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Conseqüências fáticas e jurídicas da revelia.

Contestação intempestiva. Impossibilidade de desentranhamento

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Agenda 01/04/2002 às 00:00

1. Introdução

O processo nada mais é do que uma relação jurídica entre sujeitos processuais – autor, juiz e réu – e que se desenvolve impelido, basicamente, pela autodinâmica, que é o impulso dado pelo próprio juiz, além da heterodinâmica, que é o impulso provocado pelas próprias partes.

Sendo uma relação jurídica processual, dela resultam direitos, deveres, poderes, faculdades e ônus para cada um deles, na medida do seu interesse no objeto do processo (partes), ou, simplesmente na resolução da lide (juiz).

Se, sob o prisma interno, o processo que é uma relação jurídica entre os sujeitos processuais, sob o prisma externo essa relação se desenvolve mediante um procedimento, que é a relação dos atos processuais entre si.

Para garantir o desenvolvimento do processo,1  impedindo a prática de atos fora do momento assinalado pela lei para o seu exercício, adota o ordenamento jurídico um fenômeno denominado de preclusão.


2. Preclusão temporal

A preclusão nada mais é do que um fato processual que impede a prática de um ato processual que deveria ter sido praticado num determinado tempo, ou numa certa oportunidade, e não o foi; e porque o tempo se esgotou, não pode mais esse ato ser praticado. A essa espécie de preclusão, que é a mais freqüente no curso do processo, dá-se o nome de preclusão temporal.3 

Como o processo tem na lei um prazo para ser concluído – embora não o seja quase nunca – a lei processual assinala prazo às partes, aos serventuários da Justiça e ao próprio juiz, para a prática de atos processuais. Muitas vezes, o descumprimento desse prazo caracteriza a violação de um dever processual, como, por exemplo, quando o juiz se omite na apreciação de um requerimento da parte; outras vezes caracteriza uma simples omissão, sem maiores conseqüências, quando, por exemplo, a parte se omite em replicar, quando não esteja em jogo fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor; outras vezes caracteriza o descumprimento de um ônus processual, como, por exemplo, quando o réu deixa de oferecer defesa no prazo legal.


3. Tempo no processo

O processo é um fenômeno, e, como tal, está sujeito ao implemento do tempo, na medida em que é impossível ao juiz resolver uno actu4  a controvérsia entre as partes. Daí, ter-se observado que o tempo é o inimigo número um do processo (CARNELUTTI),5  porque, no fundo, a atividade dos sujeitos processuais, e não só do juiz, é uma luta contra o tempo.

Muitas vezes, o tempo pode até tornar sem objeto a própria pretensão processual, como, por exemplo, se pretender o autor o ingresso num concurso público, caso em que a decisão na sentença de mérito por certo pegará o concurso já concluído. Essa a razão das tutelas de urgência ou liminares, exatamente para obviar os prejuízos que o tempo poderia causar ao provável direito da parte.

A fração de tempo dentro do qual dever ser praticado um ato processual denomina-se prazo. Prazo é, portanto, o espaço de tempo que corre entre dois termos: o termo a quo (inicial) e o termo ad quem (final).

Muitas vezes, porém, a lei assinala um prazo, mas não para que, dentro nele, seja praticado um ato, mas, ao contrário, para que, dentro nele, o ato não seja praticado, como, por exemplo, o prazo para comparecer em juízo, previsto no art. 192 do CPC. Prescreve este artigo que: "Quando a lei não marcar outro prazo, as intimações somente obrigarão a comparecimento depois de decorridas vinte e quatro (24) horas."

Nesses casos, o objetivo da lei é evitar que o ato se realize antes de decorrido o prazo legal, pelo que, se quem deva comparecer for intimado às 12h de determinado dia, só estará obrigado a comparecer a partir das 12h do dia subseqüente; se assim não for, a intimação será nula, ou, no mínimo, anulável.

A esse prazo se denomina dilatório, e pode ser reduzido ou prorrogado, de ofício ou a requerimento do interessado.

Afirma GIOVANI LEONE6  que o prazo dilalório tem uma feição negativa, no sentido de que, durante o seu decurso, não pode o ato processual ser praticado.

Diverso é, no entanto, quando, dentro nele, deve o ato processual ser praticado, sob pena de não poder sê-lo mais, em virtude da preclusão. A esse prazo se denomina peremptório, e, de regra, não admite redução ou prorrogação.

Estabelece o art. 181, caput, do CPC que podem as partes, de comum acordo, reduzir ou prorrogar o prazo dilatório; a convenção, porém, só tem eficácia se, requerida antes do vencimento do prazo, se fundar em motivo legítimo. Estabelece, por seu turno, o art. 182 do mesmo Código que é defeso às partes, ainda que todas estejam de acordo, reduzir ou prorrogar os prazos peremptórios, podendo o juiz, nas comarcas onde for difícil o transporte, prorrogar quaisquer prazos, mas nunca por mais de sessenta (60) dias. Esse limite pode ser excedido em caso de calamidade pública, reza o parágrafo único desse mesmo artigo.


4. Ônus processuais

É pacífico na doutrina que ônus7  não constitui obrigação da parte onerada (titular do ônus), senão um mero encargo que pesa sobre ela, e de cujo cumprimento ou descumprimento pode proporcionar-lhe uma situação de vantagem ou desvantagem; ou, até mesmo, não beneficiar nem prejudicar, dependendo do comportamento de uma das partes no processo. Assim, se o réu alega e prova na sua contestação a existência de fato extintivo do direito do autor – por exemplo, o pagamento da dívida – a omissão do réu em replicar a alegação, pode ocasionar-lhe uma desvantagem, levando o juiz a tomar como quitação um recibo de pagamento juntado pelo réu na sua contestação. Agora, se o réu, oferece a réplica, alegando que aquele documento diz respeito a outra divida, e não à que está sendo cobrado, por certo estará numa situação de vantagem, cabendo ao réu provar que se trata da mesma dívida; e não ao autor, que se trata de dívida diversa.

O encargo que pesa sobre as partes, de formular alegações e fazer provas dos fatos que servem de fundamento ao direito de ação e ao direito de defesa, denomina-se ônus processual, cabendo, pois, às partes desincumbir-se deles, para garantir-se uma vantagem, ou impedir uma desvantagem no processo.

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Portanto, o réu tem o ônus de oferecer defesa, enquanto o autor, o ônus de replicar à defesa do réu, sendo que, para a prática de cada um desses atos processuais a lei processual assinala determinado prazo, não se admitindo, em princípio, seja praticado fora dele.


5. Da revelia e seus efeitos

O processo, como se viu, caminha impulsionado por ato do juiz (autodinâmica) e por ato das partes (heterodinâmica) e demais sujeitos processuais, estabelecendo o Código de Processo Civil prazos dentro, nos quais, tais atos devem ser praticados, sob pena de preclusão.

,Quando a parte onerada pela prática do ato deixa de fazê-lo no prazo assinado, diz-se que o ato é extemporâneo ou intempestivo, quer dizer, praticado fora dos termos inicial e final que são os limites do prazo. Tal ocorre em virtude do fenômeno da preclusão dita temporal.

A revelia é a situação em que se encontra a parte que não acode ao chamamento judicial, fazendo-se ausente quando deveria estar presente. Com a revelia, doutrina CÂNDIDO DINAMARCO,8  o intuito do legislador foi a aceleração processual e não uma abstrata punição ao revel,9  ficando o seu objetivo inteiramente sa tisfeito quando o juiz, dispensando a prova e antecipando o julgamento, oferece uma tutela jurisdicional mais rapidamente, e, para tanto, não teria utilidade alguma a adoção pura e simples das teses jurídicas do autor, indo-se além do que a própria lei dispõe (arts. 302 e 319).

Se a revelia é resultado da ausência da parte, sob esse prisma, tanto é revel o autor quanto o réu que não comparecem à audiência de conciliação designada pelo juiz. No entanto, o direito processual civil brasileiro, e, na esteira dele, a doutrina processual civil, reservam a denominação de revel apenas para o réu que não comparece, quando deveria comparecer. Quando a ausência é do autor que deveria estar presente, a doutrina prefere falar em contumácia, que nada mais é do que a sua ausência, ou, tecnicamente, a sua revelia.

Prescreve o art. 319 do CPC que, se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor.10  Isso no processo comum, de procedimento ordinário, porque, no procedimento sumário, a revelia é caracterizada pelo não comparecimento injustificado do réu à audiência, como se vê do disposto no art. 275, § 2º, do CPC: "Deixando injustificadamente o réu de comparecer à audiência, reputar-se-ão verdadeiros os fatos alegados na petição inicial (art. 319), salvo se o contrário resultar da prova dos autos, proferindo o juiz, desde logo, a sentença." Já na ação monitória, a revelia se caracteriza pela falta de interposição dos embargos ao mandado injuntivo, como se verifica do disposto no art. 1.102c do CPC, segunda parte, constituindo-se de pleno direito o título executivo.

Nos termos do art. 320, I a III, do CPC, a revelia não induz o efeito mencionado no artigo anterior, quer dizer, dela não resulta a confissão ficta: I) se, havendo pluralidade de réus, um deles contestar a ação; II) se o litígio versar sobre direito indisponível; III) se a contestação não estiver acompanhada do documento público, que a lei considere indispensável à prova do ato.

Tem sido unânime a doutrina em afirmar que a revelia alcança apenas os fatos e não o direito, o que não é absolutamente nem verdadeiro nem falso. Não é verdadeiro de forma absoluta porque o direito positivo pode fazer resultar da revelia outros efeitos além da simples confissão ficta, conforme o intento do legislador de sancionar aquele que, devendo desincumbir-se de um ônus, não se desincumbe. Pode a lei fazer com que a revelia alcance apenas os fatos, se pretender restringi-la, ou fazer com que alcance também o direito, se pretender dilatá-la.

Assim é que, no caso da ação monitória, não se pode dizer que a revelia alcance apenas os fatos, porque, na falta dos embargos ao mandado inicial, constituir-se-á de pleno direito o título executivo, convertendo-se esse mandado em mandado executivo (art. 1.102c), o que, em outros termos, significa que a revelia importa no reconhecimento do próprio direito (de pagamento ou de entrega).

Portanto, dizer, depois da introdução da ação monitória no ordenamento jurídico processual, que a revelia do réu alcança apenas o fato e não o direito, não tem o menor propósito, porquanto, de lege lata, alcança; e com tal força e eficácia jurídicas, que transforma um simples mandado inicial na verdadeira sentença da causa. A revelia, na ação monitória, importa não apenas em confissão ficta quanto aos fatos alegados (fatos constitutivos do direito do autor), como também no reconhecimento do direito alegado (os fundamentos jurídicos do pedido).

Nos processos sujeitos a procedimento especial, a revelia produz o efeito indicado no Código de Processo Civil, dependendo da natureza da ação proposta.

No entanto, no processo de conhecimento, sujeito a procedimento ordinário ou sumário, realmente, a revelia alcança apenas os fatos e não o direito, pelo que, no particular, continua atual a doutrina herdada dos nossos antepassados.

O efeito da revelia é importante no processo, porque, dependendo da sua ocorrência e dos efeitos dela resultantes, deve o juiz julgar antecipadamente a lide, como reza o art. 330, inciso II, do CPC: "O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença: II – quando ocorrer a revelia (art. 319)."

Registre-se, por oportuno, que uma coisa é a revelia e coisa diversa o efeito que possa resultar dela, pois, muitas vezes ocorre a revelia e, entretanto, não se tem por verificado o seu efeito, como, aliás, deixa expresso a própria lei (art. 320, I a III, do CPC).


6. Prazo para contestação e revelia

Prescreve o art. 297 do CPC que o réu poderá oferecer, no prazo de quinze (15) dias, em petição escrita, dirigida ao juiz da causa, contestação, exceção e reconvenção.

Este é o prazo assinalado pela lei para a defesa do réu (contestação ou exceção), ou para a propositura de ação reconvencional, pelo que, ultimado o termo ad quem, recai sobre ele o manto da preclusão, embora não o diga expressamente a lei.

Tenho afirmado que, em se tratando de prazo peremptório —, para excepcionar, contestar, propor ação incidental, recorrer, etc. —, a sua inobservância

importa para a parte que houver descumprido o ônus conseqüências negativas em face da sua inércia. Essas conseqüências, muitas vezes, vem previstas na própria lei processual, como acontece com a falta de contestação, dizendo a lei que "reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor" (art. 319 do CPC).

Mas, o art. 297 do CPC não diz a contestação extemporânea não deva ser recebida, nem que, sendo recebida, deva ser desentranhada dos autos.

Da mesma forma, o art. 508 do CPC diz que o recurso deve ser interposto no prazo de quinze (15) dias, mas não diz também que o recurso intempestivo não deva ser admitido ou, se admitido, deva ser desentranhado.

Até, então, tem-se entendido que, assinalando a lei prazo para a prática do ato processual, a sua prática além dele importa na sua inadmissibilidade, pelo que a regra tem sido o desentranhamento de contestações e recursos protocolados extemporânea ou intempestivamente. Nem a doutrina nem a jurisprudência têm questionado essa decisão, e os tribunais têm confirmado, sem maiores indagações toda decisão que manda desentranhar contestação ou recurso protocolado após o decurso do prazo legal.11 

Além da presunção legal contra o revel, relativamente aos fatos afirmados pelo autor (art. 319), a sua revelia trás contra ele outra conseqüência, que é o de fazer correrem os prazos independentemente de intimação; mas isso não impede que ele intervenha no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontra (art. 322, segunda parte).12 


7. Contestação intempestiva – Conseqüências

Como o art. 297 estabelece que a contestação deve ser oferecida no prazo de quinze (15) dias, constitui fato rotineiro nos pretórios o seu desentranhamento, quando protocolada fora dele, caso em que é tida por extemporânea ou intempestiva. Al guns juízes, a título de cautela, determinam que seja juntada por linha fora dos autos do processo, mas apenso a eles, e outros, simplesmente, determinam que seja anexada à contracapa dos autos. Alguns, no entanto, cumprem à risca o que supõem seja a conseqüência da extemporaneidade, ou seja, mandam que seja devolvida aos procuradores do réu, mediante recibo nos autos.

Tudo isso, como disse, acontece com o beneplácito dos tribunais, que confirmam as decisões neste sentido.

Mas, será que é realmente essa a conseqüência de uma contestação apresentada fora do prazo legal, em desrespeito ao art. 297 do CPC? Deve o juiz deixar de receber uma contestação apresentada fora do prazo legal, ou, se juntada, determinar o seu desentranhamento e a sua restituição ao réu, ou a sua juntada por linha, ou o seu grampeamento na contracapa dos autos?

Se se cotejar a falta de contestação com o efeito da revelia, nas suas diversas modalidades, ver-se-á que tais decisões carecem de suporte legal, não por que não estejam previstas na lei, mas porque não se ajustam à lógica do sistema jurídico processual.

Em princípio, poder-se-ia admitir o desentranhamento quando a revelia importasse, a um só tempo, na admissão dos fatos e no reconhecimento do direito, como acontece na ação monitória, mas, ainda assim, essa não é a solução permitida pela norma processual, em vista das diversas conseqüências que a lei faz resultar dela.

Se a revelia alcança apenas os fatos e não o direito, e a contestação comporta tanto alegações de fato quanto de direito, não tem suporte legal a decisão que manda desentranhá-la, porque a par da confissão ficta que resulta da sua extemporaneidade, cabe ao juiz, inobstante a revelia, analisar as questões jurídicas, inclusive aquelas que tenham sido objeto de alegação do réu, e que, se desentranhada, não lhe proporcionará um exame com a extensão e profundidade pretendidas pela defesa.

Sobre esse ponto, doutrina CÂNDIDO DINAMARCO que, permanecendo a contestação nos autos, a atenção do juiz estará atraída para a existência e interpretação corrente de certos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, para alguns conceitos versados em doutrina, para vícios na propositura da demanda, etc., e incorporá-los-á em sua decisão, ou rejeitá-los-á se assim for seu convencimento, mas de todo modo julgará de forma mais consciente e segura, sem se arriscar "num autêntico vôo cego, a dano de possíveis direitos do réu e afastado do solene compromisso que tem com o valor do justo."13 

Portanto, a única conseqüência que resulta de uma contestação intempestiva é aquela prevista no art. 319, ou seja, reputarem-se verdadeiros os fatos afirmados pelo autor, mas não o seu alijamento puro e simples dos autos, porque ainda haverá questões jurídicas a resolver, e isso só ocorrerá por ocasião da sentença, se não for caso de julgamento antecipado da lide (art. 330 do CPC).

Registra CÂNDIDO DINAMARCO14  que a generalizada tendência de desentranhar dos autos a contestação intempestiva corresponde a um dos preconceitos irracionais que envolveram o instituto do efeito da revelia desde os albores de sua implantação na ordem processual brasileira. Sem embargo de não haver o réu cumprido tempestivamente o ônus de responder, a exibição de uma contestação fora do prazo representa aquele ingresso do revel no processo, insistentemente autorizado pelos tribunais brasileiros, acrescentando:

"Não estou a sustentar que essa contestação produzisse todos os efeitos ordinários de uma resposta regular, inclusive o de tornar controvertidos os fatos alegados pelo autor. Isso, não. Mas, respeitada sempre a presunção ditada pelo art. 319, a manutenção da peça de resistência poderá ser utilizada em prol dos verdadeiros objetivos do processo justo e équo, a que alude a doutrina mais moderna (Luigi Paolo Comoglio, Augusto Mario Morello), na medida em que (a) alertará o juiz em relação a eventuais fatos impossíveis ou improváveis alegados na petição inicial e (b) esclarecerá seu espírito quanto a dispositivos de lei, conceitos amadurecidos cm doutrina, linhas jurisprudenciais estabelecidas nos tribunais do pais etc."15 


8. Falta de contestação e contestação intempestiva

A doutrina e a jurisprudência não têm atentado para a profunda diferença entre duas situações jurídicas distintas que acontecem no processo: a) falta de contestação; e b) contestação intempestiva.

O Código de Processo Civil é bastante claro quanto à falta de contestação, mas não quanto à contestação extemporânea, pelo que a doutrina e a jurisprudência têm assimilado as conseqüências de uma e outra, sem se dar conta de que elas são profundamente diferentes.

Quando falta a contestação, o réu demonstra a intenção de não se defender, o que não acontece com a contestação intempestiva, em que o ânimo de defesa é manifesto, embora manifestado fora do prazo legal, sofrendo conseqüências análo gas à da falta de contestação. Digo análogas, porque os fatos alegados na contestação intempestiva não serão considerados pelo juiz, da mesma forma como não o são quando não contestada a ação, dado que o art. 319 do CPC considera verdadeiros os fatos afirmados pelo autor. Se a presunção de veracidade alcança os fatos não contestados, alcança, por analogia, também os fatos alegados numa defesa apresentada fora do prazo legal; mas analogia não significa identidade.

É que, não tendo havido contestação —, afora as hipóteses previstas no art. 320, incisos I a III, do CPC, em que a revelia não induz confissão ficta —, não cabe ao juiz mais que, considerando provados os fatos alegados pelo autor, aplicar o direito segundo a máxima "da mihi factum dabo tibi ius". Mas, havendo contestação intempestiva, e, consequentemente, presumidos verdadeiros os fatos afirmados na inicial, tem o réu o direito de ver examinadas e decididas todas as questões jurídicas que tiver levantado em sua defesa, porque, relativamente a estas, não existe revelia, que não alcança as questões jurídicas.

Se, não obstante alegadas tais questões na contestação intempestiva, não tiverem sido decididas pelo juiz, ou tiverem sido decididas de forma obscura ou contraditória, tem o réu o direito de vê-las supridas ou esclarecidas através de embargos de declaração (art. 535), não o impedindo o fato de ter sido revel.

Inobstante revel, nada impede que o réu intervenha no processo, em qualquer de suas fases, recebendo-o no estado em que se encontra, nos termos do art. 322, segunda parte, do CPC, o que lhe possibilita, mesmo que não tenha contestado, ou tenha-o feito intempestivamente, peticionar nos autos, levantando questões de direito que devam ser resolvidas pelo juiz ("Ius novit curia").

Neste sentido, CÂNDIDO DINARMARCO,16  para quem, vendo as coisas com realismo, percebe-se que a ordem de desentranhamento da contestação tachada de intempestiva acabaria por esvaziar-se por completo, porque a todo momento poderia sempre a demanda tornar aos autos com uma petição, fosse a que título fosse, reproduzindo literalmente o que nela está. E conclui que, se a todo revel a lei permite "intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontra" (CPC, art. 322), bastando-lhe comparecer e, em nova petição, reproduzir o que estava na contestação.17 

Na hipótese de procedimento sumário, a revelia, como reza o § 2º do art. 277 do CPC, não resulta apenas da falta de contestação, que deve ser apresentada em audiência (art. 278), mas da ausência injustificada do réu à própria audiência. No entanto, no particu lar, a lei minus dixit quam voluit (disse menos do que queria), pois não é somente a ausência do réu ou de seu preposto que provoca o efeito da revelia, mas, essa ausência, associada à falta de contestação, o que exige a presença de advogado.

Diversas hipóteses podem ocorrer: a) o réu não comparece, fazendo-se representar por preposto com poderes para transigir (e que pode ser o próprio advogado); b) o réu não comparece, nem se faz representar por preposto sem poderes para transigir; c) o réu não comparece, mas comparece o seu advogado, sem revestir a capa de preposto; d) o réu comparece, mas desacompanhado de advogado; e) o réu comparece acompanhado de advogado. Em qualquer dessas hipóteses, presente o réu ou seu preposto com poderes para transigir, será tentada a conciliação das partes, e, uma vez obtida, importará numa transação, e, consequentemente, na extinção do processo com julgamento do mérito ( art. 269, III, CPC); nessa hipótese é irrelevante a presença de advogado. Por outro lado, embora presentes à audiência o réu ou preposto seu, mesmo acompanhado de advogado, haverá o efeito da revelia se recusar-se à conciliação, ou, frustrada esta, recusar-se a oferecer defesa na própria audiência; o efeito será o mesmo como se não tivesse comparecido. Se ausente o réu ou preposto seu, haverá o efeito da revelia, consistente na presunção de confissão ficta (ficta confessio), podendo, no entanto, o seu advogado apresentar contestação sobre a matéria de direito, que não se sujeita ao efeito da revelia. Doutrina CÂNDIDO DINAMARCO que o efeito da revelia não autoriza o juiz a omitir-se pura e simplesmente sobre os temas jurídicos.18 

Sobre o autor
José Eduardo Carreira Alvim

Advogado. Ex-Juiz do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Professor da UFRJ. Doutor em Direito pela UFMG. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVIM, José Eduardo Carreira. Conseqüências fáticas e jurídicas da revelia.: Contestação intempestiva. Impossibilidade de desentranhamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2916. Acesso em: 21 nov. 2024.

Mais informações

Texto publicado na Revista "Direito Federal" nº 67.

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