A recuperação de empresa, mecanismo introduzido pela lei nº 11.101/05 no ordenamento pátrio, é uma clara demonstração de que, cada vez mais, as empresas são vistas em nosso país como fatores sociais de desenvolvimento, uma vez que geram empregos e créditos fiscais ao governo, possibilitando a concorrência e desenvolvimento do mercado em geral.
Nem sempre a falência atende ao interesse público, pois com ela advêm outras tantas conseqüências para a população e para a saúde da economia do país. Para tanto é que se importou o instituto da recuperação de empresas, que possibilita que a empresa tenha verdadeiramente uma chance de se recuperar no mercado, evitando que feche precocemente suas portas, quando ainda possuía viabilidade econômica.
O Direito comparado foi utilizado para elaboração da nova legislação falimentar brasileira, publicada em 2005. A idéia de recuperação de empresas já existe em vários países do mundo, tais como, Itália, Alemanha, França, Portugal, Espanha e Estados Unidos. [1] O Brasil teve sua revolução industrial muito após estes países, daí ser imaturo e se justificar a chegada da recuperação de empresas somente agora.
Não é difícil perceber as semelhanças da recuperação prevista na legislação brasileira com legislações de outros países. Os Estados Unidos é que, de forma pioneira, implantaram em seu ordenamento jurídico a recuperação. Como bem destacado por Elaine Cristina Zanão, em seu texto “Reflexos práticos da nova lei de falências:
“Os Estados Unidos foram os pioneiros em implantar um sistema falimentar visando à possibilidade de recuperação judicial das empresas. Esse sistema, por apresentar-se equilibrado, tem despertado interesse em todo o mundo, inspirando diversos países no sentido de alterar suas legislações.”
A lei brasileira possui características de diferentes países. Trazemos algumas características de alguns deles. [2]
Na Alemanha, a lei que disciplina o ajuste entre devedor e seus credores é a “Lei do Acordo”, datada de 26 de fevereiro de 1935. A finalidade é a de evitar a falência por meio de um acordo judicial que objetiva levantar o passivo, impedir a abertura de processos de execução e atender os interesses dos credores, com eventuais remissões parciais de dívidas. O administrador tem função de examinar o estado econômico do devedor e controlar a administração da empresa, dentre outras. O Conselho Consultivo (semelhante ao nosso Comitê de Credores) responde pelo cumprimento das obrigações da empresa perante todos os participantes do acordo.
Na Espanha, uma lei, datada de 27 de julho de 1922, passou a admitir a suspensão dos pagamentos quando a insolvência é irremediável ou transitória, constituindo-se, desde então, a suspensão um processo preventivo da falência em que se formaliza um acordo entre devedores e credores. A figura do Administrador judicial é chamada interventor, e na verdade, serão três. Dois deles peritos e o outro credor, com funções de fiscalização, tal qual o administrador judicial. A missão dos interventores acaba com a homologação do acordo.
Na França, a lei de recuperação e liquidação judiciária da empresa, de 26 de janeiro de 1985, é a última manifestação nesse sentido ocorrida no país, onde houve muita polêmica e muitas leis a respeito de direito falimentar. A recuperação é denominada “regulamento amigável”. É um processo preventivo do estado de cessação dos pagamentos das empresas, de iniciativa do devedor, por acordo com os devedores na presença de um conciliador, para prolongar os prazos de pagamento das dívidas e até o seu perdão.
A legislação italiana trata o direito falimentar na RD nº 267, de 16 de março de 1942, que traz o instituto da Administração Controlada. O empresário em dificuldade requer ao Tribunal o controle da gestão de sua empresa e da Administração de seus bens a fim de garantir os interesses dos credores por um período não superior a dois anos, válidos somente para quem estiver em dificuldade temporária, e não para casos irremediáveis. Existe a figura do comissário judicial para fiscalizar o procedimento. A Administração Controlada busca sanear a empresa.
Nos Estados Unidos, a Lei Federal de 1978 dispõe sobre falência. Prevê a Reorganização, procedimento pelo qual a empresa consegue temporário alívio no pagamento de seus débitos, para que se reestrutura gradativamente, satisfazendo seus credores e voltando à condição de empresa viável. O devedor deve apresentar um plano de reorganização, dentro de 120 dias após a distribuição do pedido de reorganização. O devedor permanece na gestão da empresa.
Cabe aqui a observação de que nosso Plano de Recuperação possui inspiração claramente norte-americana, com uma diferença fundamental, que reside no prazo para apresentação, que lá é bem mais compatível com a necessidade de um planejamento. No Brasil, o prazo concedido é de 60 dias. Ora, é cediço que em sessenta dias não é possível fazer um planejamento completo, para todos os níveis e departamentos separadamente.
Daí a conclusão de que a intenção do legislador é que se apresente um plano geral, que poderá ser “esmiuçado” durante a sua execução. Também há outra opção: a intenção de que o administrador comece a elaborar seu plano antes de ingressar em juízo, para que o processo seja mais célere e não fique parada aguardando o plano por mais de 60 dias. Nesse caso, o plano poderia ser bem completo, mas teria de se iniciar anteriormente à propositura da ação. Ainda assim, nos posicionamos pela necessidade de maior prazo para a apresentação do plano. Mas essa é uma crítica que não influirá no desenvolvimento do trabalho, uma vez que trabalharemos com a premissa da feitura de um planejamento completo, mas ao mesmo tempo genérico.
Em Portugal tem-se o processo especial de recuperação da empresa e da proteção aos credores, por meio do Decreto-lei nº 177, de 02 de julho de 1986. A falência é reservada somente para situações irremediáveis. Há três modalidades de recuperação: concordata, acordo de credores e gestão controlada da empresa. Existe a figura do administrador judicial, que pode passar a ser o gestor de negócios da empresa. Ele fiscaliza a execução da recuperação.
Podemos observar que todas as leis retrocitadas têm como ponto comum a consciência de que a falência é medida reservada para casos extremos, de empresas que realmente perderam sua viabilidade econômica. Percebe-se, em todos os textos normativos, a grande preocupação em recuperar a empresa antes de admitir que ela está falida e deve fechar as portas. É a função social da empresa prevalecendo sobre o interesse econômico dos credores.
Mais uma vez, vemos um reflexo contemporâneo do reconhecimento da empresa como fator social de desenvolvimento, confirmando o entendimento aqui defendido.
[1] COIMBRA, Marcio Chalegre. A recuperação da empresa: regimes jurídicos brasileiros e norte americano. Porto Alegre: Síntese, 2000. p. 15.
[2] Todo o estudo aqui levantado baseia-se na obra Da recuperação de empresa no direito comparado. LOBO, Jorge. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1993. p. 49 e ss. Ressalta-se que tal fato de deve à pouca fonte de pesquisas disponíveis na Universidade de Brasília, que pouco conta com doutrina alienígena, sendo imperioso que eventual análise de lei estrangeira se faça por meio de obras de autores brasileiros, ainda sim encontrados pela aluna em outra biblioteca.