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A elisão fiscal à luz dos direitos brasileiro e comparado

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Agenda 01/07/2002 às 00:00

As Normas Antielisivas Brasileiras

O combate a elisão fiscal tornou-se uma ordem mundial. Klaus Tipke, insigne doutrinador tributarista alemão, preleciona que "a elisão começa além da interpretação da lei, no campo da lacuna. Por isso a analogia, como meio de evitar os efeitos da elisão, é indispensável." 22

A analogia deveria ser aplicada de forma que a solução mais correta a procura de clareza e segurança metodológica. Tipke ainda pregava que a segurança jurídica é a segurança da norma. 23 O doutrinador Ricardo Lobo Torres 24 reforça o argumento que "o contribuinte tem ampla liberdade para planejar seus negócios na busca do menor imposto, desde que mantenha nos limites da possibilidade expressiva da letra da lei, ou seja, que não cometa abuso de direito".

Diante das distorções da aplicação da analogia(gravosa), descambando para ilicitude é que levou os legisladores a tomar medidas enérgicas com fins de fechamento normativo através de normas antielisivas. Em âmbito internacional, o douto propedeuta Alberto Xavier assevera que para a elisão fiscal objetiva 25, que em 1934 este movimento retrocitado se iniciou autorizando a tributação das "foreign personal holding companies". Contudo, apenas em 1962 que o Congresso Americano regulamentou fortemente a utilização por parte dos cidadãos americanos de companhias de países de baixa tributação.

Esta tendência foi rapidamente alastrada e em 1972 surgiu na Alemanha a "Aussensteuergesetz inspirada pela legislação americana de 1962. em seguida, surgiram na França, Bélgica e Reino Unido as mesmas iniciativas.

A realidade da Itália de hoje mostra um cenário de Evasão fiscal muito séria e que assusta os membros do Executivo e do Legislativo italiano. Em um estudo da Universitá di Padova, dois juristas italianos Bernardi e Bernasconi 26 demonstraram que a elisão chega a 44 bilhões de liras para o Imposto sobre Valor Agregado(IVA), 11 bilhões para Imposto sobre o Lucro(IRPEG), 80 bilhões sobre o Imposto de Renda da pessoa física(IRPEF) e por fim, 40 bilhões sobre as contribuições sociais.

Ora, e no Brasil ? Pelo que se observa muito pouco avançamos. Entretanto, passemos a analisar à luz da boa doutrina e da jurisprudência as normas tributárias pátrias em vigor.

O Brasil, através da lei 9430/96, promoveu a incorporação das regras para determinação do preço de transferência foi dos mais relevantes. O fulcro da questão paira ao redor das discussões tributárias das empresas e dos fiscos, pois o controle implantado pela norma jurídica tem o objetivo precípuo de evitar a prática lesiva aos interesses nacionais da transferência de resultados para o exterior. Entrementes, as presunções relativas adotadas pela lei 9430/96, com relação a fixação da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica por exemplo, podem ser pontos de discordância entre o fisco e a empresa brasileira, uma vez que o fisco pode alegar subfaturamento ou superfaturamento em operação internacional.

Portanto, com base nesta legislação e nos aspectos supracitados poder-se-ia levar ao contencioso judicial seja pela presunção das margens de lucro ou seja pela inversão do ônus da prova.

João Dácio Rolim 27 defende a posição de que não há limites constitucionais claros e precisos tais como a capacidade contributiva, a expressa vedação ao confisco, o conceito de renda como acréscimo patrimonial e o conceito de lucro consagrado no direito privado, que não autoriza o legislador a tributar como renda o prejuízo, o lucro fictício e ilusório, o lucro presumido e não o real atingindo assim outras bases imponíveis, tal como o patrimônio".

Ora, a lei 9430/96, como iniciativa a frear a elisão fiscal é louvável, contudo em sua aplicação apresenta profundas vedações de ordem constitucional. Chega-se a tributar o lucro inexistente ou tributar em lucro econômico razoável ou bitributa-lo.

Quanto aos artigos 18 a 24 que tratam dos Preços de Transferência deste mesmo dispositivo, pode-se afirmar que as margens de lucro constituem uma presunção iuris tantum, isto é, admitem prova em contrário. Esta prova em contrário pode ser fundamentada nos princípios da capacidade contributiva, proibição expressa de vedação no confisco, o da livre iniciativa e da livre concorrência, entre outros.

Da mesma forma, Plínio J.Marafon 28 questiona a validade constitucional do art. 24, pois alega não pode haver tributação de renda, como acréscimo patrimonial, por presunção absoluta. Acrescenta ainda, de forma muito interessante:"A introdução legal dos chamados "tranfer pricing" no Brasil foi efetuada de forma empírica adotando-se fórmulas simplórias de custos agregados a margens de lucros, como se as demonstrações financeiras das empresas só contivessem esses dados. (...) Também há várias lacunas que, bem exploradas, permitem elidir o gravame fiscal sem grandes custos operacionais, novamente em virtude do primitivismo da legislação ora aprovada."

Recentemente o direito tributário pátrio incorporou modificação no art. 116 do CTN através da promulgação da Lei Complementar No. 104/2001 que adicionou parágrafo único a este artigo, a saber:

""Art. 116 -... ..."

"Parágrafo único - A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária." (AC) "

Esta inserção configurou tipicamente no Código Tributário Nacional a possibilidade da autoridade fiscal desconsiderar atos ou negócios jurídicos com o único objetivo do cometimento da elisão fiscal, constituindo portanto, forma eficaz de combater o planejamento tributário praticado com abuso de forma ou de direito.

O Direito Comercial prega sua máxima através do brocardo jurídico "finis mercatorum est lucrum" e diante deste paradigma é que chega-se a finalidade de uma atividade empresarial é o lucro ficando o pagamento de tributo como conseqüência indesejável deste e a mera tentativa de se pagar menos tributo já constitui um "business purpose", ficando portanto, clara e evidente a vedação para a desconsideração do negócio pela autoridade administrativa fiscal.

O que resta pensar, é que pretende o legislador com a introdução desse novo dispositivo, com o parágrafo único do art. 116 do CTN, a incorporação ao ordenamento jurídico pátrio de mais uma nova norma antielisiva, com a capacidade de outorgar à autoridade administrativa fiscal plenos poderes para interpretar economicamente o fato gerador e por conseguinte, desconsiderar o ato ou negócio jurídico realizado pelo contribuinte na condição de ocorrer abuso de forma jurídica.

Apesar de efetuar a interpretação econômica de qualquer tipo de ato ou negócio jurídico negocial deverá acima de tudo o fisco respeitar o preceituado pelo art. 110 CTN que prega:

"Art. 110 - A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias."

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Este alerta se dá com relação ao fato de que o respeito aos institutos do direito Privado deverá contecer e os princípios constitucionais tributários. Ademais, observa-se que o art. 116 CTN aplica-se à ato jurídico praticado após a ocorrência do fato gerador configurando aí então, a evasão fiscal contrariamente a configuração de elisão fiscal.

Outrossim, observa-se ainda que o combate à evasão fiscal empregando-se como hipóteses as permitidas no art. 149 CTN conforme mostrado a seguir, deixarão a desejar pois impende-se a necessidade de procedimentos específicos a serem adotados pela autoridade lançadora e que venha ser regulamentados por lei ordinária.

"Art. 149 - O lançamento e efetuado e revisto de oficio pela autoridade administrativa nos seguintes casos:

I - quando a lei assim o determine;

II - quando a declaração não seja prestada, por quem tem direito, no prazo e na forma da legislação tributária;

III - quando a pessoa legalmente abrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a presta-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade;

IV - quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória;

V - quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte;

VI - quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que de lugar a aplicação de penalidade pecuniária;

VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em beneficio daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;

VIII - quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior;

IX - quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de fato ou formalidade essencial.

Parágrafo único - A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública."

Outro aspecto interessante e que merece destaque nesta discussão é o confronto entre o §1º. do art.108 CTN com o parágrafo único do art. 116 CTN. Troianelli29 demonstra a incompatibilidade entre os dois artigos dizendo que uma norma geral antieleisão não tem o condão de revogar uma norma especial de interpretação tributária ante o princípio da hermenêutica segundo o qual a lei geral não revoga a especial. Assevera ainda, que a interpretação econômica consiste na utilização de raciocínio analógico em que, em se partindo de um substrato comum, se equipara um fato jurídico não definido como hipótese de incidência tributária a outro fato jurídico previsto como hipótese de incidência.


Conclusão

Hodiernamente o contribuinte está demandando em postura diferente do Fisco, bem como de outros órgãos da Administração Pública. No passado, aquela postura feudal e despótica muitas vezes não-esclarecida, que era do "eu cobro e você paga", está completamente ultrapassada. O contribuinte nos dias de hoje deseja saber onde e como está sendo aplicado o tributo que recolhe ao Erário. No entanto, sem ser utópico, creio que ainda estamos muito atrasados, seja do ponto de vista de termos órgãos bem estruturados com pessoal qualificado e em número adequado às suas atividades cotidianas ou ainda, pela qualidade de normas jurídicas antielisivas propostas bem fundamentadas em conceitos amplamente discutidos e consensados.

Daí então, decorrem todas as formas possíveis de burlar o fisco seja de maneira lícita ou ilícita. Ademais, o foco principal da Administração em termos de arrecadação se fulcra excessivamente nas pessoas jurídicas onerando-as demasiadamente ou muitas vezes inviabilizando sua existência e dificultando a entrada de capitais para novos investimentos ou então nas pessoas físicas em atividade laboral pois qualquer medida nas alíquotas ou base de cálculo tem efetividade imediata.

O objetivo almejado para adoção de cláusulas gerais antielisivas usando a regra de intenção negocial, a meu ver, está sendo mais amplamente empregado devido a globalização. Contudo, como todas as distorções ocorridas no Brasil, as medidas adotadas pelo fisco pátrio são realizadas homeopaticamente e de forma não sistêmica.

A positivação da Lei Complemantar N° 104/2001 que alterou o art.116 CTN, caracterizada por sua intenção negocial afastou a aplicação de normas específicas fechadas, quando há ocorrência de propósito comercial não exclusivamente elisivo do contribuinte na prática de certos atos.

Nas normas tributárias antielisivas gerais ou até mesmo específicas podem-se caracterizar pelo afastamento do Direito Privado e representar uma restrição à autoridade da vontade ou uma regulação da liberdade de gestão. Deverão ainda possuir hipóteses de necessidade para determinado fim que não arrecadatório e âmbito de aplicação restrito.

Por outro lado, para normas antielisivas fechadas, que não contenham intenção negocial, afastadas pela Lei Complementar 104/2001, dirigidas a determinadas operações deverão ser interpretadas e aplicadas através do método.

Por fim, a adoção de cláusulas gerais antielisivas usando a interpretação econômica, devem obrigatoriamente vislumbrar seu objetivo precípuo, não exclusivamente arrecadatório levando em conta os princípios da igualdade ou solidariedade social. Com isto, evitar-se-á impor ônus excessivo aos contribuintes.

Conclui-se que os esforços emanados pelo legislador são em vão, se não aplicados sistemicamente, isto é, não permitindo que se legisle por bateladas ou por motivos eleitoreiros ou ainda, se de forma bem intencionada, deixe lacunas nas leis tributárias. Apesar de dispormos em vários instrumentos legais requisitos que coíbam atividades que lesem o Erário Público e, ainda assim, esses eventos indesejáveis continuam ocorrendo. A necessidade de possuirmos normas jurídicas bem elaboradas, isto é, criteriosas e de acordo com a ocorrência dos casos concretos, fundadas em princípios constitucionais tributários e nos valores precípuos para a sociedade, é imperiosa.


Bibliografia

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Notas

1. in Revista Exame, Sonego logo Existo, ano 1996.

2. HOLLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário Aurélio Eletrônico. Ed. Nova Fronteira, Novembro1997.

3. SOUZA, Rubens Gomes. Parecers 3. Imposto de Renda. Ed.Póstuam, São Paulo: Resenha Tributária, 1976.

4. VAZ, Carlos. Evasão Tributária, Companhia Editora Forense, 1ª. edição, 1987.

5. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Ed. Renovar, 7ª. edição, 2000, Rio de Janeiro.

6. FALCÃO, Amilcar. Fato Gerador da Obrigação Tributária

7. ATALIBA, Geraldo. Elementos de Direito Tributário. Sâo Paulo: RT, 1978.

8. ULHÔA CANTO, Gilberto de. Elisão e evasão fiscal, Caderno de Pesquisas Tributárias n°13. Elisão e evasão fiscal. São Paulo: Resenha Tributária, 1988.

9. NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 5ª. edição, Ed. Saraiva, Rio de Janeiro, 1980, p.205.

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22. TIPKE, Klaus. Die Steuerrechtordnung.

23. Rechtssicherheit ist Regelsicherheit. Rechtsetzung durch Steuergericht. BRD. p.194.

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26. BERNARDI, & BERNASCONI,.

27. ROLIM, João Dácio. As presunções da lei 9430/96 e os casos especiais nos preços de transferência. Preços de Transferência e Tributos. São Paulo:Dialética, 1997.

28. MARAFON, Plínio J. Preços de Transferência. Pp 71-76.

29. TROIANELLI, Gabriel Lacerda. Comentários aos novos dispositivos do CTN:a LC 104. Dielética, 2001.

Sobre o autor
Fernando Maida

advogado no Rio de Janeiro, planejamento tributário da Petrobras Distribuidora

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAIDA, Fernando. A elisão fiscal à luz dos direitos brasileiro e comparado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -366, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2929. Acesso em: 4 nov. 2024.

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