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Direito de recesso nas sociedades limitadas à luz do princípio constitucional da livre associação

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Agenda 26/08/2014 às 14:18

Tratando-se de sociedade limitada não regida supletivamente pela Lei das SA, mas pela formação da sociedade simples, incide o art. 1.029 do CC, que disciplina a retirada de modos distintos, conforme se trate de sociedade com prazo determinado ou indeterminado.

Sumário: 1 INTRODUÇÃO; 2 A SOCIEDADE LIMITADA NO DIREITO BRASILEIRO; 2.1 Histórico e características das sociedades limitadas; 2.2 Natureza das sociedades limitadas; 2.3 Natureza do ato constitutivo da sociedade e sua relação com os fundamentos do direito de retirada; 3 DIREITO DE RECESSO E LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO; 3.1 Aplicação do princípio constitucional da livre associação no direito societário; 3.2 Direito de recesso nas sociedades limitadas por prazo indeterminado;  3.3 Direito de recesso nas sociedades limitadas por prazo determinado; 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS; 5 REFERÊNCIAS         

RESUMO: Este trabalho tem o escopo de tentar apresentar soluções viáveis para resolver a problemática referente aos sujeitos que desejem exercer o direito de recesso nas sociedades limitadas independentemente de manifestação de divergência em relação a qualquer alteração contratual e, mesmo quando nenhum dos sócios remanescentes se interessarem pela aquisição das quotas do sócio dissidente, por força do princípio constitucional da livre associação. Atualmente, nota-se que o legislador, ao criar normas que disciplinam a sociedade limitada, limitou o direito de retirada do sócio dissidente às hipóteses de justa causa previstas no artigo 1.077 do Código Civil brasileiro. Ao longo deste artigo, apresenta-se um breve histórico da sociedade limitada no direito pátrio, expondo-se o seu regramento, oportunidade em que se explica de que forma se deu o seu surgimento, bem como suas características. Seguidamente, trata-se de temas a natureza das sociedades limitadas e natureza do ato constitutivo da sociedade e sua relação com os fundamentos do direito de retirada. Por fim, avalia-se a possibilidade de aplicação do princípio constitucional da livre associação no direito societário e os seus reflexos no direito de recesso do sócio de sociedades limitadas por prazo indeterminado ou determinado. Trata-se de um trabalho que não busca, evidentemente, esgotar o grande debate em torno desta questão. Busca-se, contudo, realizar uma reflexão sobre este tema tão controverso, mas ao mesmo tempo tão presente na realidade social.

PALAVRAS-CHAVE: DIREITO SOCIETÁRIO; SOCIEDADES LIMITADAS; DIREITO DE RECESSO; LIVRE ASSOCIAÇÃO


1 INTRODUÇÃO

O presente artigo objetiva tratar da possibilidade do exercício do direito de recesso nas sociedades limitadas independentemente de manifestação de divergência em relação a qualquer alteração contratual e, mesmo quando nenhum dos sócios remanescentes se interessarem pela aquisição das quotas do sócio dissidente, por força do princípio constitucional da livre associação.

Inicialmente, trata-se da evolução histórica da sociedade limitada no direito brasileiro, expondo-se o seu regramento, oportunidade em que se explica de que forma se deu o seu surgimento, bem como suas características.

Seguidamente, são abordados temas como a natureza das sociedades limitadas e natureza do ato constitutivo da sociedade e sua relação com os fundamentos do direito de retirada.

Por fim, discute-se a possibilidade de aplicação do princípio constitucional da livre associação no direito societário e os seus reflexos no direito de recesso do sócio de sociedades limitadas por prazo indeterminado ou determinado.


2 SOCIEDADE LIMITADA NO DIREITO BRASILEIRO

A sociedade limitada possui grande importância no ordenamento jurídico brasileiro por ser um dos modelos societários mais adotados no país especialmente por possibilitar ao sócio a realização de uma atividade empresarial sem comprometer seu patrimônio particular.

Entende-se, pois, necessária uma breve análise histórica acerca das dificuldades enfrentadas pelo direito brasileiro no regramento do aludido tipo societário, para uma melhor compreensão da matéria abordada no presente estudo.

2.1 Histórico e características das sociedades limitadas

Até o século XIX, os tipos de sociedades existentes dividiam-se em dois grupos, quais sejam, (1) as sociedades por ações (ou de capital), as quais, a despeito de restringirem  ao mínimo a atuação pessoal do participante, concediam a “regalia” da limitação de responsabilidade e; as chamadas (2) sociedades de pessoas, que, em que pese fossem de formação mais simples e de funcionamento menos complexo do que as sociedades por ações, eram caracterizadas pela responsabilidade solidaria e ilimitada do sócio[2].

Neste cenário, surgiu um novo tipo societário, a sociedade limitada - anteriormente chamada de “sociedade por quotas de responsabilidade limitada” - que foi instituída no Brasil através Decreto n° 3.708/1919. Por ser extremamente sucinto, tal decreto deixava várias lacunas, que eram supridas, nas matérias atinentes à constituição e dissolução, pelo Código Comercial de 1850 e, nos demais aspectos, se omisso o contrato social, pelas normas da sociedade anônima.[3]

Conforme esclarece ADALBERTO SIMÃO FILHO[4], a sociedade limitada surgiu com uma dupla finalidade: (1) fomentar a atividade mercantil, atraindo interessados a fim de que estes desenvolvessem suas atividades econômicas em um novo tipo social mais adequado e menos complexo, quando comparado à estruturação orgânica e de gestão das sociedades por ações e; (2) limitar indistintamente a responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais contraídas à integralização do capital social.

Segundo MARLON TOMAZETTE[5], não obstante o Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/2002) tenha revogado integralmente o aludido decreto, passando a disciplinar a sociedade limitada através dos artigos 1.052 a 1.087, a legislação sobre as sociedades limitadas permanece insuficiente, o que torna necessária a aplicação subsidiária das regras atinentes à sociedade simples, salvo se no contrato social os sócios optarem pela aplicação das regras da sociedade anônima.

O referido autor adverte que, ao regulamentar a sociedade limitada, o Código Civil de 2002 peca em diversos pontos, a saber, (1º) o ideal seria que a sociedade limitada possuísse regulamentação própria, não devendo buscar socorro em nenhuma legislação supletiva; (2º) é um contrassenso recorrer às normas relativas às sociedades simples para disciplinar as limitadas, posto que apenas essas últimas exercem atividade empresária e; (3º) a dualidade de regimes normativos da sociedade limitada pode gerar uma grande insegurança, mormente no que tange às relações da sociedade com terceiros.[6]

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Como visto, a sociedade limitada tem como principais características a limitação da responsabilidade dos sócios[7] e a sua simplicidade de organização, quando compara à sociedade anônima. A maior vantagem da sociedade limitada é justamente o fato de dos sócios exercerem atividade empresarial sem comprometer o seu patrimônio particular, razão pela qual é o tipo societário mais frequentemente registrado nas Juntas Comerciais brasileiras.[8]

Ressalte-se que a contratualidade também configura um grande atrativo para as sociedades limitadas, porquanto facilita a sua constituição, sendo suficiente a elaboração de um contrato social escrito e o registro deste no Cartório competente para que a sociedade adquira personalidade jurídica. Outra característica marcante das sociedades limitadas é a liberdade que tem os sócios para estabelecerem as suas próprias regras no contrato social, resultado de seu escasso arcabouço normativo.

Vale lembrar que, ao contrário das sociedades anônimas, às sociedades limitadas é dispensada a publicação de balanço financeiro na imprensa oficial, que elimina este tipo de gastos para os sócios. Por fim, saliente-se que, nas sociedades limitadas, há liberdade para o uso de denominação social, típica das sociedades de capitais, ou razão social, comum às sociedades de pessoas, fator este que reforça a tese da natureza híbrida da sociedade limitada.[9]

2.2 Natureza das sociedades limitadas

Em consonância com os apontamentos anteriores, pode-se afirmar que a sociedade limitada surgiu, no final do século XIX, como resposta às necessidades de grandes e médios empresários que buscavam um tipo societário com facilidade de criação e funcionamento e menores riscos ao patrimônio particular (responsabilidade limitada). Então, por combinar as vantagens de diversos tipos societários, a sociedade limitada acaba por dificultar o seu enquadramento como sociedades de pessoas ou de capitais.[10]

Nas lições de FABIO ULHÔA COELHO[11], constituem as sociedades de pessoas naquelas em que a materialização do objeto social depende mais dos atributos subjetivos dos sócios que da contribuição material destes. Por outro lado, essa contribuição material, no caso das sociedades de capital, tem mais relevância que as características individuais dos sócios. Esta distinção na natureza da sociedade tem repercussão no que tange à alienação da participação societária (quotas ou ações), à sua penhorabilidade por dívida pessoal do sócio e ao regramento da sucessão por morte.

Para a doutrina majoritária, a sociedade limitada pode ser compreendida como uma sociedade híbrida, ou seja, de acordo com o caso concreto ela poderá ter um caráter de sociedade de pessoas ou de capital.[12] Nas palavras de FÁBIO ULHOA COELHO[13], “a sociedade limitada pode ser de pessoas ou de capital, de acordo com a vontade dos sócios. O contrato social define a natureza de cada limitada.” Contudo, as sociedades limitadas não se restringem a uma dessas duas classificações isoladamente, pois existem casos em que poderão assumir tanto traços personalistas quanto capitalistas, concedendo ao sócio um papel de maior ou menor destaque.

Dito isto, considerando-se as diversas formas de organização que a sociedade limitada pode assumir, conclui-se que somente diante do caso concreto, no qual seja possível analisar as decisões dos sócios em relação a diferentes matérias, haverá possibilidade de afirmar que se está diante de uma sociedade de pessoas ou de capital.

2.3 Natureza do ato constitutivo da sociedade e sua relação com os fundamentos do direito de retirada

Entre as diversas teorias criadas com a finalidade de explicar a natureza jurídica do ato constitutivo de uma sociedade, pode-se citar: (1) contratualismo clássico; (2) ato coletivo, colegial e complexo; (3) contrato plurilateral, (4) institucionalistmo e (5) contrato-organização.

Segundo CALIXTO SALOMÃO FILHO[14], foi na doutrina e jurisprudência italiana que o contratualismo teve o seu maior desenvolvimento. Esta teoria nega que o interesse social seja hierarquicamente superior ao interesse dos sócios. Então, considerando-se que todas as partes do contrato eram elementos essenciais para sua existência, a saída de um sócio da sociedade, em virtude de falecimento, por incapacidade ou por vontade própria, deveria dissolvê-la.

O contratualismo clássico, bem como as outras teorias que o sucederam, como afirma EVY CYNTHIA MARQUES[15], não trouxeram elementos que explicassem satisfatoriamente a natureza do ato constitutivo da sociedade, razão pela qual surgem os defensores da teoria do contrato plurilateral, capitaneada por TULLIO ASCARELLI[16]. Para este autor, além dos contratos bilaterais, a exemplo do contrato de compra e venda e permuta, caracterizados pela contraposição de duas partes que possuem interesses distintos e divergentes, existem os contratos plurilaterais, como o contrato de sociedade, no qual não há limitação quanto ao número de partes, haja vista que o interesse individual de cada contratante é convergente à consecução de uma mesma finalidade.

Nessa direção, RUBENS REQUIÃO[17] assinala que a teoria do contrato plurilateral trata de um contrato de caráter aberto, que admite a participação de um número não fixo, mas variável de partes, que se põe em paralelo, sendo cada participante titular de direitos e obrigações em relação ás outras, em um sistema harmonizado, que permite a adesão de novas partes ou a retirada daquelas já integrantes, sem que isto afete o contrato integralmente e resulte na sua extinção.

O ordenamento vigente parece refletir a teoria do contrato plurilateral, tendo em vista a definição existente de sociedade inserta no artigo 981 do Código Civil de 2002, in verbis, “Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.” Este dispositivo engloba todos os traços da teoria contratualista tradicional, que são a (1) pluralidade de indivíduos, concentrados em torno do exercício de uma atividade econômica e a (2) reciprocidade das obrigações entre os sócios, os quais se obrigam entre si e não em relação à sociedade.[18]

Ora, se a sociedade é instituída por um contrato plurilateral, por óbvio, admite-se o ingresso e a saída de sócios sem a extinção do contrato, o que acaba por conceder ao legislador uma maior liberdade criativa para elaborar todas as hipóteses de direito de recesso.


3 DIREITO DE RECESSO E LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO

No direito positivo brasileiro, o direto de retirada surgiu em 1919, com o Decreto nº 3.708, também denominado Lei das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada, cujo artigo 15 assegurava “aos sócios que divergirem da alteração do contrato social a faculdade de se retirarem da sociedade, obtendo o reembolso da quantia correspondente ao seu capital, na proporção do último balanço aprovado”.

Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, foi introduzido o art. 1.077[19], cuja redação contempla o direito de recesso nas sociedades, que constitui uma espécie de poder potestativo, conferido aos sócios das sociedades limitadas que discordam das alterações promovidas ou que não querem mais permanecer associados, de deixar a sociedade, criando para esta a obrigação de pagamento do valor de reembolso[20] das suas ações.[21]

A finalidade do direito de recesso, como bem afirmam DÉBORA MASCARENHAS e RÚBIA NEVES[22], é “proteger os sócios minoritários das deliberações perpetradas pela maioria societária, que muitas vezes acarreta prejuízo àqueles sócios que não têm poder decisivo na sociedade limitada”. Trata-se, portanto, de uma compensação ao sócio minoritário pela perda de poder nas deliberações sociais.

Vale lembrar que o Código Civil de 2002, em seu art. 1.057, contempla a possibilidade de os sócios se retirarem da sociedade através da livre cessão ou não das quotas na sociedade limitada. Neste caso, “há ampla margem de liberdade para os sócios, que podem dar um caráter mais personalista ou mais capitalista à sociedade limitada.”[23]

Feitas essas considerações, qual seria a solução para o caso do sócio de sociedade limitada que deseja exercer o seu direito de retirada, mas que não esteja diante das hipóteses do artigo 1.077, além de não poder ceder suas cotas por depender da anuência dos demais sócios, por força do artigo 1.057 da Lei Civil em referência? Ora, impor a condição de sócio a uma pessoa, contra a vontade desta, constitui uma clara violação à affectio societatis e ao dispositivo constitucional da liberdade de associação (art. 5º, XX, CRFB), que, por se tratar de um direito fundamental, não deve ser interpretada restritivamente.

3.1 Aplicação do princípio constitucional da livre associação no direito societário

Ao se considerar que o direito empresarial brasileiro está inserido num ordenamento jurídico geral capitalista, torna-se mais fácil supor que os princípios e valores constitucionais basilares desse regime capitalista de mercado também são princípios e valores fundamentais do direito empresarial, a exemplo da liberdade de associação, assegurada expressamente na Lex Fundamentalis, em seu art. 5º, XVII e XX. [24]

O inciso XX do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil estabelece que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado” e, por se tratar de uma norma definidora de um direito fundamental, o §1º do referido dispositivo legal prevê a sua aplicação imediata, que deve ser reconhecida em razão da supremacia constitucional e da superioridade das normas constitucionais dentro do ordenamento jurídico.

O constitucionalista JOSÉ AFONSO DA SILVA[25] defende a aplicação do inciso em referência como fundamento constitucional do direito de retirada, sob o argumento de que “a liberdade de associação inclui tanto as associações em sentido estrito (em sentido técnico estrito, associações são coligações de fim não lucrativo) e as sociedades (coligações de fim lucrativo).”

ANDRÉ LUIZ SANTA CRUZ RAMOS[26] explica que, sendo um princípio constitucional, a liberdade de associação possui dois vetores, a saber: “(i) positivo, que garante a todo e qualquer cidadão o direito de associar-se livremente, sem nenhuma restrição por parte do Estado” e; “(ii) negativo, que assegura a todo e qualquer cidadão os direitos de não se associar e de se desassociar, sem nenhuma imposição por parte do Estado.” O referido autor ainda destaca que o Supremo Tribunal Federal já se posicionou nesse sentido.[27]

WALDO FAZZIO JÚNIOR entende que o art. 1.077 do Código Civil de 2002 apresenta o rol em numerus apertus, e, tendo como fundamento o princípio constitucional da liberdade de se associar ou se desassociar, o artigo 1.029, que regula o direito de recesso nas sociedades simples, seria subsidiariamente aplicável para disciplinar o direito do sócio de retirar-se da sociedade limitada de forma imotivada.[28]

O art. 1.029 do Código Civil de 2002 estabelece que, nas sociedades constituídas por prazo indeterminado, qualquer sócio poderá retirar-se da sociedade, mediante notificação aos demais sócios (com antecedência mínima de 60 dias), independentemente de fundamentação do pedido de saída, ao passo que, no caso das sociedades com prazo determinado, o recesso dependerá da comprovação judicial de justa causa, ou seja, o sócio dissidente deverá provocar o Poder Judiciário, mediante prova da justa causa, a fim de que o magistrado se pronuncie favoravelmente à sua saída da sociedade.

EVY CYNTHIA MARQUES[29] adverte que, antes da aplicação irrestrita do princípio constitucional da livre associação, devem ser analisadas e respeitadas as normas específicas destinadas a cada tipo societário.

Por tudo isso, conclui-se que, tratando-se de sociedade de responsabilidade limitada não regida supletivamente pela Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76), mas pela formação da sociedade simples, incide o art. 1.029 do Código Civil de 2002, que disciplina o direito de retirada de modos distintos, conforme se trate de sociedade constituída por prazo determinado ou por prazo indeterminado.[30]

3.2 Direito de recesso nas sociedades limitadas por prazo indetermindado

No caso das sociedades constituídas por tempo indeterminado, por óbvio, não há data prevista para sua dissolução e, tendo em vista os princípios da liberdade de contratar, da não perpetuidade das relações contratuais e da livre associação (em sua concepção negativa, ou seja, o direito de se desassociar), não se pode submeter os sócios a um vínculo eterno e, estes, por sua vez, terão a prerrogativa de extingui-lo a qualquer tempo, sem necessidade de fundamentação.

Nessa esteira de pensamento, para FÁBIO ULHOA COELHO[31], às sociedades constituídas com prazo indeterminado é possível aplicar o disposto no art. 1.029 do Código Civil de 2002, isto é, o sócio pode exercer o direito de recesso a qualquer momento, sob o fundamento de que ninguém pode ser obrigado a se manter associado, nos termos dos princípios constitucionais da autonomia da vontade e da liberdade de associação.

Outrossim, para  PRISCILA DA FONSECA e RACHEL SZTAJN[32], esta possibilidade de que o sócio, a qualquer tempo e sem motivação, possa se desligar da sociedade é que melhor atende ao espírito do negócio associativo: liberdade para participar e liberdade para dele (ou dela, sociedade) retirar-se”.

Ante o exposto, nas sociedades limitadas constituídas por tempo indeterminado, ao sócio deve ser concedida a possibilidade exercício de seu direito de recesso a qualquer tempo, sem necessidade de causa justificada, com vistas a evitar que o sócio permaneça preso à sociedade indefinidamente. “Trata-se de uma interpretação de tal direito de acordo com a liberdade de associação prevista no art. 5º, XX, da CF/88. Protege-se, nesta concepção, o núcleo essencial da referida liberdade, evitando uma vinculação vitalícia a uma sociedade”.[33]

3.3 Direito de recesso nas sociedades limitadas por prazo determinado

Em regra, o contrato celebrado por prazo determinado não pode ser extinto antes do transcurso deste, pois as partes se comprometeram a permanecer vinculadas durante todo o tempo estipulado e este vínculo deve prevalecer sobre a liberdade do sócio que com ele expressamente anuiu.[34]

Nas sociedades limitadas construídas por prazo determinado, o próprio sócio ao ingressar na sociedade tem conhecimento dos limites em que ele terá que ficar vinculado. Então, como bem afirma MARLON TOMAZETTE[35], não há motivos para ampliar o direito de recesso nestas sociedades, ou seja, o direito de recesso deve ficar restrito às hipóteses já previstas pelo legislador no art. 1.077 do CC/2002, quais sejam, (1) alteração do contrato social, (2) fusão e (3) incorporação. Somente nesses casos, haveria uma quebra da legitima expectativa dos sócios, que resultaria na concessão do direito de retirada da sociedade.

Deste modo, considerando que o próprio sócio manifestou sua livre vontade ao concordar em estabelecer os limites de seu vinculo com a sociedade limitada por prazo determinado, entende-se que, neste caso, não restou configurada a violação à liberdade de associação.

Sobre o autor
Luciana Lima Simões de Vasconcelos

Advogada. Bacharela em Direito pela Faculdade Baiana de Direito e Gestão

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VASCONCELOS, Luciana Lima Simões. Direito de recesso nas sociedades limitadas à luz do princípio constitucional da livre associação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4073, 26 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29342. Acesso em: 22 dez. 2024.

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