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O sindicato e as convenções coletivas

Há possibilidade de instrumentos normativos formulados pelos órgãos de classe criarem figuras de justa causa, que em tese seriam cometidas pelo empregador, capazes de ensejar a rescisão indireta do pacto laboral?

Consta na convenção coletiva formulada entre o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo – SIEEESP e a Federação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo – FETEE, assinada em maio de 2.001, na cláusula 21, que a supressão de turmas, com redução de carga horária, caracterizará em rescisão sem justa causa do contrato de trabalho, com o pagamento de todos os direitos rescisórios, apesar de absolver a instituição de ensino de quitar a garantia semestral de salário, esta também constante no citado instrumento normativo.

Embora esteja previsto na norma coletiva que a diminuição de carga horária acarreta justa causa do empregador, tal situação deve ser analisada dentro de um universo diferente. Com efeito, a redução de turmas ou do número de aulas não caracteriza diminuição salarial, tratando-se de situação específica de professores.

O ínclito doutrinador, Valentin Carrion [1], explana que não se pode ignorar que a carga horária de professores é extremamente variada, e se encontra contida na própria estrutura da profissão, razão pela qual, não se pode falar em redução salarial, especialmente se se tratar de tempo material de um ou dois semestres. Ora, se fossemos agir dessa forma, o professor poderá ser o maior prejudicado, pois seu contrato de trabalho seria rescindido corriqueiramente, criando instabilidade funcional nã desejada; situações de ordem curricular, grade de horário são elementos que não dependem da empresa para equacionar a regularidade contratual.

A jurisprudência pátria segue idêntico entendimento, qual seja, a redução de turmas não caracteriza diminuição de salários, ainda mais se se tratar de curto período. A orientação jurisprudencial traçada pelo Tribunal Superior do Trabalho sobre a matéria mostra que essa diversificação deve ser adotada sob pena de ocasionar instabilidade ao trabalho do professor [2].

Acrescente-se, ademais, que a entidade educacional não pode continuar a manter seus professores, sem que estes estejam ministrando aulas, mesmo que queira, pois, se assim agisse, suas atividades financeiras ficariam prejudicadas, por assumir gastos incabíveis., quando não conduzir esse custo desnecessário ao aluno pagante, podendo, ainda, ocorrer a caracterização de falta grave, com infringência ao artigo 483, "d", da CLT, com ônus extremado, não se ignorando também a possibilidade de condenação por danos morais, conforme têm decidido nossos Tribunais [3].

Portanto, a atitude do Empregador, ao diminuir a carga horária, não pode resultar em falta grave, necessária para embasar a rescisão indireta do contrato de trabalho, visto que a alteração do número de horas/aulas ministradas é da própria essência da remuneração dos professores, conforme preceitua o artigo 320 da CLT.

De outro lado, deve-se assinalar que a norma coletiva não pode criar figuras de justa causa a serem imputadas às partes contratantes, pois o rol contido nos artigos 482 e 483 da Consolidação das Leis do Trabalho é taxativo.

Em obra clássica - A Justa Causa na Rescisão do Contrato de Trabalho-, o ilustre doutrinador, Evaristo de Moraes Filho [4], preleciona que o nosso sistema de justa causa é taxativo, devendo o julgador analisar cada caso para constatar se houve ou não a infringência à figura delituosa, não concedendo às partes inserirem outras senão aquelas constantes da norma legal.

Posição idêntica tem o professor e autor de conceituadas obras, Amauri Mascaro Nascimento [5], que, analisando especificamente a matéria em debate, acrescenta que por ser taxativo o sistema de justa causa no Brasil, apenas através de lei, seria possível acrescentar outras figuras além daquelas já existentes.

De outra parte, poder-se-ía indagar se com a aprovação do projeto de Lei que tomou o número 5.483, que tem por finalidade alterar o artigo 618 da CLT, a polêmica estaria afastada?

Com efeito, a alteração do artigo 618 da CLT, estabelecendo a possibilidade de através de instrumentos normativos pactuar normas que infrinjam os direitos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho, não modificaria em nada o assunto em tela. Há algum tempo juristas nacionais têm se posicionado no sentido de que através de acordo ou convenção coletiva pode-se modificar normas previstas na CLT, desde que não infrinjam os direitos sociais constantes da Constituição Federal; ora o próprio legislador constituinte outorgou às partes, através de seus sindicatos, formalizarem instrumentos coletivos para modificar alguns artigos, tais como: diminuição salarial, compensação de jornada de trabalho, superação do horário do turno ininterrupto de revezamento; por conseqüência, se o salário que é considerado o direito mais importante que possui o empregado pode ser reduzido com a participação do sindicato, artigo 7º, VI, CF, não há como deixar de aceitar que os direitos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho não possam ter idêntica linha de procedimento [6].

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No caso em foco, não há como aceitar a cláusula prevista na norma coletiva, ora em exame, por ser ela contraditória; pois, se de um lado, há a possibilidade de se criar novas posições configurando justa causa, o cumprimento dessa cláusula acarretaria a infringência de outra figura, contida no artigo 483, " d ", da CLT - não cumprir o contrato de trabalho, ao deixar o empregado percebendo salário sem que houvesse a prestação de serviço, o que é incabível em nosso sistema legal.

Pelo exposto, podemos concluir que os convenentes, ao formalizarem convenções coletivas, não possuem a prerrogativa de introduzir novas figuras de justa causa, que acarretem a rescisão contratual por culpa do empregador, ensejando no pagamento de direitos resilitórios, quando a prática do ato não é vista como faltosa e nem mesmo grave, por ser tal procedimento característico da relação de emprego do professor, bem como pelo fato de que o cumprimento da cláusula como quer os pactuantes, acarretaria na prática de outro ato que é caracterizado como justa causa, previsto no sistema legal brasileiro.


Notas

1. CARRION, Valentin, Comentários ä CLT, São Paulo: 2001, p. 222. " A irredutibilidade salarial é norma legal genérica, que se aplica também ao professor, mas o intérprete não pode ignorar a habitual variabilidade do número de aulas ministradas, às vezes por interesse do próprio mestre junto a outros estabelecimentos de ensino ou outras ocupações; certas circunstâncias podem assim determinar que pequenas variações não sejam levadas em consideração de ano para ano e que, ao medir a possível redução injusta, não se escolha um determinado ano letivo, mas período superior que a prudência aconselha se fixe nos últimos dois anos".

2. "ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

SEÇÃO DE DISSÍDIOS INDIVIDUAIS- I) PROFESSOR. REDUÇÃO DA CARGA HORÁRIA. POSSIBILIDADE. A redução da carga horária do professor, em virtude da diminuição do número de alunos, não constitui alteração contratual, uma vez que não implica redução do valor da hora-aula. Precedentes E-RR 205928/1995 Min. José Perret Schulte DJ 13.11.1998 DU, E-RR 156974/1995 Min. Moura França DJ 17.04.1998. RR 290634/1996, 1ª T Min. Ronaldo Leal DJ 19.03.1999, DU RR 528582/1999, 4ª T Min. Moura França DJ 30.04.1999 DU". Temos ainda decisão recente do Tribunal Superior do Trabalho com a seguinte ementa: " PROFESOR. REDUÇÃO DO NÚMERO DE HORAS-AULA. VALIDADE. Não constitui alteração ilícita do contrato de trabalho a redução da carga horária do professor, considerando-se a variabilidade do número de alunos no estabelecimento de ensino, refletindo-se na necessidade do número de horas-aula a ser ministrado". TST-RR-474.191/98, Ac. 3ªT., Rel. Juíza Eneida M.C.de Araújo, DJU 14.5.2001, in Rev. TST, Brasília: jul/set 2001, p. 355.

3. VALENTIN. Carrion, ob. cit., p. 367. "Empregado mantido em ociosidade recebendo salários. Ato empresarial que atenta contra a dignidade da pessoa humana, pois é vexatória ao trabalhador a situação de receber salários sem que isto aconteça em razão de haver cumprido labor. (TST, RR 7.127/86.2, Norberto Silveira, Ac. 3ª T., 1.736/87)".

MONTEIRO DE BARROS. Alice, in Síntese Trabalhista e Previdenciária, nº 134, pp. 15 e 16. "Corrente contrária nega direito às diferenças salariais, sob argumento de que diante de "oscilação do número de alunos e conseqüentemente de turmas, não pode o estabelecimento de ensino ficar adstrito a garantir ao professor número obrigatório de aulas, o que implicaria, no caso de diminuição do respectivo número, no pagamento de aulas não dadas pelo professor. Tal situação atenta contra a própria natureza do salário, que é contraprestação pelos serviços".

4. " Como se conclui desta longa transcrição, o nosso sistema legal é taxativo, do tipo limitativo absoluto, de acôrdo, repetimos, com a nossa melhor tradição de técnica legislativa. E é preciso que se repita ainda mais uma vez, e sempre, que nem por isso proíbe ele o livre exame de cada caso concreto pelo juiz". p. 313.

5. MASCARO NASCIMENTO. Amauri, Curso de Direito do Trabalho, São Paulo: Saraiva, 7º ed., p. 424. " No sistema taxativo, do Brasil, a lei enumera os casos de justa causa, fazendo-o exaustivamente. Desse modo, somente a lei é fonte formal típica. Impossível será a estipulação de justa causa por meio de outras normas jurídicas, como as convenções coletivas de trabalho, os regulamentos de empresa etc.".

6. VIANA. Marco Túlio, O novo papel das convenções coletivas de trabalho: limites, riscos e desafios. Rev. TST, Brasília, vol. 67, nº3, jul/set 2001, p. 58. " Mas já são freqüentes as convenções que reduzem a duração dos intervalos intrajornadas e até mesmo, como dizíamos, o período de estabilidade acidentária. Outras ampliam o prazo para anotação da CTPS ou descaracterizam a natureza salarial de parcelas retributivas, especialmente de utilidades. Em geral, como também já vimos, tribunais e doutrinadores usam o argumento de que " quem pode o mais" (até reduzir salários) "pode o menos".

Sobre os autores
Eliane Avelar Sertorio Octaviani

professora de Direito e Processo do Trabalho no CREUPI – Centro Universitário de Espírito Santo do Pinhal, mestranda em Processo Civil na PUCCAMP.

Manoel Henrique Sertorio Gonçalves

acadêmico da Faculdade de Direito do CREUPI

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OCTAVIANI, Eliane Avelar Sertorio; GONÇALVES, Manoel Henrique Sertorio. O sindicato e as convenções coletivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2967. Acesso em: 22 nov. 2024.

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