Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Os Estados Unidos e o sistema financeiro internacional

Exibindo página 1 de 3

O presente artigo objetiva estudar as organizações internacionais de cooperação financeira, criadas pelo Acordo de Bretton Woods em 1944, quanto ao seu papel de reguladoras do sistema financeiro e na promoção do desenvolvimento econômico.

Resumo: O Sistema Financeiro Internacional é sistematicamente ligado aos Estados Unidos, por meio do dólar, que possui papel fundamental nas transações financeiras globais. O presente artigo objetiva estudar as organizações internacionais de cooperação financeira, criadas pelo Acordo de Bretton Woods em 1944, quanto ao seu papel de reguladora do sistema financeiro e na promoção do desenvolvimento econômico a nível internacional. Outrossim, pretende-se analisar a situação característica do dólar e sua repercussão com a crise financeira dos Estados Unidos em 2008, delineando a passagem de um modelo unipolar do sistema financeiro mundial para o multipolar, pela participação efetiva de outras moedas, tais como o euro e o renminbi.

Palavras-chave: Sistema Financeiro Internacional – Estados Unidos – Crise Financeira.

Sumário: 1. Introdução; 2. As Instituições Financeiras Internacionais do Acordo de Bretton Woods; 3. A Crise de 2008 e seus Desdobramentos; 4. Considerações Finais; 5. Referências.


1. Introdução

As relações internacionais englobam diferentes aspectos sociais, econômicos, políticos e jurídicos. O sistema financeiro internacional alterou-se de forma sistemática, consistindo em um dos aspectos mais relevantes para a compreensão das relações internacionais, uma vez que advém dos avanços tecnológicos e das comunicações, bem como da globalização e ampliação sistemática do comércio mundial.

Contudo, o sistema financeiro, bem como o econômico, em escala internacional, é caracterizado pelo desequilíbrio entre os países, uma vez que os Estados apresentam graus de desenvolvimento diferentes, nível de crescimento econômico (traduzido pelo crescimento do Produto Interno Bruto – PIB), desenvolvimento humano e condições sociais (melhor compreendido pelo nível do Índice de Desenvolvimento Econômico – IDH), e nível de desenvolvimento tecnológico de cada país, por exemplo.

A compreensão do sistema a nível internacional envolve o conhecimento sobre as relações econômicas internacionais, sobre como os Estados se relacionam, as suas ações (sejam oriundas do Governo, indivíduos ou empresas) e seus efeitos e consequências para outros Estados, considerando que os seus efeitos financeiros afetam diretamente os países, independentemente se encontram em situação de crise financeira, crescimento econômico ou estagnação. Por outro lado, as regras e normas que objetivam regularizar as transações comerciais e econômicas no mundo enquadram-se no sistema jurídico do Direito Internacional.

O Direito Internacional diverge das relações econômicas em seus princípios básicos: o Direito Internacional Público considera como sujeitos de direito, ou seja, dotados de personalidade jurídica e de exercício da capacidade jurídica os Estados, Organizações Internacionais e, mais recentemente, os indivíduos. Para tanto, todos os Estados submetem-se a um mesmo nível de responsabilidades internacionais, a estes recaem as normas de jus cogens[2] do qual possuem caráter obrigatório, bem como o reconhecimento da soberania de cada país é defendido e respeitado por qualquer país, independentemente de sua forma de governo[3].

As relações econômicas internacionais reconhecem a divergência existente em cada Estado, o que parte do princípio de que os Estados encontram-se em situações diferenciadas de desenvolvimento econômico e social, e para tanto, atuam de forma diferenciada no contexto mundial. A partir do reconhecimento dessas desigualdades que as relações econômicas são estruturadas, e arranjos financeiros são construídos preferencialmente com determinados Estados que a outros.

O Direito Internacional Público proclama a independência soberana dos Estados, quanto aos seus recursos econômicos, também se reconhece a existência de uma regulação sobre a circulação internacional de fatores de produção (capital, trabalho e terra), no qual se concretiza pela interdependência entre as soberanias nacionais.

O Direito das relações econômicas internacionais sempre considerou as desigualdades de poder e as diferenças de política econômica entre os Estados. Essa constatação relativiza o fenômeno da pluralidade de normas, uma vez que mantêm-se normas tradicionais que privilegiam o respeito pelos interesses dos agentes econômicos dominantes, muito em função da estabilidade dos participantes. Tal direito, portanto, sempre considerou, em certa medida, as desigualdades de poder e as diferenças de política econômica entre os Estados (DIHN, DAILLIER e PELLET, 2003, p. 1062).

O presente artigo objetiva compreender algumas das características do sistema financeiro internacional, enfatizando a posição estratégica dos Estados Unidos no próprio contexto mundial, principalmente quanto aos desdobramentos decorrentes da crise norte-americana de 2008. Outrossim, este trabalho não pretende esgotar o assunto em tela, mas tão somente evidenciar suas principais características e delinear seus desdobramentos e impactos para o sistema econômico-financeiro internacional.


2. As Instituições Financeiras Internacionais do Acordo de Bretton Woods

A organização internacional pode ser conceituada como uma “associação de Estados, constituída por tratado, dotada de uma constituição e de órgãos comuns, e possuindo uma personalidade jurídica distinta da dos Estados membros” (FITZMAURICE, in a/cn.4/101 artigo 3º, Ann C.D.I., 1956-II, p. 106; apud DIHN, DAILLIER, PELLET, 2003, p. 592). Dessa forma, são aspectos fundamentais de uma organização internacional o fundamento convencional e a natureza institucional.

Dentre as organizações internacionais de fins específicos, as de cooperação financeira e de desenvolvimento prestam serviços aos Estados-membros em assistência técnica e na concessão de recursos financeiros a projetos que visam, em sua maioria, a promoção do desenvolvimento do Estado, melhoria na gestão pública e redução das desigualdades socioeconômicas.

O Banco Mundial foi criado pelo Acordo de Bretton Woods, em 1944, conjuntamente com o Fundo Monetário Internacional – FMI (International Monetary Fund – IMF) [4], que, apesar de serem conhecidas como “instituições irmãs”[5], possuem competências diferentes, no qual o Banco Mundial[6] fornece recursos para projetos a serem aplicados em áreas de desenvolvimento específicas, como infraestrutura, educação e meio ambiente[7], ao passo que o segundo objetiva a estabilidade do sistema monetário internacional, por meio de fornecimento de recursos a países com desequilíbrio na balança de pagamentos[8].

Conjuntamente com o Fundo Monetário Internacional e com o Banco Mundial (também conhecido por Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD), houve esforços dos países em concretizar a formação de uma terceira organização internacional, responsável pela manutenção das condições para assegurar o comércio internacional, promovendo a abertura dos mercados e controlando as barreiras tarifárias (reduzindo-as ou extinguindo-as).

As primeiras convenções internacionais trataram de esquematizar a sua estrutura básica e competências de atuação internacional. Planejava-se a criação da Organização Internacional do Comércio (OIC). Em virtude do prolongamento das negociações, conduzidas pela ONU, em 1947, os países decidiram aprovar um protocolo provisório que continha os regramentos gerais para possibilitar a execução de um comércio internacional estruturado. Portanto, formou-se o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (em inglês, General Agreement for Tarifs and Trade - GATT). Em 1948, na Conferência de Havana, foi aprovado o tratado de constituição da OIC. Todavia, o mesmo não foi ratificado pelo Congresso dos Estados Unidos, principal potência do pós-2ª Guerra Mundial, o qual inibiu qualquer outra ratificação posterior pelos demais países. Constituindo-se somente com um tratado internacional, o GATT 1947 assegurou as bases gerais do comércio internacional e foi conduzido por rodadas de debate entre países signatários que acrescentaram novos acordos e expandiram a sua atuação para barreiras não tarifárias, propriedade intelectual, desenvolvimento e estabilidade financeira, subsídios, medidas anti-duping e de salvaguarda. Em 1994, em Marraqueche, Marrocos, foi aprovada a constituição da Organização Mundial do Comércio (OMC)[9], completando, enfim, a tripé inicialmente pensado na década de 1950 de estruturação de uma cooperação econômico-financeira a nível internacional.

Uma vez que o comércio internacional foi estruturado a nível do GATT 1947 e, posteriormente, a partir da OMC, enquanto organização internacional dotada de personalidade jurídica própria de Direito Internacional e com capacidade de realizar atos e decisões internacionais com força obrigatória aos seus membros, a estruturação monetária e o equilíbrio da balança de pagamentos coube ao FMI, enquanto que os auxílios à reconstrução dos países pós-1945 e a promoção ao desenvolvimento econômico ficou a cargo do Banco Mundial.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Outras organizações internacionais também participam do sistema financeiro[10] e para a cooperação ao desenvolvimento, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID (Interamerican Development Bank – IADB[11]) e demais organizações de que Brasil é signatário.

As duas instituições irmãs, criadas na mesma convenção de Bretton Woods em 1944, foram o resultado de uma estrutura econômico-financeira idealizada por Keynes e White, principais pensadores econômicos dos Estados Unidos e Reino Unido, que tiveram um papel relevante no período pós-crise financeira de 1929.

O Banco Mundial foi originalmente criado para promover a assistência econômica, primeiro aos países destruídos pela 2ª Guerra Mundial (Europa e Japão) e, somente a partir da década de 1960, destinou-se a promover o desenvolvimento econômico para países em desenvolvimento. O auxílio é caracterizado por juros reduzidos, prazos maiores de amortização da dívida e, inclusive, empréstimos sem juros e doações.

Criado inicialmente como Banco de Reconstrução, o montante de recursos destinou-se inicialmente para a Europa e Japão. Apesar de sua competência institucional prever este auxílio, o montante de ajuda contabilizado pelo Banco foi comparativamente menor que o auxílio financeiro prestado pelo Plano Marshall, que consistiu em política econômica dos Estados Unidos em assegurar um comércio com a Europa Ocidental, em contraposição à União Soviética e seus países satélites, principalmente do Leste Europeu, auxiliados pelo Pacto de Varsóvia.

Havia sido uma demanda dos países menos desenvolvidos que o Banco Mundial promovesse um auxílio maior a estes países. Liderados pelo México, quando da sua criação, houve a pressão de incluir o termo desenvolvimento ao nome do Banco e, dessa forma, desconcentrar seu interesse inicial de auxiliar somente as potências europeias e o Japão. Dessa forma, foi constituído como Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD).

A partir da década de 1960 e 1970, o Banco atuou na promoção de auxílio financeiro aos países em desenvolvimento e na redução da pobreza. Suas atividades nos anos posteriores se ampliaram, atuando em setores específicos como saúde, educação, agricultura, moradia, dentre outros setores. Na década de 1990, ampliou-se os recursos para as reformas na Administração Pública e concessões de empréstimos para compras governamentais.

Havia uma tendência de promoção de recursos para práticas que objetivassem a redução da máquina estatal e a indução de políticas públicas voltadas à transferência de atividades para o setor privado. Dessa forma, observava-se a predominância do paradigma do neoliberalismo e a sua disseminação em países em desenvolvimento ou oriundos do regime soviético. Promovia-se a desestatização e a redução do setor público, e requeria-se que os países atendidos promovessem a abertura econômica ampla e irrestrita ao mercado internacional. Tal posicionamento configurou-se como políticas de orientação para a concessão de empréstimos internacionais. Ou seja, para receber auxílio internacional pelo Banco Mundial, os países deveriam cumprir tais medidas de caráter macroeconômico e, de certo aspecto, político, adequando-se aos interesses econômicos das potências ocidentais. Essa conjuntura somente foi possível graças à estrutura organizacional interna do Banco, em que se verifica um descompasso no peso dos votos dos seus membros, com forte prevalência dos interesses dos países da OCDE[12].

Em específico, o Fundo Monetário Internacional foi criado inicialmente para regulamentar o sistema monetário. Antes da 2ª Guerra Mundial praticava-se o sistema do padrão-ouro ou prata, mas seu regramento puro de paridade ouro-moeda nacional nunca foi efetivamente implantado, apesar dos esforços de retomada na década de 1920, sendo a moeda britânica o instrumento de lastro reconhecidamente forte para sustentar um equilíbrio monetário. Desde a crise de 1929, o sistema de paridade com o ouro não conseguiu se reerguer, cabendo aos idealizadores na Conferência de Bretton Woods estipular uma nova forma de estabilização do sistema monetário mundial.

O modelo proposto foi a criação de um sistema de paridade ouro-dólar americano, sendo que as demais moedas deveriam estabelecer paridade unicamente com o dólar, e não mais com o ouro. O FMI seria responsável em manter essa conjuntura de equilíbrio monetário, devendo ser acionado pelos países membros para injetar capital de curto-prazo e manter estável a balança de pagamentos dos países necessitados. Não seria permitido a nenhum pais membro desvalorizar a sua moeda sem o aval do FMI (que era concedido somente em situações extremas). Dessa forma, mantinha-se um paradigma de estabilização que permitia o estabelecimento de contratos de longo prazo e compras por moedas diversas. Poder-se-ia comprar ou estabelecer em contrato qualquer moeda nacional, pois era seguro e eficiente a conversão para o seu valor em dólar a qualquer momento. O dólar americano, portanto, configurou-se como lastro monetário internacional, assegurado pelas principais moedas – libra, yen e o marco alemão.

Contudo, quando grandes desvalorizações monetárias ocorreram com moedas importantes no cenário internacional (a libra em 1967), o dólar americano não conseguiu mais se sustentar com único lastro de paridade com o ouro, sendo necessária também a sua desvalorização. A situação financeira no início da década de 1970 foi agravada pela crise do modelo keynesiano de expansão do gasto público e do crescimento constante dos salários, aliado à crise do petróleo em 1973 e 1979, no qual as moedas desvalorizaram e o modelo padrão ouro-dólar foi extinto. Dessa forma, a moeda deixava de ser fixa a um único valor, adotando-se uma paridade flutuante determinada pelas principais moedas comercializadas nas bolsas de valores mais importantes, o que apresenta cotações diárias de câmbio. Esses sistema flutuante dos valores das moedas é o hodiernamente aplicado, o que possibilita a geração de crises financeiras, devido à oscilação do capital de curto prazo. Dessa forma, as economias nacionais sustentam-se em parâmetros monetários frágeis, com prejuízos ao setor produtivo nacional e à manutenção de empregos no longo prazo.

Esta regra [taxa de câmbio fixa] não resistiu ao abandono da referência ao ouro – ou ao dólar, enquanto este, através da convertibilidade automática do dólar em ouro, conservava de fato uma paridade-ouro fixa[13]. Em dezembro de 1971 (acordos ditos do Smithsonian Institute), os outros Estados obtiveram o abandono da convertibilidade do dólar em ouro. Os acordos de Kingston (ou da Jamaica) de 8 de janeiro de 1976, contendo emendas aos Estatutos do F.M.I e entrados em vigor em 1 de abril de 1978, consagraram oficialmente o retorno a uma total liberdade de escolha por parte dos Estados entre o sistema da paridade fixa, o do câmbio flutuante ou um sistema intermediário (DIHN, DAILLIER e PELLET, 2003, p. 1098-1099).

São modalidades da assistência financeira do FMI a compra ou saque de moeda estrangeira quando não ultrapassa em mais de 100% da quota-parte do montante de moeda nacional do país sacador detido pelo FMI (fornecimento automático), e a compra ou saque de moeda estrangeira que ultrapassa em mais de 100% da quota-parte do montante de moeda nacional do país sacador detido pelo FMI, não superior a 200% (hipótese de condicionalidade sujeita a aprovação pelo Fundo, realizado por meio da assinatura de um stand-by agreement ou acordo de confirmação[14], definido como uma promessa antecipada de crédito, na qual são fixadas antecipadamente as condições e as modalidades de saque).

O FMI analisa as concessões de crédito por meio da fixação e implementação de objetivos quantitativos e qualitativos. Por sua vez, como ocorreu com diversos países endividados da América Latina desde 1982, foram realizadas inúmeras reuniões entre estado e Fundo, uma vez que tais objetivos não eram cumpridos. E nas ocasiões de conclusão dos empréstimos e renegociação dos stand-by agreements o Fundo foi acusado de intervenção nos assuntos internos, ou mesmo de rigidez excessiva na aplicação das condicionalidades.

Segundo DIHN, DAILLIER e PELLET (2003, p. 1101), a opinião dos peritos do Fundo que analisam o nível de saúde de determinada economia nacional, podem constituir como fator determinante sobre a atitude do sistema bancário privado internacional em face a este Estado. Tal consideração pode aumentar ou reduzir a vulnerabilidade dos Estados quanto ao capital externo internacional.

Inicialmente, o FMI tinha por competência garantir a estabilidade do modelo de câmbio fixo (dólar-euro) e assegurar a manutenção da balança de pagamentos dos países, por meio da concessão de empréstimos de curto prazo (os empréstimos de médio e longo prazo eram concedidos pelo BIRD, o que caracterizava como auxílio financeiro à infraestrutura e ao desenvolvimento dos países atendidos). Com a alteração do sistema financeiro internacional, o FMI expandiu suas atividades, no qual muitas delas se imiscuíram nas competências exclusivas do Banco Mundial[15].

O FMI passou a conceder empréstimos a longo prazo e a ser instância de aprovação ou de consulta obrigatória pelo BIRD antes da concessão de empréstimos. Nas décadas de 1990 e 2000, o FMI especializou-se como órgão de auxílio emergencial aos países em crise financeira. Todavia, o Fundo adotava premissas únicas para que o país atendido seguisse, desconsiderando suas características econômicas e sociais próprias. Assim, os países somente eram beneficiados se cumprissem as recomendações do FMI de caráter econômico e político, alterando de sobremaneira a política econômica e sociedade do país contemplado. Da mesma forma como descrito, o Banco Mundial impede o afluxo de recursos para a recuperação econômica quando descumpridas as condicionantes exigidas. Todavia, em muitos países, o auxílio econômico causava efeitos colaterais que agravavam ainda mais a situação destes atendidos.

Esses efeitos decorriam das condicionantes baseadas em posicionamentos político-econômicos dos países que concediam grande parte dos recursos via Fundo (países membros da OCDE), e ignoravam as condições macroeconômicas dos países beneficiários, promovendo reformas radicais na economia, tais como a abertura ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros, desmontagem e esfacelamento da produção industrial nacional[16].

A abertura imediata ao mercado externo de uma economia fechada impede que as empresas tenham condições financeiras e de tempo para se adequarem a uma maior concorrência, uma vez que devem aumentar a qualidade dos seus produtos a um custo muito baixo de produção; sendo que àquelas empresas que não conseguem se ajustar acabam decretando falência, uma vez que a competição por produtos é desigual. O ideal seria a abertura moderada e gradual, permitindo que produtos nacionais de alto valor agregado sejam exportados. Todavia, tais produtos de alto valor agregado – capital intensive – já são produzidos e comercializados pelas principais potências econômicas mundiais, no qual a abertura moderada permitiria melhores condições de concorrência com outros produtos de semelhante qualidade. São, portanto, políticas neoliberais, favorecendo que transnacionais e capital estrangeiro entrem em novos mercados, reduzindo a capacidade interna produtiva para competição no mercado interno e por exportações.

A atual situação do FMI caracteriza-se por sua incapacidade de retirar os países atendidos das suas crises financeiras cíclicas nos últimos anos, gerando dívidas externas comprometedoras e exigências fiscais rígidas de cumprimento e satisfação dos juros internacionais, ocasionando redução da qualidade de vida da população do país atendido. Muitos países que tomaram auxílio financeiro pelo Fundo conseguiram saldar as dívidas depois de longos anos de aplicação de políticas macroeconômicas restritivas e de períodos de estagnação econômica[17].

O que se observa ao comparar as três organizações internacionais que estruturam o sistema financeiro e comercial a nível internacional (FMI, Banco Mundial e OMC) é uma divisão nítida das características com as outras duas organizações irmãs. A OMC, inicialmente estruturada como um acordo internacional provisório de tarifas, teve se escopo de atuação ampliado. Atua em diferentes e complexas áreas comerciais, utilizando-se de regras de aplicação e interpretação do Direito Internacional, ou seja, as regras são objetivas e de fundamento jurídico, com redução significativa do controle dos países economicamente desenvolvidos. A sua ação desenvolve-se principalmente pelos órgãos de resolução de disputas instituídos sobre questões específicas no comércio internacional. As decisões são de caráter concreto, a atingir os países em disputa e os terceiros envolvidos.

Decisões abstratas e genéricas, que envolvem posições políticas e estratégicas dos Estados possuem atuação reduzida em sede da OMC. Por sua vez, as outras duas instituições marcam-se pelas decisões abstratas e amplas, que envolvem o posicionamento dos Estados e a aplicação dos seus interesses nacionais são observados. Contribui com este cenário a estrutura de divisão de votos, o mecanismo de votação e o percentual de contribuição de cada país membro, no qual condiciona a amplitude política de atuação.

Outrossim, o Fundo e o Banco, conforme o seu histórico de atuação, caracterizam-se por uma interdependência de funções, que muitas vezes ultrapassam as suas respectivas competências de atuação originalmente propostas. Essa imiscuidade é danosa para a manutenção de relações entre as instituições internacionais e seus beneficiários.

Por outro lado, a entrada de recursos externos por meio de tais organizações promovem, como ponto positivo, a entrada de capital privado externo e o retorno a investimentos no país atendido, com benefício ao desenvolvimento econômico local e a retomada do consumo pela população. Portanto, tais instituições, apesar de suas indissiocracias e malefícios apontados, são responsáveis pela garantia de confiança no mercado internacional para investimento no país beneficiado. Normalmente, o investidor externo não correrá riscos financeiros de aplicar seu capital em países cujo FMI e BIRD não recomendam ou não consideram como aptos a receberem recursos externos.

Dessa forma, as condicionantes dessa instituições promovem o delineamento necessário para atração de capital externo e redução dos riscos de retorno financeiro a que todo investimento se submete (análise de project finance). São riscos que podem ser mitigados ou reduzidos por meio dessas organizações internacionais de cooperação financeira a garantira de que não ocorram nacionalizações de empresas estrangeiras. E que, caso ocorram, deve-se apurar indenização respectiva à empresa estrangeira que teve uma de suas unidades nacionalizada.

As condicionantes visam, antes de tudo, assegurar que a principal obrigação dos países beneficiados pelos recursos externos é honrar os pagamentos provenientes dos empréstimos, no qual o país que ao longo dos anos não deixa nenhum passivo contra tais instituições, predispõe o entendimento geral de que os contratos e os retornos dos investimentos serão garantidos. Portanto, tais instituições enxergam como prejuízo na relação de cooperação financeira o instrumento da moratória. A decretação de moratória transmite à comunidade financeira internacional que o país é de alto risco para qualquer espécie de investimento. Bem como, o Fundo e o Banco se utilizam de sanções econômicas para forçar a remoção da moratória.

Todavia, quando um Estado resolve adotar a moratória, pode visar uma recuperação econômica, ao utilizar todos os seus recursos para favorecer seu setor produtivo e bancário, ao invés de destinar recursos próprios para pagamentos dos empréstimos internacionais. Pode-se entender que suspender os compromissos internacionais seja uma estratégia de recuperação econômica mais ligeira. Contudo, as organizações de cooperação financeira sofrem com o risco do tempo indeterminado da moratória e dos juros não adimplidos.

Observa-se, portanto, uma contrariedade imanente no auxílio externo, uma vez que os recursos são advindos somente se cumpridos os pagamentos e aplicadas as recomendações de restrição fiscal e econômica. Por sua vez, uma recuperação econômica demanda uma quantidade de recursos disponíveis para aplicação interna, no qual podem ser impedidos por contrariar as regras das organizações internacionais. Contrariá-las significa absterem-se da fruição dos recursos tão necessários para a sustentação da economia nacional e o favorecimento da entrada de capital externo privado. Países que não possuem força política e estratégica no cenário internacional, ou mesmo econômica (mercado interno irrelevante, inexistência de recursos primários incipientes, armas nucleares inexistentes, posição geográfica desfavorável, parque industrial não instalado, etc.) não são capazes de confrontar tais condicionantes e se submetem as recomendações.

Outra característica das condicionantes é a imposição da restrição fiscal nos países atendidos ou àqueles que se encontram em crises financeiras (auxílios do FMI). Restrições causam redução dos gastos públicos e da Administração Pública, diminuição dos investimentos e a sucateamento da infraestrutura nacional (seja logística ou a prestação de serviços públicos). Principalmente, exige-se o controle severo da inflação e da desvalorização da moeda nacional. Portanto, como decorrência, há uma redução dos investimentos e gastos públicos e queda na qualidade dos serviços públicos prestados. Da mesma forma, a inflação relaciona-se com a taxa de desemprego de um país, uma vez que a restrição de emissão de moeda a desvaloriza em comparação com a moeda estrangeira, tornando produtos importados mais baratos que os mesmos produzidos no país.

A partir disso, o Banco Mundial exige que os países beneficiários cumpram as condições gerais previstas nos contratos e demais previsões específicas, que consistem em medidas de caráter macroeconômico[18] e da política fiscal do país[19].

O FMI adotou as mesmas premissas de restrição fiscal, fundamentadas pela teoria neoliberal de assegurar a estabilidade monetária pela redução do déficit público e indução à superávits primários destinados ao pagamento dos juros dos empréstimos.

Além disso, as condicionalidades do FMI frequentemente implicam profundas mudanças. A magnitude das mudanças pode ser medida pelo número de leis que o pacote médio FMI exige que um país promulgue. Como as reformas patrocinadas pelo FMI geralmente contêm implicações para todo o sistema jurídico nos países em desenvolvimento, seria no mínimo prudente escolher um forma legal a fim de envolver o corpo legislativo nas negociações de tais acordos. Países [inclui-se o Peru] como a Costa Rica tem tomado essa abordagem e considera os acordos do FMI como contratos legais que devem ser aprovadas pelo Congresso[20] (grifo nosso).

A par dessas considerações gerais sobre o funcionamento das instituições advindas de Bretton Woods, não se defende o desvencilhamento dos países ao Fundo ou ao Banco. Pelo contrário, defende-se que os mesmos promovam reformas internas a equilibrar juridicamente o desnivelamento existente, uma vez que seus membros diferenciam-se por porte econômico e político, como ocorre com as regras da OMC de caráter mais equânime, apesar de não impedir que interesses de determinados grupos ou nações possam se sobrepor em determinadas ocasiões.

Quanto à questão da participação do processo de votação, as decisões do Banco Mundial são tomadas por maioria de votos, no qual respeita uma divisão entre seus Estados-membros em duas espécies: votos básicos e votos conforme o número de ações[21].

Observa-se também que os países centrais ou industrializados, como Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido e França, são os que possuem o maior número de votos e, consequentemente, determinam as decisões quanto aos procedimentos e conteúdo dos empréstimos realizados pelo Banco, bem como a definição de condicionalidades (conditionalities), no qual são as condições que os países beneficiários devem se submeter e implantar a fim de que recebam os recursos externos.

As informações previstas no Gráfico abaixo permitem inferir um descompasso de representação entre os 188 países-membros na definição de seus programas de empréstimos. Outrossim, as regras de empréstimos são, em grande parte, desconexas às realidades dos países beneficiários, que as admitem por diferentes processos de adequação de sua legislação à demanda externa, e conflitando com a harmonia jurídica do seu ordenamento nacional.

Comparando com os países mais beneficiários dos recursos do Banco Mundial, em dados gerais, o Brasil é o segundo maior cliente do Banco Mundial, participando em 399 projetos, no montante total de 54,84 bilhões de dólares americanos[23]. O primeiro maior cliente é a Índia, com 561 projetos, somando um montante de empréstimos em US$ 93,01 bilhões. Em terceiro lugar, em número de projetos, encontra-se a Indonésia com 371 projetos, somados a um valor de US$ 48,4 bilhões. Apesar da China ser o quarto maior cliente, com 361 projetos, é o terceiro maior em montante de empréstimos, na ordem de US$ 51,91 bilhões[24].

Gráfico: Percentual por País do Total de Projetos do Grupo Banco Mundial desde 1944.

Fonte: Elaboração própria[25].

Observa-se que, do total de 11.673 projetos do Banco Mundial[26], a Índia responde por quase 5%, seguido pelo Brasil com quase 3,5 %, e pela Indonésia e China com um percentual pouco superior a 3% do total. Evidencia-se a importância do entendimento dos empréstimos internacionais destinados pelo Banco Mundial ao países beneficiados e os seus respectivos impactos, principalmente ao Brasil, seu segundo maior cliente.

Sobre os autores
Diego Ferreira Almeida

Estudante de Administração Pública na FJP e de Direito na UFMG

Thiago Ferreira Almeida

Advogado e especialista em políticas públicas da Parcerias Público-Privadas Unidade Central de Minas Gerais Governo, Brasil.<br><br>Mestre em Direito Internacional na Universidade Federal de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e de Administração Pública da Fundação João Pinheiro. Especialização em Economia na Universidade de Turim, Itália.

Danuza Aparecida de Paiva

Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental no Governo de Minas Gerais, graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2011 e em Administração Pública na Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho, da Fundação João Pinheiro (FJP) em 2010

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Diego Ferreira; ALMEIDA, Thiago Ferreira et al. Os Estados Unidos e o sistema financeiro internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4160, 21 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30027. Acesso em: 25 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!