Resumo: O presente trabalho se propõe a colocar em discussão a Legitimidade (democrática) dos agentes políticos constitucionalmente habilitados à elaboração/revisão/cancelamento da Súmula Vinculante que, em alguns casos, não são eleitos pelo voto direto. Também se propõe a fomentar discussões sobre o tema a partir da teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas. Diante do aumento de demandas que anualmente chegam ao Supremo Tribunal Federal, a criação do instituto jurídico em tela foi uma das respostas da jurisdição frente a este acréscimo no número de recursos. Sendo o cidadão o destinatário final, a ordem jurídica não prevê vias adequadas e eficientes que possibilitem eventuais interessados, participem e ajam discursivamente no processo de elaboração, revisão ou cancelamento desta espécie de enunciado.
1. Introdução:
A Constituição pós-88 abrandou com a tutela de novos direitos não cortejados em ordens constitucionais pretéritas. A ordem jurídica ampliou canais de acesso à Justiça que, encontrou na segunda metade da década de 1990 ao início da década de 2000, com a criação dos Juizados Especiais Cíveis (Lei 9.099/95) e dos Juizados Especiais Federais (Lei 10.259/01) seu ápice. Ainda que o termo Acesso à Justiça[1] seja de difícil definição, utilizaremos aqui o sentido dado por Cappelletti e Garth na festejada obra de mesmo nome Diante disso, o aumento do número de processos que, hodiernamente, tramitam nos Tribunais de Justiça em nosso país traz como consequência, o emperramento da máquina judiciária.
Como ponto de partida deste estudo, adoto como metodologia a análise das estatísticas quanto ao número de processo que tramitam anualmente pelo Supremo Tribunal Federal e, desta forma, limitarei em minha análise ao impacto da súmula vinculante nos números de feitos que tramitam, atualmente, na Suprema Corte brasileira. Outrossim, sob a égide do pensamento habermasiano de democracia, o presente artigo põe em discussão os aspectos que envolvem a tensão que se instaura entre os princípios da segurança jurídica e da soberania popular quando se discute o caráter monológico da Suprema Corte, modelo este que se aproxima da teoria solipsista de Dworkin (Costa T.M.B., 2011).
No Supremo Tribunal Federal tramitam cerca de 24.389 processos, sendo 19.885 processos oriundos de instâncias inferiores (STF,2012). Para o enfrentamento deste gargalo de demandas judiciais, alguns Tribunais fortaleceram algumas práticas, como a conciliação no âmbito dos Juizados Especiais como forma de equacionar o problema. Outra solução, não raramente, encontrada por alguns Tribunais da Federação, foi o robustecer da doutrina stare decisis, concedendo, em alguns casos, à decisão colegiada reiterada – força quase normativa.
Pretendo delimitar, desde logo, o objeto do nosso estudo neste trabalho que será a Súmula Vinculante, instituto jurídico trazido pelo advento da EC 45/2004. No primeiro momento, traremos à baila, algumas questões históricas da teoria do precedente e sua evolução até o espraiar do enunciado vinculante, no ano de 2004, trazido pelo Poder Constituinte Derivado. Na segunda parte do presente trabalho, pretende-se descrever as justificativas à criação da sumula vinculante, seu efeito e alcance tanto nos Tribunais inferiores (plano vertical) quanto na Administração Pública Direita e Indireta (plano horizontal) e, a posteriori, discuti-las sob o plano da ação comunicativa.
2. Momentos históricos do efeito vinculante de enunciado no Brasil – República de 1889 até a Constituição Federal de 1964.
Com a influência no judicial review do direito norte-americano, em 11 de novembro de 1890, o Governo Provisório da República editou o Decreto n° 484 que disciplinou a Justiça Federal, o controle incidental de constitucionalidade da lei e, posteriormente ratificada pela Constituição de 1891 (Taranto, 2010). Em face deste efeito interpartes, as decisões provenientes da Suprema Corte acerca da compatibilidade de lei ordinária em face da Constituição eram desprovidas de obrigatoriedade ou contextualidade de coerência interna (Taranto, 2010).
Somente com o advento da Emenda Constitucional n° 16 de 26 de novembro de 1965, se ampliou a competência do Supremo Tribunal Federal ao prevê a representação de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo federal ou estadual (art. 101, inciso I, alínea ‘k’) (Taranto, 2010). Esse foi o marco inicial das ações objetivas em sede de controle de constitucionalidade, pois até este momento, adotava-se no Brasil, o sistema difuso de controle de constitucionalidade. A partir da aludida emenda à constituição, nosso sistema jurídico cortejou o modelo austríaco idealizado por Kelsen.
Em 2004, a Emenda Constitucional n° 45, conhecida como Reforma do Judiciário trouxe a súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal, no art. 103-A, parágrafos 1° usque 3°, mantendo-se, entretanto, as súmulas da jurisprudência dominante que ostenta natureza meramente persuasiva assim como o instituto da repercussão geral para admissibilidade de recurso extraordinário (Taranto, 2010).
3. Do efeito vinculante. Quanto ao seu alcance e sua vinculação.
O efeito vinculante de um precedente judicial emanado no Supremo Tribunal Federal se aplica quando este se revela como paradigma obrigatório para os Tribunais a quo (alcance no plano vertical), assim como aos órgãos da Administração Pública Direta e Indireta (alcance no plano horizontal). Utilizaremos aqui a definição de efeito vinculante franqueada por Teori Albino Zavascki que define o efeito vinculante “como força obrigatória qualificada capaz de assegurar sua autoridade sobre os casos que tenham como objeto o mesmo teor. Como consequência processual, a não utilização do paradigma vinculatório, autoriza o manejo de instrumentos processuais perante o Supremo Tribunal Federal a fim de preservar a autoridade dos seus julgados.” (Zavascki, 2001).
Tal experiência vinculatória do Supremo Tribunal Federal se aproxima da práxis do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha (Taranto, 2010) apesar do teor do parágrafo 2° do artigo 102 da Constituição Federal que prevê o efeito vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública, sem ter força de lei (Gesetzeskraft) (Ibidem, p.132). O teor vinculante, na experiência brasileira, limita-se à parte dispositiva das decisões prevista em números fechados (Taranto, 2010). Neste ensejo, o efeito vinculante no Direito brasileiro, ao contrário do stare decisis, é despojado de judicial departures, com exceção, apenas, das revogações da súmula vinculante e de precedente vinculante por lei posterior (Taranto, 2010).
Tecidas as considerações acima, é forçoso reconhecer que o caráter vinculante das súmulas se revela como uma resultante da evolução da teoria do precedente judicial no ordenamento jurídico pátrio que, nas últimas décadas, adquiriu força com a introdução não somente da súmula vinculante, entretanto, pode-se destacar no plano infraconstitucional, o Procedimento de recurso repetitivos – introduzido pela Lei 11.418/06, que alterou o Código de Processo Civil – previstos nos artigos 543-B (no âmbito do Supremo Tribunal Federal) e 543-C (no âmbito do Superior Tribunal de Justiça).
4. Das Justificativas para a criação do instituto jurídico da Súmula Vinculante
Na exposição de motivos n° 204/MJ de 15 de dezembro de 2004 (Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano), o Estado brasileiro externa sua preocupação com a morosidade de sua Justiça e a “baixa eficácia de suas decisões” (Brasil, 2004). Ainda o aludido expediente aduz em seu bojo que o emperramento da máquina judiciária “afasta os investimentos e fomentam a inadimplência, geram impunidade e solapam a crença dos cidadãos no regime democrático.”(Brasil, 2004).
Outra questão levantada pelo Pacto de Estado (Brasil, 2004) é a inquietação frente ao crescente número de demandas judiciais que desembarcam nos Tribunais. Inclusive, a reforma do judiciário foi considerada à época uma das prioridades na agenda do Poder Executivo. Segundo este documento a Emenda Constitucional n° 45/2004 foi resultado do esforço do Estado em trazer mais eficiência à máquina judiciária e, fundado nestes compromissos, os Poderes da República, em ação conjunta, com os Tribunais de Justiça, associações de magistrados e outras entidades ligadas à atividade jurídica.
Até aqui, é possível retirar duas razões que deram ensejo à Emenda Constitucional n° 45, adotando-se como paradigma, o chamado “Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano” (Brasil, 2004): (1) a morosidade da justiça em face do excessivo número de demandas; (2) A baixa eficácia das decisões judiciais. A súmula com efeitos vinculantes foi instituída com o desiderato de uniformizar a jurisprudência, criando, por assim dizer, uma vinculação no plano vertical. Ou seja, os processos judiciais que versassem sobre tema similar ao exposto na súmula vinculante.
No RE n° 418.918, julgado em 30.03.2005, a Ministra Ellen Gracie Northfleet pondera, em sua fundamentação que deu azo à Sumula Vinculante n° 01, a necessidade de pacificar o entendimento sobre a correção integral do saldo do FGTS. Mutatis mutandis, a questão controvertida cinge-se na possibilidade de decretação de nulidade de acordo previsto na Lei Complementar 110/06. Segundo estimativas do próprio Supremo Tribunal Federal, o número de correntistas que aderiram ao acordo perfazia o numerário de 32 (trinta e dois) milhões (STF/Ata de discussões SV n°1, 2007) e, na opinião da Ministra, a possibilidade de uma explosão de demandas judiciais sobre o tema, por si só, já autoriza a edição de súmula vinculante. Pelo exposto, pode-se verificar que o objetivo da Súmula Vinculante n°01 foi evitar o eventual número excessivo de demandas judiciais, adotando a súmula vinculante como uma espécie de barreira preventiva ou jurisprudência defensiva.
O Supremo Tribunal Federal lançou mão do instituto jurídico que ostenta como desiderato pacificar o entendimento sobre determinada matéria para editar o enunciado vinculante com fulcro no risco de possíveis demandas que, eventualmente, poderiam ser ajuizadas. Analisando o período compreendido entre 2001 e 2012, a curva do número de demandas judiciais, que desembocaram no Supremo Tribunal Federal (STF, 2012), encontra-se em direção ascendente, mesmo após o advento da EC 45/04:
Costa (2011), com espeque em Luis Roberto Barroso (2009), assevera que a celeridade e a eficiência na administração da justiça foram às razões apresentadas para justificar a criação do instituto da súmula vinculante, diminuindo, assim o número de recursos que chegam a Suprema Corte (Costa, T.B., 2011). Se compararmos as razões apresentadas pelos documentos já citados aqui e a evolução dos números de demanda, é de fácil perceber que a curva cresce em ritmo exponencial. Palmilhando nesta vereda, o que se apresenta neste horizonte é o conflito entre o factual e o contrafactual na medida em que, o instituto das súmulas vinculantes não atenuou, nem de longe, o fluxo processual da mais alta corte de justiça do país.
Como exemplo, vale citarmos a Ata de Discussões da Súmula Vinculante n° 20[2] – que versa sobre a chamada GDATA - em que o Ministro Dias Toffoli afirma, in verbis: “Trata-se de importante súmula que poderá realmente pôr fim a uma série de processos múltiplos que existem sobre o tema. A proposta está consentânea com o quanto decidido por esta Corte. Registro, se me permite Senhor Presidente, que quando ainda Advocacia – Geral da União, após decisão desta Corte, editei a Súmula n° 43, de 30 de julho de 2009, para, exatamente, permitir que os advogados públicos federais parassem de recorrer nesses temas ou desistissem dos recursos já interpostos.
A súmula vinculante ora proposta, portanto, está absolutamente correta nesse sentido, e a Advocacia Pública já vem inclusive adotando este posicionamento. (sic)” (STF - Pleno/Ata de discussões da SV n°20, 2009).Ao contrário do que afirmou o Ministro Dias Toffoli, a curva do fluxo processual, no período compreendido entre 2009 experimentou aumento significativo.
Podemos ainda ressaltar outro aspecto da discussão até aqui proposto. No bojo dos documentos que trazem as razões que levaram o Poder Constituído a inovar quanto ao instituto da súmula vinculante foi a necessidade, como já dissemos, da celeridade e eficiência em face da necessidade de investimentos, conforme consignado em (1) e, outrossim, a baixa eficácia das decisões judiciais, como declarado em (2). Confrontando as razões apresentadas em (1) e (2) com os dados objetivos verifica-se a incidência da chamada contradição performativa. Habermas, com fundamento em Karl-Otto Apel, define o conceito de contradição performativa, que surge “quando um ato de fala constatativo ‘Cp’ se baseia em pressuposições não-contingentes cujo conteúdo proposicional contradiz o seu enunciado”(Habermas, 1989).
Portanto, os enunciados (1) e (2) não resistem a uma análise profunda na medida em que a súmula com efeitos vinculantes não trouxe uma solução eficiente frente ao problema do excessivo fluxo processual após 08 (oito) anos, que como já dissemos em alhures, segue em progressão exponencial; ainda que tal vinculação de seu enunciado possa gerar no plano vertical, o paradigma a ser seguido pelos juízes e Tribunais inferiores.
Passamos agora a analisar o segundo fundamento da súmula vinculante trazida pelo Pacto de Reforma do Judiciário que é o princípio da segurança jurídica, tão evocado, hodiernamente, pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal nas discussões que versam sobre a elaboração das súmulas vinculantes.
Almeida Melo relata que o então Ministro Prado Kelly do Supremo Tribunal Federal justificou a súmula da jurisprudência dominante como uma forma conveniente de se evitar, quanto possível à versatilidade nos julgados e de trazer e, outrossim, o fortalecimento do precedente tem como desiderato o regaste do valioso papel da jurisprudência dentro do cenário jurídico (Almeida Melo, 2007). Ademais, o aludido jurista critica a chamada “Reforma do Judiciário”, que utilizou em seu bojo, expressões autoritárias que são, por sua vez, contrários ao espírito federativo, regente do Estado brasileiro que expressa aliança (foedus) (Ibidem, 2007).
Seguindo esta perspectiva, o ideal da súmula vinculante se afasta do postulado habermasiano do agir comunicativo segundo o qual “às interações nas quais as pessoas envolvidas se põem de acordo para coordenar seus planos de ação, o acordo alcançado em cada caso medindo se pelo reconhecimento intersubjetivo das pretensões de validez.” (Habermas, 1989). Neste cenário, a postura adotada pelo Supremo Tribunal Federal, como órgão de controle de constitucionalidade, erige em nome do princípio da segurança jurídica, e reforça seu caráter monológico na medida em que não permite a ampliação dos debates dos cidadãos sobre os temas versados nos enunciados vinculantes cuja relevância político-social se evidencia, por si só, autoriza a ampliação das vias de participação popular através de uma esfera pública[3] e não aquela restrita aos expects ou, ainda ao rol de legitimados trazidos pela Emenda Constitucional n° 45, no artigo 103-A da Constituição Federal.
Habermas defende a necessidade da prática da argumentação como fonte concreta de legitimidade que viabilizado por mecanismos de reflexão do agir comunicativo que tem como pressuposto a assunção da perspectiva de todos os outros. (Habermas, 2003). Neste horizonte, a possibilidade da tão almejada Segurança Jurídica ser alcançada se potencializada na medida em que for compartilhada entre os consernidos intersubjetivamente, expressando-se uma autocompreensão constitutiva para a identidade da comunidade jurídica (Habermas, 2003).
O que se percebe, portanto, no plano da facticidade é uma supervalorização do princípio da segurança jurídica em detrimento a legitimidade democrática da formação da vontade pública através do viés comunicativo habermasiano (Costa, T.B., 2011). Partindo-se da premissa de que o direito é via de mediação social construído a partir do plano racional através das interações intersubjetivas dos consernidos, a ausência de canais que possibilitem a participação popular em discursos que, no caso em tela, toca a súmula vinculante poderá ensejar, com o passar do tempo, em uma tensão entre o princípio da segurança jurídica e o princípio da soberania popular.
4. Um caminho viável à superação da tensão segurança jurídica x soberania popular. Da necessidade de se discutir o modelo atual proposto pela Emenda Constitucional n° 45/04 à elaboração das súmulas vinculantes.
Almeida Melo assevera que a súmula vinculante “não enfrenta nem resolve o problema localizado na absurda capacidade demandista do governo, que ocorre, especialmente, nas matérias previdenciárias, tributárias e administrativas.” (Almeida Melo, 2007). Das 31 (trinta e uma) súmulas vinculantes até o momento já editadas, 19 (dezenove) súmulas versam sobre os temas supracitados. Ou seja, aproximadamente 61% (sessenta e um por cento) das 11 (onze) súmulas tratam de temas relacionados com demandas que envolvem a Administração Pública e a sociedade.
Com essa análise, os consernidos perfazem, neste cenário, como destinatários finais do efeito erga omnis da súmula vinculante. Sob a perspectiva de uma Ética do Discurso, é perfeitamente lícito que estes destinatários apresentem suas razões e, outrossim, deve-lhes ser assegurado o direito de serem ouvidos e serem reconhecidos como seres racionais aptos a sugerir enunciados, verbetes e levantar questões que possam contribuir à discussão sobre o teor da súmula vinculante a fim de se chegar ao princípio de universalização (U).
Com a introdução desta premissa ao processo de elaboração da súmula vinculante, dar-se o primeiro passo para a introdução de uma Ética Discursiva ao processo de elaboração deste instituto jurídico ora em análise. Seguindo esta vereda, Habermas aponta um caminho seguro que conduz a verdadeira Legitimação Democrática. De acordo com a ética do Discurso, “uma norma só deve pretender validez quando todos os que possam ser concernidos por ela cheguem (ou possam chegar), enquanto participantes de um Discurso prático, a um acordo quanto a validez desta norma.”(Habermas, 1989). Oferecer os canais adequados que fomentem as ‘situações reais de fala’ por parte dos consernidos fortalece a legitimidade democrática seja da súmula com efeitos vinculantes ou de qualquer outro instituto jurídicos que verse sobre qualquer tema que toquem a sociedade.
Para Habermas, a teoria da Ética do Discurso reforça o ideal de democracia participativa cujas argumentações têm como destino final a produção de “argumentos concludentes, capazes de convencer com base em propriedades intrínsecas e com os quais se podem resgatar ou rejeitar pretensões de validez.” (Habermas, 1989). Para o melhor entendimento do sentido deste Discurso, G. L. Hansen (2010) explica que “o Discurso de que fala Habermas parte daquilo que ele próprio denomina uma ‘situação ideal de fala’ e que na maioria das vezes, nos discursos reais que ocorrem nem todos estes pressupostos são cumpridos.” (Hansen, 2010).
G. L. Hansen (2010) também alerta que “o direito não está imune a uma tensão entre a facticidade e validade. Essa tensão se dá porque as normas jurídicas implicam aplicabilidade social, uma vez que regulam e integram a vida e os relacionamentos na sociedade; para tanto, essas normas são positivadas sob a forma de legislação, a qual se impõe na sociedade com sanções e restrições.” (Hansen, 2010).
No caso da súmula vinculante, amputar a possibilidade de canais que conduzem as ‘situações reais de fala’ a fim de que os consernidos possam participar dos debates que envolvam a súmula vinculação favorece esta tensão, sendo certo que o efeito vinculante deste instituto atinge em cheio milhares de pessoas, v.g., com processos tramitando no Judiciário ou na esfera administrativa. Em suma, um possível caminho que conduza a Legitimidade Democrática da súmula vinculante pode ser alcançado através de processos discursivos que implique a participação comunicativa ativa dos consernidos isentos de qualquer coação externa (Hansen, 2010).
É possível superação da tensão entre a legitimidade deficitária da súmula vinculante enquanto, produto monológico de um grupo de agentes políticos provocadores elencados no texto constitucional e a Legitimidade Democrática tão almejada passa por um princípio-ponte (Habermas, 1989) possibilitador do consenso, cujo comando sumular reflita uma vontade universal dos cidadãos, como uma espécie de Imperativo Categórico no sentido kantiano.
Portanto, a postura verticalizada adotada pelo Supremo Tribunal Federal através dos enunciados vinculantes associada ao agir estratégico quando edita a súmula para ‘sanar’ a patologia do crescente fluxo processual, de acordo com a premissa (1), sem trazer à baila possibilidade dos atingidos pelos efeitos vinculantes participarem das discussões se afasta da ideia de ação comunicativa habermasiana e, como consequência, inviabiliza a formação do princípio de universalização (U).
Em um cenário mais extremo, o déficit de Legitimidade pode conduzir, outrossim, em eventual crise de confiança dos consernidos em desfavor do Judiciário, da jurisdição constitucional e de forma oblíqua, da própria Administração Pública. G.L. Hansen (2003), lançando mão das contribuições de Habermas, adverte que a própria desobediência civil é fomentada pelo próprio Estado através de meios de comunicação social, criando-se, deste modo “uma ojeriza social a qualquer atitude que se assemelhe à desobediência. Busca-se com isso, garantir maior respaldo popular à autoridade legalmente constituída, ainda que tal respaldo seja artificialmente constituído e muito pouco alicerçado em argumentos racionais e razoáveis.”(Hansen, 2003). O direito, em Habermas, é o elemento fundamental para a construção de uma sociedade organizada em parâmetros comunicativos. (Ibidem, 2003).