1 - Da previsão constitucional da compensação financeira por exploração de recursos minerais ou participação no resultado da exploração
Levando em consideração o fato de ser a atividade de mineração potencialmente poluidora, mas importante para o desenvolvimento municipal e regional, o legislador constitucional garantiu aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios uma prestação pecuniária pela exploração de recursos minerais em seus respectivos territórios. Dispõe o parágrafo 1º do art. 20 da Constituição de 1988:
§ 1º. É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.(grifou-se)
A norma constitucional em apreço define uma prestação pecuniária devida a certos entes federados pela exploração de recursos naturais, entre eles os minerais, em seus respectivos territórios. A partir desse dispositivo, é possível fazer uma diferenciação imediata entre duas subespécies de prestações: uma, a que proporciona àquelas pessoas jurídicas de direito público uma participação no resultado da exploração; outra, a que garante a tais entes uma compensação pela exploração.
Pode-se também estabelecer a diferença entre a obrigação contida no parágrafo 1º do art. 20 e aquela prevista no parágrafo 2º do art. 176 do texto constitucional, que assegura ao proprietário do solo a participação nos resultados da lavra.
Não seria absurdo considerar, à primeira vista, que a parte inicial do § 1º do art. 20 e o § 2º do art. 176 tratam do mesmo tipo de obrigação, pois ambos mencionam o direito de receber uma "participação no resultado" da exploração (lavra, no caso específico dos minerais). Ocorre, no entanto, que os beneficiários de tais obrigações são distintos, bem como o são as razões da instituição de cada uma, pois a prestação pecuniária instituída no art. 20, § 1º, é destinada aos Estados, Distrito Federal e Municípios, desde que haja exploração mineral (lavra) em seus territórios; o dever do pagamento se dá pelo impacto ambiental, social e econômico que dita atividade exerce sobre o meio físico, a comunidade e a economia local e regional; já o art. 176, § 2º, prevê uma prestação devida ao proprietário do solo em que realizada a exploração mineral, porque, não sendo ele o proprietário dos recursos minerais (pertencentes exclusivamente à União), mas somente do solo de onde se extrai o mineral, deve participar no resultado da exploração, como forma de indenização pela impossibilidade de utilizar livremente seu imóvel.
2 – Da regulação da norma constitucional do art. 20, § 1º, pela Lei nº 7.990/89 e legislação posterior
O parágrafo 1º do art. 20 da Carta Constitucional de 1988 determinou que a obrigação ali instituída seria assegurada "nos termos da lei", o que evidenciava a necessidade de disciplinar a norma por lei infraconstitucional. A competência legislativa era da União, por força do art. 22, inciso XII, da Constituição.
No ano de 1989, com o intuito de promover tal disciplina e viabilizar a cobrança da obrigação pecuniária ali prevista, foi editada a Lei Federal nº 7.990, que tratou – ou melhor, pretendeu tratar, como será demonstrado adiante – da compensação financeira pela exploração de petróleo, gás natural, recursos hídricos e minerais, que é, repita-se, uma das subespécies da prestação pecuniária prevista no parágrafo 1º do art. 20 da CRFB/88.
Dispõe o art. 1º da Lei nº 7.990/89:
Art. 1º - O aproveitamento de recursos hídricos, para fins de geração de energia elétrica e dos recursos minerais, por qualquer dos regimes previstos em lei, ensejará compensação financeira aos Estados, Distrito Federal e Município, a ser calculada, distribuída e aprovada na forma estabelecida nesta Lei.
O art. 6º define o percentual máximo da compensação financeira pela exploração de recursos minerais e a base de cálculo de tal obrigação, que é o "valor do faturamento líquido resultante da venda do produto mineral, obtido após a última etapa do processo de beneficiamento adotado e antes de sua transformação industrial." (grifou-se)
No tocante aos recursos minerais, a Lei nº 7.990/89 foi complementada e alterada pelas Leis nº 8.001, de 1990, e nº 9.993, de 2000, e regulamentada pelo Decreto nº 1, de 1991. Ocasionou também a expedição da Portaria nº 06, de 1992, e da Instrução Normativa nº 06, de 2000, ambas do Diretor do Departamento Nacional da Produção Mineral - DNPM.
Para a análise ora empreendida, importa especialmente a Lei nº 8.001/90, que trouxe, em seu art. 2º, o conceito de faturamento líquido como sendo "o total das receitas de vendas, excluídos os tributos incidentes sobre a comercialização do produto mineral, as despesas de transporte e as de seguros" (grifou-se).
3 – Da natureza jurídica da obrigação de pagar pela exploração de recursos minerais prevista no parágrafo 1º do art. 20 da Constituição da República
Muito se tem discutido acerca da natureza jurídica da compensação financeira pela exploração de recursos minerais, também conhecida como CFEM. Certamente, a recorrência com que a legislação infraconstitucional emprega a terminologia própria do Direito Tributário tem contribuído para que muitos juristas afirmem peremptoriamente ter a obrigação em exame natureza tributária, enquanto outros, fundados nos ensinamentos de Direito Financeiro, sustentam que se trata de preço público ou, mais genericamente, de receita patrimonial do Estado, sem natureza de tributo.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar recurso em que se discutia o tema ora abordado, foi peremptório em decidir pela natureza de receita patrimonial originária da compensação financeira pela exploração de recursos minerais criada pela Lei nº 7.990/89: "o tratar-se de prestação pecuniária compulsória instituída por lei não faz necessariamente um tributo da participação nos resultados ou da compensação financeira previstas no art. 20, § 1º, CF, que configuram receita patrimonial." [1] Afastou, por conseguinte, a aplicação dos princípios do sistema tributário nacional à obrigação em exame.
As receitas públicas, segundo a doutrina, são os acréscimos patrimoniais definitivos auferidos pelo Estado, sem qualquer obrigação de devolução e sem uma respectiva baixa patrimonial. São receitas patrimoniais originárias as provenientes do próprio patrimônio público, enquanto derivadas são as retiradas do patrimônio de terceiros. A Lei nº 4.320, de 1964, que definiu normas gerais de direito financeiro, adotou conceito amplo de receitas, definindo como tais quaisquer ingressos no patrimônio público.
A obrigação de pagar pela exploração de recursos minerais configura-se como receita patrimonial originária, pelo simples fato de que provém de bens públicos dominicais, quais sejam, os recursos minerais. A receita decorrente do pagamento de tal obrigação não tem origem no patrimônio particular, e sim no do próprio Poder Público, vez que os recursos minerais pertencem à União. Por isso, citada obrigação repele a natureza jurídica tributária, dado que esta é somente identificável nas obrigações que têm origem no patrimônio de terceiros, os quais sofrem uma expropriação incontornável, por força da lei.
Parece inadequado, de outro lado, inserir a obrigação de pagamento pela exploração de recursos minerais entre os preços públicos, pois estes são aquelas receitas não-tributárias devidas por particulares como contraprestação por um serviço fornecido pelo Estado. [2] Como a exploração de recursos minerais não envolve qualquer prestação de serviço por parte do Estado, mostra-se mais lógico e tecnicamente mais adequado enquadrar a mencionada obrigação numa espécie autônoma de receita patrimonial originária, sob o título genérico de compensação financeira, como faz Ricardo Lobo Torres. [3]
4 – CFEM: Compensação pela exploração ou participação no resultado?
"Compensação", no sentido empregado tanto na Constituição de 1988 como na legislação infraconstitucional, não significa o modo de extinção das obrigações previsto nas leis civis e tributárias (Código Civil, art. 1.009, e Código Tributário Nacional, art. 170), que consiste na quitação de obrigações recíprocas até a extensão dos respectivos valores. "Compensação", aqui, tem o sentido de restabelecimento de equilíbrio, reparação de um uma situação anterior que foi abalada, ressarcimento, recompensa.
Por questão de lógica, e também por uma questão de justiça e eqüidade, a compensação de um dano tem de estar relacionada com a extensão deste; do contrário, não se poderá falar nem mesmo em reparação, pois não se terá conseguido reconquistar o equilíbrio perdido, ou suplantar o abalo causado. Ter-se-á enriquecimento ilícito, se a compensação for superior ao dano provocado, ou perpetuação da lesão, se inferior.
Ocorre que a forma de "compensação" instituída pela Lei nº 7.990/89 (o pagamento de percentual sobre as vendas) não guarda qualquer relação com o dano que visa a reparar. Como dito, a exploração de recursos minerais causa danos ambientais, sociais e econômicos. Ora, não há relação possível entre um percentual qualquer sobre o faturamento líquido decorrente da venda do produto mineral e os danos perpetrados. Seria flagrante irresponsabilidade afirmar que o faturamento líquido é diretamente proporcional ao dano, pois a exploração do recurso mineral pode ser muito agressiva e o produto obtido não encontrar mercado comprador. O faturamento líquido menor geraria o pagamento de "compensação" inferior, apesar de os danos terem sido significativos. O contrário também pode acontecer: a exploração mineral pode gerar um alto faturamento, mas a um baixo impacto ambiental e social; uma compensação mais alta, calculada sobre o montante do faturamento, também gerará reparação desproporcional ao dano.
Verifica-se, então, que a Lei nº 7.990/89 não instituiu a obrigação pela exploração de recursos minerais sob a forma de "compensação". De fato, referida obrigação foi instituída na modalidade de "participação no resultado da exploração", apesar da denominação adotada (compensação). A fixação de um percentual sobre uma base de cálculo representativa do montante de vendas bem evidencia que se criou um modo de os Estados, Distrito Federal, Municípios e outros entes públicos (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e o Departamento Nacional da Produção Mineral) participarem do "resultado" da exploração. Participam com quantias maiores na proporção em que o faturamento líquido for mais alto.
O Supremo Tribunal Federal, atento a essa peculiaridade, classificou a obrigação instituída pela Lei nº 7.990/89 como "participação no resultado da exploração", desqualificando-a como "compensação". A ementa do julgamento foi redigida nos seguintes termos:
Bem da União: (recursos minerais e potenciais hídricos de energia elétrica) : participação dos entes federados no produto ou compensação financeira por sua exploração (CF, art. 20, e § 1º): natureza jurídica: constitucionalidade da legislação de regência (Lt 7.790/89, arts. 1º e 6º e L. 8.001/90).
1. O tratar-se de prestação pecuniária compulsória instituída por lei não faz necessariamente um tributo da participação nos resultados ou da compensação financeira previstas no art. 20, § 1º, CF, que configuram receita patrimonial.
2. A obrigação instituída na L. 7.990/89, sob o título de "compensação financeira pela exploração de recursos minerais" (CFEM) não corresponde ao modelo constitucional respectivo, que não comportaria, como tal, a sua incidência sobre o faturamento da empresa; não obstante, é constitucional, por amoldar-se à alternativa de "participação nos resultados da exploração" dos aludidos recursos minerais, igualmente prevista no art. 20, § 1º, da Constituição. (grifos constantes do original)
A decisão da Corte Suprema é brilhante ao identificar, com precisão, a verdadeira espécie de obrigação regulada pela Lei nº 7.990/89. Equivocou-se, porém, quando deslocou o enquadramento constitucional da exação do parágrafo 1º do art. 20 para o parágrafo 2º do art. 176. Como observado anteriormente, a participação no resultado prevista pelo parágrafo 2º do art. 176 é destinada ao proprietário do solo em que se desenvolve a exploração mineral, e não aos entes federados em cujo território se dá a atividade mineradora. A estes cabe receber os recursos provenientes da obrigação prevista no art. 20, parágrafo 1º. A confusão estabelecida no julgamento certamente se deve ao fato de ambos os comandos constitucionais utilizarem a expressão "participação no resultado". De todo modo, o equívoco na menção ao dispositivo constitucional não afeta o acerto da decisão do Supremo Tribunal Federal no que se refere à identificação da CFEM como "participação nos resultados da exploração de recursos minerais".
O verdadeiro lapso da decisão, este sim inarredável, é o de proclamar a constitucionalidade da CFEM, mesmo diante do patente desrespeito à Constituição embutido na Lei Federal nº 7.990/89, quando elege como base de cálculo da obrigação o faturamento, e não o resultado da exploração. É desse ponto que se tratará em seguida.
5 – Da diferença entre resultado e faturamento líquido – inconstitucionalidade da CFEM prevista na Lei nº 7.990, de 1989
O parágrafo 1º do art. 20 da Carta de 1988 fala em "participação no resultado da exploração" dos recursos minerais. A base de cálculo da participação é, portanto, o resultado. Sobre sua expressão monetária é que haverá algum tipo de participação dos entes públicos.
A Lei nº 7.990/89, por sua vez, menciona a "compensação", lançando como base de cálculo o faturamento líquido resultante da venda do produto mineral, obtido após a última etapa do processo de beneficiamento adotado e antes de sua transformação industrial. Conforme a norma legal, a participação incide sobre o faturamento líquido.
No estudo ora empreendido, o juízo sobre a constitucionalidade da obrigação passa pelo exame 1) dos conceitos de resultado e faturamento líquido, 2) da viabilidade de equiparação entre os conceitos e 3) das conseqüências de tal equiparação.
O faturamento líquido, para fins de cálculo da CFEM, é "o total das receitas de vendas, excluídos os tributos incidentes sobre a comercialização do produto mineral, as despesas de transporte e as de seguros." (Lei nº 8.001/90, art. 2º, caput). Todas as outras despesas e custos decorrentes da atividade de exploração, necessárias à própria produção mineral, não são levados em conta para o cálculo de que resultará o faturamento líquido.
No sentido técnico-contábil, "resultado" equivale ao produto das receitas auferidas com a atividade de uma empresa, subtraído de todos os custos, despesas e encargos necessários à produção daquelas receitas. Sobre o tema, assim se pronunciam Iudícibus, Martins e Gelbcke, ao comentar o art. 187 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/86):
Como se nota ainda no texto do art. 187, letra b da Lei, nos mesmos períodos em que forem lançadas as receitas e os rendimentos deverão estar registrados todos os custos, despesas, encargos e riscos correspondentes àquelas receitas. Por esse princípio, também denominado "contraposição de receitas e despesas", ao se contabilizar, por exemplo, a receita da venda de determinado produto, deverão ser registrados no mesmo período todos os custos e despesas em que se incorre relativamente àquela receita, tais como: a) o custo do produto vendido, que englobaria material, mão-de-obra e demais custos de sua fabricação; b) as despesas operacionais incorridas, sejam de comercialização ou de administração. [4]
A Resolução do Conselho Federal de Contabilidade nº 686, de 14.12.1990, aprovou a Norma Brasileira de Contabilidade NBC T3, que trata do "Conceito, Conteúdo, Estrutura e Nomenclatura das Demonstrações Contábeis". No item 3.3 da referida norma, aborda-se a "Demonstração do Resultado", sendo que o subitem 3.3.2.1 determina que "a demonstração do resultado compreenderá:a) as receitas e os ganhos do período, independentemente de seu recebimento; b) os custos, despesas, encargos e perdas pagos ou incorridos, correspondentes a esses ganhos e receitas." Ao tratar do conceito da demonstração de resultado, a citada norma impõe que "a demonstração do resultado, observado o princípio de competência, evidenciará a formação dos vários níveis de resultados mediante confronto entre as receitas, e os correspondentes custos e despesas."
Portanto, em se tratando de empresa que exerce atividade de produção e comercialização de bens, o "resultado" provém do confronto das receitas auferidas com a produção e comercialização com os custos e despesas incorridos para viabilizar essas mesmas produção e comercialização. Difere, conseqüentemente, de "faturamento líquido", em que se consideram as receitas obtidas com a realização do objeto social, das quais se excluem apenas algumas despesas (tributos incidentes sobre a venda, descontos incondicionados e devoluções de vendas).
Pode-se afirmar, sem receio de equívoco, que o texto constitucional buscou preservar esse conceito técnico-contábil de resultado, especialmente para diferenciá-lo da categoria "faturamento", que tem definição técnica diversa. Se essa diferença não fosse do conhecimento do constituinte, a Carta Política não teria feito menção expressa a "faturamento"; utilizaria sempre o mesmo termo (resultado), se entendesse que tal vocábulo comportaria tanto os sentidos técnicos de faturamento e resultado propriamente dito. Mas o art. 195, inciso I, em sua redação original (vigente à época da publicação da Lei nº 7.990/89), deixa patente que o constituinte empregou os termos contábeis em seu sentido científico, e não vulgar:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I – dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;" (grifou-se)
Observe-se que, no inciso I, foram utilizadas as palavras "faturamento" e "lucro", o que inequivocamente indica haver diferenças entre ambas. Mais ainda, aponta para a diversidade de significados entre "faturamento", "lucro" e "resultado": se todos tivessem o mesmo sentido, apenas um apareceria no texto constitucional.
Relacionadas as categorias "resultado" e "faturamento líquido", tem-se que o resultado é sempre menor que o faturamento líquido, eis que este, contrariamente àquele, não leva em conta todas as despesas indispensáveis à produção e comercialização de determinado bem; já o resultado reflete aquilo que efetivamente resultou da atividade empresarial: receitas e despesas, e não somente receitas.
Daí se pode afirmar que o parágrafo 1º do art. 20 da CRFB/88, ao contemplar resultado em seu sentido contábil, não se referiu a faturamento líquido, que tem conceito virtualmente diverso. A "participação nos resultados da exploração de recursos minerais", assim, não equivale à "participação no faturamento líquido" dessa mesma exploração, como faz crer o legislador infraconstitucional ao regular a matéria nos moldes da Lei nº 7.990/89.
De fato, é natural que o constituinte tenha previsto uma obrigação a ser calculada sobre o resultado da atividade minerária, ou seja, sobre o total de receitas auferidas com a produção e comercialização do minério, abatidos todos os custos, despesas e encargos sem os quais não seria possível tal produção e comercialização. Afinal, o resultado da exploração dos recursos minerais não é formado apenas por aquilo que o titular de direitos minerários recebe, mas, igualmente, pelo que ele despende em sua atividade, como os custos com mão-de-obra, máquinas e equipamentos e produtos químicos empregados no beneficiamento do minério.
Não se afirme que a fórmula adotada pelo texto constitucional era aberta a uma definição pela legislação infraconstitucional, que poderia ampliá-la ou restringi-la.
O Supremo Tribunal Federal, no exercício de sua função de guardião da integridade do texto constitucional, vem se posicionando favoravelmente à preservação do sentido dos termos técnicos empregados pela Constituição Republicana. O exemplo mais contundente deste entendimento é o julgamento do Recurso Extraordinário nº 166772-9 [5], em que se discutia a constitucionalidade do art. 3º da Lei nº 7.787/89, que instituía contribuição social sobre os pagamentos efetuados a administradores e autônomos (pagamentos que têm natureza jurídica de remuneração, e não de salário). A lide teve lugar na medida em que a Constituição somente autorizava uma tal contribuição sobre a folha de salários (art. 195, inciso I). Abordou-se, no julgamento do recurso, o conteúdo das expressões "salário" e "remuneração", concluindo-se que ambos não se confundem, e que a Constituição contemplava o termo "salário" em sua acepção técnico-científica, e não vulgar.
A ementa da decisão, na parte que interessa ao presente artigo, é a seguinte:
CONSTITUIÇÃO – ALCANCE POLÍTICO – SENTIDO DOS VOCÁBULOS – INTERPRETAÇÃO. O conteúdo político de uma Constituição não é conducente ao desprezo do sentido vernacular das palavras, muito menos ao do técnico, considerados os institutos consagrados pelo Direito. Toda ciência pressupõe a adoção de escorreita linguagem, possuindo os institutos, as expressões e os vocábulos que a revelam conceito estabelecido com a passagem do tempo, quer por força dos estudos acadêmicos quer, no caso do Direito, pela atuação dos Pretórios.
Deste modo, o uso do significado contábil de "resultado" pela norma constitucional impõe que a legislação inferior preserve o sentido atribuído ao termo. Só assim se preserva a coerência do ordenamento jurídico e a autoridade da Constituição, que é a fonte da qual emanam os princípios fundamentais do sistema normativo. Cabe ao legislador comum, assim como ao aplicador da lei, observar tais princípios, sob pena de violação à ordem constitucional.
Ora, a leitura do diploma legal que instituiu a CFEM (a Lei nº 7.990/89) leva à conclusão de que houve a equiparação entre resultado e faturamento líquido, como se a Constituição de 1988, ao dispor sobre "participação no resultado", pudesse ser alterada para "participação no faturamento líquido". Tal igualação é inadmissível, pois contraria frontalmente o sentido constitucional de "resultado", retirado, como já se disse, dos ensinamentos das Ciências Contábeis, que o conceituam como o montante obtido com o exercício da atividade econômica, levando-se em conta todas as despesas e receitas.
Tem-se, portanto, de inconstitucionalidade material da legislação de regência da CFEM, frontalmente contrária à norma constitucional do parágrafo 1º do art. 20. O referido dispositivo, porque prevê uma obrigação, ou seja, norma que impõe um dever à pessoa que pratica a atividade mineradora, não pode sofrer ampliação pela legislação infraconstitucional, de modo a se tornar mais gravoso. E a Lei nº 7.990/89, por utilizar como base de cálculo da obrigação o faturamento líquido, sempre maior que o resultado, aumenta indevidamente o ônus pela exploração dos recursos minerais.
No caso de normas restritivas de domínio, como é o caso da regra constitucional que impõe a perda de uma fração do patrimônio do explorador de recurso minerais em favor de diversos entes públicos, a interpretação do dispositivo há de ser feita estritamente, sem que dela resultem resultados mais amplos, que impliquem em perda maior que aquela ordenada pela Constituição. A proteção constitucional ao direito de propriedade, erigido à categoria de direito fundamental (atrt. 5º, inciso XXII), requer que as demais disposições da Carta Política restritivas desse mesmo direito sejam interpretadas e reguladas pelo legislador ordinário com moderação, sem impor ao proprietário ônus superiores aos constitucionalmente previstos.
De outra parte, não se pode aceitar, por parte do legislador, uma tentativa de alteração do dispositivo constitucional através de leis que tenham por objetivo regulamentar as normas de eficácia limitada existentes na Constituição. O doutrinador José Afonso da Silva esclarece bem o tema: "Finalmente, convém não olvidar que essas leis são puramente complementares das normas constitucionais. Não podem, portanto, distorcer o sentido do preceito complementado, mudando o sentido da constituição." [6] (grifou-se).
A única possibilidade de legitimar a opção do legislador infraconstitucional pelo faturamento líquido, e não pelo resultado, seria admitir que o conceito de resultado, por não estar expresso na Carta Constitucional, teria sido equiparado ao de faturamento pela lei ordinária. Todavia, a inconsistência dessa tentativa de legitimação é flagrante, porque implica uma inversão da hierarquia das leis (entendidas aqui em sentido amplo): interpretar-se-á a Constituição de acordo com as leis infraconstitucionais, muito embora a preeminência normativa das Cartas Políticas imponha o sentido contrário.
6 – Conclusão
A exação denominada "compensação financeira pela exploração de recursos minerais", nos moldes definidos na Lei nº 7.990, de 1989, e posteriores alterações e regulamentos, tem natureza jurídica de receita patrimonial originária. A ela não se aplicam, via de conseqüência, os princípios e normas de Direito Tributário.
Constitui-se a obrigação em verdadeira forma de participação nos resultados da exploração, apesar do nomen iuris contemplado pela lei. Sendo assim, sua base de cálculo há de ser efetivamente o resultado, segundo a previsão contida no §1º do art. 20 da Constituição de 1988.
Tendo em vista a necessidade de preservação da integridade de sentido dos termos técnicos consignados no texto constitucional, o conceito de resultado há de ser o empregado pelas Ciências Contábeis, e não substituído pelo de faturamento líquido, como fez o diploma legal em questão.
Por todo o exposto, afigura-se materialmente inconstitucional a cobrança da CFEM e, dessa maneira, indevido seu pagamento enquanto se mantiver a legislação de regência atual.
Sérgio Clemes
Notas
1. Supremo Tribunal Federal – Primeira Turma – Recurso Extraordinário nº 228.800-5/DF. Relator: Min. Sepúlveda Pertence, j. 25.09.2001, DJU de 16.11.2001, ementário nº 2052-3. A transcrição integral da ementa deste acórdão, bem como trechos do voto do Relator, podem ser lidos adiante, neste artigo.
2. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 1993., p. 148-153.
3. TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., p. 150-153.
4. IUDÍCIBUS, Sérgio de, MARTINS, Eliseu e GELBCKE, Ernesto Rubens. Manual de contabilidade das sociedades por ações: (aplicável às demais sociedades). 5 ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 291.
5. Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno – Recurso Extraordinário nº 166772-9/RS. Relator: Ministro Marco Aurélio, j. 12.05.1994, DJ U de 16.12.1994, ementário nº 1771-4.
6. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 230.