A Lei Federal 10.352/2001, ao acrescentar um parágrafo único ao art. 526 do Código de Processo Civil, dirimiu intensa polêmica que surgiu após a reforma do agravo em 1995: a juntada, em três dias, pelo agravante, no juízo a quo, da cópia do agravo, do comprovante de sua interposição e do rol de documentos seria um ônus —a implicar, se não atendido, a inadmissibilidade do recurso— ou uma simples faculdade do recorrente —acaso não juntasse, nada aconteceria?
Agora, não há dúvidas: trata-se de um ônus; o não cumprimento, pelo agravante, do quanto disposto no caput do art. 526 poderá implicar o não conhecimento do seu agravo de instrumento.
Vejamos o texto do novo parágrafo único do art. 526, CPC: "O não cumprimento do disposto neste artigo, desde que argüido e provado pelo agravado, importa inadmissibilidade do agravo."
Durante a tramitação do Projeto de Lei 3.474/2000 no Congresso Nacional, acrescentou-se a exigência de que o não cumprimento do ônus houvesse de ser alegado e provado pelo agravado —não constava da proposta original. Esta inovação é o objeto das nossas indagações, no momento.
Primeiramente, deve-se ressaltar que esta singela mudança alterou ensinamento consagrado no sentido de que os requisitos de admissibilidade dos recursos poderiam ser conhecidos de ofício pelos magistrados. Este, como visto, somente pode ser conhecido se houver provocação do agravado. Agora, as nossas lições de teoria geral dos recursos devem apontar esta situação, no mínimo excepcional em comparação com o restante do sistema recursal.
E qual a razão disto?
Embora não constasse da proposta original, formulada pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual e pela Escola Nacional da Magistratura, encontraremos a razão de ser desta mudança no texto da exposição de motivos do mencionado projeto:
Ao art. 526, relativo à comunicação do agravo de instrumento perante o juízo de primeiro grau, propõe-se acrescentar parágrafo único, a fim de dar solução às controvérsias surgidas sobre se tal providência, a cargo do agravante, é meramente facultativa ou se constitui condição de admissibilidade do recurso.
Inclina-se o Projeto pela segunda alternativa, com amparo em autorizada doutrina, porquanto inconcebível impusesse a lei ao recorrente uma obrigação, fixando-lhe prazo, sem nenhuma conseqüência processual para o descumprimento. Aliás, a comunicação prevista no art. 526 tem por objetivo maior o de proporcionar ao agravado imediato e perfeito conhecimento dos termos do agravo, de molde a habilitá-lo a bem oferecer sua resposta sem necessidade de deslocar-se para consultar os autos do recurso na secretaria do tribunal (J.E. Carreira Alvim, "Novo Agravo", ed. Del Rey, 2ª ed., 1996. pp. 106/110; Athos Gusmão Carneiro, "O Novo Recurso de Agravo", ed. Forense, 2ª ed., n. 46. pp. 44/45).
Esta exigência calca-se, pois, em dois interesses: a) agravante: ensejar um juízo de retratação do magistrado a quo; b) agravado: proporcionar o imediato conhecimento dos termos do agravo, sem a necessidade do deslocamento ao tribunal (aqui, a preocupação é maior com os advogados que atuam em comarcas do interior, distantes da sede do tribunal). Protegem-se, assim, com esta formalidade, interesses a nosso ver estritamente particulares. Não há nenhuma justificativa de ordem pública a ensejar esta providência, nem mesmo a de dar ao magistrado a quo a ciência do recurso interposto contra a sua decisão; é que, ao ser intimado a prestar informações ao relator, o magistrado tomaria conhecimento do agravo. Além disso, se o intuito fosse apenas o de dar ensejo à retratação (ou dar ciência ao magistrado), não haveria sentido em se estabelecer prazo para isso. O prazo foi estabelecido como fator garantidor do outro interesse: o do agravado.
Com base nestas premissas, podemos responder a duas perguntas que surgirão inevitavelmente.
Se o juiz, em suas informações, avisar ao relator que o agravante não providenciou a juntada daqueles documentos, poderá o recurso não ser conhecido? Não. O texto é claro, bem como são cristalinas as suas razões: sendo interesses particulares o objeto da proteção, somente por provocação do agravado o tribunal poderia ter conhecimento do descumprimento do ônus.
Há prazo para o agravado alegar o multimencionado descumprimento do ônus pelo agravante? A lei silencia a respeito. Uma primeira interpretação —talvez influenciada pela concepção que sempre tivemos todos de que os requisitos de admissibilidade dos recursos podem ser investigados a qualquer tempo— poderia nos levar a entender que não haveria prazo, pois a lei nada falou. Não é isto que pensamos. Ao impor uma formalidade, o dispositivo tem de ser interpretado dentro do sistema de nulidades do Código. E assim prescreve o art. 245, CPC:
Art. 245. A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão.
Parágrafo único. Não se aplica esta disposição às nulidades que o juiz deva decretar de ofício, nem prevalece a preclusão, provando a parte legítimo impedimento.
Não sendo questão que pode ser conhecida de ofício —e não o é, conforme vimos—, o descumprimento do ônus do art. 526 se enquadra na hipótese normativa do caput do art. 245. Assim, o agravado deve alegá-lo nas contra-razões do agravo —primeiro momento que lhe cabe falar nos autos—, sob pena de preclusão. Não se poderia interpretar o dispositivo como se fosse uma ilha dentro do ordenamento. A incidência do art. 245 é, pois, inevitável.
Outra interpretação poderia levar, ainda, a chicanas processuais: o agravado se calaria, deixando para o último momento possível esta "arma", que somente ele poderia manejar.
São estas as nossas primeiras impressões sobre este novo dispositivo normativo.