3. O CONTRATO DE LOCAÇÃO EM SHOPPING CENTER
O fenômeno dos Shopping Centers trouxe inovações para o mundo jurídico, tanto é que, atualmente, não existe legislação específica para as relações ocorridas neste ambiente.
Como um empreendimento imobiliário o Shopping Center
“envolve um complexo organizacional relativo a sua localização, viabilidade econômica, captação de recursos, à adesão ao tenant mix[7] por parte dos lojistas, que se subordinarão a um contrato normativo”. (DINIZ, 2013, p.83)
Os seus espaços são alugados, desde as lojas propriamente ditas, como quiosques, espaços em corredores, espaço para publicidade e afins, desta maneira cabe dizer que a maior parte dos contratos realizados em Shopping Center é pautada em locação comercial.
3.1. Natureza jurídica
A natureza jurídica dos contratos firmados dentro dos Shoppings Centers é polêmica, pois trata-se de modalidade contratual diferenciada. Tal polêmica decorre do fato desse contrato conter cláusulas exorbitantes aos contratos de locação.
Dentre as diversas correntes é possível identificar que, embora com suas peculiaridades, elas basicamente se dividem em duas principais vertentes: trata-se de um contrato atípico; trata-se de um contrato de locação comercial.
Diniz (2013) entende que o contrato de locação em sua forma, não é idôneo para guarnecer a relação entre o empreendedor e o lojista, pois o lojista assume obrigações que não são próprias de um locatário, como o pagamento de quantia antes da entrega da loja, além da fiscalização do faturamento bruto da loja. Assim, “o contrato efetivado entre o proprietário do Shopping Center e o lojista não se enquadra, portanto, em nenhuma das modalidades contratuais conhecidas, devido às suas peculiaridades” (DINIZ, 2013, p. 99).
Para Diniz (2013), o contrato de Shopping Center é atípico por conter elementos de vários tipos de contratos.
Fazzio Júnior (2008) entende que os contratos celebrados tem natureza locacional, observado um regime especial, que o diferencia da locação comercial pura e simples. Nesse sentido, Mamede (2013) esclarece que há o serviço de administração organizacional e mercadológica planejada, voltada para exponenciação do consumo de bens e serviços, que é específico e faz com que essa relação não se confunda com uma mera locação de imóvel.
O artigo 54 da já referida Lei do Inquilinato, preceitua que nas relações entre lojistas e empreendedores de Shopping Center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas na lei. Portanto, diante do próprio texto legal, entendemos que a natureza jurídica dessa relação contratual é expressamente locatícia.
3.2. Partes no contrato de locação em Shopping Center
Conforme Diniz (2013, p. 83) há uma relação contratual entre o proprietário ou empreendedor do Shopping Center e os comerciantes, assim é importante definir quem são as partes nessa relação contratual.
O contrato de locação em Shopping Center é formado entre empreendedor e lojista.
O empreendedor é aquele que idealiza o shopping, é o proprietário e investidor. Algumas vezes ele assume o papel de administrador de seu empreendimento, porém, nem sempre isso acontece, sendo necessário distinguir as duas funções.
Administrador do shopping é o gestor do empreendimento, ele é a ligação entre o empreendedor e o lojista. O administrador quem fiscaliza o cumprimento do regimento interno, contrata os serviços necessários para o funcionamento do shopping, promove os rateios e faz as cobranças necessárias, entre outros. Este recebe remuneração, que é custeada entre empreendedor e lojista, tendo em vista que é o articulador entre os dois.
O lojista é aquele que desenvolve a atividade comercial, que loca o espaço para prestar serviços ou exercer compra e venda de mercadorias. É ele quem acredita no empreendedor e faz seu investimento pagando antecipadamente pelo que espera receber (res sperata), pela publicidade, aluguel dos espaços, fundo de promoção, associação de lojistas, rateios, entre outros.
A grande finalidade das partes que participam no contrato de shopping não será, portanto, a cessão e uso de uma unidade em troca de remuneração pecuniária, mas sim a de tirar proveito da organização do empreendimento, participando dos lucros obtidos por cada loja. Assim concede-se o uso ao lojista para que este pratique atos de comércio, distribuindo o lucro obtido com seu sucesso comercial, pagando percentual correspondente ao faturamento bruto. (DINIZ, 2013, p. 84)
Consumidor não está inserido no âmbito do contrato de locação, porém é figura essencial para o sucesso do empreendimento. É aquele que consome, negocia diretamente com o lojista, frequenta e desfruta dos espaços de lazer disponíveis.
3.3. Características do contrato de Shopping Center
O contrato de locação em Shopping Center tem muitas especificidades, sendo assim, para que se possa esboçá-lo é necessário destacá-las.
3.3.1. Res sperata
Res sperata (coisa esperada), chamada por alguns doutrinadores de direito de reserva de localização, é um contrato (ou cláusula contratual) onde o lojista se compromete a pagar ao empreendedor uma quantia durante a construção do shopping.
Mamede (2013) aponta que é costumeiro exigir o pagamento pela reserva de localização de uma loja enquanto o empreendimento ainda está em construção.
Além disso, Coelho (2013, p. 183) elucida que “o fundo de empresa do empreendedor do shopping (...) é, em certa medida, utilizado pelos locatários, que devem, em contrapartida, remunerá-lo por meio da res sperata”. No mesmo sentido, Diniz (2013, p. 89) considera legitimo o pagamento da res sperata, “por ser remuneração pela cessão ao lojista de parcela do fundo de comércio do empreendedor com toda a estrutura que o acompanha”.
Importante ressaltar que o contrato da res sperata não se confunde com o contrato que vigorará após a edificação do empreendimento.
Conforme explanação de Gildo dos Santos (2013), esta não se confunde com o pagamento de luvas, embora parte da doutrina entenda que ambos seriam o mesmo instituto. A res sperata ocorre quando o empreendimento está em construção e as luvas são cobradas com o empreendimento já edificado.
3.3.2. Luvas
Luvas são valores pagos pelos interessados na locação comercial de modo a garantir o contrato. “Quando a edificação já se encontra pronta e em funcionamento, é comum exigir o pagamento de luvas iniciais, cobradas para remunerar o empreendedor pelo valor agregado do empreendimento”. (MAMEDE, 2013, p. 264)
O pagamento de luvas, explica Gildo dos Santos (2013), é histórico: era um adiantamento, uma garantia de que aquele ponto, aquele comércio, seria locado para certa pessoa.
Com o decorrer dos anos, entrou em vigor o Decreto nº 24.150 de 20 de abril de 1934, conhecido como “Lei de Luvas” que gerou muita polêmica, pois, embora tivesse sido conhecida por esse nome, proibia tal prática. Hoje, continua o autor, é pacifico na doutrina e jurisprudência que as luvas podem ser cobradas, mas apenas no contrato inicial, ficando vedada na renovação dos contratos.
Embora Gildo dos Santos (2013) defenda que o pagamento das luvas é pacifico na jurisprudência, quando falamos em contratos de Shopping Center há certa polêmica, pois alguns entendem que somente o pagamento da res sperata é permitido nessa modalidade contratual.
Ressalte-se a diferença entre os institutos:
A res sperata não se confunde com as luvas, que são determinada quantia em dinheiro, apartada do valor do aluguel, paga pelo pretendente locatário para obter a preferência na celebração do contrato de locação. Nas luvas, ocorre a remuneração pelo mero uso do ponto, enquanto na res sperata o pagamento é pela cessão do fundo empresarial do shopping, composto, entre outros bens, do nome empresarial, título do estabelecimento, insígnia, marca, aviamento, clientela e freguesia. (DIAS, 2009, p.13)
Importante observar que parte da doutrina trata luvas e res sperata como figuras idênticas nos contratos de Shopping Center, sendo os termos, repetidas vezes, utilizados como sinônimos.
3.3.3. Aluguel
Dentro de toda especificidade que encontramos nos contratos de Shopping Center, o aluguel é assunto que gera polêmica, pois, diferente das locações comuns, este será fixo ou variável, estipulado visando, além da metragem, espaço físico do local, também aspectos como o faturamento do lojista. Há, então, uma dúplice fixação do aluguel.
3.3.3.1. Aluguel mínimo
O aluguel mínimo, conforme demonstra Mamede (2013), é o valor pago pelo lojista, baseado nos metros quadrados que locou, conforme sua melhor ou pior localização no empreendimento. Nada mais é que aluguel propriamente dito. Nesse sentido, Diniz (2013), ensina que o aluguel mínimo é um valor fixo, baseado na metragem da loja, representado por uma prestação pecuniária que pode ser objeto de ação revisional pelo locador, uma vez decorrido o prazo de três anos estabelecido no artigo 19 da lei 8.245/91.
Aluguel mínimo recebe esta nomenclatura – mínimo, para que seja diferenciado da outra forma de remuneração do contrato, o aluguel percentual.
3.3.3.2. Aluguel percentual
O contrato de Shopping Center, segundo Mamede (2013), embora tenha definido um aluguel fixo, o dispensa habitualmente, optando-se pela constituição de um negócio de parceria por meio do qual a administração é remunerada na proporção do sucesso do empreendimento. Conclui o autor que o
“aluguel percentual nada mais é do que o resultado de uma remuneração por meio de clausula de sucesso, sendo definido pela incidência de determinado percentual sobre a receita do estabelecimento” (MAMEDE, 2013, p. 265).
Diniz (2013) aponta que o aluguel percentual é calculado sobre a percentagem na receita bruta efetuada pela loja, assim é necessário que o lojista permita que o administrador do shopping examine sua contabilidade e verifique o registro de vendas.
Importante ressaltar que o aluguel percentual e o fixo não são cumulativos, assim, somente será cobrado o aluguel percentual caso o valor apurado seja superior ao valor que o lojista deveria pagar ao empreendedor pelo aluguel fixo.
Acerca desse sistema de cobrança de aluguel e suas peculiaridades, Requião (1983) discorre
Como se percebe, o sistema de locação substitutivo do aluguel mínimo e do aluguel percentual sobre a renda bruta constitui um sistema integrado na organização do ‘centro comercial’. O aluguel programado no planejamento deste não se determina, vale insistir, pelos parâmetros tradicionais das leis civis, mas constitui elemento integrante da organização tecnológica moderna destes centro comerciais. E tanto isso é verdade que entre os mecanismos peculiares desse tipo de empreendimento figura como ponto dos mais relevantes a estipulação de aluguel em bases percentuais, garantido por um aluguel mínimo. (REQUIÃO, 1983, p. 23 apud VIDIGAL, 2006, p. 62)
3.3.3.3. Aluguel dobrado
Outro fator utilizado para determinar o pagamento do aluguel são as principais datas comerciais, momentos em que o mercado está aquecido e a população consome mais, tendo como principal exemplo o Natal (25 de dezembro). Assim, no mês de dezembro, quando o movimento nos Shoppings Centers aumenta, geralmente o lojista deve pagar o aluguel dobrado.
Mamede (2013, p. 263) critica esse tipo de cobrança e aponta que "trata-se, contudo, de figura que se coloca à margem da lei, já que não há dupla utilização do espaço em dezembro", assim não se deveria cobrar aluguel em dobro, ainda que a justificativa seja fazer frente aos encargos com o 13º salário dos empregados do empreendimento, pois esses são custos previsíveis, podendo assim, ser previsto contratualmente um rateio entre os lojistas.
Diniz (2013) afirma que a cobrança de aluguel dobrado no mês de dezembro não constitui um aluguel a mais e, sim, decorre da forma organizacional do shopping, que visa uma cooperação entre empreendedor e lojistas.
Nesse sentido, conforme entendimento extraído da decisão da 34ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, não há ilegalidade na cobrança desse tipo de aluguel
A cobrança de aluguel em dobro no mês de dezembro e diferenciado no mês de maio, não podem representar abuso de direito, pois é justamente nestes meses que os lojistas, quaisquer que sejam os locais em que estejam instalados, conseguem aumentar suas vendas, em razão das festas de fim de ano e do Dia das Mães. E justamente nestes períodos o shopping tem maiores gastos com propaganda, decoração, segurança, etc. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação nº 9000091-64.2006.8.26.0506, Comarca de Ribeirão Preto. Apelantes: O F B PRESENTES E DECORAÇÕES LTDA - EPP, MARIA WANDA BONIFÁCIO LUCCI e OSMAR DE FREITAS BONIFÁCIO. Apelados: BOZANO, SIMONSEN CENTROS COMERCIAIS S/A, MULTIPLAN EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS S/A, PREVHAB - ASSOCIAÇÃO DE PREVIDÊNCIA DOS EMPREGADOS DO BNH, CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL - PREVI, MULTISHOPPING EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS S/A, REALEJO PARTICIPAÇÕES S.A e RENASCE - REDE NACIONAL DE SHOPPING CENTERS LTDA. Relator: Soares Nevada, São Paulo, 26 de agosto de 2013.
3.4. Função social do contrato de locação em Shopping Center
Embora possam pactuar livremente, o contrato de locação comercial em Shopping Center, é limitado em razão de sua função social, assim como o contrato de locação abordado no item 2.5.
Como explanado anteriormente, atender a função social de um contrato significa dizer que este não pode ter cláusulas abusivas que causem danos à parte contrária ou a terceiros.
Ao nascer, um Shopping Center, envolve toda uma organização do empreendimento. Diniz (2013) explica que esse contrato normativo leva em conta a viabilidade econômica, localização, captação de recursos, isto com a grande finalidade de que, tanto as partes no contrato (empreendedor e lojista), quanto a sociedade civil, tirem proveito do empreendimento. Os envolvidos no contrato participando dos lucros e o público desfrutando das vantagens de um centro comercial.
Assim, é evidente que, embora à primeira vista, em virtude das peculiaridades, algumas cláusulas possam ser consideradas abusivas, o que desvirtuaria a função social do contrato, esta é claramente atingida.
Nesta modalidade contratual, além de as partes terem liberdade em dispor suas vontades e fazer consignar em contrato, há o desenvolvimento da área em que o empreendimento é edificado, desenvolvendo também o seu entorno, de maneira que benefícios tanto para sociedade quanto para o empresário são combinados, onde à sociedade é disponibilizada área de comércio, lazer e segurança e, ao empresário, garantido o exercício da atividade empresarial.