A nova Lei de drogas introduzida no ano de 2006, tornou eficiente a política criminal de drogas no Brasil? Houve avanços ou regressões? As políticas públicas estão cumprindo o seu desiderato satisfatoriamente, principalmente em áreas periféricas? Será que a sociedade, em especial a classe média, tem consciência de que o problema não se esgota apenas na punição?
Observando-se o prisma nacional, verifica-se que não houve avanços na política criminal de drogas vigente no Brasil, pois os recentes levantamentos mostraram o aumento significativo tanto do tráfico como do consumo. Para se ter uma noção do quanto se trafica e consequentemente, se consome, de acordo com os levantamentos realizados pelo Instituto Avante Brasil, baseados nos dados divulgados pelo DEPEN (DepartamentoPenitenciárioNacional), em 2005, o Brasil possuía um total de 32.880 presos por tráfico de entorpecentes (nacional e internacional), montante que quase quadruplicou em 2011, alcançando um total de 125.744 presos.
Em 2005, os presos por entorpecentes representavam 13,4% dos detentos do país, posicionando o tráfico de drogas como o segundo crime mais encarcerador. Em 2011, eles passaram a compor 24% do total de presos no país, o que colocou o tráfico de drogas em primeiro lugar dentre os delitos que mais encarceram no Brasil, demonstrando que a solução, ou minimização, não passa tão somente pelo fator repressivo-punitivo, mas sim pela integralização de políticas sociais mais eficazes, nos grilhões de camadas menos favorecidas Brasil afora, que são verdadeiros celeiros de minis-traficantes. A sociedade também deveria despertar-se para esse problema que requer uma atuação conjunta entre Estado e sociedade, haja vista que não se pode simplesmente demonizar os que realizam a mercância de drogas, pois eles são crias do próprio estado social.
Nesse compasso, é necessário repensar os aspectos, consequências legais e jurisprudenciais de uma Política criminal de drogas que cultua a repressão como forma de enfrentamento, elegendo os inimigos em primeira linha do Estado, sob o pretexto da busca do bem estar que a sociedade, alienada pela mídia, pensa que um dia terá.
Nesse sentido, Alexandre Bizzotto, Andréia de Brito Rodrigues e Paulo Queiroz (2010, p.41) asseveram que:
“apesar da proibição, drogas são facilmente encontradas em todo território nacional. Parece que, quão mais repressora é a política antidrogas, mais forte e violento se torna o tráfico, mesmo porque, enquanto houver procura (de droga licita ou ilícita) haverá oferta, inevitavelmente.”
Com isso, os autores inferidos acima defendem que a política criminal antidrogas brasileira, não deve se voltar apenas para a sua ineficiência repressora, pois não há dúvidas de que a solução não está somente no campo Legislativo-Jurídico-Punitivo, mas também em outras esferas de atuação do poder Estatal, bem como no engajamento da sociedade, pois não há, mesmo em um contexto de recrudescimento das drogas ilícitas, como taxar de maneira indiscriminada, todas as pessoas que se enveredaram para a prática do tráfico de drogas, como sendo, todos eles, os grandes inimigos da sociedade e causadores da desordem social, sob a falácia de que o legislador quis e quer guarnecer a sociedade e, em especial a saúde pública.
O que se verifica é a busca por respostas apenas para os problemas apresentados, o que acaba por estigmatizar os seus infratores, marcados por uma mídia implacável, que viola os direitos fundamentais sob o pretexto da liberdade de imprensa, tornando-se uma verdadeira miséria sistêmica, legitimada pela população que, ao mesmo tempo em que fica absorta com as prisões, aplaudem, pois, mais um “monstro” foi retirado do convívio social e pugnam por sua implacável punição, sem pensar nos efeitos que ao longo prazo, o seu cárcere gerará, pois, às prisões supostamente administrada pelo Estado, são celeiros de “monstros” muito maiores, os quais transformarão os jovens que engendram pelo caminho do crime em seus substitutos, fechando um verdadeiro círculo vicioso de um sistema perversamente e inevitavelmente seletista.
Inexiste, nesse contexto, a igualdade penal preconizada constitucionalmente, pois, o que impera são as desigualdades sociais reais. Assim, o Estado repressor é corresponsável pela grave disfunção social que aquele indivíduo causou e possivelmente causará, afinal, uma política criminal eficiente, em primeiro lugar deve-se pautar em uma boa política social, mas, não é o que observamos, já que se elegeu a política criminal em seu grau máximo.
Necessário reconhecer ainda que a Lei antidrogas, consoante dispõe Alexandre Bizzotto, Andréia de Brito Rodrigues e Paulo Queiroz (2010, p. 4 e 5), fora introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pelo fato “da sociedade reclamar, com a instigação midiática a construção de politicas estatais repressoras partindo-se da ideia de que a repressão tem eficácia de eliminar o crime”.
Contudo, essa falsa perspectiva de solução imediatista e arraigada pela sociedade com o apoio da mídia sanguinolenta cai por terra ao percebermos que o histórico recente de combate, valendo-se apenas desse expediente, não alcançara a noção do sucesso tão esperado.
Amoldada à ineficiência da política de sangue, aparece o usuário e os dependentes, os quais, por consequência, são também os principais responsáveis pelo aumento do tráfico de drogas no Brasil, sendo a maioria deles pessoas integrantes da classe média e/ou alta.
Nesse contexto Salo de Carvalho (1997, p. 23) sintetiza bem a diferenciação entre o doente e delinquente:
“sobre este recai o discurso jurídico que define o estereótipo criminoso, passando a serem considerados como corruptores da sociedade. Sobre o consumidor, devido a sua condição social, incidiria o discurso médico consolidado pelo modelo médico-sanitário em voga na década de cinquenta, que difunde o estereótipo da dependência”.
Com efeito, mister asseverar que não surtiu efeito a rigidez da Política Criminal positivada pelo Legislador, uma vez que, a demanda por drogas só aumenta, e via de consequência, o número de fornecedores. Em verdade, houve um panpenalismo estatal, fazendo do Direito Penal o remédio para todos os males, como sendo o modelo de eficiência do Estado no combate à criminalidade, no nosso caso, ao tráfico de drogas.
Diante desse quadro fático real, é necessário asseverar, a par das distorções trazidas pelo uso e tráfico de drogas, que os problemas advindos dos seus alastramentos não perpassam pela guerra declarada aos inimigos sociais, mas sim ao engajamento dos integrantes da sociedade em sentido lato, objetivando a transformação social pela via da justiça social-distributiva e não pela vertente punitiva-segregadora.
Referências Bibliográficas
BIZZOTTO, Alexandre; RODRIGUES, Andreia de Brito; QUEIROZ, Paulo.Comentários críticos à Lei de drogas, 3ª edição, completamente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Trad: José Antônio Cardinalli. 8ª. Edição. Franca: Bookseller, 2008. P. 45 a 49.
CARVALHO, Salo de. A Política Criminal de Drogas no Brasil, do discurso oficial às razões de descriminalização. 1ª edição. Rio de Janeiro: Luam, 1996, p. 19.
___________. A Política Criminal de Drogas no Brasil, do discurso oficial às razões de descriminalização.2ª edição. Rio de Janeiro: Luam, 1997, p. 23.
__________. A política criminal de drogas no Brasil: Estudos Criminológicos e dogmáticos. 5º edição, ampliada e atualizada, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
QUEIROZ, Paulo de Souza. Do Caráter subsidiário do direito penal. Capítulos I e II. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
O tráfico é o crime mais encarcerador do País. Disponível em: Disponível em:http://www.institutoavantebrasil.com.br/artigos-do-prof-lfg/traficoeo-crime-mais encarcerador-do-pais/. Acessado em: 28/10/2013 às 10h14min34seg.