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A inserção dos atos internacionais no âmbito do direito positivo interno brasileiro:

necessidade premente de revisão constitucional como salvaguarda da integração comunitária

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Agenda 28/06/2014 às 14:18

Entende-se por imprescindível a revisão constitucional como salvaguarda da integração comunitária, tendo em vista a impossibilidade do efeito direto e da aplicabilidade imediata dos atos internacionais no âmbito do direito interno positivo brasileiro.

RESUMO: O ordenamento jurídico comunitário é constituído de normas que ultrapassam o direito nacional, configurando total primazia do direito comunitário sobre o nacional, sem extinção do ordenamento interno. Diferentemente da União Européia, a mecânica de incorporação do direito do Mercosul aos direitos nacionais foi e continua sendo a recepção. O direito do Mercosul se assenta no modelo clássico, advém de Tratados Internacionais negociados pelos governos, posteriormente aprovados pelos Congressos, ratificados e promulgados. Incorpora-se, portanto, a norma do Mercosul ao direito nacional de cada um dos seus integrantes. Trata-se do típico, clássico e exaustivo fenômeno da recepção. O Supremo Tribunal Federal analisando o processo de ratificação dos tratados, procurando identificar o momento exato para sua vigência no direito interno, tem proferido decisões no sentido de que, mesmo após a aprovação ou referendo do Poder Legislativo, com a conseqüente troca ou depósito na ordem internacional, não basta para adquirir vigência no ordenamento jurídico interno. Faz-se necessário, segundo a Suprema Corte, que tenhamos a promulgação de decreto, pelo Chefe do Poder Executivo. As decisões da Suprema Corte brasileira seguem plenamente os ditames da Constituição da República Federativa do Brasil. Nada há, portanto, a ser reparado no campo jurídico. A questão poderia, sim, ser melhor solucionada na seara política, o que se almeja ao apresentar-se a vertente pesquisa que entende por imprescindível a revisão constitucional como salvaguarda da integração comunitária, tendo em vista a impossibilidade do efeito direto e da aplicabilidade imediata dos atos internacionais no âmbito do direito interno positivo brasileiro.

Palavras-chave: Mercosul. União européia. Direito Internacional. Integração. Tratados. Incorporação. Direito Positivo Interno. Necessidade. Revisão constitucional.


1. INTRODUÇÃO

Não obstante tenham decorridos mais de vinte anos da promulgação da Constituição Federal brasileira, que inovou nosso ordenamento jurídico ao declarar o Brasil um Estado Democrático de Direito e estabelecer em seu artigo 4º (quarto), que trata dos princípios pelos quais o país se rege em suas relações internacionais, a busca pela integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações[1], ainda persistem algumas incongruências e desrespeitos aos princípios que compõem o direito de integração e às normas mais basilares de uma ordem jurídica comunitária.

O propósito desta pesquisa, assim, é voltado à elaboração de artigo científico tendente a analisar a necessidade de se revisar a Constituição Federal brasileira, como salvaguarda da integração comunitária, tendo em vista a impossibilidade do efeito direto e da aplicabilidade imediata dos atos internacionais no âmbito do direito interno positivo brasileiro.

Com efeito, é cediço que em se tratando de princípios que compõem o direito de integração e que regem as relações entre o direito nacional dos Estados-membros e a ordem jurídica comunitária, o princípio do efeito direto e o princípio da aplicabilidade imediata são diretrizes essenciais à própria configuração institucional do espaço comunitário, posto que, em última análise, objetivam tornar as regras comunitárias imediatamente invocáveis, mormente em matéria de direitos e obrigações, pelos particulares, além de aplicáveis, desde logo, sem qualquer intermediação formal, no âmbito doméstico dos Estados nacionais.

Nas palavras de JOSÉ FRANCISCO REZEK, ainda não há um direito verdadeiramente comunitário, uma vez que as convenções e acordos celebrados qualificam-se como instrumentos regionais de direito internacional público, sujeitos ao procedimento formal de prévia recepção estatal:

A marca do direito comunitário seria a desnecessidade da recepção, como ponderou o professor Barav, para o caso europeu. Por ser comunitário, de elaboração comunitária, e congenitamente incorporado aos direitos nacionais, este direito prescinde do mecanismo tradicional de incorporação.

Quando não há ainda, e tal é o nosso caso, de estrito ponto de vista técnico, tal como sucede no Mercosul, um direito comunitário, mas há direito internacional público, regional, integracionista, há necessidade da recepção e esta recepção se passa ainda nos quatros países fundadores, à luz do figurino clássico[2].

Evidentemente, a pesquisa jurídica não é mera compilação do conhecimento adquirido por seu autor, mas envolve necessariamente a criação de soluções novas a serem incorporadas à doutrina nacional. Oportuna é a lição do Professor CELSO ALBUQUERQUE DE MELLO:

A meu ver existem duas categorias de juristas: os criadores de novas teorias e os sistematizadores que tentam classificar e aprofundar o trabalho dos primeiros. Contudo, em países atrasados como o Brasil, há ainda espaço para uma categoria, cujos integrantes não podem ser denominados juristas, que são os ‘divulgadores de Direito’. Ela existe devido à ausência de bibliotecas públicas, o preço elevado dos livros estrangeiros, bem como poucos estudantes lêem língua estrangeira.[3]

Mantendo, assim, a trajetória teórica da produção científica no Brasil, os clássicos modelos dos constitucionais pátrios, além de renomados estudos de Direito Internacional, serão profundamente investigados nesta publicação, apresentando-se novo paradigma para as ciências jurídicas: A INSERÇÃO DOS ATOS INTERNACIONAIS NO ÂMBITO DO DIREITO POSITIVO INTERNO BRASILEIRO: Necessidade premente de revisão constitucional como salvaguarda da integração comunitária.

Este trabalho não poderia deixar de consignar a possibilidade e a intenção de não esgotar o exame do tema, permitindo, decorrentemente, a revisitação, a complementaridade e a concepção de novas perspectivas do pensamento jurídico que alcançam institutos e processos das ciências constitucionais e do Direito da Integração.


2. AS TEORIAS MONISTA E DUALISTA

Didaticamente, pode-se afirmar que monismo e dualismo são duas correntes doutrinárias que têm por objetivo esclarecer a sobreposição do Direito Interno, constituído pelo conjunto legislativo vigente dentro dos limites territoriais de um determinado Estado, ou do Direito Internacional, este composto por tratados e convenções entronizados por mediação entre dois ou mais Estados independentes, com vistas a surtir o efeito jurídico almejado para ambos, quando da ocorrência de conflito normativo entre as duas esferas de atuação.

A teoria monista pressupõe que o Direito Internacional e o Direito Interno são elementos de uma única ordem jurídica e, dessa forma, haveria uma norma hierarquicamente superior regendo este único ordenamento. Esta Teoria sustenta a tese da existência de uma única ordem jurídica e apresenta duas variáveis de compreensão e aceitação junto à comunidade jurídica.

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A primeira preconiza o monismo com primazia no Direito Interno e tem suas raízes fincadas no HEGELIANISMO, que considera o Estado como tendo uma soberania absoluta, de tal forma que não pode estar sujeito a nenhum sistema jurídico que não tenha emanado de sua própria vontade, criado por seus próprios meios e que seja possível e viável apenas e unicamente se concebido através do seu próprio sistema legislativo vigente, sob pena de perder validade e eficácia que se espera de um instrumento normativo[4].

Com relação à segunda vertente do monismo, esta adota a preponderância do Direito Internacional e foi desenvolvida pela Escola de Viena, cujo principal expoente foi o austríaco HANS KELSEN e pela qual admite-se que o ápice da pirâmide de normas vigentes em um Estado aceita a existência de uma norma superior (“grundnorm”), cuja origem está em um princípio jurídico superior de ordem internacional e consuetudinário com natureza pacta sunt servanda, oriunda de um Direito Internacional organizador das relações entre os Estados[5].

Neste sentido, a lição do professor CELSO ALBUQUERQUE DE MELLO:

a) O monismo com primazia do direito interno tem as suas raízes no hegelianismo, que considera o Estado como tendo uma soberania absoluta, não estando, em conseqüência, sujeito a nenhum sistema jurídico que não tenha emanado de sua própria vontade. Assim sendo, o próprio fundamento do DI é a autolimitação do Estado, na formulação definitiva desta teoria feita por JELLINEK. O DI tira a sua obrigatoriedade do Direito Interno. O DI é reduzido a um simples ‘direito estatal externo’. Não existem duas ordens jurídicas autônomas que mantenham relações entre si. O DI é um direito interno que os Estados aplicam na sua vida internacional. Esta concepção foi seguida por WENZEL, os irmãos ZORN, DECENCIÈRE-FERRANDIÈRE, VERDROSS (inicialmente). Os autores soviéticos (KOROVIN) sustentaram que o direito internacional só é válido para o Estado, como parte do seu direito nacional, filiando-se a esta concepção da soberania absoluta do Estado. Seguiram a esta tese ainda os juristas nazistas e mais recentemente ela foi adotada por GEORGES BURDEAU, que considera o DIP ‘um direito nacional para uso externo’.

b) O monismo com primazia do Direito Internacional foi desenvolvido principalmente pela escola de VIENA (KELSEN, VERDROSS, KUNZ, etc). Kelsen, ao formular a teoria pura do direito, enunciou a célebre pirâmide de normas. Uma norma tem a sua origem e tira a sua obrigatoriedade da que lhe é imediatamente superior. No vértice da pirâmide estava a norma fundamental, a norma base (‘GRUNDNORM’), que era uma hipótese, e cada jurista podia escolher qual seria ela. Diante disso, a concepção kelseniana foi denominada na sua primeira fase de teoria da livre escolha; posteriormente, por influência de VERDROSS, KELSEN sai do seu ‘indiferentismo’ e passa a considerar a ‘GRUNDNORM’ como sendo uma norma de DI: a norma costumeira ’pacta sunt servanda’. Em 1927, DUGUIT e POLITIS defendem o primado do DI e com eles toda a escola realista francesa, que apresenta em seu favor argumentos sociológicos. A concepção ora estudada parte da não existência de diferenças fundamentais entre as duas ordens jurídicas. A própria noção de soberania deve ser entendida com certa relatividade e dependente da ordem internacional[6].

De outro lado, temos o dualismo que admite a existência de duas ordens distintas: a interna e a externa, onde cada uma não se comunica com a outra. Assim, o Direito Interno é elaborado pela vontade soberana do Estado, enquanto que o Direito Internacional assenta-se na acomodação destas vontades e, via de conseqüência, admite que a norma internacional somente poderá ser aplicada à vida interna por incorporação ao Direito Nacional.

É importante ressaltar, nesta ocasião, que a recente Emenda Constitucional 45 buscou preencher a lacuna existente no ordenamento jurídico brasileiro, fazendo inserir no artigo 5º, o inciso LXXVIII e seus parágrafos[7], com vigência de força erga omnes, evidenciando a adoção de uma certa e marcante inclinação para a teoria dualista, pelo menos em uma dicção imediata do parágrafo terceiro do novo inciso, elevando ao patamar de Emenda Constitucional os tratados e convenções internacionais aprovados pelo Congresso Nacional, em cada casa legislativa (Senado e Câmara Federal) por dois turnos, com três quintos dos votos.

Em linha de conclusão, neste tópico, no entender de JOSÉ CARLOS DE MAGALHÃES[8], perdeu sentido a polêmica sobre dualismo e monismo, podendo-se considerá-la ultrapassada, uma vez que a questão se resume ao exame da Constituição do país e dos mecanismos por ela adotados para a celebração e ratificação dos tratados.

Trata-se, assim, de matéria constitucional, mais do que internacional, devendo-se sempre examinar a Constituição para se verificar a constitucionalidade de um tratado e, assim, sua regularidade perante a ordem interna.

Pode-se então afirmar, portanto, que o que se depreende da leitura dos dispositivos constitucionais, é que a Carta Magna de 1988 adotou um sistema misto para a incorporação dos tratados internacionais no direito interno. Um tratamento de incorporação imediata dispensado aos tratados de direitos fundamentais e direitos humanos e um tratamento de incorporação mediata para os tratados convencionais.


3. A CONSTITUIÇÃO DO BRASIL E OS TRATADOS INTERNACIONAIS

Basicamente, duas são as formas através das quais se originam os tratados internacionais:

a) pela aprovação do texto em uma instância de organização internacional, ou;

b) pela assinatura de um documento por sujeitos de direito internacional público.

De forma simples, tem-se, seqüencialmente, as negociações, conclusões e assinaturas dos tratados. FLÁVIA PIOVESAN, por seu turno, afirma que “a assinatura do tratado, via de regra, indica tão somente que o tratado é autêntico e definitivo”[9].

No Brasil, como se depreende do artigo 84, VIII da CF[10], é de competência privativa do Presidente da República a celebração de tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos posteriormente a referendo do Congresso Nacional [11].

 De igual modo, por força do artigo 49, I[12], é de competência exclusiva do Congresso Nacional, materializada através da elaboração de decreto legislativo (artigo 59, VI)[13], resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

Sucessivamente, tem-se que a próxima etapa, com o propósito de que o tratado se incorpore por definitivo ao ordenamento jurídico interno, é a fase em que o Presidente da República, mediante decreto, promulga o texto, publicando-o em português, em órgão da imprensa oficial, dando-se, destarte, ciência e publicidade da ratificação da assinatura já lançada, ou caso esta não se tenha externada, da adesão a um determinado tratado ou convenção de direito internacional. Consoante MIRTÔ FRAGA, o decreto do Presidente da República atestando a existência de nova regra e o cumprimento das formalidades requeridas para que ela se concluísse, com a ordem de ser cumprida tão inteiramente como nela se contém, confere-lhe (ao tratado) força executória, e a publicação exige sua observância por todos: Governo, particulares, Judiciário[14].

No entendimento de PEDRO LENZA[15] podemos resumir, então, a integração da norma internacional no direito interno em quatro fases distintas, a saber:

a) Celebração do tratado internacional (negociação, conclusão e assinatura) pelo Órgão do Poder Executivo (ou posterior adesão [terceira etapa], art. 84, VIII – Presidente da República);

b) Aprovação (referendo ou “ratificação” lato sensu), pelo Parlamento, do tratado, acordo ou ato internacional, por intermédio de decreto legislativo, resolvendo-o definitivamente (Congresso Nacional – art. 49, I);

c) Troca ou depósito dos instrumentos de ratificação (ou adesão, caso não tenha tido prévia celebração) pelo órgão do Poder Executivo em âmbito internacional;

d) Promulgação por decreto presidencial, seguida da publicação do texto em português no Diário Oficial. Neste momento o tratado, acordo ou ato internacional adquire executoriedade no plano do direito positivo interno, guardando estrita relação de paridade normativa com as leis ordinárias.

Na observação de LOUIS HENKIN, citado por FLÁVIA PIOVESAN, “o motivo principal da instituição de uma particular forma de ‘checks and balances’ talvez fosse o de proteger o interesse de alguns Estados, mas o resultado foi o de evitar a concentração de poder de celebrar tratados no Executivo, como era então a experiência européia”[16].


4. O MERCADO COMUNITÁRIO: BREVES INCURSÕES

O Direito Comunitário pode ser definido na visão da professora MARIA TERESA CÁRCOMO como ramo de direito cujo objeto é o estudo dos tratados comunitários, a evolução jurídica resultante de sua regulamentação e a interpretação jurisprudencial das cláusulas estabelecidas nos referidos tratados[17].

Logo após a assinatura do Tratado de Assunção, em 1991, a América do Sul deu o primeiro passo em direção a uma nova realidade, instituindo o Mercosul. Sabe-se que atualmente o Mercosul se encontra na Segunda fase do processo integracionista, retratado numa União Aduaneira Imperfeita, tencionando, entretanto, à consolidação de um mercado Comum, situação que inexoravelmente implicará na adoção de um ordenamento jurídico comunitário, abandonando o atual ordenamento jurídico internacional clássico.

Em linha comparativa, depreende-se da história da formação da Comunidade Européia que um dos maiores óbices para a efetivação da estrutura integracionista foi exatamente a aceitação do partilhamento da soberania entre os Estados-Partes. Com o Mercosul a realidade não é diferente, embora os percalços pareçam ser de difícil transposição.

A Comunidade Européia revolucionou o conceito de soberania, caracterizado pela unidade, indivisibilidade e inalienabilidade, superprotegido sob a égide da segurança nacional, instituindo o direito comunitário.

Relativamente ao Mercosul, o que se pode afirmar é que as constituições do Paraguai e Argentina admitem a ordem jurídica supranacional, ao contrário do Brasil e Uruguai. Naquilo que se refere ao Brasil, urge destacar que em 1994, o então Deputado NELSON JOBIM, ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, propôs emenda constitucional que viabilizava a vigência imediata de diretivas e decisões tomadas por organismos internacionais, desde que nos tratados que o Brasil tivesse firmado, e conseqüentemente fossem ratificados pelo Congresso, fosse prevista a hipótese de essas decisões serem tomadas por órgãos supranacionais. Dessa forma, a vigência seria imediata como um direito supranacional, independentemente do mecanismo tradicional de recepção, como atualmente acontece. Essa proposta de emenda foi derrotada pelo Congresso na concepção do isolamento econômico brasileiro e no conceito ultrapassado de soberania.[18]

Sob a ótica moderna do conceito de soberania, NELSON JOBIM, com o qual tivemos a oportunidade de trabalhar na Suprema Corte do Brasil, asseverou:

No momento em que a sociedade brasileira compreender que a soberania nacional é o direito de definir e aceitar a delimitação externa do próprio poder, e que essa decisão possa ser tomada soberanamente pelo país, caminharemos seguramente para o processo integracionista.[19]

            De acordo com ELIANE MARIA OCTAVIANO MARTINS, o grau de soberania num projeto integracionista é a pedra de toque do progresso integracionista. Se a opção do Mercosul realmente é consolidar um mercado comum, isso fatalmente implicará em delegação de parte da soberania, para que um órgão possa ditar uniformemente as regras a serem cumpridas por todos, instaurando-se a supranacionalidade.[20]


5. O STF E O PROCESSO DE RATIFICAÇÃO DOS TRATADOS

O Supremo Tribunal Federal analisando o processo de ratificação dos tratados, procurando identificar o momento exato para sua vigência no direito interno, tem proferido decisões no sentido de que, mesmo após a aprovação ou referendo do Poder Legislativo, com a conseqüente troca ou depósito na ordem internacional, não basta para adquirir vigência no ordenamento jurídico interno. Faz-se necessário, segundo a Suprema Corte, que tenhamos a promulgação de decreto, pelo Chefe do Poder Executivo.

Tal argumento fez com que o Supremo Tribunal Federal proferisse decisão no sentido de recusar o cumprimento de carta rogatória expedida pela Argentina, alegando que a Convenção sobre Cumprimento de Medidas Cautelares celebradas pelo Brasil no âmbito do Mercosul, mesmo tendo sido ratificado, não se encontrava em vigência no direito interno ante a ausência do decreto de promulgação do Chefe do Poder Executivo (STF, CR 8279 AGR, Min. CELSO DE MELLO).[21]

Para HERRERA VEGAS[22], a decisão do então presidente do Supremo Tribunal Federal de aplicar aos tratados do Mercosul a doutrina dualista e exigir o ditame de uma norma de incorporação, criou insegurança nas relações entre os países integrantes do Mercosul:

Nesse caso o ministro presidente CELSO DE MELLO mostrou que o Protocolo de Medidas Cautelares, um dos tratados de Ouro Preto firmados em 1994, não estava vigente entre os países do Mercosul, apesar de sua aprovação parlamentar e de sua ratificação pelo presidente, já que não havia sido incorporado ao direito positivo brasileiro porque requeria uma norma especial, um decreto do presidente da República. Deve-se lembrar que esse Protocolo está vigente nos demais Estados-membros da união aduaneira.

A aplicação do dualismo, doutrina que mantém a separação absoluta entre o direito internacional e o direito interno, aparece como um anacronismo jurídico. Segundo essa posição, o direito internacional é a lei entre os Estados soberanos e o direito interno se aplica dentro de um Estado e regulamenta as relações entre seus cidadãos e com o Estado. O dualismo não se compadece com o aumento das relações jurídicas coincidente com a atual situação internacional, e é por isso que foi abandonado tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência internacional. Inclusive pela Corte Constitucional da Itália, país que deu origem e principal sustento à doutrina.

Essa decisão causou maior surpresa porque é contrária à doutrina do monismo atenuado que tradicionalmente sustenta a doutrina brasileira. Quer dizer que os tratados entram em vigência logo depois do câmbio ou depósito de seus instrumentos de ratificação, salvo se o tratado indique expressamente outra coisa. Essa é a posição que sustenta, nesse caso, o procurador-geral da República ao manter a vigência do Protocolo de Medidas Cautelares. A sentença cria uma grande insegurança jurídica e põe em dúvida os fundamentos legais do Mercosul, já que seus tratados não têm uma norma de incorporação ao direito interno como a exigida nesse caso, na decisão do ministro presidente.

Deve-se considerar que os tratados envolvem outros membros da comunidade internacional, nesse caso os outros Estados partes do Mercosul e estes negociam de boa-fé suas obrigações internacionais e não esperam que a legislação interna lhes seja contrária, como exceção para não cumprir com os compromissos internacionais. Para isso há a norma estabelecida na Convenção de Viena sobre o direito dos tratados, que diz no Artigo 27: O direito interno e a observância dos tratados. Uma parte não poderá invocar as disposições de seu direito interno como justificativa do não-cumprimento de um tratado. Exigir uma norma de incorporação de maneira inesperada supõe que os outros Estados partes devam averiguar que normas estão vigentes em sua relação com o Brasil para manter o princípio de reciprocidade básico em nosso processo de integração.

(...).

Nesse caso, a reintegração de uma doutrina em grande medida esquecida tem levado a insegurança jurídica aos países do Mercosul, o que constitui um dos fatos mais negativos desde a assinatura do Tratado de Assunção e põe em perigo nossa credibilidade internacional[23].

Embora, entretanto, seja possível concordar com as palavras de HERRERA VEGAS, a decisão da Suprema Corte brasileira seguiu plenamente os ditames da Constituição da República Federativa do Brasil. Nada há, portanto, a ser reparado no campo jurídico. A questão poderia, sim, ser melhor solucionada na seara política, o que se almeja ao apresentar-se a vertente pesquisa que entende por imprescindível a revisão constitucional como salvaguarda da integração comunitária.

Sobre o autor
Marcelo Eduardo Freitas

Delegado de Polícia Federal. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Marcelo Eduardo. A inserção dos atos internacionais no âmbito do direito positivo interno brasileiro:: necessidade premente de revisão constitucional como salvaguarda da integração comunitária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4014, 28 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29833. Acesso em: 23 dez. 2024.

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