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Direitos fundamentais sociais: constitucionalização, aplicabilidade e judicialização nas relações de trabalho

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Agenda 27/08/2014 às 08:44

Análise do processo de incidência direta dos direitos fundamentais sociais dos trabalhadores nas relações privadas de trabalho e o papel da intervenção da atividade jurisdicional para garantir a concretização desses direitos.

Resumo: A Constituição Federal de 1988 deu, aos direitos sociais dos trabalhadores, o status de fundamentais sem, no entanto, receberem a devida regulamentação e complementação. Assim, os trabalhadores não podem esperar a atividade legislativa para usufruírem dos seus direitos garantidos constitucionalmente, que tem eficácia imediata, razão pela qual discutiremos como se dá essa incidência direta nas relações de trabalho entre particulares e, em último caso, a intervenção da atividade judicial que garanta a concretização social dos direitos fundamentais do trabalhador.

Palavras-chave: direitos fundamentais sociais; aplicabilidade; judicialização; relações de trabalho.


Introdução

O trabalho tem como objetivo analisar a concretização dos direitos fundamentais sociais dos trabalhadores no contexto da relação privada de trabalho. Inicialmente, trataremos de analisar a matriz história desses direitos para entender o porquê da importância da sua efetividade, uma vez que foram pautados sempre em grandes lutas sociais.

A seguir, analisaremos o processo de introdução dessas normas no nosso ordenamento constitucional, sobretudo aqueles inclusos com a Constituição Federal de 1988, que deu aos direitos sociais dos trabalhadores o status de fundamentais. Porém, grande parte dos direitos previstos no art. 7º da CRFB/88 não receberam a devida regulamentação e complementação.

Entretanto, os trabalhadores não podem esperar a atividade legislativa para usufruírem dos seus direitos garantidos constitucionalmente, que tem eficácia imediata, razão pela qual discutiremos como se dá essa incidência direta nas relações de trabalho entre particulares e, em último caso, a intervenção da atividade judicial que garanta a concretização social dos direitos fundamentais sociais do trabalhador.


1.  Surgimento dos direitos fundamentais sociais

O movimento Iluminista trouxe à tona a discussão sobre os direitos inerentes à condição humana e, com  a Revolução Francesa, foi-se formando um Estado Constitucional de Direito fundado na limitação do exercício de poder pelo Estado. Com a adoção da teoria da separação dos poderes de Montesquieu, iniciou-se uma era de reconhecimento de direitos fundamentais em face do Estado Liberal. A noção de sociedade passa a fundar-se no relacionamento de indivíduos livres e iguais, com autonomia para a livre iniciativa baseada exclusivamente em suas vontades e interesses, com o pensamento de que, assim, todos teriam oportunidade de livre competição, ascenção social e aquisição de bens materiais.

Assim, para a teoria liberal, a esfera das relações sociais particulares deveria ser totalmente desvinculada da esfera política, podendo proprietários e trabalhadores dispor dos seus direitos e realizar negócios jurídicos como melhor lhes conviesse, sendo o papel do Estado apenas o de total abstinência de iniciativa social, devendo apenas assegurar que, aos particulares, fosse estabelecido o irrestrito espaço de autodeterminação.

O advento da Revolução Americana de 1776 e da Revolução Francesa de 1789 deram mais força à constitucionalização dos chamados direitos civis e políticos ou direitos fundamentais de primeira dimensão.

Entretanto, essa ideia de igualdade formal do Estado liberal, cujos princípios filosóficos partiram da revolta social burguesa, constituiu, de fato, princípios constitutivos da ideologia da classe, gerando uma profunda contradição. A concepção de Estado mínimo, não intervencionista e garantidor apenas da propriedade e liberdade do indivíduo contribuiu para um extenso desnível social entre a classe burguesa e as classes menos favorecidas, que teve seu auge com a Revolução Industrial, no século XVIII, que só intensificou o fosse existente entre os operários e os empresários.

A partir desses problemas econômicos, sociais e políticos compreendidos com o presente modelo de Estado, surgiu a necessidade de se implementar outro grupo de direitos que fosse capaz de assegurar ao indivíduo o mínimo essencial à vida digna. A organização da classe operária, a intensificação das lutas sociais com o estabelecimento de organizações civis, decorrente da Revolução Industrial, e com o objetivo de romper com os ditames liberais e de mercado vigentes, culminaram do reconhecimento dos chamados direitos econômicos e sociais.

A percepção liberalista do indivíduo como ser livre e autônomo foi substituída por uma concepção de ser social e a ideia de igualdade formal substituída pela igualdade material, inclusive com o reconhecimento daquelas organizações, sobretudo de trabalhadores, com o objetivo de lutar por esses direitos. Assim, no início do século XX, sob a égide de movimentos socialistas, as Constituições do México, de 1917, Soviética, de 1918, e de Weimar, na Alemanha, em 1919, foram as primeiras a implementar os direitos sociais, primeiras Constituições contendo direitos sociais, as quais analisaremos mais detidamente no Capítulo 3 -  Constitucionalização dos direitos sociais.

Essa crise do Estado liberal, pautada na ampliação das desigualdades sociais, culminou então na criação de novos direitos do cidadão, compreendidos como aqueles de segunda dimensão, tais como saúde, educação, seguridade social, dentre outros, e põem em relevo a unidimensionalização dos direitos do homem egoísta com a necessidade de completar os tradicionais direitos do cidadão burguês pelos direitos do homem total, o que só seria possível numa nova sociedade. Dessa forma, a radicação da ideia da necessidade de garantir o homem no plano econômico, social e cultural, de forma a alcançar um fundamento existencial-material, humanamente digno, passou a fazer parte do patrimônio da humanidade (CANOTILHO, 2003, p. 385) e integrar fundamentalmente a grande maioria das Constituições contemporâneas.

Então, com o desvencilhamento do controle político e econômico exercido pela burguesia, inicia-se a concepção de Estado Social, aquele Estado de todas as classes, o Estado fator de conciliação, o Estado mitigador de conflitos sociais e pacificador necessário entre o trabalho e o capital (GRAU, 2001, p. 15), deixando a posição de ente ausente para interventor e mediador das relações jurídicas particulares.


2.  Definição dos direitos fundamentais sociais

Com a crise social despendida do modelo liberalista, emergiu-se o modelo de Estado Social de Direito, marcado, principalmente, pela exigência da presença do Estado e o surgimento dos direitos fundamentais sociais ou direitos a prestações.

Os direitos a prestações buscam obter do Estado as condições jurídicas e materiais imprescindíveis ao exercício concreto de tais liberdades, que pode referir-se a uma prestação jurídica ou a uma prestação material, caso o objeto da pretensão seja uma atuação normativa do Estado ou uma utilidade ação concreta a ser proporcionada pelo ente estatal.

A segunda dimensão dos direitos fundamentais, ou o status positivus/civitatis, como proposto por Jellinek, requer ao Estado uma ação positiva, que este forneça aos indivíduos condições mínimas de vida com dignidade, como forma de diminuir as desigualdades sociais.

Robert Alexy entende que os direitos fundamentais sociais também abrangem direitos à proteção por parte do Estado, que este os proteja de intervenções de terceiros e somente a subjetivação dos deveres de proteção faz justiça ao sentido original e permanente dos direitos fundamentais como direitos individuais. Ao contrário do que ocorre com os direitos sociais, ou direitos a prestações em sentido estrito, os direitos a proteção inserem-se inteiramente na compreensão liberal tradicional dos direitos fundamentais (ALEXY, 2008, p. 470 ).

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Robert Alexy ainda divide os direitos a prestações em direitos a organização e procedimento e direitos a prestações em sentido estrito. Segundo o autor, a despeito de a Constituição alemã conter direitos fundamentais diretamente relacionados a procedimentos – os direitos fundamentais ligados ao acesso à justiça e a despeito da ampla utilização do princípio do Estado de Direito para fundamentar exigências de criação e de configuração de procedimentos, o denominador comum na jurisprudência é atribuir direitos a procedimentos aos direitos fundamentais materiais. Em relação aos direitos a prestações em sentido estrito são direitos do indivíduo, em face do Estado, a algo que o indivíduo, se dispusesse de meios financeiros suficientes e se houvesse uma oferta suficiente no mercado, poderia também obter de particulares (ALEXY, p. 2008, p. 499).

Há três principais argumentos em relação aos direitos fundamentais sociais: a igualdade, a liberdade e a solidariedade. A busca pela igualdade entre os membros da sociedade parece ser o principal deles. A igualdade que prevalecia no período liberalista era a formal, atribuindo para todos os cidadãos igualdade de condições em todos os aspectos da vida civil, o que, como vimos, teve como consequência os mais diversos problemas sociais. No novo Estado de Direito, a igualdade que se busca é a igualdade material, que leva em consideração as particularidades do indivíduo, atribuindo aos indivíduos, em situações semelhantes, as mesmas condições e aos indivíduos em situações distintas, diferentes condições, prerrogativas e privilégios.

Por sua vez, a liberdade jurídica, isto é, a permissão jurídica de se fazer ou deixar de fazer algo, não tem valor sem uma liberdade real, isto é, a possibilidade fática de escolher entre as alternativas permitidas. Além disso, sob as condições da moderna sociedade industrial, a liberdade fática atribuída a um grande número de titulares de direitos fundamentais não encontra seu substrato material em um espaço vital por eles controlado, mas depende sobretudo de atividades estatais (ALEXY, 2008, p. 503).

O princípio da solidariedade tem íntima relação com a igualdade e constitui o fecho de abóbada de todo o sistema de direitos humanos (COMPARATO, 2007, p. 337). Isto é, o fundamento dos direitos fundamentais, sobretudo os sociais, é garantir condições mínimas à uma vida digna a todos os cidadãos, mas, principalmente, àqueles que encontram-se em uma posição de desvantagem em relação aos outros e, por isso, necessitam de uma proteção maior do sistema legal, inclusive dos demais particulares envolvidos em uma determinada relação jurídica.

Os direitos e liberdades fundamentais, inclusive os sociais, tem uma dupla natureza: não garantem apenas direitos subjetivos, mas também direitos objetivos básicos para a ordem constitucional democrática do Estado de Direito. Assim, a interpretação formal, por muito tempo dominante, dá espaço a uma noção material dos direitos fundamentais, que compreende sua dimensão jurídico-objetiva (QUEIROZ, 2006, pp. 14-15).

Com isso, os direitos fundamentais passam a ser fundamento funcional da democracia, deixando de ser vistos, primordialmente, como reservas contrapostas ao ente estatal, mas sendo compreendidos e aplicados com uma finalidade unificadora.


3.  Constitucionalização dos direitos fundamentais sociais do trabalhador

Como vimos, o Direito do Trabalho teve sua origem com a sociedade industrial na Revolução do século XVIII, sendo a maioria dos direitos fundamentais sociais efetivamente conquistada durante o século XX.

A Constituição da Alemanha de 1919 (Constituição de Weimar)  e a Constituição do México de 1917 foram as primeiras a incluir os direitos sociais em seu bojo. Esta trouxe, principalmente, disposições referentes ao trabalho e à previdência social, tais como salário mínimo, jornada máxima de trabalho, indenização por acidentes de trabalho, repouso semanal, doenças profissionais, greve, sindicalização e indenização por despedida sem justa causa.

A Constituição de Weimar preocupou-se com regime de previdência para doenças, maternidade e invalidez; institucionalizou os Conselhos de Empresas para defesa dos interesses sociais dos trabalhadores, regulamentou salários, entre outros direitos, tornando-se um verdadeiro modelo para outras Constituições posteriores. Após, a Lei Fundamental da Alemanha de 1949 trouxe o direito de associação em busca da melhoria das condições de trabalho e direito à liberdade de profissão junto aos capítulo dos Direitos Fundamentais e, tal como preconiza o item 3 do artigo 1º, constituem direitos diretamente aplicáveis e vinculam os poderes legislativo, executivo e judiciário.

A Constituição da França de 1958 não enumerou no seu texto um rol de direitos fundamentais, tão somente afirmou em seu preâmbulo o acatamento do povo francês à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que foi confirmada pelo preâmbulo da Constituição de 1946, da da IVª República Francesa. Esta sim trazia diversos direitos sociais, no capítulo Princípios políticos, econômicos e sociais particularmente necessários ao nosso tempo, tais como o direito ao trabalho e ao emprego, o direito de greve, participação do trabalhador em decisões coletivas sobre as condições de trabalho, proteção à saúde, à segurança material, ao repouso e ao lazer.

A Constituição da Itália de 1947 trouxe os direitos sociais no capítulo de Direitos e Deveres dos Cidadãos, no grupo das relações econômicas e incluiu o direito ao trabalho, o direito do trabalhador a uma remuneração proporcional à quantidade e à qualidade de seu trabalho, que fosse suficiente para assegurar a ele e à família uma existência livre e digna, a duração máxima da jornada de trabalho, o direito ao repouso semanal, o direito às férias anuais remuneradas, os direitos da mulher trabalhadora, a proteção do trabalho de menores, o direito à assistência social do cidadão incapacitado para o trabalho e os direitos dos trabalhadores nos casos de acidentes, doenças, invalidez, velhice e desemprego involuntário, o direito dos incapazes e dos menores à formação profissional, a liberdade da organização sindical, o direito de greve, entre outros.

A Constituição da Espanha de 1978 também deu especial destaque aos direitos sociais do trabalhador. Esses direitos foram inseridos no título Direitos e Deveres Fundamentais e incluem o direito de sindicalização, de negociação coletiva e de greve, o direito ao trabalho com remuneração suficiente para satisfazer as necessidades do trabalhador e de sua família, além de estabelecer aos poderes públicos a realização de uma política de pleno emprego, com formação e readaptação profissionais e proteção aos direitos dos trabalhadores, além da previdência social para os cidadãos. O Estado também  deve realizar uma política de prevenção, tratamento, reabilitação e integração dos deficientes físicos, sensoriais, e psíquicos, entre outros.

A Constituição da República Portuguesa de 1976 expôs os direitos sociais dos trabalhadores nos títulos Direitos, Liberdades e Garantias dos Trabalhadores, Direitos e Deveres Econômicos, Direitos e Deveres Sociais e nos Direitos e Deveres Culturais. Naquele primeiro título, acrescentados pela Lei Constitucional nº 1 de 1982, está a proibição às despedidas sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos, a criação de comissões de trabalhadores para defesa de seus interesses e intervenção democrática na vida da empresa, a liberdade sindical dos trabalhadores e de formação das associações sindicais, com direito de negociação  e greve. Nos Direitos e Deveres Econômicos, foi  estabelecido o dever do Estado de assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso.

No Brasil, a Constituição Federal de 1934 introduziu os direitos sociais no nosso ordenamento jurídico, no título da Ordem Econômica e Social tais como o salário mínimo, a jornada diária não superior a oito horas, o repouso semanal, as férias anuais remuneradas, a indenização ao trabalhador dispensado sem justa causa, a assistência médica ao trabalhador e à gestante.

A Constituição Federal de 1946 acrescentou o direito à participação nos lucros da empresa, enquanto a de 1967 substituiu a expressão “preceitos da legislação do trabalho” por “direitos assegurados aos trabalhadores”, dando maior ênfase a esses direitos.

A Constituição Federal de 1988, por sua vez, colocou os direitos sociais no título Direitos e Garantias Fundamentais, e introduziu novas garantias ao trabalhador, tais como  auto-organização sindical e autonomia de administração dos sindicatos, incentivo à negociação coletiva, ampliação do direito de greve, redução da jornada de trabalho de quarenta e oito para quarenta e quatro horas, generalização do regime do FGTS, eliminando-se a estabilidade decenal, aumento em um terço da remuneração das férias, ampliação da licença-maternidade para cento e vinte dias, criação da licença-paternidade de cinco dias, estabilidade das empregadas gestantes, dos dirigentes sindicais e dos dirigentes da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA).

Além disso, no título Ordem Social são trazidas outras regras relativas à seguridade social, saúde, previdência social, lazer, maternidade e infância


4.  A aplicabilidade direta dos direitos fundamentais sociais nas relações de trabalho

Uma vez estabelecidas algumas considerações gerais acerca da definição e do processo histórico dos direitos fundamentais sociais, adentraremos no mérito da eficácia horizontal ou entre particulares desses direitos, notadamente na relação de trabalho.

Segundo Noberto Bobbio, o problema fundamental em relação aos direitos do homem não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los, o que não é um problema filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. O mais importante, então, seria investigar qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados (BOBBIO, 2004, p. 45).

Os direitos fundamentais foram criados como uma forma de vincular, primordialmente, o Estado, limitando seu poder para evitar ingerências excessivas da vida particular dos indivíduos. Entretanto, foi-se verificando que as desigualdades entre as partes não se limitam às relações entre o Estado e o particular, mas também afetam as relações privadas, especialmente se um dos particulares detém um poder social ou econômico superior ao outro. Então, na Alemanha (Drittwirkung), e posteriormente no Brasil, passou a se admitir a eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações privadas.

Embora seja alegado o direito da autonomia privada para afastar a incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas, entendemos que só pode existir efetivamente autonomia privada quando o agente desfrutar de mínimas condições materiais de liberdade. Porém, isso não acontece em grande parte dos casos de aplicação desses direitos nas relações entre particulares, nas quais a manifesta desigualdade entre as partes obsta, de fato, o exercício da autonomia, e as relações de trabalho são, quase em sua totalidade, de caráter profundamente assimétrico e excludente (URIARTE, p. 222).

Confirmada a possibilidade de aplicação dos direitos fundamentais sociais às relações trabalhistas, passaremos a analisar agora a forma de vinculação dos particulares a esses direitos.

O art. 5º, §1º, da CRFB de 1988, dispõe que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata”.

Embora o dispositivo aludido não mencione qualquer exceção à norma, alguns doutrinadores negam a aplicação imediata da totalidade dos direitos fundamentais, já que se reservaria apenas àquelas normas completas, que prescindem de qualquer atividade legislativa. Segundo a teoria da eficácia mediata ou indireta (mittelbare Drittwirkung), formulada por Günther Dürig, a eficácia direta dos direitos fundamentais perante terceiros geraria um incremento do poder estatal sobre a autonomia privada, desvirtuando o Direito Privado. Para os adeptos dessa teoria, os direitos fundamentais não podem ser aplicados às relações particulares sem os chamados mecanismos de intermediação e suavização, que seriam, principalmente, a atividade legislativa e, em segundo plano, a atividade judicial.

Os direitos fundamentais seriam, então, meros instrumentos de interpretação das normas de Direito Privado e de controle do âmbito de extensão da autonomia privada, se reduzindo tão somente à conciliação desses valores com a liberdade geral e a liberdade negocial, representando um verdadeiro retrocesso aos mecanismos de proteção aos direitos do homem (ANDRADE, 1998, p. 289) e, por isso, partilhamos do entendimento de eficácia imediata ou direta dos direitos fundamentais nas relações particulares (unmittelbare Drittwirkung).

José Afonso da Silva, ao tratar do problema da eficácia jurídica dos direitos fundamentais sociais, subdivide as normas naquelas de eficácia plena, eficácia contida e eficácia limitada (SILVA, 2004, p. 85). Entretanto, as normas constitucionais são, sem exceção, dotadas de eficácia jurídica, variando apenas sua carga eficacial, de acordo com o grau de normatividade que lhe tenha sido outorgado pela Constituição. Uma interpretação que negue a eficácia das normas de direitos fundamentais desprestigia o princípios da máxima efetividade da Constituição (CUNHA JUNIOR, 2011, p. 627).

Para Ana Paula de Barcellos, o primeiro critério que orienta a identificação da eficácia jurídica aos enunciados normativos diz respeito à chamada fundamentalidade social da circunstância por ele regulada, que é seu grau de importância ou relevância social e esse é o parâmetro lógico que orienta a política legislativa de modo geral. Quanto mais fundamental para a sociedade for a matéria disciplinada pelo dispositivo e, consequentemente, os efeitos que ele pretende sejam produzidos, mais consistente deverá ser a modalidade de eficácia jurídica associada (BARCELLOS, 2008, p. 126). E os direitos fundamentais sociais do trabalhador tem, inegavelmente, um alto grau de fundamentalidade social.

A interpretação constitucional do caráter de abertura e pluralismo da Constituição de 1988, que culminou na redação do art. 5º, §1º, reflete a intenção do legislador em perquirir, no sistema normativo, até a exaustão, todas as potencialidades dos comandos normativo-constitucionais, independente de qualquer intervenção legislativa, confirmando a aplicação imediata de todos os direitos fundamentais (CUNHA JUNIOR, 2011, p. 642). A cláusula da aplicação imediata supracitada tem, portanto,  uma extraordinária importância prática, como decorrência do princípio da máxima efetividade das normas constitucionais.

Como consequência da vontade constitucional de se estabelecer ampla proteção aos direitos fundamentais sociais, estes não devem carecer de qualquer transformação para serem aplicados no âmbito das relações jurídico-privadas, assumindo diretamente o significado de vedações de ingerências no tráfico jurídico-privado e a função desses direitos oponíveis a outros particulares, acarretando a proibição a qualquer limitação aos direitos fundamentais contratualmente avençadas, ou, em último caso, gerando direito subjetivo à indenização no caso de uma ofensa oriunda de particulares (SARLET, 2004, p. 251).

Como meio de mitigar essa dicotomia entre eficácia mediata e imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas, Ingo Wolfgang Sarlet sustenta que das normas definidoras de direitos fundamentais decorrem os chamados deveres de proteção. Esses seriam imposições ao Estado para que protegessem os particulares contra agressões aos bens jurídicos fundamentais assegurados constitucionalmente. Para alguns autores, a melhor forma de resolver o problema da eficácia horizontal dos direitos fundamentais seria colocar o Estado como destinatário precípuo desses direitos, e que seria este o responsável por obrigar o particular a obedecê-los. Entretanto, na nossa opinião, a limitação à eficácia dos direitos fundamentais com essa intervenção estatal continua representando óbice à efetividade desses direitos (SARLET, 2004, p. 362).

Dessa forma, insistindo na vinculação direta dos particulares aos direitos fundamentais sociais, o mesmo autor nos traz a teoria dos “poderes privados” e se refere às relações entre particulares caracterizadas por um inequívoco e relevante grau de desigualdade, logo, dotada de expressivo poder social. Segundo a teoria, nesses casos, estaríamos, na verdade, diante de uma relação similar à travada entre o Estado e o indivíduo e, em razão do desequilíbrio do poder social e econômico na relação privada, se teria uma verdadeira vinculação direta com eficácia do tipo vertical, e não realmente horizontal, como já foi dito (SARLET, 2004, p. 368).

Independente de ser chamada eficácia horizontal ou vertical, os direitos fundamentais sociais do trabalhador, definitivamente, necessitam de uma séria proteção no âmbito das relações privadas de trabalho, principais destinatárias das referidas normas, dada manifesta desvantagem do trabalhador em relação ao empregador, detentor, por excelência, de um maior poder social e econômico.

O principal fundamento dos direitos fundamentais, aí incluídos os direitos sociais do trabalhador, já vem de antes da relação de trabalho, com os direitos fundamentais inerentes a sua condição de pessoa. O princípio da dignidade da pessoa humana pode ser utilizado para justificar as várias formas de eficácia jurídica e sua extensão, inclusive reconhecer a algumas normas a eficácia positiva ou simétrica, que busca identificar simetria entre o conteúdo da eficácia jurídica e os efeitos pretendidos pela norma, garantindo à pessoa humana, pelo menos, o mínimo existencial (BARCELLOS, 2008, p.229). Ainda assim, apenas os direitos individuais, de não intervenção, não são suficientes para o alcance da dignidade da pessoa humana, se não lhe forem garantidos direitos positivos, tais como o direito ao trabalho e as demais garantias a ele inerentes, que, sem dúvidas, fazem parte do conteúdo essencial do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Além disso, a CRFB de 1988 também compreende  o valor social do trabalho como fundamento da República, em seu artigo 1º, IV, e da livre iniciativa, consagrando a importância da efetividade dessas garantias no nosso Estado democrático de direito.

Outro importante fundamento constitucional que contribui para a aplicabilidade direta dos direitos fundamentais sociais às relações trabalhistas é a consagração da função social da propriedade, nos termos do art. 5º, XXIII, da CRFB/88. O nosso ordenamento jurídico garante, por um lado, a propriedade privada e a pluralidade de direitos de propriedade e, por outro, que a função social dos bens delimitará o conteúdo essencial do direito.

Em termos gerais, a liberdade de empresa se define, do ponto de vista trabalhista, na liberdade de entrar no mercado, na liberdade de organizar e desenvolver os recursos produtivos e na liberdade de abandonar total ou parcialmente o mercado. Sobre a primeira, a liberdade de entrar no mercado, se concretiza com a possibilidade de adotar livremente a decisão de iniciar atividades empresariais, decidindo o que se vai produzir, como vai e quanto vai e, portanto, a quantidade de trabalhadores que vai se precisar e quem vai ser contratado.

A liberdade de empresa pode sofrer restrições derivadas da proteção de outros direitos constitucionais, mas essa limitação não pode chegar a anular aspectos substanciais da liberdade nem pode infligir à mesma danos que resultem desproporcionais aos objetivos sociais perseguidos. Dessa forma, se impõe à empresa uma função eminentemente social, não se restringindo apenas à busca pelo lucro, mas de promover o desenvolvimento social de acordo com os ditames estabelecidos na Constituição.

Sobre a noção de efetividade dos direitos constitucionais, Luís Roberto Barroso, a distingue do conceito de vigência da norma, citando Kelsen, como o fato real de ela ser efetivamente aplicada e observada, da circunstância de uma conduta humana conforme à norma se verificar na ordem dos fatos. Dessa forma, a efetividade significa a realização do direito, o desempenho concreto de sua função social e representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais, simbolizando a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social (BARROSO, 2002, p. 236).

Dessa forma, o problema da eficácia dos direitos sociais fundamentais do trabalhador não pode apenas se limitar ao estudo das normas positivadas, mas sim observando a totalidade das questões que tais direitos envolvem, principalmente sociais, políticas e econômicas.

Um dos problemas relativos aos direitos fundamentais sociais é o aprofundamento das políticas específicas para tutela, pois, apesar de a Constituição Federal prever uma série de direitos trabalhistas, no art. 7º e fora dele, alguns ainda permanecem pendentes de regulamentação e, por isso, não alcançam a devida e esperada efetividade social. No nosso modelo constitucional, aceitam-se normais constitucionais que definem direitos fundamentais com a fixação de programas, finalidades e tarefas a serem implementadas pelos poderes públicos e que reclamam mediação legislativa. Mas isso não autoriza afirmar que não são dotadas de aplicação imediata, já que podem ser complementadas pelos órgãos do Judiciário no exercício de sua atividade de garantia e efetivação dos direitos fundamentais.

Sobre o autor
Laíse Nunes Mariz Leça

Advogada. Mestre em Direito das Relações Sociais na Contemporaneidade pela Universidade Federal da Bahia - UFBA. Pós-graduação em Direito Civil e Processual Civil e em Direito do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEÇA, Laíse Nunes Mariz. Direitos fundamentais sociais: constitucionalização, aplicabilidade e judicialização nas relações de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4074, 27 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29331. Acesso em: 25 nov. 2024.

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