INTRODUÇÃO
O tema central deste estudo trata da nova roupagem dada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ao princípio da individualização da pena em relação às cláusulas penais fixas, que impõe uma determinada forma de agir ao magistrado. O objetivo principal a que ele se propõe é a defesa do princípio da individualização da pena como norteador da atuação do juiz, buscando sua real independência do legislador por meio de leis técnicas e efetivas, que busquem uma maior efetividade do direito penal, considerando a culpabilidade do autor no caso concreto.
Para atingir esses objetivos, foi feita primeiramente uma análise doutrinária introdutória e uma posterior análise jurisprudencial contextualizada com as informações introdutórias e coerentes com o objetivo traçado.
Na análise doutrinária houve a citação de uma grande parte de autores consagrados na área penal brasileira, buscando por meio de suas citações contextualizar o leitor com os argumentos que seriam utilizados na análise jurisprudencial e no desenvolvimento da tese final com a finalidade de tornar a conclusão o mais coerente o possível.
A partir da bibliografia consultada e analisada pôde se obter perspectivas não só teóricas e também práticas a respeito do sistema de aplicação da pena, bem como das possibilidades de individualização da pena.
A pesquisa jurisprudencial foi focada na Suprema Corte Brasileira, sendo utilizado como principal instrumento o sítio na internet o Supremo Tribunal Federal, disponível em http://stf.jus.br/, o qual permite a consulta de todas as decisões proferidas por aquela corte, bem como o acesso aos textos dos votos dos ministros e aos acórdãos em sua integra. Os critérios de pesquisa utilizados foram basicamente voltados para o princípio da individualização da pena, se fazendo uma filtragem com base no nosso conhecimento prévio das decisões daquela corte, adquirido através dos estudos realizados durante a vida acadêmica.
Nesse sentido buscou-se abordar uma temática atual e voltada para área de atuação do autor, não deixando, porém, de inovar no ordenamento, buscando a proposição de uma nova tese.
Por fim é feita uma crítica à atecnia apresentada por nossos legisladores o que acaba prejudicando de sobremaneira a aplicação da lei penal e consequentemente gera uma demanda judicial enorme aos tribunais pátrios.
No primeiro capítulo – A evolução do Papel do Juiz na Aplicação da lei – há a exposição da teoria positivista que basicamente busca a vinculação do juiz a lei, o tornando mero aplicador do fato típico à situação fática, não lhe permitindo nenhum juízo de valor. Também é exposta a visão diametralmente oposta do naturalismo que prega a quase total liberdade do magistrado na aplicação da lei, buscando ao fim um comportamento ideal e intermediário entre essas doutrinas.
No segundo capítulo – Das Cláusula Fixas – há a conceituação do que seriam as cláusulas fixas, objeto de estudos no presente trabalho, passando pela sistemática de tipificação utilizada no ordenamento pátrio, bem como pela metodologia de cálculo da pena estabelecida no Código Penal, ao fim, se definindo também o que seria majorantes e minorantes e estabelecendo uma diferenciação delas em relação as qualificadoras.
Já no terceiro capítulo – Da Individualização da Pena – se busca a definição e origem desse princípio, demonstrando a sua aplicabilidade ao legislador, na aplicação da pena e em sua execução. Expõe ainda as maneiras elencadas pela doutrina para se consagrar a individualização da pena, fazendo uma crítica contundente a um método determinado que é considerado como uma das formas de individualização.
E, por fim, o quarto capítulo – Da Inconstitucionalidade – faz uma análise da jurisprudência recente da Suprema Corte, passando pelos crimes hediondos e tráfico de drogas, bem como pelo instituto da reincidência, tudo isso relacionado ao princípio central do estudo, ao fim se defende uma nova tese de inconstitucionalidade de todas as majorantes e minorantes fixas.
1 – A EVOLUÇÂO DO PAPEL DO JUIZ NA APLICAÇÃO DA LEI
1.1 – A TRIPARTIÇÃO DOS PODERES COMO ORIGEM DO SISTEMA JUDICIÁRIO
O sistema atual de aplicação da lei tem origem na teoria de separação dos poderes de Montesquieu que pretendia assegurar o exercício do poder governamental de forma autônoma e ao mesmo tempo limitada, através da repartição dos poderes em três esferas autônomas, tendo cada uma delas uma função própria, de modo que uma não viesse a interferir na outra, evitando assim a concentração do poder nas mãos de um único ente. Montesquieu propõe a divisão de poder em três funções determinadas: legislativa, judiciária e executiva, cada uma delas vinculada ao respectivo poder como forma de evitar abusos decorrentes da concentração do poder nas mãos de um único ente.
Essa preocupação com concentração do poder é um tema central na obra de Montesquieu, para quem “(...) tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas, e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos” (MONTESQUIEU, Charles de Secondat Baron de. “O Espírito das Leis.” São Paulo: Marins Fontes. Pág. 181. 1993).
Contudo a separação dos poderes não é algo absoluto, pelo contrário, há uma mitigação de sua aplicação pela teoria dos freios e contrapesos, ou checks e balances, onde um poder tem a capacidade de interferir junto ao outro quando for conveniente a fim de se evitar abusos e manter suas prerrogativas constitucionais.
Seguindo a orientação de Montesquieu a Constituição da República Federativa do Brasil determina que “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (BRASIL. Constituição Federal, art. 2º), prevendo ainda várias formas de interferência entre os poderes, como a capacidade do Judiciário realizar o controle de constitucionalidade das leis, a prerrogativa do Legislativo fiscalizar e julgar as contas dos outros poderes, e a aptidão do Executivo de elaborar medidas provisórias com força de lei.
Importante ressaltar que o sistema desenvolvido por Montesquieu e consagrado pela Constituição Federal tem o fim primordial de evitar abusos decorrentes da concentração do poder, pois, conforme citado anteriormente, tudo estaria perdido se um mesmo homem concentrasse em suas mãos as prerrogativas dos três poderes.
1.2 – O MODELO JUSPOSITIVISTA E A VINCULAÇÃO DO JUÍZO À LEI
Visto o sistema tripartido de poderes passa-se a análise da evolução hermenêutica do Poder Judiciário em si.
O Juspositivismo é uma corrente hermenêutica para qual o direito se apoia basicamente na norma posta, tendo como principal expoente Hans Kelsen, que em sua obra Teoria Pura do Direito define o direito como uma ciência exata cujo objeto de estudo são as normas jurídicas positivadas.
Essa corrente se afasta totalmente das ideias jusnaturalistas que sustentam que o ordenamento jurídico depende de elementos metafísicos, pois o direito seria o conjunto de normas formuladas e postas em vigor como produto da vontade legislativa da sociedade, a qual tem caráter vinculante perante todos. Portanto, o direito não deve ser confundido com a moral, ou mesmo deve tê-la como seu objeto, pois a aplicação do direito não depende da análise da moral, do justo ou do correto.
Como se afasta da existência de um direito natural e da ideia de justiça o juspositivismo se sustenta na existência de uma norma fundamental que determinaria a todos a observância das normas positivadas, para Kelsen a norma fundamental seria "a fonte comum da validade de todas as normas pertencentes a uma mesma ordem normativa” (KELSEN, Hans. Teoria pura de direito. Armênio Amado: Coimbra, 1979. p. 269).
Laconicamente a teoria pura de Kelsen considera a jurisprudência sociológica uma ciência do ser, que deve se preocupar com as conexões causais entre os fatos e comportamentos, já a Ciência Jurídica é uma ciência do dever ser, já que o ordenamento jurídico visa prescrever condutas, determinado a maneira que a sociedade deve se comportar.
Dentro dessa ideia juspositivista de vinculação ao sistema legal formalmente posto, a figura do juiz era de um mero aplicador da lei, sem capacidade de aplicar qualquer noção, própria ou comum, de justiça que não estivesse positivada na lei. O papel do juiz positivista se resume a verificar a existência de determinado fato e aplicar a lei, como se fosse apenas uma espécie de calculador, sem qualquer análise humana do fato.
Reis Friede, na sua obra Ciência do Direito, Norma Interpretação e Hermenêutica Jurídica, em abordagem muito pertinente sobre o tema compara o juiz positivista a um escravo da lei, que deve segui-la a todo custo, independentemente das consequências que venham a ocorrer.
Entretanto, não se pode afirmar que o juspositivismo buscava afastar qualquer ligação entre direito, política e sociologia, pois o que se buscava era tornar o direito uma ciência exata e autônoma, independente de qualquer influência ideológica, mesmo que isso tornasse o juiz um escravo da lei. Por esse motivo, Miguel Reale alerta para o contexto histórico em que Kelsen escreveu sua obra:
Quando Hans Kelsen, na segunda década deste século, desfraldou a bandeira da Teoria Pura do Direito, a Ciência Jurídica era uma espécie de cidadela cercada por todos os lados, por psicólogos, econnomistas, políciticos e sociólogos. Cada qual procurava trasnpor os muros da Jurisprudência, para torná-la sua, para inlcuís-la em seus domínios (REALE, Miguel. Filosofia do Direito,19ª ed. – São Paulo: Saraiva, 1999, pág. 455).
Apesar do brilhantismo de Kelsen e de toda sua influência no direito moderno essa teoria sofreu muitas críticas, principalmente por parte dos jusnaturalistas que defendem a ideia de um direito natural preexistente e a associação entre direito e moral.
Dentro do contexto lembrado por Miguel Reale nos torna mais plausível a reposta dada por Kelsen a seus opositores jusnaturalistas:
É destituída de qualquer conteúdo, é um jogo vazio de conceitos ocos, dizem com desprezo uns; o seu conteúdo significa, pelas suas tendências subversivas, um perigo sério para o Estado constituído e para o seu Direito, avisam outros. Como se mantém completamente alheia a toda política, a Teoria Pura do Direito afasta-se da vida real e, por isso, fica sem qualquer valor científico. É esta uma das objeções mais frequentemente levantadas contra ela. Porém, ouve-se também com não menos freqüência: a Teoria Pura do Direito não tem de forma alguma a possibilidade de dar satisfação ao seu postulado metodológico fundamental e é mesmo tão-só a expressão de uma determinada atitude política. Mas qual das afirmações é verdadeira? Os fascistas declaram-na liberalismo democrático, os democratas liberais ou os sociais-democratas consideram-na um posto avançado do fascismo. Do lado comunista é desclassificada como ideologia de um estatismo capitalista, do lado capitalista-nacionalista é desqualificada, já como bolchevismo crasso, já como anarquismo velado. O seu espírito é – asseguram muitos – aparentado com o da escolástica católica; ao passo que outros crêem reconhecer nela as características distintivas de uma teoria protestante do Estado e do Direito. E não falta também quem a pretenda estigmatizar com a marca de ateísta. Em suma, não há qualquer orientação política de que a Teoria Pura do Direito não tenha ainda se tornado suspeita. Mas isso precisamente demonstra, melhor do que ela própria poderia fazer, a sua pureza (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra: Arménio Amado, 1979. p. 9-10).
Nessa resposta de Kelsen aos jusnaturalistas fica claro o contexto histórico em que foi desenvolvida sua teoria, onde havia um excessivo indeterminismo judicial, onde cada um interpretava a norma da maneira que lhe conviesse, retirando do texto legal toda sua força normativa.
1.3 – O DIREITO NATURAL EM DETRIMENTO DA NORMA POSTA
Em situação diametralmente oposta às ideias juspositivistas de Kelsen tem-se o sistema jusnaturalista que se contrapõe ao formalismo excessivo adotado no positivismo, buscando uma ideia de justiça e razoabilidade na aplicação do direito, se baseando na existência de um direito natural que seria inerente ao ser humano, preexiste e embasador do sistema jurídico.
Tomas de Aquino faz uma distinção clara sobre o que seria o direito natural, o comparando ao direito posto e fazendo uma analogia do crime de homicídio, o direito natural seria a lei superior que determina que todos têm o direito a vida e por isso ela deve ser preservada, havendo uma punição para quem atente contra essa ideia, já o direito posto seria uma decorrência dessa lei superior e existiria como forma de torna-la efetiva. Por isso havendo qualquer espécie de confronto entre o direito natural e lei positiva, aquele deveria prevalecer em prejuízo deste, tendo em vista que um decorre do outro.
Entretanto a definição do que seria direito natural é algo muito abstrato e gera muita discussão na doutrina, Paulo Nader esclarece que esse conceito nasceu umbilicalmente ligado a ideia de religião, porém foi desvinculado dessa ideia a partir do pensamento de Hugo Grócio para quem “O Direito Natural existiria mesmo que Deus não existisse ou que, existindo, não cuidasse dos assuntos humanos”. Em busca de um fundamento concreto Paulo Nader esclarece que:
Há uma outra ordem, superior àquela e que é a expressão do Direito justo. É a idéia de Direito perfeito e por isso deve servir de modelo para o legislador. É o Direito ideal , mas ideal não no sentido utópico, mas um ideal alcançável. A divergência maior na conceituação do Direito Natural está centralizada na origem e fundamentação desse Direito. Para o estoicismo helênico, localizava-se na natureza cósmica. No pensamento teológico medieval. O direito Natural seria a expressão da vontade divina. Para outros, se fundamenta apenas na razão. O pensamento predominantemente na atualidade é o de que o Direito Natural se fundamenta na natureza humana (NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 23ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 368).
Entretanto, essa corrente não é imune das críticas, principalmente no que se refere aos limites de aplicação do direito natural em detrimento da norma positiva, pois não há uma limitação determinada de até onde se poderia levar a aplicação do direito natural, o que poderia subverter a ordem legal para privilegiar determinado grupos, exatamente como criticava Kelsen.
Com isso ao se validar a existência de um direito natural que pode se sobrepor ao direito posto, se estaria violando o sistema proposto por Montesquieu, visto que o Judiciário estaria invadindo a competência do Legislativo, a quem compete à elaboração das leis de acordo com o censo comum que lhe é atribuído por ser um representante da população.
Por fim, Reis Friede, em crítica a existência de um direito de cunho jusnaturalista no Brasil, denominado por ele de direito alternativo, lembra que:
Dessa forma, a corrente alternativa no Brasil, reconhecendo a diversidade de relações sociais ou de relações jurídicas não assimiladas pelo Direito objetivo estatal, pretende tornar o juiz um verdadeiro modelador de direitos, um autêntico escultor de uma ordem jurídica não reconhecida oficialmente que, contrastando com o direito estabelecido, se construa a partir do juízo pessoal e isolado do magistrado. (FRIEDE, Reis. Ciência do Direito, Norma, Interpretação e Hermenêutica Jurídica. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. p. 55).
1.4 – O PAPEL DO JUIZ CONTEMPORÂNEO
Postos os dois principais sistemas se torna necessária a definição de qual seria o sistema ideal a ser adotado contemporaneamente. Como vimos os dois sistemas são rígidos e suscetíveis das mais variadas críticas não havendo um modelo ideal que seja consensual.
O sistema juspositivista é um sistema que mais se coaduna com a separação dos poderes, não permitindo ao juiz sua atuação de forma livre e desvinculada do direito posto, motivo pelo qual seria ideal em um Estado que o direito posto fosse perfeito e livre de qualquer antinomia. Entretanto esse sistema sofre grande crítica por se capaz de legitimar sistemas ditatoriais e perversos, visto que o juiz deve se limitar a lei posta, como ocorreu no caso do nazismo alemão, onde as normas postas refletiam uma segregação desumana, porém haviam de ser respeitas, vez que eram formalmente isentas de vício.
Com o fim da segunda guerra mundial o jusnaturalismo ganhou força diante de todas as atrocidades que foram cometidas sob o manto do positivismo jurídico, principalmente em decorrência do reconhecimento de direitos inerentes ao próprio ser humano com a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1948.
Entretanto o modelo ideal não deve ter uma base única jusnaturalista, pois devem ser respeitadas as exigências legais formais e materiais, não havendo livre atuação da jurisprudência, sob pena de deturpação do sistema legal vigente, o que traria de volta a sociedade criticada por Kelsen e perpetrada na retórica da Grécia Antiga.
Finalmente, Miguel Reale discursando sobre sua notável teoria de fato, valor e norma, fala um Direito Natural harmonizável com as soluções particulares da lei positiva, conclui de forma brilhante:
Essas novas orientações traduzem, em última análise, o desejo quase que universalmente sentido de uma Jurisprudência que tenha em contra a realidade jurídica, como abandono de explicações unilineares e redutivistas, conciliando-se as exigências axiológicas com as técnico-formais, em crescente harmonia com a existência e o aperfeiçoamento da comunidade (REALE, Miguel. Filosofia do Direito,19ª ed. – São Paulo: Saraiva, 1999, pág. 455).
Portanto, vê-se que o sistema ideal deve ser baseado nas ideais das duas corretes, não havendo precedência de uma sobre a outra, pois os extremos sempre levarão ou a deturbação da norma legal, ou ao engessamento da jurisprudência.
2 – AS CLÁUSULAS FIXAS
O estudo da tipicidade penal passa necessariamente pela introdução ao primado nullum crimen nulla poena sine lege (não há crime sem lei que o defina, nem pena sem cominação legal) do qual decorre o princípio de legalidade, princípio básico do direito penal que atua na limitação do poder estatal.
2.1 – A LEGALIDADE
O princípio da legalidade em nosso ordenamento pátrio tem expressa previsão constitucional e atua como efetivo limitar ao poder punitivo estatal, porém muito se discute sobre sua real definição e a relação com outros princípios como a reserva legal e anterioridade.
A Constituição da República em seu artigo 5º, inciso XXXIV prescreve da seguinte maneira “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (BRASIL. Constituição Federal, art. 5º, inciso XXXIV), tal previsão, basicamente, preceitua a reserva de lei penal para a definição de tipos penais no ordenamento pátrio, vedando a criação de crime e a imposição de penas sem lei penal anterior que os faça.
Quando a doutrina entra no mérito da definição e nomenclatura desse princípio ocorre uma divergência composta de três correntes. A primeira define legalidade como sendo sinônimo de reserva legal. Já a segunda defende que a expressão reserva legal tomaria somente lei em sentido estrito, já legalidade teria um sentido mais amplo. Por fim a terceira corrente, que julga-se ser a mais acertada, define anterioridade como sendo a necessidade de lei anterior ao fato e reserva legal como sendo a exigência de lei em sentido estrito para a cominação penal, sendo, portanto, a legalidade a soma de reserva legal e anterioridade.
Cleber Masson esclarece que o princípio da legalidade tem dois fundamentos básicos de naturezas distintas:
O fundamento jurídico é a taxatividade, certeza ou determinação, pois implica, por parte do legislador, a determinação precisa, ainda que mínima, do conteúdo do tipo penal e da sanção penal a ser aplicada, bem como da parte do juiz, na máxima vinculação ao mandamento legal, inclusive na apreciação de benefícios legais.
O fundamento político é a proteção do ser humano em face do arbítrio do poder de punir do Estado, Enquadra-se, desate, entre os direitos fundamentais de 1.ª geração (MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado – volume 1: parte geral,6ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2012, pág. 23).
Além disso a Constituição da República estabelece em seu artigo 22, inciso Ique a competência para legislar sobre direito penal e processual é privativa da União, sendo portanto o único ente capaz de criar normas penais incriminadoras e determinar o procedimento penal a ser aplicado no caso concreto. Ainda, ao tratar de direito penal a União não se pode valer de medidas provisórias, por vedação expressa do 62, § 1º, incido I, letra b, também da Carta Magna.
Como visto diante da importância desse princípio seus efeitos emanam para além do Código Penal se aplicando também as contravenções penais, se mostrando como garantia essencial para o exercício da cidadania em um estado democrático de direito, motivo pelo qual a constituição o elencou como uma cláusula pétrea, sendo, portanto, impossível sua supressão ou diminuição na vigência da atual ordem constitucional.
2.2 – A TIPICIDADE PENAL
Em decorrência da legalidade estrita o tipo penal apresenta características próprias em relação aos outros ramos do direto, visto que se vale de suas normas incriminadoras para atribuir determinada sanções a certas condutas, porém o faz de forma “suis generis”, não determinando que certa conduta é proibida, mas descrevendo minuciosamente determinada conduta e logo em seguida determinando uma pena para aqueles que se adequarem àquela conduta descrita anteriormente.
Com isso não há determinação expressa de que, por exemplo, é proibido matar, mas sim se descreve a conduta e se determina uma pena, estando implícito que quem incorrer naquele tipo estará sujeito àquela sanção. Dessa maneira foi feito no Código Penal Brasileiro, como visto no clássico artigo 121: “Homicídio Simples. Art. 121. Matar alguem: Pena - reclusão, de seis a vinte anos.” (BRASIL. Código Penal, art. 121).
Nesse caso, portanto, tem-se um tipo penal incriminador, que foi instituído por uma lei em sentido estrito e, em obediência a princípio da legalidade, e vinculará a todos somente após a sua vigência, não se aplicando a condutas pretéritas, atendendo ao princípio da anterioridade.
Tomando como base o transcrito artigo 121 do Código Penal se pode visualizar de forma clara a estrutura do tipo penal composta de três elementos básicos: título ou nomen juris, preceito primário e preceito secundário. Guilherme de Souza Nucci, em seu magistério os define da seguinte maneira:
a) título ou “nome juris”: é a rubrica dada pelo legislador ao delito (ao lado do tipo penal incriminador, o legislador confere à conduta e ao evento produzido um nome, como o homicídio simples). Sobre a importância do título, escreve David Teixeira de Azevedo que “o legislador, ao utilizar o sistema de rubricas laterais, fornece um síntese do bem protegido, apresentando importante chave hermenêutica. A partir da identificação do bem jurídico protegido, e que se extrairá do texto legal sua virtude disciplinadora, concluindo quanto às ações capazes de afligir ou pôr em risco o objeto jurídico” (Dosimetria da pena: causas de aumento e diminuição, p. 32);
b) preceito primário: é a descrição da conduta proibida, quando se refere ao tipo incriminador, ou da conduta permitida, referindo-se ao tipo penal permissivo. Dois exemplos: o preceito primário do tipo incriminador do art. 121 do Código Penal é “matar alguém”; o preceito primário do tipo permissivo do art. 25 do Código Penal, sob a rubrica “legítima defesa”, é repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou de terceiro, usando moderadamente os meios necessários. Lembremos que a função do tipo penal permissivo é fazer valer a excludente de ilicitude, o que significa que seu estudo é deslocado para esse contexto. Dizer, pois que o estado de necessidade compõe um tipo permissivo é o mesmo que mencionar ser ele uma excludente de ilicitude. Tal postura decorre da opção pela teoria tripartida do crime, visualizando-o como fato típico (leia-se incriminador), antijurídico (não autorizado por outra norma, inclusive por um tipo penal permissivo) e culpável (sujeito a reprovação social).
c) preceito secundário: é a parte sancionadora, que ocorre somente nos tipos incriminadores, estabelecendo a sanção penal. Ex.: no crime de homicídio simples, o preceito secundário é “reclusão, de seis a vinte anos” (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral: parte especial ,6ª ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pág. 190).
Essas normas penais incriminadoras servem para determinar a tipicidade de forma direta, porém a norma penal não se limita a criar normas penais incriminadoras, havendo normas penais que servem para auxiliar as normas penais incriminadoras e atuando como forma auxiliares, formando uma tipicidade indireta.
O ilustre professor Cezar Roberto Bitencourt em seu magistério elenca essa classificação das normas penais:
As normas penais, no entanto, não se limitam a proibir condutas e cominar sanções, não só estendendo sua tutela à repressão penal, mas também procurando garantir os direitos de liberdade perante o próprio jus puniendi estatal. Arturo Rocco e Biagio Petrocelli, pode-se afirmar, foram os primeiros estudiosos a apresentar uma classificação das diferentes normas penais. Petrocelli agrupou as normas penais sob o aspecto da imperatividade da seguinte forma: a) normas imperativas – contêm o preceito sancionado pela pena; b) normas permissivas – tornam lícito o que, normalmente, é ilícito; c) normas finais – disciplinam as condições de determinado fim relativo à aplicação da norma imperativa (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral,15ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, pág. 160).
Nosso estudo se restringe a autuação das normas de aplicação indireta, as quais auxiliam na tipicidade indireta e são denominadas de normas de extensão, sendo dividas pela doutrina em três tipos fundamentais, dependendo se são circunstâncias temporais, pessoais ou causais do fato, como por exemplo, respectivamente, as previsões dos artigos 14, inciso II (tentativa); 29 (culpabilidade); e 13, § 2º (relevância da omissão), todos do Código Penal.
2.3 – O CÁLCULO DA PENA
O Código Penal Brasileiro adotou em seu artigo 68 o critério trifásico de aplicação da pena privativa de liberdade, defendido por Nelson Hungria, para quem o juiz deve estabelecer a pena em três fases distintas: a primeira fixa a pena-base, tomando por apoio as circunstâncias judiciais do artigo 59, tais como à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, em seguida, na segunda fase, o magistrado deve aplicar as circunstâncias legais (atenuantes e agravantes, dos artigos 61 a 66) que influenciaram na pena desde que não constituam ou qualifiquem o crime, para somente então na terceira fase, considerar as causas de diminuição e aumento, também conhecidas como majorantes e minorantes (previstas na Parte Geral e Especial).
A primeira fase do cálculo da pena é feita com a análise do artigo 59 do Código Penal, onde estão as chamadas circunstâncias judiciais que devem ser levadas em consideração para definir a pena-base a ser aplicada ao condenado, de acordo com a pena fixada no preceito secundário. As circunstâncias previstas referido artigo são a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e as consequências do crime, além do comportamento da vítima. Mantendo o exemplo do homicídio simples tomado desde o início, vistas essas circunstâncias na prática do delito o juiz irá definir, de forma motivada, uma pena-base que, necessariamente, esteja dentro da margem de seis a vinte anos.
Na segunda fase de aplicação da pena o magistrado deverá tomar como base não mais o preceito secundário, mas sim a pena-base fixada na primeira fase, na qual deverá aplicar as circunstâncias legais previstas nos artigos 61/62 e 65/66 do Código Penal. Se presentes algumas dessas circunstâncias no caso concreto o magistrado deverá determinar um aumento ou diminuição gradual da penal, de forma motivada. No caso de concurso de várias circunstâncias, não pode o juiz deixar de observar a disciplina do artigo 67, que determina que “No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência.” (BRASIL. Código Penal, art. 67). Essa preponderância deve ocorrer em estrito cumprimento a previsão legal, pois como lembrava Mirabete, “não existe fundamento científico para a preponderância, em abstrato, de determinadas circunstâncias sobre as demais, sejam elas objetivas ou subjetivas, porque o fato criminoso, concretamente examinado, é que deve indicar essa preponderância.” (MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal, 17ª Ed. – São Paulo, Atlas, 1990, p. 296.).
Vale ressaltar que a jurisprudência brasileira tem firmado que o cálculo realizado na segunda fase deve respeitar os limitar máximo e mínimo do preceito secundário do tipo, conforme o Enunciado da Súmula n.º 231 do Superior Tribunal de Justiça: “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.”.
Já na terceira fase, o magistrado tem como base a pena fixada na fase anterior e vale-se das causas de aumento e diminuição que impõe uma gradação a ser aplicada na pena, estando previstas tanto na Parte Geral como na Parte Especial do Código Penal. Essas causas de aumento e diminuição, também chamadas de qualificadoras em sentido amplo, ou majorantes e minorantes, podem impor fatores de redução fixos (ex.: metade, dobro, etc.) ou variáveis (ex.: um terço a dois terços).
Por fim vale registrar as palavras do professor Luiz Regis Prado que diferencia os efeitos dessas causas de aumento e diminuição das agravantes e atenuantes aplicadas na segunda fase:
As causas de aumento e de diminuição de pena distinguem-se das circunstâncias agravantes e atenuantes, já que se localizam tanto na Parte Geral como na Parte Especial e estabelecem o quantum de exasperação ou redução da pena, permitindo-se como regra geral o aumento ou diminuição desta para além ou quem dos limites máximo e mínimo abstratamente previstos. (PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral, art. 1º ao 120,9ª ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pág. 498).
Não há, portanto, identidade entre causas de aumento e diminuição com as agravantes e atenuantes, as quais estão previstas em locais distintos e trazem consequências distintas.
2.4 – AS MAJORANTES E MINORANTES
Como visto as majorantes e minorantes são causas de aumento e diminuição de pena a serem aplicadas na terceira fase e tem papel essencial na definição da penal total, visto que podem inclusive extrapolar os limites de pena previstos abstratamente no tipo penal.
As majorantes e minorantes encontram previsão tanto na Parte Geral como na Parte Especial, ponto no qual é essencial o magistério de Luiz Regis Prado:
As majorantes e minorantes podem ser definidas como fatores de aumento ou de redução de pena que ora se apresentam em quantidades fixas, ora variáveis.
Exemplos: quantidades fixas – arts. 168, §1.º (apropriação indébita); 258 (formas qualificadas do crime de perigo comum); 333, parágrafo único (corrupção ativa) e 339, § 2.º (denunciação caluniosa). Quantidades variáveis – arts. 14, parágrafo único (tentativa); 24, § 2.º (estado de necessidade) e 265, parágrafo único (atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública), CP (PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral, art. 1º ao 120,9ª ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pág. 498).
Para melhor visualização desses institutos são transcritos exemplos das mencionadas cláusula fixas e variáveis:
Art. 14 - Diz-se o crime:
Crime consumado
I - consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal;
Tentativa
II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.
Pena de tentativa
Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.
(...)
Corrupção ativa
Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional (BRASIL. Código Penal, art.s 12 e 333).
Portanto, como visto, hora o legislador optou por dar liberdade ao magistrado na fixação do “quantum” de pena a ser majorado e hora optou por ele próprio estabelecer tal quantitativo de maneira fixa, de forma totalmente desarmonizada e violando a liberdade de atuação do magistrado.
Após a introdução ao nosso objetos de estudo se faz necessário esclarecer que as majorantes e minorantes não se confundem com as qualificadoras, apesar de parte da doutrina denominar as majorantes e minorantes de qualificadoras em sentido amplo. Fernando Capez esclarece que as qualificadoras “estão sediadas em parágrafos dos tipos incriminadores e têm por função alterar os limitas da pena” (CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal volume 1, parte geral (arts. 1º a 120), 17ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2013, pág. 483), sendo consideradas na primeira fase da aplicação de pena e incidindo portanto na fixação da pena-base. O professo Cezar Roberto Bitencourt esclarece que alguns doutrinadores não fazem distinção entre as majorantes/minorantes e as qualificadoras:
Alguns doutrinadores não fazem distinção entre as majorantes e minorantes e as qualificadoras, No entanto, as qualificadoras constituem verdadeiros tipos penais – tipos derivados - com novos limites, mínimo e máximo, enquanto as majorantes e minorantes, como simples causas modificadoras da pena, somente estabelecem a sua variação. Ademais, as majorantes e minorantes funcionam como modificadores na terceira fase do cálculo da pena, o que não ocorre com as qualificadoras, que estabelecem limites mais elevados, dentro dos quais será calculada a pena-base (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral,15ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, pág. 671).
Um tipo penal que ilustra bem essa diferença é o crime de roubo previsto no artigo 157 do Código Penal, o seu parágrafo segundo exprime uma majorante da pena prevista no caput que aumenta a pena em um terço quando presentes determinadas circunstâncias descritas em seus incisos, já o seu parágrafo terceiro traz um tipo qualificado pela lesão corporal grave ou morte, com novas penas maiores, autônomas, independentes da pena do caput. Para melhor visualização dos institutos transcreve-se abaixo o referido artigo:
Roubo
Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.
§ 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade:
I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;
II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;
III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância.
IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior; (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996)
V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade.
§ 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa (BRASIL. Código Penal, art.s 157).
Portanto se busca esclarecer que o presente trabalho se propõe a discutir a majorantes e minorantes que impõe um aumento ou diminuição de pena de maneira fixa não havendo margem de interpretação por parte do juízo, por isso, que serão a partir de então denominadas de cláusulas fixas.
3 – A INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA
Visto a evolução do papel do juiz na aplicação da lei penal e a definição das majorantes e minorantes vamos ao estudo do princípio da individualização da pena que deverá nortear as ideias defendidas nessa obra.
3.1 –OS PRINCÍPIOS PENAIS
A definição literal de princípio é aquela que se relaciona com fonte primária de algo, porém no sentido jurídico prevalece a ideia de mandamento nuclear de um sistema. Celso Antônio Bandeira de Melo define os princípios de maneira clássica como sendo:
Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo (BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio. Curso de Direito Adminstrativo, 14ª Ed. – São Paulo: Malheiros, 2002, pág. 807/808).
No âmbito penal os princípios são considerados garantias do cidadão contra o poder punitivo estatal, decorrentes da dignidade da pessoa humana. Nos primórdios do direito penal o Estado atuava sobre as pessoas sem limitação, agindo com crueldade, sem respeito às garantias mínimas do cidadão, hoje garantidas pela maioria do estados ocidentais, tais como legalidade, ampla defesa, contraditório e os demais princípios decorrentes da condição humana. Porém com o surgimento do iluminismo e a superação do absolutismo houve uma crescente imposição de limites aos poderes punitivos do Estado, através do surgimento de diversos princípios penais fundamentais.
O professor Renato Brasileiro, lembrando a origem dos princípios constitucionais brasileiros ressalta que:
A Constituição Federal de 1988 elencou vários princípios processuais penais, porém, no contexto de funcionamento integrado e complementar das garantias processuais penais, não se pode perder de vista que os Tratado Internacionais de Direitos Humanos firmados pelo Brasil também incluíram diversas garantias ao modelo processual penal brasileiro. Nessa ordem, a Convenção Americana sobre Direito Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), prevê diversos direitos relacionados à tutela da liberdade pessoal (Decreto nº 678/92, art. 7º), além de inúmeras garantias judiciais (Decreto nº 678/92, art. 8). (LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal – Rio de Janeiro: Impetus, 2013, pág. 6).
Os princípios penais estão previstos tanto na Constituição Federal de forma explicita e implícita, assim como na legislação infraconstitucional. Como já dito anteriormente, por se tratarem de limitações ao poder punitivo estatal vários princípios constitucionais foram consagrados como cláusulas pétreas, imunes a reduções ou supressões, como por exemplo, a legalidade (art. 5, inciso XXXIV), retroatividade da lei penal benéfica (art. 5, inciso XL), individualização da pena (art. 5º, inciso XLVI), entre outros.
A Constituição da República Federativa do Brasil foi promulgada após um longo período de ditadura militar, onde o país foi governado com mãos de ferro, gerando grandes violações aos direitos do cidadão, por esse motivo ela trouxe um grande número de direitos e garantias para o cidadão, principalmente limitando o jus puniendi estatal e criando garantias processuais e materiais.
3.2 – O PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA
O princípio da individualização da pena tem previsão expressa na Constituição da República, em seu artigo 5.º, inciso XLVI , que trás a seguinte previsão:
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos; (BRASIL. Constituição Federal, art. 5.º, inciso XLVI).
Esse princípio que tem base na dignidade da pessoa humana decorre automaticamente da noção de culpabilidade, mas não da culpabilidade como fundamento da pena ou como conceito contrário à responsabilidade objetiva, mas sim da culpabilidade como elemento de determinação da pena. Sobre essas três facetas da culpabilidade é esclarecedora a doutrina de Cezar Roberto Bitencourt:
Atribui-se, em Direito Penal, um triplo sentido ao conceito de culpabilidade, que precisa ser liminarmente esclarecido, Em primeiro lugar, a culpabilidade – como fundamento da pena – refere-se ao fato de ser possível ou não a aplicação de uma penal ao autor de um fato típico e antijurídico, isto é, proibido pela lei penal. Para isso, exige-se a presença de uma série de requisitos – capacidade de culpabilidade, consciência da ilicitude, e exigibilidade de conduta conforme a norma – que constituem os elementos positivos específicos do conceito dogmático de culpabilidade, A ausência de qualquer desses elementos é suficiente para impedir a aplicação de uma sanção penal. Em segundo lugar, a culpabilidade funciona não como fundamento da pena, mas como limite desta, impedindo que a pena seja imposta além da medida prevista pela própria ideia de culpabilidade, aliada, é claro, a outros fatores, como importância do bem jurídico, fins preventivos e etc. E finalmente, em terceiro lugar, a culpabilidade – vista como conceito contrário à responsabilidade objetiva, ou seja, com o identificador e delimitador da responsabilidade individual e subjetiva. Nessa acepção, o princípio de culpabilidade impede a atribuição da responsabilidade penal objetiva, assegurando que ninguém responderá por um resultado absolutamente imprevisível e se não houver agido, pelo menos, com dolo ou culpa (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral,15ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, pág. 385/386).
A individualização da pena tem a função de atribuir ao violador da norma a pena que lhe cabe de acordo com sua conduta, não importando a pena aplicada a outros indivíduos, ainda que tenha agido no mesmo contexto. Tem finalidade de afastar aquela atuação positivista do juiz escravizado pela lei, que tem uma conduta automatizada na aplicação da pena.
A individualização da penal implica na atuação não somente por parte do Judiciário e do Legislativo, mas também no âmbito administrativo, conforme esclarece Cleber Masson:
No prisma legislativo, é respeitado quando o legislador descreve o tipo penal e estabelece as sanções adequadas, indicando precisamente seus limites mínimos e máximo, e também as circunstâncias aptas a aumentar ou diminuir as reprimendas cabíveis.
A individualização judicial complementa a legislativa, pois aquela não pode ser extremamente detalhista, nem é capaz de prever todas as situações da vida concreta que possam aumentar ou diminuir a sanção penal. É efetivada pelo juiz, quando aplica a pena utilizando-se de todos os instrumentais fornecidos pelos autos da ação penal, em obediência ao sistema trifásico delineado pelo art. 68 do Código Penal (pena privativa de liberdade), ou ainda ao sistema bifásico inerente à sanção pecuniária (CP, art. 49).
Finalmente, a individualização administrativa é efetuada durante a execução da pena, quando o Estado deve zelar por cada condenado de forma singular, mediante tratamento penitenciário ou sistema alternativo no qual se afigure possível a integral realização das finalidades da pena: retribuição, prevenção (geral e especial) e ressocialização (MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado – volume 1: parte geral,6ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2012, pág. 36/37).
Portanto essas três esferas devem atuar de forma que haja respeito a essa garantia fundamental do cidadão, entretanto ainda são comuns as violações a individualização da pena nas três esferas, não sendo raras as ocasiões em que é necessária a intervenção do Judiciário para fazer cessar a ofensa.
A individualização pode ocorrer das mais variadas formas, entretanto o professor Guilherme de Souza Nucci, em obra dedicada a individualização da pena, elenca as quatro maneiras básicas:
Há basicamente quatro modos de se individualizar a pena: a) pena determinada em lei, que não dá margem de escolha ao juiz; b) pena totalmente indeterminada, permitindo ao juiz fixar o quantum que lhe aprouver; c) pena relativamente indeterminada, por vezes fixando somente o máximo, mas sem estabelecimento do mínimo, bem como quando se prevê mínimos e máximos flexíveis, que se adaptam ao condenado conforme sua própria atuação durante a execução penal; d) pena estabelecida em lei dentro de margens mínima e máxima, cabendo ao magistrado eleger o seu quantum. Este último é, sem dúvida, o mais adotado e o que melhor se afeiçoa ao Estado Democrático de Direito (NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da Pena ,5ª ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, pág. 190).
No que pese o brilhantismo o ilustre doutrinador ousa-se discordar do posicionamento que considera que a pena determinada em lei e que não dá margem de escolha para o juiz seja um modo de se individualizar a pena. Ora caso não haja margem para o juiz avaliar as circunstâncias do caso concreto e aplicar e pena de acordo com a conduta do autor não haverá nenhuma individualização da pena, pois ele será sempre igual, independentemente do sujeito ou das circunstâncias do caso concreto. Portanto, entende-se que o melhor posicionamento seria no sentido de que no caso de uma pena determinada que não dá margem ao juiz haveria sim generalização da pena e não individualização, restando portanto somente três forma de se individualizar e pena.
Portanto a maneira ideal de se efetivar a individualização da pena é a determinação legal de máximos e mínimos, deixando a arbítrio do juiz a aplicação da pena no caso concreto, motivadamente, de acordo com suas peculiaridades. Porém essa individualização deve ocorrer nas três etapas do cálculo da pena privativa de liberdade, portanto, ao nosso ver o Código Penal andou bem quando utilizou esse critério de individualização. Entretanto como vermos adiante, há casos em que o Código Penal optou por adotar cláusulas fixas que não dão liberdade ao juiz no momento da majoração ou minoração da pena, havendo, portanto, clara violação do princípio da individualização da pena.
4 – DA INCONSTITUCIONALIDADE
Inicialmente serão analisadas algumas decisões do Pretório Excelso envolvendo e tema em análise.
4.1 – A PROGRESSÃO DE REGIME E REGIME INICIAL NOS CRIMES HEDIONDOS
A Lei n.º 8.072/90 conhecida como Lei de Crimes Hediondos, como de costume em nosso ordenamento jurídico, é uma lei feita mediante grande comoção popular, no afã do cometimento de um crime de repercussão nacional. Não que a população não deve interferir na formulação das leis, mas é sabido que decisões tomadas sob forte comoção, não raras vezes costumam impor reprimendas desproporcionais e violadoras do direitos e garantias fundamentais.
Na sua redação original a referida lei trouxe a previsão de que os crimes definidos como hediondos ou equiparados seriam insuscetíveis de uma série de benefícios, bem como sua pena seria cumprida integralmente no regime fechado, o seu artigo 2º disponha da seguinte redação:
Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:
I - anistia, graça e indulto;
II - fiança e liberdade provisória.
§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado.
§ 2º Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.
§ 3º A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de trinta dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade (BRASIL. Lei 8.072/90, art. 2 º, redação original).
Como visto seu parágrafo primeiro vedava a progressão de regime de forma fixa, vinculando o juiz e não admitindo nenhuma exceção ou juízo de valor por parte do magistrado. Entretanto no dia 01/04/2004 foi impetrado no Supremo Tribunal Federal o Habeas Corpus n.º 82.959 proveniente do Estado de São Paulo, onde o paciente se voltava contra decisão do Superior Tribunal de Justiça que lhe vedou a progressão de regime, seguindo a literalidade do § 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90.
Essa tese gerou grande controvérsia no julgamento da demanda, tendo o julgamento um apertado placar de seis votos contra cinco favoráveis a declaração de inconstitucionalidade do referido parágrafo.
Favorável à constitucionalidade do texto legal o Ministro Celso de Melo proferiu seu voto no sentido que a individualização da pena se dirigiria somente ao legislador, o qual teria liberdade para legislar em função da gravidade do delito desde que de forma proporcional, como se pode perceber do seguinte trecho extraído de ilustre voto:
No caso, o legislador - a quem se dirige a normatividade emergente do comando constitucional em questão atuando no regular exercício de sua competência legislativa, fixou em abstrato, a partir de um juízo discricionário que lhe pertence com exclusividade, e em função da maior gravidade objetiva dos ilícitos referidos, a sanção penal que lhes é imponível. A par dessa individualização "in abstracto", o Poder Legislativo, legitimado por vetores condicionantes de sua atuação institucional resultantes de norma fundada na própria Constituição (art. 5º, XLIII), definiu, de modo inteiramente legítimo, sem qualquer ofensa a princípios ou a valores consagrados na Carta Política, o regime de execução pertinente às sanções impostas pela prática dos delitos em questão.
(...)
A resposta penal do Estado, Senhores Ministros, concebida na perspectiva da legítima formulação, pelo Poder Público, de uma política de repressão a delitos que afetam as próprias condições existenciais da coletividade e que expõem a riscos gravíssimos os cidadãos desta República, revela-se proporcional e compatível com a extrema seriedade dos crimes que compõem o rol inscrito no art. 1º da Lei nº 8.072/90, ajustando-se, por isso mesmo, de modo harmonioso, ao postulado constitucional da individualização da pena (HC 82959, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 23/02/2006).
Em sentido diametralmente oposto foi o voto do Ministro relator Marco Aurélio, que se consagrou vencedor. Entretanto não se pode deixar de mencionar o brilhante voto de vista proferido pelo Ministro Gilmar Mendes, do qual se transcreve alguns trechos a seguir:
Em verdade, estou convencido de que a fórmula aberta parece indicar, tal como em relação aos demais comandos constitucionais que remetem a uma intervenção legislativa, que o princípio da individualização da pena fundamenta um direito subjetivo, que se não se restringe à simples fixação da pena in abstracto, mas que se revela abrangente da própria forma de individualização (progressão).
Em outros termos, a fórmula utilizada pelo constituinte assegura um direito fundamental à individualização da pena. A referência à lei" - princípio da reserva legal - explicita tão somente, que esse direito está submetido a uma restrição legal expressa e que o legislador poderá fazer as distinções e qualificações, tendo em vista as múltiplas peculiaridades que dimanam da situação a reclamar regulação.
É evidente, porém, que, como todos sabem, que a reserva legal também está submetida a limites. Do contrário, ter-se-ia a possibilidade de nulificação do direito fundamental submetido à reserva legal por simples decisão legislativa. Este é o cerne da questão. Se se está diante de um direito fundamental à individualização da pena e não de uma mera orientação geral ao legislador - até porque para isso - despicienda seria a inclusão do dispositivo no elenco dos direitos fundamentais - então há que se cogitar do limite à ação do legislador na espécie (HC 82959, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 23/02/2006).
Portanto, após esse intenso debate o Plenário do Supremo Tribunal Federal optou por declarar inconstitucional a cláusula fixa do parágrafo único do artigo 2º da lei 8.072/90, nos seguintes termos:
PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social.
PENA - CRIMES HEDIONDOS - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - ÓBICE - ARTIGO 2º, § lº, DA LEI Nº 8.072/90 - INCONSTITUCIONALIDADE - EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena - artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal - a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 (HC 82959, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 23/02/2006).
Com a declaração de inconstitucionalidade do referido dispositivo o legislador pátrio alterou a redação do parágrafo primeiro do artigo 2º, por meio da Lei 11.464/07, que passou a ter a seguinte redação “§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado”.
Nesse passo, a Suprema Corte foi novamente acionada, dessa vez em relação à nova redação do dispositivo que passou a determinar a obrigatoriedade do sentenciado iniciar o cumprimento da pena no regime fechado. Isso se deu por meio do Habeas Corpus n.º 111.840/ES, onde a Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo pedia a concessão do habeas corpus para que um condenado por tráfico de drogas pudesse iniciar o cumprimento da pena de seis anos em regime semiaberto, alegando, para tanto, a inconstitucionalidade da norma que determina que os condenados por tráfico devem cumprir a pena em regime inicialmente fechado.
Com a relatoria do Ministro Dias Toffoli a Suprema Corte voltou a declarar inconstitucional do mesmo dispositivo, que apesar de ter nova redação continuou a impor um cláusula fixa ao magistrado, impondo um regime inicial fixo ao réu, extirpando assim a individualização da pena. Ao fim a ementa do referido julgado declarou de forma incidental a inconstitucionalidade do dispositivo nos seguintes termos:
Habeas corpus. Penal. Tráfico de entorpecentes. Crime praticado durante a vigência da Lei nº 11.464/07. Pena inferior a 8 anos de reclusão. Obrigatoriedade de imposição do regime inicial fechado. Declaração incidental de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90. Ofensa à garantia constitucional da individualização da pena (inciso XLVI do art. 5º da CF/88). Fundamentação necessária (CP, art. 33, § 3º, c/c o art. 59). Possibilidade de fixação, no caso em exame, do regime semiaberto para o início de cumprimento da pena privativa de liberdade. Ordem concedida.
1. Verifica-se que o delito foi praticado em 10/10/09, já na vigência da Lei nº 11.464/07, a qual instituiu a obrigatoriedade da imposição do regime inicialmente fechado aos crimes hediondos e assemelhados. 2. Se a Constituição Federal menciona que a lei regulará a individualização da pena, é natural que ela exista. Do mesmo modo, os critérios para a fixação do regime prisional inicial devem-se harmonizar com as garantias constitucionais, sendo necessário exigir-se sempre a fundamentação do regime imposto, ainda que se trate de crime hediondo ou equiparado.
3. Na situação em análise, em que o paciente, condenado a cumprir pena de seis (6) anos de reclusão, ostenta circunstâncias subjetivas favoráveis, o regime prisional, à luz do art. 33, § 2º, alínea b, deve ser o semiaberto.
4. Tais circunstâncias não elidem a possibilidade de o magistrado, em eventual apreciação das condições subjetivas desfavoráveis, vir a estabelecer regime prisional mais severo, desde que o faça em razão de elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade de maior rigor da medida privativa de liberdade do indivíduo, nos termos do § 3º do art. 33, c/c o art. 59, do Código Penal.
5. Ordem concedida tão somente para remover o óbice constante do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/07, o qual determina que “[a] pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado“. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da obrigatoriedade de fixação do regime fechado para início do cumprimento de pena decorrente da condenação por crime hediondo ou equiparado (HC 111840, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 14/06/2012).
Portanto, por duas vezes o Poder Judiciário deve que interferir no anseio punitivo do Poder Legislativo, que insistiu em violar o princípio da individualização da pena, buscando atender ao anseio punitivo da sociedade.
4.2 – A LIBERDADE PROVISÓRIA E PENAS ALTERNATIVAS NA LEI DE DROGAS
Outra lei que teve dispositivos questionados perante o Supremo Tribunal Federal foi a Lei 11.343/06, conhecida Lei de Drogas, que em sua redação original trazia dispositivos que vedavam a conversão da pena de prisão em restritiva de direitos, bem como a liberdade provisória do acusado.
No Habeas Corpus n.º 104.339/SP o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade de parte do artigo 44 da Lei de Drogas, que proibia a concessão de liberdade provisória nos casos de tráfico de entorpecentes.
Novamente o princípio da individualização da pena foi elencado pelos ministros como sendo um dos motivos que levam a inconstitucionalidade da cláusula fixa imposta pela lei. Nos debates o Ministro Ayres Brito menciona inclusive que não somente a pena deve ser individualizada, mas também a própria prisão. Já o Ministro Dias Toffoli em seu voto esclarece que :
Ademais, entendo que, se a Constituição Federal menciona que a lei regulará a individualização da pena, é natural que ela exista. Do mesmo modo os critérios para a concessão ou não da liberdade provisória deverão estar harmonizados com as regras constitucionais, sendo necessário exigir-se sempre a fundamentação da negativa da liberdade provisória, ainda que se trate de crime hediondo ou equiparado (HC 104339, Relator: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2012).
Ao final do julgamento acordaram o ministros, sob relatoria do Ministro Gilmar Mendes em declarar a inconstitucionalidade da vedação da concessão de liberdade provisória para os acusados presos pelo crime de tráfico de drogas da seguinte maneira:
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a presidência do Senhor Ministro Ayres Britto, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos: declarar, incidenter tantum, a inconstitucionalidade da expressão “e liberdade provisória” do caput do art. 44 da Lei 11.343/2006; conceder, parcialmente, a ordem; e, ainda, autorizar os senhores ministros a decidir, monocraticamente, habeas corpus quando o único fundamento da impetração for o art. 44 da mencionada lei, nos termos do voto do Relator (HC 104339, Relator: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2012).
Somado a essa decisão, também foi levado a julgamento no STF o parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06, especialmente a previsão de proibição da conversão da pena privativa de liberdade em pena restritiva de direitos. Esse julgamento se deu no Habeas Corpus n.º 97.256/RS, onde se restabeleceu a pena restritiva de direitos que substituiu uma condenação por tráfico de drogas.
Novamente o princípio da individualização da pena foi determinante para a verificação de inconstitucionalidade do referido instituto. A Ação Constitucional de relatoria do Ministro Ayres Brito deixa clara em sua ementa a liberdade que deve ser concedida ao magistrado no momento da fixação da pena, não tendo a lei força para substituir o juiz sentenciante, conforme visto a seguir:
EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 44 DA LEI 11.343/2006: IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (INCISO XLVI DO ART. 5º DA CF/88). ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o legislativo, o judicial e o executivo. Logo, a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinqüente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo. Implicando essa ponderação em concreto a opção jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material.
2. No momento sentencial da dosimetria da pena, o juiz sentenciante se movimenta com ineliminável discricionariedade entre aplicar a pena de privação ou de restrição da liberdade do condenado e uma outra que já não tenha por objeto esse bem jurídico maior da liberdade física do sentenciado. Pelo que é vedado subtrair da instância julgadora a possibilidade de se movimentar com certa discricionariedade nos quadrantes da alternatividade sancionatória.
3. As penas restritivas de direitos são, em essência, uma alternativa aos efeitos certamente traumáticos, estigmatizantes e onerosos do cárcere. Não é à toa que todas elas são comumente chamadas de penas alternativas, pois essa é mesmo a sua natureza: constituir-se num substitutivo ao encarceramento e suas seqüelas. E o fato é que a pena privativa de liberdade corporal não é a única a cumprir a função retributivo-ressocializadora ou restritivo-preventiva da sanção penal. As demais penas também são vocacionadas para esse geminado papel da retribuição-prevenção-ressocialização, e ninguém melhor do que o juiz natural da causa para saber, no caso concreto, qual o tipo alternativo de reprimenda é suficiente para castigar e, ao mesmo tempo, recuperar socialmente o apenado, prevenindo comportamentos do gênero.
4. No plano dos tratados e convenções internacionais, aprovados e promulgados pelo Estado brasileiro, é conferido tratamento diferenciado ao tráfico ilícito de entorpecentes que se caracterize pelo seu menor potencial ofensivo. Tratamento diferenciado, esse, para possibilitar alternativas ao encarceramento. É o caso da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, incorporada ao direito interno pelo Decreto 154, de 26 de junho de 1991. Norma supralegal de hierarquia intermediária, portanto, que autoriza cada Estado soberano a adotar norma comum interna que viabilize a aplicação da pena substitutiva (a restritiva de direitos) no aludido crime de tráfico ilícito de entorpecentes.
5. Ordem parcialmente concedida tão-somente para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei 11.343/2006, assim como da expressão análoga “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante do § 4º do art. 33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao Juízo da execução penal que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da convolação em causa, na concreta situação do paciente (HC 97256, Relator: Min. AYRES BRITO, Tribunal Pleno, julgado em 16/12/2010).
Essa nova inteligência do princípio da individualização da pena deu uma nova roupagem ao Direito Penal Brasileiro, e passou a ser fator decisivo em várias outras decisões futuras que foram proferidas, não somente pelo Pretório Excelso, mas também pelos demais tribunais pátrios.
4.3 – A REINCIDÊNCIA
A partir dessa nova tendência demonstrada Suprema Corte uma vertente garantista mais extremada da doutrina passou a defender também a inconstitucionalidade da figura da reincidência como agravante da pena, por violação ao princípio da individualização da pena e também por configuração de bis in idem. Inclusive esse foi o posicionamento da Suprema Corte Argentina no caso Taboada Ortiz (processo 6.457/09) que adotou essa teoria e julgou inconstitucional alguns dispositivos legais de previam o agravamento da pena com base na reincidência.
Essa vertente garantista alegava que o fenômeno da reincidência aplicaria fatos pretéritos na análise de um novo crime cometido pelo indivíduo, julgando o indivíduo pelo que ele é e não pelo que ele fez, tratando-se do denominado direito penal do autor, vertendo do direito penal do inimigo, que se contrapõe ao direito penal do fato.
Consequentemente o Pretório Excelso foi instado a se manifestar novamente, dessa vez nos autos do Recurso Extradorinário n.º 453.000/RS de relatoria do Ministro Marco Aurélio. Trava-se de uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, onde assentou não haver inconstitucionalidade na aplicação da agravante da reincidência
A defesa sustentava que a visão garantista estabelecida pelo Constituinte não se coaduna com o instituto da reincidência, porque “este – além de contrariar o princípio constitucional da individualização da pena – estigmatiza, obstaculiza uma série de benefícios legais, afeta a coisa julgada e viola, flagrantemente, o non bis in idem, base fundamental de toda a legislação criminal” (RE 453.000, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 04/04/2013).
Considerando os argumentos elencados pela defesa o Ministro Marco Aurélio em seu voto esclarece a matéria da seguinte maneira:
Não é sem motivo que os tipos penais, sob o ângulo da pena privativa da liberdade, remetem a balizamento temporal, ou seja, preveem um mínimo e um máximo de apenação, somente alijados se verificada causa de diminuição ou de aumento da pena, como decidiu este Plenário no Recurso Extraordinário nº 597.270-4/RS, relator ministro Cezar Peluso. Evidentemente, a definição da reprimenda adequada ocorre em face das peculiaridades do caso, despontando o perfil do agente, inclusive se voltou, por isto ou por aquilo, não importa, a claudicar. Ao contrário do que assevera o recorrente, o instituto constitucional da individualização da pena respalda a consideração da singularidade, da reincidência, evitando a colocação de situações desiguais na mesma vala – a do recalcitrante e a do agente episódico, que assim o é ao menos ao tempo da prática criminosa”(RE 453.000, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 04/04/2013).
Ao fim do julgamento os ministros, em sede de repercussão geral, de forma unânime acordaram não haver inconstitucionalidade na aplicação da agravante da reincidência, nos termos do voto do relator, esclarecendo que a aplicação da reincidência não implica em violação da individualização da pena, ao contrário, torna mais efetivo esse princípio, conforme se vê:
AGRAVANTE – REINCIDÊNCIA – CONSTITUCIONALIDADE – Surge harmônico com a Constituição Federal o inciso I do artigo 61 do Código Penal, no que prevê, como agravante, a reincidência (RE 453.000, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 04/04/2013).
Essa decisão do STF põe um freio na doutrina garantista extremada, esclarecendo que a individualização da pena é um princípio decorrente da Carta Política que visa atender a princípio da culpabilidade e tornar efetiva a pena de acordo com o caso concreto, impedindo a vinculação do juízo à lei, não sendo, portanto, um instrumento em favor do garantismo exacerbado.
Conforme de infere da decisão da Suprema Corte a reincidência não viola a individualização da pena, pois leva em consideração os fatos praticados pelo autor anteriormente, que revelam sua personalidade e por isso mesmo favorecem a adequação da pena de acordo com o caso concreto, sendo a reincidência, portanto, um instrumento da individualização da pena.
Portanto sua interpretação deve ser feita de forma a encaixar perfeitamente a conduta praticada pelo agente ao tipo legal, levando em consideração a medida de exata de sua culpabilidade.
4.4 – DA TESE DAS MAJORANTES E MINORANTES FIXAS
No passo da recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e da nova ótica dada do princípio da individualização da pena defende-se a tese de que qualquer majorante ou minorante que seja prevista de forma fixa, sem nenhuma gradação, torna a pena genérica e não permite a concreta individualização da pena, sendo consequentemente contrária à Constituição Federal.
A fim de melhor introduzir a teoria adota-se como exemplo a majorante prevista no § 1º do artigo 317 do Código Penal (Corrupção Passiva), a qual determina que a pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.
Supondo que em um esquema de fraudes públicas dois secretários de um determinado estado federado, pratiquem determinados atos infringindo o dever funcional com o fim de receber propina de um empresário. Se posteriormente denunciados e condenados por corrupção passiva os dois secretários incidiriam na mesma causa de aumento de pena, um terço. Entretanto se no caso concreto um fosse Secretário de Cultura e o outro Secretário de Saúde, e esse tivesse dado causa a falta de medicamentos para pacientes portadores de HIV e aquele a não ocorrência um show popular previamente contratado, tudo isso em benefício do mesmo empresário que atuava em setores distintos da economia. Nesse caso independente das circunstâncias judiciais aplicadas a cada um, impõe-se uma mesma fração de aumento de pena em decorrência da ausência da prática do ato. Nesse caso haveria uma ideal individualização da pena? A falta de medicamentos para portadores de HIV e a não ocorrência de um show popular tem a mesma relevância para a sociedade e merecerem a mesma reprimenda a lei penal? De acordo com a literalidade da lei penal a resposta para essas perguntas só pode ser positiva.
A resposta a esse indagação é clara e evidente, pois os dois fatos não afetam a sociedade com as mesmas consequências, contudo a lei penal determina uma gradação idêntica da pena. O ideal seria que houvesse uma margem de aplicação de aumento da pena, como, por exemplo, de um terço até a metade, como o próprio Código Penal faz em diversos outros dispositivos, pois nesses casos o magistrado tem um poder maior para valorar as circunstâncias do caso concreto. Sabe-se que a lei não tem com prever todas as intercorrências da atualidade e por isso ela deve deixar a cargo do magistrado a efetiva adequação da pena à conduta do autor.
A imposição de uma reprimenda fixa, aumentando ou diminuindo a pena, nunca irá atender a individualização da pena acertando a culpabilidade de cada réu. Como sabe-se o mundo fático é muito extenso e nunca a lei penal conseguirá prever todas as circunstâncias que poderão ocorrer, motivo pelo qual a individualização da pena dever ficara a cargo do magistrado que deve decidir dentro uma margem razoável, limitada.
Ao se impor uma reprimenda fixa a todos que deixarem de praticar determinado ato ou o praticarem em discordância com o dever legal e lei está dizendo que todos os atos praticados pelos servidores públicos têm o mesmo peso e as mesmas consequências. Contudo diante do exemplo citado fica claro que essa suposição é absurda e de consequências devastadoras na aplicação da pena.
Cláusulas desse tipo, primordialmente, violam a tripartição dos poderes definida há séculos por Montesquieu, pois demonstram interferência direita do Poder Legislativo que atua diretamente como aplicador da pena, interindo na função precípua do Poder Judiciário de aplicação da lei ao caso concreto. O Judiciário não tem liberdade de analisar as circunstâncias do caso concreto para aplicar a lei, pois ela foi imposta de forma fixa pelo Legislativo, que suprimiu sua função.
Como visto nos capítulos anteriores a jurisprudência do Pretório Excelso tem se voltando contra essas cláusulas fixas que vinculam o juízo e o tornam escravo da lei, ressuscitando o juiz positivista e mero aplicador da lei, que não tem nenhuma liberdade na sua atuação. São institutos como esse que tornam possível a pretensão de criação de calculadoras de penas que buscam substituir as sentenças judiciais, pois diante de uma lei fixa não há atuação judicial e sim mero cálculo aritmético de pena, o que dispensa a atuação do magistrado e reclama a atuação de um profissional da área de ciências exatas. Por melhores que fossem as intenções de Kelsen ao defender o fim da interferência a moral no direito, o tornando uma ciência, a vinculação ao texto legal pode ter consequências devastadores, como ocorreu na Alemanha Nazista.
Pode haver quem diga que as majorantes e minorantes são analisadas na terceira fase de aplicação da pena, somente aumentando ou diminuindo uma pena já individualizada anteriormente de acordo com as circunstancias judiciais. Contudo a pena aplicada na primeira fase deve levar em consideração as circunstâncias básicas do tipo que não são as mesmas circunstâncias sobpeadas nas agravantes e atenuantes. Somado a esse argumento tem-se o fato de que o Supremo Tribunal Federal tem se manifestado no sentido de que uma mesma circunstância não pode ser levada em consideração por duas vezes em fases distintas do cálculo da pena, o que foi pacificado recentemente quanto à utilização da quantidade de drogas para os fins de cálculo de pena no crime de tráfico de drogas, nesse sentido:
Habeas corpus. 2. Tráfico internacional de entorpecentes. Condenação. 3. Pedido de aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, no patamar máximo (2/3). 4. Quantidade de droga apreendida é circunstância que deve ser sopesada na primeira fase de individualização da pena, nos termos do art. 42 da Lei
11.343/2006, sendo impróprio invocá-la por ocasião de escolha do fator de
redução previsto no § 4º do art. 33 da nova Lei de Drogas, sob pena de bis
in idem. Precedentes. 5. Ausência de motivação para aplicação da minorante no patamar mínimo. 6. Concessão parcial da ordem de habeas corpus para determinar ao Juízo das Execuções que proceda a nova individualização da pena, atentando para adequada motivação do fator de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. Fixada a individualização da pena, deverá analisar a possibilidade de substituição da pena e, ainda, o regime inicial de cumprimento (HC 118.267, Relator: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 12/11/2013).
Portanto ao determinar que certa circunstância irá incidir em uma causa de aumento ou diminuição fixa a lei não está determinando uma correta individualização da pena, motivo pelo qual se ousa defender uma opinião contrária à do professor Guilherme de Souza Nucci, que em sua obra sobre a individualização da pena defende que a pena determinada em lei, que não dá margem de escolha ao juiz é uma forma de se individualizar a pena. Qualquer lei que atue nesse sentido tolhe a liberdade de atuação do juízo, consequentemente lhe impossibilitando de individualizar a pena no caso concreto. Nesse caso não há outra coisa que não o que se denomina de generalização da pena, o que torna a mesma reprimenda aplicável a todos os indivíduos que incidirem naquele tipo penal independentemente das circunstâncias pessoais.
Sabe-se, contudo, como são dotados de atecnia os textos legais em nosso ordenamento jurídico, e não é por acaso que o projeto do novo Código Penal em tramitação no Congresso Nacional continua a prever majorantes e minorantes fixas, como por exemplo no crime de homicídio, que em seu parágrafo segundo, trás uma majorante fixa de um terço no caso de crime praticado contra criança ou idoso.
Ainda nesse mesmo passo, reforçando a ideia da atecnia presente no ordenamento pátrio temos como o exemplo a figura da tentativa prevista no Código Penal, em seu artigo 14, inciso II e parágrafo único, onde há uma previsão de que a pena será gradativa, podendo variar a diminuição de um a dois terços, sendo essa dosagem feita de acordo com o iter criminis percorrido pelo autor, conforme defendido pela doutrina pátria. Contudo, a Lei n.º 2.889/56, que trata do crime de genocídio tem um disciplina própria no que tange a tentativa que se adequada perfeitamente a tese adotada nessa obra, em seu artigo 5º a referida lei determina que o crime tentado será punido com uma pena de dois terços da pena imposta ao crime consumado. Essa distorção entre esses dois diplomas legais, deixa claro que a disciplina adotado pela lei do genocídio não se adequado ao princípio da individualização de pena, em especial a nova roupagem que vem sendo adotada pelo Pretório Excelso.
Com isso se mostra essencial um debate doutrinário efetivo sobre esse tema para que ele possa chegar à Suprema Corte que deverá se manifestar sobre a constitucionalidade do referido instituto, efetivando mais essa garantia constitucional que vai além das raias do direito penal, estando enraizada na tripartição dos poderes e no modelo jusnaturalista.
Por fim, deve ficar claro que não se ignora as grandes consequências que uma declaração de inconstitucionalidade do referido instituto traria para o ordenamento jurídico pátrio, vez que esse tema se faze presente em uma enorme gama de leis esparsas, assim como em vários artigo do Código Penal. Entretanto se trata de um tema importante, que não ser deixado de lado e tem que ser debatido com profundidade pela Suprema Corte, assim como pelos interpretes e legisladores, especialmente pela comissão de juristas e parlamentares encarregados do projeto do novo Código Penal Brasileiro.
CONCLUSÃO
Tem-se que o princípio da individualização de pena é um dos mais importantes que regem o Direito Penal pátrio, tendo previsão constitucional expressa e base na teoria da tripartição dos poderes, de Montesquie. Sua aplicação deve ser pautada no modelo jusnaturalista mitigado, onde o magistrado tem liberdade para adequar a pena do indivíduo ao caso concreto.
A aplicação de lei penal é um ato complexo composto de várias etapas definidas no Código Penal, bem como submetido a uma série e princípios basilares, em sua maioria derivados do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrando não somente na Constituição da República, bem como em uma série de tratados internacionais, o qual norteia não somente a aplicação da pena, bem como sua execução.
Não diferente da maioria dos princípios a individualização da pena também decorre da dignidade da pessoa humana e determina que cada pessoa que incorra em um determinado tipo legal deve ser submetida a uma pena na medida estrita de sua culpabilidade, que deve ser levada em consideração não somente na aplicação da pena, mas também no processo legislativo e na execução da pena.
Tal princípio implica especialmente no respeito à separação dos poderes, impondo ao legislador a exigência de dispositivos que respeitem a legalidade e anterioridade, além de deixarem ao Judiciário a liberdade para atuação de acordo com as peculiaridades do caso concreto, evitando o engessamento da lei e a consequente vinculação do juízo.
Nesse sentido qualquer reprimenda que seja fixa e não de margem de liberdade ao juízo irá atentar contra a individualização da pena, tornando o juiz um mero aplicador da lei.
Essa tem sido a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal a esse princípio, o qual tem tido grande destaque na jurisprudência dessa corte nos últimos anos, tendo sido argumento basilar da declaração de inconstitucionalidade de várias leis que dispunham comportamentos engessados ao juízo.
Também fica claro que o princípio da legalidade que rege a aplicação da pena no caso concreto em nosso ordenamento deve ser pautado em três fases, sendo o cerne do presente trabalho localizado na terceira fase de aplicação, onde são tratadas as majorantes e minorantes que determinam uma gradação fixa pena por parte do juiz.
Nesse passo a individualização de pena, segundo a doutrina pátria, deve ser levada em consideração desde a criação da normal legal até a execução da pena, passando pela aplicação da pena ao caso concreto. Essa mesma doutrina elenca algumas formas de se individualizar a pena, determinado que quando não houver uma imposição fixa de pena ainda sim haverá individualização da pena.
Após uma revisão das decisões recentes do Supremo Tribunal Federal que aplicaram o princípio da individualização da pena mitigando várias normas legais que impunham cláusulas fixas ao magistrado, foi demonstrado que majorantes e minorantes fixas não devem ser aceitas em nosso ordenamento legal, por violação ao princípio em tela.
A tese proposta decorre basicamente da posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal na avaliação do princípio da individualização da pena e se propõe a adaptar a culpabilidade do indivíduo as circunstâncias agravantes ou atenuantes do fato típico cometido por ele. Não se desconsidera-se as opiniões que venham em sentido contrário, buscando se responder a eventuais críticas
Por fim, apresentada essa tese de inconstitucionalidade, fica claro o equívoco da doutrina pátria em considerar que ao impor uma cláusula fixa o legislador estaria realizando a individualização da pena, vez que nesse caso não há outra coisa que não a generalização da pena.
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