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O processo legislativo orçamentário no Brasil e a autonomia financeira do Poder Judiciário

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Agenda 22/02/2015 às 11:17

4. AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO

Para o desempenho de suas funções, principalmente da função jurisdicional, que é a de solucionar conflitos de interesses, aplicando a lei aos casos concretos, inclusive contra o próprio Estado e sua Administração, o Poder Judiciário é cercado de garantias constitucionais de independência.Essas garantias vêm sendo divididas pela doutrina em três grandes grupos: a) autonomia de governo, b) autonomia financeira e c) autonomia normativa.

A autonomia de governo significa que o Poder Judiciário pode organizar-se independentemente da vontade ou da decisão política dos demais Poderes, cabendo-lhe exercer a administração própria de seus recursos materiais e pessoais, o poder de polícia, o poder disciplinar, bem como o necessário para praticar ao atos administrativos próprios.

Em outras palavra, trata-se de autogoverno, que significa o poder conferido a determinado órgão ou pessoa de escolher seus próprios dirigentes, determinar sua própria política institucional e executá-la sem influência externa.Assim, por exemplo, diz a Constituição Federal que cabe ao próprio Judiciário (art. 96):

a) eleger os órgãos diretivos dos tribunais, bem como decidir sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;

b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados;

c) prover os cargos de juiz de carreira da respectiva jurisdição;

d) propor a criação de novas varas judiciárias;

e) prover, por concurso público de provas, ou de provas e títulos, os cargos necessários à administração da Justiça;

f) conceder licença, férias e outros afastamentos a seus membros e aos juízes e servidores que lhes forem imediatamente vinculados.

A autonomia financeira, que será melhor analisada adiante, em linhas gerais, é o poder de elaborar e gerir o próprio orçamento.

Nessa linha, a Constituição Federal diz expressamente “os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias” (art. 99, § 1.º), sendo que os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos do Poder Judiciário deverão lhe ser entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma definida em lei complementar (art. 168).

Por fim, a autonomia normativa significa que o Poder Judiciário possui legitimidade para regulamentar suas atividades e também possui iniciativa legislativa para determinadas matérias.

Assim, no exercício de sua capacidade normativa, os tribunais podem estabelecer regimentos internos próprios (art. 96, I, “a”, da CF/88).

Além disso, podem apresentar projetos de lei ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169 da CF/88, para:

a) a alteração do número de membros dos tribunais inferiores;

b) a criação e a extinção de cargos e a fixação de vencimentos de seus membros;

c) a criação ou extinção dos tribunais inferiores;

d) a alteração da organização e da divisão judiciárias.

Além dessas garantias destinadas primariamente à Instituição Poder Judiciário, há também as chamadas garantias da Magistratura ou garantias funcionais do Judiciário, também estabelecidas pela Constituição, mas em favor dos juízes a fim de que possam manter sua independência e imparcialidade.

São elas (art. 95 da Constituição Federal):

- a vitaliciedade (perda do cargo apenas nas estritas hipóteses previstas pelo legislador constituinte originário, sem possibilidade de alargamentos posteriores);

- a inamovibilidade (permanência do magistrado na unidade jurisdicional em que está lotado, salvo situação de excepcional interesse público decidida por 2/3 do tribunal a que estiver vinculado);

- a irredutibilidade de vencimentos (não podem ser reduzidos os subsídios dos magistrados).

Por outro lado, há também uma série de vedações impostas aos juízes a fim de proteger e garantir sua imparcialidade e a dos demais.

São elas (art. 95, § único, da Constituição Federal):

- proibição de exercer outro cargo ou função, ainda que esteja em disponibilidade, salvo uma de magistério;

- proibição de receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;

- proibição de se dedicar à atividade político-partidária;

- proibição de receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei;

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- proibição de exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.

Bem verdade que tanto a atribuição de independência ao Poder Judiciário quanto a extensão desta independência dependem de uma decisão política fundamental para o sistema de governo adotado em determinado Estado.No Brasil, como vimos, optou-se por uma independência forte, apesar de não absoluta.

Temos, com base nas próprias previsões constitucionais – e algumas já acima destacadas, o chamado sistema de freios e contrapesos por meio do qual os poderes limitam-se mutuamente, controlando uns aos outros.

No entanto, essa ingerência de um Poder em outro somente pode ocorrer nas hipóteses e nos estritos limites autorizados pelo próprio constituinte originário, sob pena de, em se aceitando alterações posteriores do constituinte reformador ou do legislador infraconstitucional, incorrer-se, respectivamente, em ofensa à cláusula pétrea da separação dos poderes ou inconstitucionalidade da lei.

Portanto, a extensão da autonomia e da independência do Poder Judiciário é obtida apenas e tão-somente da análise dos dispositivos constitucionais.

Visto isso, cumpre examinarmos com mais profundidade a chamada autonomia financeira do Poder Judiciário.


5. A AUTONOMIA FINANCEIRA DO PODER JUDICIÁRIO

Autonomia, segundo os léxicos , quer dizer capacidade de se autogovernar.

A palavra vem do grego “autonomía”, que quer dizer direito de reger-se segundo leis próprias.

Assim, o conceito de autonomia diz respeito à possibilidade de uma determinada pessoa ou instituição estabelecer seu caminho e segui-lo, sem que sofra interferência alguma de terceiro.

A autonomia financeira, então, diz respeito ao poder de autogestão da própria atividade financeira, ou seja, das condutas relacionadas à obtenção de recursos e à realização de gastos.

Aprofundando a idéia, a autonomia financeira garante a uma pessoa ou instituição a obtenção e o dispêndio do necessário para se autogovernar.

Afinal, sem recursos financeiros necessários para o desempenho de tarefas, não há verdadeira autonomia de ente algum.

Conferir liberdade para uma entidade fazer suas escolhas e conduzir-se de acordo com elas não vale coisa alguma caso esta mesma entidade não tenha dinheiro suficiente para concretizar tais opções.

Voltando a tratar especificamente do Poder Judiciário, possuindo ele autonomia financeira, conforme já explicitado (art. 99, “caput”, da Constituição Federal), devemos partir da idéia segundo a qual deve este Poder ser capaz de obter os recursos necessários para o desempenho de sua missão constitucional, sob pena de verdadeiro aniquilamento do sistema de tripartição dos poderes.

Como destaca Geraldo Ataliba:

“Pois, como falar-se de independência dos Poderes, se um deles fica subordinado financeiramente à proposta de outro e aprovação de um terceiro? “Se el tesoro es el resumen de todos los poderes” (Alberdi) e se ao deliberar sobre seu destino o Judiciário fica jejuno, como pretender-se que seja “igual” aos demais? Se, como disse um constitucionalista norte-americano, “o poder sobre as finanças é poder sobre a vontade” – para fundamentar a sábia tese yankee da irredutibilidade dos vencimentos dos magistrados – como afirmar-se a independência de um Poder que não dispõe sobre os próprios instrumentos?” (Autonomia do Poder Judiciário no plano estadual. Associação dos Magistrados Mineiros, ano I, v. I, 1983, p. 89, apud Jose Mauricio Conti. A autonomia financeira do Poder Judiciário. São Paulo: MP, 2006, p. 144)

Mas quais os diferentes aspectos que envolvem esta autonomia financeira?

Em outras palavras: como se garante a verdadeira autonomia financeira?

Podemos apontar os seguintes pontos essenciais a esta autonomia:

1) fonte suficiente de recursos;

2) liberdade para a definição do “quantum” necessário;

3) liberdade para determinação das prioridades na aplicação dos recursos;

4) possibilidade de alteração de tais prioridades pelo próprio ente;

5) autonomia para definir o momento adequado para se realizar cada despesa;

6) Autocontrole orçamentário.

A esse respeito, Antonio Sousa Franco preconiza que a verdadeira autonomia financeira somente é possível se verificado o seguinte:

- separação total de orçamentos da entidade considerada e do Estado;

- procedimentos próprios de elaboração e aprovação do orçamento;

- administração financeira própria;

- formas próprias e autônomas de execução e de controle das receitas e despesas;

- regime jurídico próprio.

Partindo dessas premissas, já podemos concluir que, em nosso regime constitucional orçamentário, não há como caracterizar a autonomia financeira do Poder Judiciário como plena.

Afinal, de pronto já podemos destacar que o orçamento do Judiciário é elaborado juntamente com os dos demais poderes em peça única, na esteira do Princípio da Unidade Orçamentária (art. 165, § 5.º, da Constituição Federal).

Assim, o procedimento para aprovação do seu orçamento é único, não havendo regras próprias para os orçamentos de cada um dos Poderes.

Na mesma linha, a rigor, as normas para a execução orçamentária são as mesmas para os Poderes.

Podemos ainda destacar a existência de um controle orçamentário feito pelo Poder Legislativo no Poder Judiciário, com o auxílio do Tribunal de Contas, tal como prevê o art. 70 da Constituição Federal.

Aliás, o próprio Tribunal de Contas tem a atribuição de julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, o que inclui o Poder Judiciário (art. 71, II, da Constituição Federal).

Portanto, fácil constatar que não há autonomia financeira plena do Poder Judiciário brasileiro, o que já foi ressaltado quando se mencionou a adoção do sistema de freios e contrapesos entre os Poderes no nosso ordenamento.

Aliás, como ensina José Maurício Conti:

“Há de se reconhecer, outrossim, que a autonomia financeira, bem como as demais formas de autonomia, não será um conceito preciso, de modo a existirem regras rígidas que permitam reconhecer uma linha divisória nítida que distinga as situações “com autonomia” e “sem autonomia”.

[...]

“Assim, deve-se admitir que a autonomia financeira é “gradativa”, ou seja, há desde situações em que se constata haver elevado grau de autonomia financeira, outras em que esta autonomia é razoável, até aquelas em que há autonomia financeira mínima” (Idem, p. 144).

Cabe, então, verificar qual a extensão desta autonomia financeira do Poder Judiciário assegurada pela Constituição Federal do Brasil.

Partimos para a análise do texto constitucional a respeito, destacando algumas de suas normas.

Nessa esteira, não é demais repetir que nossa Constituição Federal parte da instituição, logo em seu art. 2.º, da tripartição de poderes do Estado entre Legislativo, Executivo e Judiciário, determinando serem todos independentes e autônomos entre si.

De outro lado, assegura a qualquer cidadão controlar as finanças públicas, seja pelo acesso às informações pertinentes (art. 5.º, XXXIII), seja pelo ajuizamento de ação popular (art. 5.º, LXXIII).

A independência dos poderes é tão cara ao Estado brasileiro que a sua afronta permite a excepcional medida da intervenção federal (art. 34, IV).

A autonomia dos poderes deve ser exercida com observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput).

Especificamente sobre a matéria orçamentária, a Constituição Federal diz que cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, dispor sobre as leis orçamentárias, incluindo as que tratam de operações de crédito, dívida pública e emissões de curso forçado (art. 48, II), bem como as que dizem respeito à emissão de moeda e seus limites, e ao montante da dívida mobiliária federal (art. 48, XIV).

A iniciativa legislativa da matéria orçamentária é privativa do Chefe do Executivo, nos termos do art. 61, § 1.º, II, “b”, do art. 84, XXIII e do art. 165, todos da Constituição Federal.

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos três Poderes do Estado é feita pelo sistema de controle interno de cada um deles, mas também por meio do sistema de controle externo, feito este pelo Poder Legislativo, com o auxílio do Tribunal de Contas, nos Poderes Executivo e Judiciário (arts. 70 e 71 da Constituição Federal).

Paralelamente a esses dispositivos, a Constituição Federal, ao tratar propriamente da autonomia financeira do Poder Judiciário, diz textualmente que ela é assegurada a este Poder (art. 99, caput).

Os parágrafos deste artigo trazem especificações muito importantes para a compreensão de sua extensão, dizendo o seguinte:

- os três Poderes, na lei de diretrizes orçamentárias, devem negociar e estipular limites para os orçamentos de cada um deles;

- com base nesses limites, os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias, encaminhando-as aos respectivos tribunais superiores;

- o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores, no âmbito federal, bem como os Tribunais de Justiça, nos âmbitos estadual e distrital, encaminharão suas propostas consolidadas ao Poder Executivo;

- se isso não for feito, o Poder Executivo considerará os valores aprovados na lei orçamentária então vigente para fins de consolidação da proposta orçamentária anual;

- o Poder Executivo poderá ajustar as propostas orçamentárias que forem encaminhadas em desconformidade com os limites estipulados pelos três Poderes na Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Ainda de acordo com a Constituição Federal, o Conselho Nacional de Justiça tem a atribuição de controlar a atividade financeira do Poder Judiciário, bem como zelar pela sua autonomia (art. 103-B, § 4.º e seu inciso I).

No âmbito da Justiça Federal, a Constituição determina o funcionamento junto ao Superior Tribunal de Justiça do chamado Conselho da Justiça Federal, que possui a função de supervisionar administrativa e orçamentariamente este ramo especial da Justiça da União (art. 105, § único, II).No âmbito da Justiça do Trabalho, há, paralelamente a isso, a previsão do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (art. 111-A, § 2.º, II).

A lei orçamentária anual é dividida em três partes (art. 165, § 5.º, da Constituição Federal):

I – o orçamento fiscal referente aos três Poderes, seus fundos, órgãos e entidades da administração pública direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;

II – o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;

III – o orçamento da seguridade social.

Esta lei orçamentária deve conter apenas matéria financeira e deve também ser plenamente compatível com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias (art. 165, §§ 7.º e 8.º da Constituição Federal).

A Constituição ainda trata do procedimento de aprovação das leis orçamentárias (art. 166 e seus parágrafos), mas isso será objeto de análise específica mais adiante.

Na execução orçamentária, destaque-se que se proíbe a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa (art. 167, VI, da Constituição Federal).

Também na execução orçamentária, é obrigatória pelo Poder Executivo a transferência em duodécimos dos recursos correspondentes às dotações orçamentárias, incluindo os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, bem como do Ministério Público e da Defensoria Pública, até o dia 20 de cada mês (art. 168 da Constituição Federal).

A análise desses dispositivos constitucionais deixa muito clara a opção por um Poder Judiciário com forte autonomia financeira.

A idéia central é a da independência do Judiciário na formulação de suas políticas e na definição de seus gastos, devendo ser observados apenas os limites orçamentários definidos conjuntamente pelos três Poderes, bem como os demais princípios estabelecidos na própria Constituição.A Constituição Federal também evidencia a adoção do sistema de freios e contrapesos nesta área orçamentária com a fiscalização e controle do Executivo quanto ao respeito das balizas já nas propostas apresentadas pelos demais Poderes.

De outro lado, o Poder Legislativo também exerce este controle quando da apreciação e aprovação dos projetos de leis orçamentárias.

Mas, diante disso tudo, cabe a pergunta: pode haver alteração da proposta do Poder Judiciário em seu mérito pelo Executivo ou pelo Legislativo mesmo que observados todos os limites e princípios constitucionais na sua elaboração?

A resposta disso é obtida por meio da análise conjunta do que já foi visto com as normas constitucionais referentes ao processo legislativo orçamentário.

É o que faremos.

Sobre o autor
Paulo Cezar Neves Junior

Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (1998). Especialização em Direito Tributário pela Universidade Federal de Santa Catarina (2003). Pós-graduado em Direitos Fundamentais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - Portugal. Mestrando em Direito pela PUC/SP. Ex-Cadete da Academia de Polícia Militar do Barro Branco/SP. Ex-Técnico Judiciário e Ex-Analista Judiciário do TRF 3.ª Região. Ex-Defensor Público da União. Ex-Juiz Federal na 4.ª Região. Atualmente é Juiz Federal em São Paulo/SP e Professor de Direito Econômico/Financeiro, de Direito Processual Civil e de Tutela Coletiva no Curso FMB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JUNIOR, Paulo Cezar Neves. O processo legislativo orçamentário no Brasil e a autonomia financeira do Poder Judiciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4253, 22 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30275. Acesso em: 23 dez. 2024.

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