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Por que o "medo" da investigação criminal direta pelo Ministério Público?

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Agenda 05/06/2014 às 18:06

5 ENTENDIMENTO DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL

De início, deve-se notar que há três entendimentos doutrinários e jurisprudenciais que objetivam explicar a intervenção direta criminal pelo Ministério Público. Uma das correntes doutrinárias sobre o tema entende que apenas a polícia pode investigar crimes, sendo ilícitos os procedimentos realizados diretamente pelo MP, bem como, as provas por este obtidas. Outra corrente advoga que a investigação criminal é livre, podendo ser efetuada por vários órgãos, entre eles, o Ministério Público. Por fim, há outra linha de pensamento no sentido de que o MP poderia investigar, desde que presentes prévias limitações sobre o seu atuar em uma lei específica.

Importante apontar que, a prevalecer à tese do monopólio das investigações pela polícia, a consequência lógica é a anulação de todas as provas não colhidas pela polícia. Percebe-se então que isso afetaria de forma devastadora condenações impostas, processos em andamento e investigações em curso.

O posicionamento do STJ a respeito do assunto é pela possibilidade ampla de o MP realizar investigação criminal de forma direta, na medida em que ambas as turmas com  competências criminais são unânimes nesse sentido.[3]

A legitimidade para o MP investigar é extraída do art. 129, IX da CFRB/88, porquanto, consoante já delineado anteriormente, o MP tem outras funções não exauridas no art. 129, desde que estejam previstas em lei compatíveis com a sua finalidade.

Inúmeras normas posteriores à CRFB/1988 conferiram novas atribuições ao MP, como por exemplo, Estatuto do Torcedor e o Estatuto do Idoso, além da Lei de Investigação de Paternidade.

Existem expressas normas autorizando o MP a realizar “diligências investigatórias” (art. 8º da LC 75 e art. 26 da LONMP – Lei 8625/93).

Por outro lado, importante registrar que o STF, no HC 89837, em 16.10.2006, rejeitou medida liminar requerida por investigado delegado de polícia contra investigação direta do MP.

A Ministra aposentada do STF Ellen Gracie se manifestou a respeito do tema em prol da tese ora delineada, conforme se depara de recente informativo.[4]

Assim, apenas para ficar num dos melhores exemplos de sua jurisprudência, o Supremo Tribunal Federal não só confirmou — mais uma vez — a possibilidade de investigação pelo Ministério Público, como estabeleceu uma série de pressupostos e condições dessa específica atuação ministerial, já que, obviamente, ninguém pode discordar que, à semelhança de qualquer poder estatal, também “o poder de investigar do Ministério Público não pode ser exercido de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir, inevitavelmente, direitos fundamentais” (HC 84.965 / MG — relator ministro Gilmar Mendes).

Não obstante discordar do entendimento do eminente mestre constitucionalista e atual ministro do STF, Luís Roberto Barroso, a respeito do tema, é verdade que ele resumiu muito bem, com a didática que lhe é peculiar, em seu parecer solicitado pelo Ministro Nilmário Miranda, Secretário Especial dos Direitos Humanos e Presidente do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), os argumentos a favor e contrários à investigação direta criminal pelo Ministério Público.[5]

Ademais, o ilustre membro do parquet carioca, Emerson Garcia, lembra, acertadamente, que “... com a devida vênia daqueles que encampam entendimento diverso, sendo o inquérito policial mera peça informativa, passível de ser dispensado pelo Ministério Público quando este já disponha das informações necessárias à propositura da ação penal (art. 39, § 5º do CPP), seria assistemática a tese de que a Instituição pode valorar a necessidade ou não da colheita de novas provas, mas nada pode fazer para obtê-las. Em verdade, a investigação penal é ínsita e inseparável da atribuição privativa para o ajuizamento da ação penal, estando implícita no art. 129, I da CRFB/88”.[6]

Aury Lopes Júnior[7] observa que “principalmente nos delitos graves e de maior repercussão social e/ou econômica, está-se criando o hábito de dirigir-se diretamente ao Ministério Público, pela concomitância de dois fatores: maior abertura e credibilidade do MP e menor confiança da população na polícia judiciária”. Ao final, conclui que “é inegável que melhor acusa quem por si mesmo investiga (ou comanda a investigação), da mesma forma que melhor é conduzida a investigação por quem vai acusar”.

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Há muito Frederico Marques defendia que o Ministério Público poderia, como órgão do Estado - Administração e interessado direto na propositura da ação penal, atuar em atividade investigatória”.[8]

Por fim, importante registrar que, consoante lembra, Marcellus Polastri[9], entre os três votos majoritários do STF, arremata o Ministro Carlos Ayres de Brito, de forma singular e consciente no sentido de que: “Privar o Ministério Público dessa peculiaríssima atividade de defensor do Direito e promotor da Justiça é apartá-lo de si mesmo. É desnaturá-lo. Dessubstanciá-lo até não restar pedra sobre pedra ou, pior ainda, reduzi-lo à infamante condição de Bobo da Corte. Sem que sua inafastável capacidade de investigação criminal por conta própria venha a significar, todavia, o poder de abrir e presidir inquérito policial.” E arremata: “para o Ministério Público, é investigar ou morrer”.


6 CONCLUSÃO

Fácil é a percepção da importância do tema ora em epígrafe, na medida em que não podemos olvidar a essência do Ministério Público como defensor da ordem democrática, jurídica e como garantidor do interesse público primário da sociedade.

Assim, argumentar por simples corporativismo ou por eventual interesse escuso, sem dúvidas, foge ao principal desiderato constitucional no combate ao crime organizado e também ao “desorganizado”.

Ademais, é notório que as estatísticas não correspondem à realidade, de modo a ser interessante ter em mente que, conforme demonstrado linhas acima, muitos crimes, sequer, chegam ao conhecimento de quaisquer autoridades, ensejando, com isso, as chamadas “cifras negras”.

Devemos sempre nos lembrar dos ensinamentos de Rui Barbosa, o qual asseverou que “todo direito corresponde a uma garantia que o assegura e toda garantia corresponde a um remédio que a torna eficaz”. Desta maneira, parece evidente que o Ministério Público, verdadeiro custos iuris, é uma das principais armas e solução na tutela dos direitos e garantias dos cidadãos, de modo a fortalecer e remediar quaisquer violações às leis e, mormente, à própria CRFB/88.

Portanto, tendo em vista os argumentos supramencionados, conclui-se que o Ministério Público não só pode como deve investigar diretamente crimes, sob pena de retrocedermos na efetivação das normas constitucionais, o que, deixe-se muito claro, não se exclui a investigação da Polícia Judiciária, do Tribunal de Contas e demais órgãos administrativos. Afinal, com a integração das Instituições, os processos penais restarão mais efetivos, por terem um maior conjunto probatório, aptos, destarte, a que o Estado Juiz possa exercer a jurisdição penal com maior confiabilidade e segurança jurídica.


REFERÊNCIAS

GARCIA, Emerson. Ministério Público. Organização, Atribuições e Regime Jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

LIMA, Marcellus Polastri, Manual de Processo Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

RANGEL, Paulo. Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: Visão Crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

MORAES, Guilherme Peña de. Curso de Direito Constitucional. Niterói: Impetus, 2009.

JATAHY, Carlos Roberto de Castro. Curso de Princípios Institucionais do Ministério Público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

LUISI, Luiz. Os princípios Constitucionais Penais. 2. ed. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2003.

MAZZILLI, Hugo Nigro. Manual do Promotor de Justiça. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1991.


NOTAS EXPLICATIVAS

[1] “O Ministério Público assume papel relevante na colheita das provas que sustentarão sua pretensão acusatória, pois, como fiscal da lei e, portanto, defensor da ordem jurídica, não pode compactuar com determinados procedimentos policiais que, custe o que custar, querem achar “um” culpado (e não “o” culpado) para esse ou aquele crime, a fim de dar uma satisfação à sociedade. Ainda há uma dificuldade muito grande na mudança de comportamento nos aparelhos de repressão do Estado, pois a Constituição entrou em vigor, mas os agentes Estatais são os mesmos, com os mesmos vícios da ditadura e, o que é pior, com os mesmos métodos de investigação. Primeiro se prende para depois investigar. Basta imaginar que de 24/01/67 (entrada em vigor da Constituição anterior) até 05/10/88 (entrada em vigor da atual Constituição) as autoridades policiais não necessitavam de expedição de ordem judicial para ingresso na residência de quem quer que fosse (salvo os casos expressos em lei, v.g. Diplomatas, Magistrados, Senadores e Deputados Federais), porém, a partir de 05/10/88, passam a ter que possuir ordem judicial. A mudança legislativa foi rápida, porém os hábitos policiais demoraram a se adequar à nova ordem constitucional”. RANGEL, Paulo. Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público: Visão Crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

[2] Não queremos nos referir, é evidente, à boa doutrina já produzida sobre o tema, que advoga, racionalmente, entendimento diverso ao ora esposado.

[3]"Tem-se como válidos os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público, que pode requisitar esclarecimentos ou diligenciar diretamente, visando à instrução de seus procedimentos administrativos, para fins de oferecimento da peça acusatória. A simples participação na fase investigatória, coletando elementos para o oferecimento da denúncia, não incompatibiliza o Representante do Parquet para a proposição da ação penal. A atuação do Orgão Ministerial não é vinculada à existência do procedimento investigatório policial - o qual pode ser eventualmente dispensado para a proposição da acusação (RHC 8106/DF, 2001, grifamos)."

"A questão acerca da possibilidade do MP desenvolver atividade investigatória objetivando colher elementos de prova que subsidem a instauração de futura ação penal, é tema incontroverso perante esta eg. Turma. Como se sabe, a CF, em seu art. 129,I, atribui, privativamente, ao Ministério Público promover ação penal pública. Essa atividade depende, para o seu efetivo exercício, da colheita de elementos que demonstrem a certeza da existência do crime e indícios de que o denunciado é seu autor. Entender-se que a investigação desses fatos é atribuição exclusiva da polícia judiciária, seria incorrer-se em impropriedade, já que o titular da Ação é o Orgão Ministerial. Cabe, portanto, a este, o exame da necessidade ou não de novas colheitas de provas, uma vez que, tratando-se de inquérito de peça meramente informativa, pode o MP entendê-la dispensável na medida em que detenha informações suficientes para a propositura da ação penal. Ora, se o inquérito é dispensável, e assim o diz expressamente o art. 39, parágrafo 5º do CPP, e se o MP pode denunciar com base apenas nos elementos que tem, nada há que imponha a exclusividade às polícias para investigar os fatos criminosos sujeitos à ação penal pública. - A lei complementar nº 75/90, em seu art. 8º, inciso IV, diz competir ao Ministério Público, para o exercício das suas atribuições institucionais, " realizar inspeções e diligências investigatórias". Compete-lhe, ainda , notificar testemunhas (inciso I), requisitar informações, exames, perícias e documentos às autoridades da Administração Pública direta e indireta (inciso II) e requisitar informações e documentos a entidades privadas (inciso IV). Recurso desprovido (RHC 14543/MG, 2004, grifamos)."

[4]Ministério Público e Poder Investigatório – 2. Relativamente à possibilidade de o Ministério Público promover procedimento administrativo de cunho investigatório, asseverou-se, não obstante a inexistência de um posicionamento do Pleno do STF a esse respeito, ser perfeitamente possível que o órgão ministerial promova a colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e da materialidade de determinado delito. Entendeu-se que tal conduta não significaria retirar da Polícia Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas constitucionais (artigos 129 e 144), de modo a compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração dos fatos, mas também a formação da opinio delicti. Ressaltou-se que o art. 129, I, da CF atribui ao parquet a privatividade na promoção da ação penal pública, bem como, a seu turno, o Código de Processo Penal estabelece que o inquérito policial é dispensável, já que o Ministério Público pode embasar seu pedido em peças de informação que concretizem justa causa para a denúncia. Aduziu-se que é princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos poderes implícitos, segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. Destarte, se a atividade-fim — promoção da ação penal pública — foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, é inconcebível não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que peças de informação embasem a denúncia. Considerou-se, ainda, que, no presente caso, os delitos descritos na denúncia teriam sido praticados por policiais, o que, também, justificaria a colheita dos depoimentos das vítimas pelo Ministério Público. Observou-se, outrossim, que, pelo que consta dos autos, a denúncia também fora lastreada em documentos (termos circunstanciados) e em depoimentos prestados por ocasião das audiências preliminares realizadas no juizado especial criminal de origem. Por fim, concluiu-se não haver óbice legal para que o mesmo membro do parquet que tenha tomado conhecimento de fatos em tese delituosos — ainda que por meio de oitiva de testemunhas — ofereça denúncia em relação a eles.

 HC 91661/PE, rel. Min. Ellen Gracie, 10.3.2009. (HC-91661)

[5] Parecer publicado no site: http://2ccr.pgr.mpf.gov.br/documentos-epublicacoes/docs_textos_interesses/investigacao_MP.pdf

[6] GARCIA, Emerson. Ministério Público. Organização, Atribuições e Regime Jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 368.

[7] Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal, Rio: Lumen Juris, 2001, pp. 142/148.

[8] Cf. Marques, José Frederico. “Promotores no Inquérito Policial”, in Estudos de Direito Processual Penal, 2ª Ed., p. 87.

[9] LIMA, Marcellus Polastri, Manual de Processo Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 74.

Sobre o autor
Yves Correia

Pós-graduado em Direito Público e Privado pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro e UNESA. Formado pela EMERJ – Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro e pela FEMPERJ – Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro -Aprovado nos Concursos Públicos: de Promotor de Justiça no TO; de Tabelião – Concurso Público para Delegação de Atividades Notariais e Registrais no Estado do Rio de Janeiro; de Delegado de Polícia do Estado da Bahia; na Residência Jurídica da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro); de Analista Processual do Ministério Público da União (MPU) e de Inspetor de Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORREIA, Yves. Por que o "medo" da investigação criminal direta pelo Ministério Público?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3991, 5 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29196. Acesso em: 23 dez. 2024.

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