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O movimento antimanicomial e suas implicações na área da infância e juventude

O Movimento Antimanicomial inaugura um modo diferenciado de olhar o deficiente mental como um ser que pode fazer parte da sociedade de forma integral, possibilitando a sua inclusão e não marginalização.

Sumário: 1 Panorama geral; 2 O movimento antimanicomial; 3 Implicações na área do Direito da Criança e do Adolescente; 4 Referências.


1. Panorama geral

O Movimento Antimanicomial inaugura um modo diferenciado de olhar o deficiente mental como um ser que pode fazer parte da sociedade de forma integral, possibilitando a sua inclusão e não marginalização.

Suas iniciativas buscam trazer à consciência da população as situações de desrespeito às quais são submetidos os portadores de transtorno mental, quer no convívio com a sociedade, quer na atenção à saúde mental. Ressalte-se, porém, o fato de que esse movimento ainda não se tenha, efetivamente, institucionalizado.

A proposta do movimento constitui-se em desinstitucionalizar esses pacientes em todas as esferas da sociedade. No entanto, legitimar esse processo requer a existência de estruturas de apoio que possam fazer essa inclusão de forma gradativa e consistente.

A criança e adolescente deficiente mental também requerem um atendimento e tratamento de forma diferenciada, ainda que pela natureza da faixa etária, na maioria dos casos, estão sob a responsabilidade dos pais e/ ou familiares.


2 O MOVIMENTO ANTIMANICOMIAL

O Movimento Antimanicomial tem o dia 18 de maio como data de comemoração no calendário nacional brasileiro. Esta data remete ao Encontro dos Trabalhadores da Saúde Mental, ocorrido em [1987], na cidade de Bauru, no estado de São Paulo, que reuniu mais de 350 trabalhadores na área de saúde mental.

No século XVIII, Philipe Pinel buscou uma reforma no tratamento do doente mental, visto que estes eram mantidos como prisioneiros nos hospitais, promovendo assim a transferência dessas pessoas para casas de tratamento com melhores condições.

O movimento da luta antimanicomial tem como seu precedente o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM), que surge no contexto da abertura do regime militar, inicialmente presente nos pequenos cenários de debate sobre a questão das péssimas condições do sistema de saúde vigente no País.

No interior do MTSM, inicia-se um processo de reflexão crítica “da função social da psiquiatria como estratégia de repressão e ordem social e quanto ao caráter de instituição total do hospital psiquiátrico” (AMARANTE, 2008, p. 739).

No período compreendido entre 1978 e 1987, vários eventos foram realizados com o objetivo de fortalecimento do MTSM e também da luta pela transformação do sistema de saúde. Ligados aos demais setores, em busca da democracia plena e da organização mais justa da sociedade, estavam vinculados aos movimentos sociais existentes (AMARANTE, 2008).

Em 1987, aconteceu a I Conferência Nacional de Saúde Mental, respondendo a uma indicação da 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986. Também em 1987, ocorreu em Bauru o II Congresso Nacional do Movimento dos Trabalhadores. Foi um momento de renovação teórica e política, marcado pela participação de associações na luta pela reforma psiquiátrica.

Na sua origem, esse movimento está ligado à Reforma Sanitária Brasileira da qual resultou a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), que está de igual modo conectado com a experiência de desinstitucionalização da Psiquiatria, desenvolvidas em Gorizia e em Trieste, na Itália, por Franco Basaglia, nos anos [60].

Dessa forma, decorrente de todo este movimento, institui-se a Reforma Psiquiátrica, definida pela Lei nº 10.216 de 2001 (Lei Paulo Delgado) como diretriz de reformulação do modelo de Atenção à Saúde Mental, transferindo o foco do tratamento que se concentrava na instituição hospitalar, para uma Rede de Atenção Psicossocial, estruturada em unidades de serviços comunitários e abertos.

Ao ser decretada, passou a garantir a todos aqueles que têm problemas mentais, toda uma gama de direitos fazendo uma revisão do modelo de tratamento assistencial até então oferecido a esses, reconhecendo, também o direito ao acesso a tais benefícios aos doentes mentais submetidos à persecução penal e internados nos hospitais de custódia e tratamento.

A Lei nº 10.216/01, sancionada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, determina no 3º artigo:

É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais.

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No campo da assistência, a Portaria nº 224, de 29 de janeiro de 1992, do Ministério da Saúde, estabelece as diretrizes para o atendimento nos serviços de saúde mental, normatizando vários serviços substitutivos como: atendimento ambulatorial com serviços de saúde mental (unidade básica, centro de saúde e ambulatório), Centros e Núcleos de atenção psicossocial (CAPS/NAPS), Hospital-Dia (HD), Serviço de urgência psiquiátrica em hospital-geral, leito psiquiátrico em hospital-geral, além de definir padrões mínimos para o atendimento nos hospitais psiquiátricos, até que sejam totalmente superados.

O movimento da luta antimanicomial objetiva trazer à consciência da população as situações de desrespeito às quais são submetidos os portadores de transtorno mental, quer no convívio com a sociedade, quer na atenção à saúde mental. Ainda ressalta o sentimento de injustiça, ou seja, a privação de direito como um fator importante na luta por reconhecimento (HONNETH, 2003). Honneth indica que “é a experiência de desrespeito que fornece a motivação da luta por reconhecimento, e essa tensão só é superada quando o ator social está em condição de voltar a ter uma participação na sociedade.”

Outro fato a ser destacado é que, em 26 anos de existência, o movimento da luta antimanicomial não se institucionalizou. Ele busca conscientizar a sociedade, familiares, trabalhadores, através de debates sobre seus rumos, colocando todos como agentes do processo de construção de uma nova forma de olhar e cuidar da saúde mental.


3. IMPLICAÇOES NA ÁREA DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

A criança e o adolescente, na perspectiva de “Proteção Integral”, são considerados sujeitos de direitos, cidadãos com direitos a serem garantidos pelo Estado, pela Sociedade e pela Família. Direito de serem educados, direito aos cuidados de saúde, direito de serem amados, direito ao lazer, direito de serem acolhidos, especialmente quando lhes faltam condições fundamentais para sobreviver.

Recorde-se que tanto a Constituição Federal de 1988, bem como a sua lei regulamentadora - Estatuto da Criança e do Adolescente - determinam que é dever de todos – família, sociedade e Estado – garantir que crianças e adolescentes tenham resguardados os direitos fundamentais inerentes a todos os seres humanos, acrescidos dos direitos especiais que decorrem da condição peculiar de serem pessoas em processo de desenvolvimento.

Para alcançar o objetivo da “Proteção Integral”, é prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente a criação de uma ação conjunta entre governo e sociedade, materializada na criação de Conselhos dos Direitos da Criança e Adolescentes em todos os âmbitos - federal, estadual e municipal - articulando um grande projeto entre as regiões e o País como um todo. É a tentativa de viabilizar uma política de proteção em toda a nação, tendo a participação efetiva da sociedade.

De igual modo, a criança ou o adolescente portadores de transtorno mental são apreendidos sob esta perspectiva integral, portanto, sujeitos com qualidades, com capacidade de pensar, agir e que têm como direito fundamental sua liberdade e sua inclusão social.

Partindo deste princípio, o movimento antimanicomial contribui significativamente para ampliar o conceito de que nossas crianças e adolescentes, em situação de portador de quaisquer doenças, transtornos ou deficiência mental, devam ser protegidos e não excluídos, devam ser inseridos e não marginalizados e,

[...] como um sujeito social coletivo, não pode ser pensado fora de seu contexto histórico e conjuntura.Há um processo de socialização da identidade que vai sendo construída. (GOHN 2008, p.444).

Enfim, para a real compreensão de um tema tão complexo faz-se necessária uma profunda investigação intersetorial, é imprescindível um debate sério e comprometido com a causa da infância, sobretudo a marcada pela doença, deficiências e transtorno mental, as quais até o momento foram as mais excluídas, as mais marcadas e desprezadas no nosso processo dito civilizatório.


Declaração dos Direitos da Criança

Tenho direito a ter um nome
e uma nação

Tenho direito a não ter fome
e a ter pão

Tenho direito à liberdade
Tenho direito à igualdade
Tenho direito à educação

Tenho direito a ter amor
e compreensão
seja qual for
a minha raça a minha cor
ou religião

Tenho direito a tratamento
Tenho direito a alojamento
Tenho direito à distração

Tenho direito à amizade
e à proteção da negligência
crueldade
ou exploração

Tenho direito à segurança

Tenho direito a ser criança

CUMPRA-SE ESTA DECLARAÇÃO

Anthero Monteiro, A Lia Que Lia Lia, Espinho, Elefante Editores, 1999


4 REFERÊNCIAS

Sobre as autoras
Josiane Rose Petry Veronese

Professora Titular da disciplina Direito da Criança e do Adolescente, da Universidade Federal de Santa Catarina, na graduação e nos Programas de Mestrado e Doutorado em Direito. Doutora em Direito. Pós-doutorado na Faculdade de Serviço Social da PUC/RS. Coordenadora do Curso de Direito da UFSC. Coordenadora do NEJUSCA – Núcleo de Estudos Jurídicos e Sociais da Criança e do Adolescente e sub-coordenadora do Núcleo de Pesquisa Direito e Fraternidade CCJ/UFSC. Autora de vários livros e artigos na área do Direito da Criança e do Adolescente.

Rita Verônica Mendes

Pesquisadora do Núcleo de Estudos Jurídicos e Sociais da Criança e do Adolescente – NEJUSCA /CCJ/UFSC. Psicóloga e professora do Ensino Fundamental.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Rita Verônica Mendes - Pesquisadora do Núcleo de Estudos Jurídicos e Sociais da Criança e do Adolescente – NEJUSCA /CCJ/UFSC. Psicóloga e professora do Ensino Fundamental. Josiane Rose Petry Veronese - Professora Titular da disciplina Direito da Criança e do Adolescente, da Universidade Federal de Santa Catarina, na graduação e nos Programas de Mestrado e Doutorado em Direito. Doutora em Direito. Coordenadora do Curso de Direito do Centro de Ciências Jurídicas da UFSC. Coordenadora do NEJUSCA – Núcleo de Estudos Jurídicos e Sociais da Criança e do Adolescente e sub-coordenadora do Núcleo de Pesquisa Direito e Fraternidade. Autora de vários livros e artigos na área do Direito da Criança e do Adolescente. http://lattes.cnpq.br/3761718736777602.

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