causar enormes prejuízos.
Em síntese, ao que tudo indica, o Novo Código Civil merece os devidos reparos legislativos para que possa vir ao encontro dos objetivos do Novo Estado Democrático de Direito, evidentemente Social, instituído pela Constituição da República Federativa do Brasil. Não pode ser crível que os nossos representantes tenham mudado tanto de ideal, retrocedendo em direitos e garantias legais, desde à época da elaboração e promulgação da atual Constituição Federal. Pior, como está, ao que tudo indica o legislador laborou em retrocesso ao próprio Código Civil hoje em vigor (de 1.º/01/1916) e, ainda, em retrocesso a Lei de Usura de 07/04/1933.
Mesmo os Legisladores devem obedecer e primar em suas condutas pelos preceitos e princípios que regem a administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Em que pese seja a lei um instrumento legal, questionável seria a moralidade dos citados artigos pelos argumentos expostos. A Nova Constituição da República Federativa do Brasil, por representar a vontade da sociedade, deveria ser observada como fonte de inspiração às novas espécies (ou textos) legislativas. O Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA ensina:
"A constituição é algo que tem, como forma, um complexo de normas (escritas ou costumeiras); como conteúdo, a conduta humana motivada pelas relações sociais (econômicas, políticas, religiosas, etc.); como fim, a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade; e, finalmente, como causa criadora e recriadora, o poder que emana do povo. Não pode ser compreendida e interpretada, se não se tiver em mente essa estrutura, considerada como conexão de sentido, como é tudo aquilo que integra um conjunto de valores" (Curso de Direito Constitucional Positivo – 11ª Edição – Malheiros – 1996 – p. 43/44).
Assim, parafraseando o Professor Clèmerson Merlin Clève, para quem "No sistema constitucional brasileiro, não é impossível advogar a tese da potencial inconstitucionalidade da lei injusta" (Atividade Legislativa do Poder Executivo no estado Contemporâneo e na Constituição de 1988 – Revista dos Tribunais – 1993 – p. 70), deve o legislador repensar os "benefícios ou não" da legislação criada procedendo de forma a impedir: 1) A supervalorização do dinheiro em benefício do enriquecimento sem causa, e; 2) o desmedido excesso de Poder nas mãos dos aplicadores do direito que, da forma como impregnado em vários artigos do Novo Código Civil, poderão empreender abusos pelo excesso de subjetivismo que tendem a favorecer ao arbítrio e, se não bastasse, a reduzir imensamente a possibilidade, hoje já diminuta, de virem a responder por excesso ou abuso de poder.