3 RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE
A responsabilidade civil pela perda de uma chance é tema relativamente novo para a doutrina e jurisprudência brasileiras, visto que começou a despontar, no Brasil, em meados da década de 90. Entretanto, mesmo sendo algo recente, vem conquistando o interesse de muitos estudiosos e verifica-se crescente o número de julgados a respeito desse assunto no âmbito dos Tribunais e do próprio STJ. No Brasil, o caso do “Show do Milhão” tornou-se um leading case, ou seja, um precedente, a ser tomado como base, para a solução de casos futuros semelhantes.
Contudo, antes mesmo de se adentrar na análise da perda de uma chance no âmbito brasileiro, é válido conhecer, também, o desenvolvimento dessa teoria, sua origem, suas limitações e outros aspectos relativos à técnica. Trata-se de uma teoria francesa, que se expandiu, influenciando o direito de diversos outros países. E, atualmente, a partir dessa influência, pode-se dizer que houve um expressivo aumento das hipóteses de danos ressarsíveis.
3.1 Evolução histórica
A teoria da perda de uma chance tem origem francesa e começou a ser assimilada pelos tribunais a partir de 1930, embora tenha sido o autor Henri Lalou, aquele que primeiro lhe fez referência em 1914. Tal ideia foi apresentada de forma mais nítida em uma nota publicada pelo mesmo autor em 1920, em que criticava um julgado. (CARNAÚBA, 2012, p. 156-157).
O julgado comentado por Lalou tratava do caso de um pai que pleiteava uma indenização, alegando ter sofrido um prejuízo decorrente do acidente que resultou na morte de seu filho. A indenização se baseava no fato de que o pai não mais teria a possibilidade de receber uma “prestação alimentar” no futuro. Esse pedido foi denegado, afirmando-se tratar de um prejuízo puramente eventual. (CARNAÚBA, 2012, p. 156).
O eminente jurista expôs importantes ideias a partir de sua crítica ao julgado. Ideias que resultariam em um novo olhar a respeito do tema e restariam, mais tarde, amparadas pela teoria da perda de uma chance. Vale citar um importante trecho de sua nota publicada, a fim de se vislumbrar a relevância das considerações trazidas por Lalou:
Uma transportadora entrega o cavalo após o fim da corrida da qual ele deveria participar; um huissier intima o apelado depois do prazo legal; em uma hasta pública, um avoué se esquece de fazer o lance em favor de seu cliente: poderíamos então afirmar que a transportadora, o huissier ou o avoué não devem perdas e danos porque o prejuízo alegado é eventual ou hipotético, visto que o proprietário do cavalo, os clientes do huissier ou do advogado não podem comprovar que, se o cavalo tivesse corrido, ele teria ganhado a corrida, se a apelação tivesse sido conhecida, a reforma seria obtida e se o lance tivesse sido proposto, seu proponente adjudicaria o bem? Tal raciocínio está correto, mas ele não é peremptório. A verdade é que, em todas essas hipóteses, houve a privação de uma chance: a chance de ganhar a corrida, de reformar uma sentença, e de se tornar adjudicatário; e está privado em um dano atual. Igualmente, o responsável pelo acidente mortal priva atualmente os ascendentes da vítima direta da chance de obter, em um futuro mais ou menos próximo, a prestação alimentar da vítima. (LALOU apud Carnaúba, 2012, p. 157).
Passados alguns anos, essa nota seria retratada na obra La Responsabilité Civile do mesmo jurista. Contudo, esse assunto só receberia enfoque em 1932, por meio do tratado de Henri e Léon Mazeaud. Foi a partir desse momento que os juristas franceses começaram a se interessar por esse tema, ainda pouco discutido. (CARNAÚBA, 2012, p. 157).
Coube à jurisprudência desenvolver e ampliar o conceito de responsabilidade pela perda de uma chance e expandir, por fim, seu campo de aplicação. Houve uma assimilação gradual desta teoria pelos tribunais franceses a partir de 1930, mas que nunca ensejou o surgimento de um leading case, por não consagrar a perda de uma chance de forma categórica. (CARNAÚBA, 2012, p. 157).
Ao longo do tempo, essas ideias foram ganhando força, não só na França, como também na Itália, que despontou, igualmente, nesse estudo. É possível visualizar, ainda, o desenvolvimento dessa teoria na jurisprudência inglesa a partir do leading case Chaplin v. Hicks de 1911. Isso poderia, inclusive, desfazer a ideia tradicional de que a perda de uma chance é um conceito originado na França, pois o caso mais antigo registrado na jurisprudência francesa data de 1932. (CARNAÚBA, 2012, p. 157).
A mais antiga decisão francesa que abordava a questão da perda de uma chance, datada de 1932, é pouco conhecida e trata do caso Chambre de Requêtes, em que um notário privara a chance de seu cliente adquirir a propriedade rural que desejava. A Alta Corte decidiu por conferir a indenização sob a justificativa de ter havido um prejuízo e um nexo causal. (CARNAÚBA, 2012, p. 157-158).
Dois anos mais tarde, vislumbrou-se a responsabilidade pela perda de uma chance no âmbito dos profissionais de justiça. E, a partir daí, a técnica seria aplicada a diversos outros campos como, por exemplo, na seara médica. (CARNAÚBA, 2012, p. 158).
Andreassa (2009) ressalta, inclusive, que, no início da aplicação da técnica, referiam-se à perda de uma chance como a “chance de uma cura”, devido à tamanha aplicação da técnica no campo médico. Nota-se, ainda, que a maioria dos autores, assim como Andreassa (2009), consideram que a primeira aplicação da teoria se deu em 1965. Nesse ano, a Corte de Cassação Francesa condenou um médico à reparação do dano causado, decorrente de um diagnóstico equivocado, que retirou da vítima as chances de cura da doença. (ANDREASSA, 2009, p. 196).
Enquanto isso, o primeiro caso da jurisprudência italiana referente à perda de uma chance foi proferido em 1983 pela Corte de Cassação. Esse caso tratava de uma empresa que havia convocado trabalhadores para participarem de um processo seletivo. Contudo, após se submeterem a exames médicos, alguns candidatos foram impedidos de participar das etapas seguintes. (SAVI, 2006, p. 25-26).
A Corte de Cassação, por fim, cassou a decisão do Tribunal de Roma, confirmando a sentença de primeiro grau, que havia reconhecido o dano da perda de uma chance, considerando a perda da oportunidade de conseguir o emprego, pelo fato de terem sido privados de participar das demais provas. (SAVI, 2006, p. 25-26).
No Brasil, essa teoria começou a tomar frente nas discussões doutrinárias somente a partir da década de 90, por meio da palestra de François Chabas na Faculdade de Direito da UFRGS, ganhando força no ordenamento a partir de então. Em 2012, os julgados no STJ já passavam dos 15, sendo o mais conhecido deles o caso relativo ao “Show do Milhão”, apontado como leading case. Enquanto isso, nos tribunais estaduais, o número de julgados baseados nessa teoria alcançam as centenas. (CARNAÚBA, 2012, p. 140-141).
O momento atual demonstra ampla aceitação da teoria pelos tribunais pátrios, principalmente na região sul e sudeste. Ela vem se fortalecendo perante a doutrina, contudo há, ainda, doutrinadores que não a admitem, por considerá-la dano hipotético, eventual e incerto. Dentre os autores desfavoráveis pode-se citar Flávio Tartuce (2012) e Rui Stoco (2004).
3.1.1 Técnicas da jurisprudência francesa
É relevante observar o processo de evolução dessa teoria, pois os avanços alcançados pela sociedade não se verificam de forma imediata, mas sim, são realizados de forma lenta e gradual. A evolução da técnica na jurisprudência francesa se deu a partir de três etapas. A primeira pautava-se na negativa do direito à reparação. A segunda consistia no deslocamento do objeto da prova, neutralizando as incertezas por meio de presunções de fato. Por fim, a terceira fase é a que se desponta como precursora da teoria de reparação de chances.
Na primeira linha de pensamento, empregada entre os séculos XIX e XX, as demandas reparatórias, que competiam ao judiciário eram negadas sob o fundamento de não haver nexo causal entre a perda do resultado esperado e a conduta imputável ao réu e, ainda, de não haver certeza sobre o prejuízo. Alegava-se que não existia certeza de que o demandante obteria o resultado favorável, sendo assim, não haveria prejuízo certo. (CARNAÚBA, 2012, p. 145).
Por se considerar impossível determinar a situação da vítima caso o ato imputável não houvesse ocorrido e por se tratar de uma questão que envolve uma álea, os juízes e tribunais, à época, indeferiam esses pedidos. Os litígios comportavam dúvidas insanáveis acerca da sorte da vítima. E, como não há compatibilidade entre o Direito e a incerteza, não coube lugar às decisões que amparavam a reparação de danos aleatórios. (CARNAÚBA, 2012, p. 143-145).
De fato, naquele momento, ainda não se havia encontrado um meio apto a justificar o ressarcimento sobre tais eventos. O autor da demanda não conseguia provar que houve um prejuízo certo e que havia um nexo de causalidade entre o ato imputável ao réu e o dano alegado. E, diante da ausência de comprovação desses pressupostos, o indeferimento do pedido era a única alternativa.
Contudo, a rígida aplicação do ônus da prova a eventos que envolviam a álea não se tornava devida, pelo simples fato de afastar da proteção os eventos incertos. Se assim fosse, estar-se-ia beneficiando àquele sujeito que foi responsável pelo surgimento da situação de dúvida.
Por não ser correto ignorar o interesse aleatório, equiparando-o a um interesse inexistente, questionamentos acerca da primeira técnica foram surgindo, contribuindo, assim, para o desenvolvimento de nova forma de resolução do litígio. Em um segundo momento, originou-se a técnica de deslocamento da prova.
Esse segundo método consistia na aplicação de presunções. A presunção de fato, como lembra Carnaúba (2012), está relacionada ao poder de apreciação dos fatos que são trazidos à sua análise, ou seja, confia-se na prudência do magistrado. Dessa forma, a técnica de presunções de fato baseia-se em um raciocínio probatório em que se partiria de elementos indiretos, a fim de se identificar a probabilidade do fato. Parte-se de um elemento conhecido, que é o objeto deslocado de prova, para alcançar um elemento desconhecido, que é o objeto inicial inacessível.
Diante disso, o juiz consegue superar os limites de sua cognição, afastando, legalmente, as incertezas surgidas durante o litígio. Com isso, através de meios indiretos, ele poderia verificar se a vítima teria alcançado o resultado favorável se inexistisse o fato imputável ao réu.
A fim de tornar menos abstrato esse conceito, é válido apresentar um caso em que se empregava com frequência essa técnica. Trata-se da situação de ações movidas pelo cliente contra o profissional de justiça, que lhe causou um dano em razão da perda de um prazo processual. Sendo assim, a partir de um método de presunções, o magistrado deveria analisar o mérito do processo interrompido, a fim de concluir se haveria ou não ganho na causa. Se fosse caso de ganho de causa, o juiz concedia uma indenização equivalente ao valor total da prestação que se buscava alcançar por meio da via judicial.
Nessa situação, os juízes acabavam por conferir a reparação da própria vantagem aleatória e não a reparação da chance perdida. Além disso, essa técnica ocasionava o desfazimento do acaso pelo magistrado. Em determinados casos, até seria possível se atingir boas soluções, contudo, o magistrado não é capaz de solucionar toda e qualquer álea. Como um juiz poderia afirmar se um sujeito poderia ter se curado ou que um candidato passaria em um concurso? A fim de resolver essas questões, é que se criou uma terceira técnica.
A terceira técnica envolve o deslocamento do objeto da reparação, podendo ser considerada como a própria teoria da perda de uma chance. No deslocamento da reparação, ao invés de se buscar a reparação da vantagem aleatória almejada pela vítima, busca-se a reparação do prejuízo consistente na perda de uma chance que a pessoa tinha de obter a vantagem. Os doutrinadores foram quem primeiro introduziu esse conceito, cabendo à jurisprudência, pois, desenvolver melhor a técnica e aplicá-la em diversos campos.
Carnaúba (2012) apresenta importantes conclusões, que merecem ser apontadas. Primeiramente, ele diz que a reparação de chances desvencilha-se, de forma sutil, da incerteza que impedia a reparação dos danos aleatórios. Mas, ao mesmo tempo, essa técnica não ignora a existência de incertezas e nem mesmo busca extingui-las. As incertezas deixariam, assim, de afetar o campo da reparação do prejuízo e começaria a despontar no momento de sua quantificação.
3.2 Conceito
Na teoria da perda de uma chance, não se pode dizer que o dano em si está sendo imputado ao agente, mas sim a chance perdida. O dano poderia ter decorrido de outras causas, diversas da conduta do agente. Mas, é irrefutável que a probabilidade de ganho foi retirada da vítima em virtude da conduta verificada. (GONDIM, 2005, p. 23).
Entende-se por chance a probabilidade que um indivíduo tem de auferir um benefício ou de evitar uma perda no futuro. Enquanto isso, a perda de uma chance configuraria a frustração da oportunidade que se tinha de obter uma vantagem ou evitar um prejuízo, diante da ocorrência de um fato. Pode-se, ainda, citar os ensinamentos de Cavalieri:
Caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar; arrumar um melhor emprego; deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda. (CAVALIERI, 2010, p. 77).
Ademais, deve-se evitar fazer certas confusões acerca de qual seria o objeto da indenização, em uma ação de reparação da perda de uma chance. Uma coisa é a perda da vantagem esperada e outra é a perda da chance de obter a vantagem ou evitar um prejuízo. Apenas o último caso configura a reparação baseada na teoria da perda de uma chance. Nesse sentido, Sérgio Savi se manifesta:
O óbice à indenização nestes casos se dava pela indevida qualificação desta espécie de dano. Normalmente, a própria vítima do dano formulava inadequadamente a sua pretensão. Ao invés de buscar a indenização da perda da oportunidade de obter uma vantagem, requeria indenização em razão da perda da própria vantagem. Ao assim proceder, a vítima esbarrava no requisito de certeza dos danos, tendo em vista que a realização da vantagem esperada será sempre considerada hipotética, em razão da incerteza que envolve os seus elementos constitutivos. (SAVI apud ANDREASSA, 2009, p. 199).
Para caracterização da teoria, a chance perdida deve ser séria e real, sendo que apenas será passível de indenização a situação que certamente ocorreria e não aquela incerta e pouco provável. A fim de se determinar se a oportunidade perdida é séria e real, deverão ser empregadas as regras da experiência comum a partir da observação do que ordinariamente ocorre, aplicando-se o Art. 335, CPC.
Deve-se fazer entender que a certeza que se busca alcançar não é absoluta. O fato é que o pedido de indenização não pode se basear em algo meramente hipotético. Sendo assim, cabe ao juiz analisar caso a caso, a fim de constatar as chances que merecem proteção pelo instituto da responsabilidade civil. Para isso, serão utilizados os critérios de probabilidade. De acordo com Bustamante Alsina, citado por Gondim:
A chance configura um dano atual, não hipotético. É ressarcível quando implica uma probabilidade suficiente de benefício econômico que resulta frustrado pelo responsável, e pode ser valorada em si mesma, prescindindo do resultado final incerto, em seu intrínseco valor econômico de probabilidade. (ALSINA apud GONDIM, 2005, p. 23).
Nesse sentido, torna-se necessário fazer uma distinção entre danos certos e eventuais. Os danos eventuais jamais serão passíveis de reparação. A possibilidade de indenização só se verificará em casos de danos certos. Sendo assim, apesar de a probabilidade ser algo aleatório, a perda de uma chance deve ensejar um dano real e certo.
Cabe, ainda, tratar sobre os danos presentes e futuros. Os danos presentes se referem àqueles que já aconteceram, mas que poderiam ter sido evitados. Enquanto isso, os danos futuros são aqueles relativos a eventos que ainda não aconteceram e que só poderiam vir a ocorrer no futuro. Os danos futuros estão atrelados à verossimilhança de que iriam ocorrer. Já os danos presentes são consequência adequada de um fato antijurídico. Tanto um quanto outro pode ser objeto de reparação pela perda de uma chance, contudo, a prova do dano futuro será muito mais difícil de se verificar. (NORONHA, 2005, p. 29-30).
Quanto aos elementos necessários à configuração da chance perdida, pode-se citar, basicamente, a conduta do agente, o resultado perdido, caracterizado como o dano, e o nexo causal entre a conduta e a chance que se perdeu. (GONDIM, 2005, p. 23). Vale ressaltar que o nexo causal buscado nesse caso trata-se daquele existente entre a conduta do agente e a chance perdida e não o relativo à conduta e o resultado final. Este último é incerto, enquanto o primeiro pode ser alcançado.
Ademais, vale dizer que o dano será passível de reparação à medida que for possível calcular o grau de probabilidade da chance envolvida. Será o grau de probabilidade aquele a influenciar diretamente no valor definido para a reparação.
Por fim, conforme exposto anteriormente, a possibilidade de reparação de uma chance perdida só se mostra presente, em virtude do fenômeno de expansão dos danos ressarcíveis, que vem se verificando gradualmente no cenário contemporâneo.
3.3 Natureza Jurídica
Muito se discute acerca da natureza jurídica da perda de uma chance. Alguns doutrinadores defendem sua caracterização como um dano emergente, outros como um lucro cessante e há, ainda, um grupo que a considera como uma terceira espécie de indenização. Vale ressaltar que há, também, quem a interprete como uma modalidade de dano moral.
A fim de se fazer compreender a discussão travada em torno disso, devem-se retomar os conceitos de dano emergente e lucro cessante. O dano emergente seria aquele que está atrelado a uma efetiva e imediata diminuição do patrimônio da vítima, resultando naquilo que ela efetivamente perdeu. O prejuízo pode ser identificado de maneira objetiva, conforme disposto no Art. 402, CC/02. Enquanto isso, o lucro cessante importa naquilo que a vítima razoavelmente deixou de lucrar, consiste na perda do lucro esperável.
A indenização relativa ao lucro cessante torna-se difícil de quantificar, pois não se trata de um prejuízo concreto, mas de algo quase certo. Ela deverá se basear no princípio da razoabilidade, sendo que o magistrado deverá aferir a probabilidade de a vítima ter seu patrimônio material potencialmente diminuído. (FONSECA, 2009).
O exemplo mais clássico de lucro cessante é o do motorista de taxi, que em razão de um acidente, vê-se impossibilitado de trabalhar por um tempo. Dessa forma, a fixação da indenização será calculada com base na média diária de corridas no período.
É fato que o cálculo do lucro cessante gera dificuldades, mas estabelecer o quantum indenizatório da perda de uma chance é algo muito mais complexo em determinadas situações. Isso ocorre em virtude da incerteza de obtenção do resultado esperado.
Para alguns doutrinadores, se a perda da chance fosse caracterizada como um dano emergente ou um lucro cessante, surgiria o problema de que a vítima teria de comprovar de forma inequívoca que o resultado teria sido alcançado, se não fosse a existência do ato danoso. No caso da perda de uma chance isso seria impossível, pois o dano final é indemonstrável. (MELO, 2007).
Dessa forma, diante da dificuldade de enquadrar a perda de uma chance como dano emergente ou lucro cessante, tendo em vista a probabilidade e não a certeza de obtenção do resultado almejado, muitos autores optam por considerá-la uma terceira espécie intermediária entre o dano emergente e o lucro cessante. Como a indenização corresponde à própria vantagem perdida e não a vantagem considerada em si mesma, deve-se conferir enfoque a esse entendimento criado pela doutrina, que visa se desvencilhar da problemática que circunda a natureza jurídica.
Nesse sentido, Cavalieri já se manifestou, pautando-se nos entendimentos de Sérgio Savi (2006, p. 102):
[...] a perda da chance deve ser considerada em nosso ordenamento jurídico uma subespécie de dano emergente. Sustenta que a chance dever ser considerada uma espécie de propriedade anterior do sujeito que sofre lesão e que, ao inserir a perda de uma chance no conceito de dano emergente, elimina-se o problema da certeza do dano, tendo em vista que, ao contrário de se pretender indenizar o prejuízo decorrente da perda do resultado útil esperado (a vitória na ação judicial, por exemplo), indeniza-se a perda da chance de obter o resultado esperado (a possibilidade de ver o recurso examinado por outro órgão de jurisdição capaz de reformar a decisão prejudicial)... Assim, não se concede a indenização pela vantagem perdida, mas sim pela perda da possibilidade de conseguir esta vantagem. Isto é, faz-se uma distinção entre resultado perdido e a chance de consegui-lo. Ao assim proceder, a indenização da perda de uma chance não se afasta da regra de certeza do dano, tendo em vista que a possibilidade perdida, em si considerada, era efetivamente existente: perdida a chance, o dano é, portanto, certo. (CAVALIERI, 2010, p. 80).
Além disso, Sérgio Savi salienta:
[...] no caso de lucros cessantes, o autor deverá fazer prova não do lucro cessante em si considerado, mas dos pressupostos e requisitos necessários para verificação deste lucro. Já nas hipóteses de perda de uma chance, permanece-se no campo do desconhecido, pois em tais casos, o dano final é, por definição, indemonstrável, mesmo sob o aspecto dos pressupostos de natureza constitutiva. (SAVI apud MELO, 2007).
Por fim, a melhor solução criada seria adotar o enquadramento da perda de uma chance como uma terceira espécie intermediária. Não se poderia falar em lucros cessantes em razão da impedida futura vitória, mas sim de um dano emergente em razão da atual possibilidade de vitória que restou frustrada. (SAVI, 2006, p. 102).
3.4 Princípios norteadores
A teoria da perda de uma chance baseia sua aplicação nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. O magistrado, ao se deparar com questões que levem em conta a certeza e a probabilidade, deve pautar sua decisão de forma a averiguar se concretamente ocorreram os pressupostos para a aplicação da teoria, a fim de estabelecer um ressarcimento apropriado.
O juiz deverá valorar e verificar a probabilidade que o indivíduo tinha de alcançar o resultado esperado se não fosse o ato lesivo. Apenas situações relevantes ao ordenamento jurídico deverão ser indenizadas e, para isso, deverão elas ser sérias e reais. Mas, essa análise deverá ser realizada caso a caso, não havendo critérios objetivos para determinar se a chance seria séria e real. Isso dependerá, essencialmente, da prudência e do bom senso do magistrado.
A razoabilidade deverá ser empregada tanto para constatar se se trata de uma hipótese de aplicação da teoria da perda de uma chance, quanto para calcular o quantum indenizatório, que em muitos casos gera dúvidas e é de difícil mensuração. Ademais, ela garante o emprego adequado da técnica, tendo em vista que, atualmente, esta vem sofrendo uma tendência à banalização.
Por outro lado, o princípio da proporcionalidade também assume grande importância no momento de quantificação da indenização, tendo em vista que ficou claro que essa técnica busca reparar o prejuízo gerado pela chance perdida e não pela perda do próprio resultado esperado. A chance perdida é um prejuízo certo, enquanto o resultado final é incerto. Não se trata de uma nova espécie de prejuízo, mas sim da utilização da técnica de deslocamento da reparação.
Sendo assim, a indenização conferida pelo juiz não pode ser correspondente ao valor da vantagem esperada. Deve-se fixar o valor indenizatório, tomando-se como referência o valor do resultado final almejado e sobre este incidindo um coeficiente de redução proporcional às probabilidades de obtenção do resultado esperado. Dessa forma, será alcançado um ressarcimento proporcional às probabilidades apresentadas no caso concreto. Deverá ser analisado, pois, o grau de probabilidade em que o fato em questão contribuiu para o dano.
3.5 Concepções de causalidade e a perda de uma chance
A aplicação da perda de uma chance em determinadas situações apresenta bastante complexidade. Isso se verifica nos casos em que vários fatores concorrem para realização do dano. A utilização mais tradicional das teorias do nexo de causalidade, muitas vezes, não consegue atender às exigências atuais de um paradigma solidarista, sustentado pela Constituição Federal de 1988.
A nova realidade social conduz a uma mudança nos institutos já consagrados, a fim de se implementar uma adequação ao presente contexto. Baseando-se nisso, surgiram aplicações alternativas do nexo de causalidade com o objetivo de resolver casos que envolvam encadeamentos de causas e consequências não objetivamente constatáveis.
A causalidade alternativa abrangeria situações em que dois ou mais fatos possuem potencialidade para causar dano, mas não se consegue verificar qual deles foi o verdadeiro causador. Nesse caso, deverá realizar-se um cálculo das probabilidades que cada um dos fatos teria para causar aquele determinado dano. Dessa forma, o valor do dano deverá ser repartido na mesma proporção em que cada um dos fatos concorreu para o dano final. (NORONHA, 2005, p. 44).
A aplicação de uma visão alternativa do nexo de causalidade permite que se façam presunções, para que, assim, haja a possibilidade do ressarcimento de danos, cuja prova é de difícil averiguação. A instituição de presunções é uma das maneiras de se relativizar o princípio geral de que cabe ao autor provar a causalidade entre o ato ofensivo e o dano.
Ademais, Noronha (2005) ressalta a existência das situações de causalidade concorrente, em que há diversos fatos independentes, mas nenhum com potencialidade de causar o dano por si só, dependendo da soma de todos os fatos para ensejar o prejuízo. A concorrência apenas se apresenta como modalidade de concurso entre o fato do responsável (v.g. deficiência no tratamento médico) e caso fortuito ou força maior (v.g. evolução da própria doença). O referido autor afirma que o melhor critério para divisão da responsabilidade seria aquele que se baseia na participação causal de cada ofensor. Contudo, a jurisprudência, em sua maioria, vem utilizando o critério da gravidade da culpa, que fica, porém, sem validade nos casos de responsabilidade objetiva.
No caso de agravamento do estado clínico de uma paciente, tanto o ato terapêutico inadequado, quanto a evolução endógena da doença poderiam, igualmente, ter gerado o dano. Para que um fato seja enquadrado como causa adequada, é suficiente que ele tenha criado uma séria possibilidade de ocorrência do fato danoso. Sendo assim, dúvidas surgem a cerca do nexo de causalidade. Mas, para que a vítima não fique sem reparação alguma, ocorre o emprego de uma causalidade distanciada de sua noção ortodoxa.
A aplicação mais expressiva de uma causalidade que rompe os padrões tradicionais no âmbito de reparação de uma chance perdida se verifica na seara médica. Grande parte da doutrina considera que, a fim de se resolver os problemas surgidos com a aplicação da perda de uma chance na seara médica, utiliza-se um conceito de causalidade parcial. Contudo, autores como Jacques Boré e Jhon Makdisi afirmam que todos os casos de perda de uma chance se pautam na causalidade parcial. (BORÉ; MAKDISI apud PETEFFI DA SILVA, 2009, p. 50).
A causalidade parcial não considera a chance perdida como um dano autônomo e independente, devendo esta ser utilizada apenas como um meio de quantificar o liame causal entre a ação do agente e a perda da vantagem esperada. A chance perdida e o dano final são indissociáveis, não subsistindo de forma separada do resultado esperado (PETEFFI DA Silva, 2009, p. 50-51).
Esses dois autores consideram que se entre o prejuízo final e o ato do ofensor não se constata uma relação causal completamente provada, poder-se-ia, porém, conceder a reparação por um prejuízo parcial e relativo, consubstanciado na perda de chances. A reparação se daria, assim, de acordo com a probabilidade de causalidade provada. (SILVA, 2009, p. 51).
Jacques Boré, citado por Rafael Peteffi da Silva (2009), afirma que o processo utilizado na causalidade parcial dependeria da combinação de uma lei causal e uma lei aleatória. Ele ressalta que inexiste sistema etiológico no qual todos os fatores sejam exaustivamente conhecidos. Mas, mesmo assim, muitos autores criticam o posicionamento de Boré, por se considerar inadequado o reconhecimento do nexo de causalidade com base em fatores aleatórios e desconhecidos.
Faz-se necessário reproduzir, aqui, as ideias firmadas por Jacques Boré:
Ademais, ao juiz é facultado aprofundar a noção de causalidade, em decorrência do progresso científico. Se esse progresso, com o auxílio da estatística, acaba por tornar os eventos aleatórios previsíveis e domináveis, o juiz não pode restar impassível. Quando o juiz não utiliza estatísticas, acaba sendo forçado a se fazer presunções, “para que possa saltar do desconhecido para o conhecido”. Ora, essa presunção, que também está repleta de álea, é mais arbitrária e mais fraca como fundamento do livre convencimento do magistrado, que teria um conteúdo científico mais apreciável se baseado nas estatísticas. (Boré apud SILVA, 2009, p. 60).
Dessa forma, a inovação trazida pela implementação da causalidade parcial se verifica a partir da utilização de dados de estatística, os quais são capazes de tornar eventos aleatórios previsíveis, conferindo uma segurança maior na verificação da causalidade. Caso o magistrado não recorra à utilização de estatísticas, ele acaba por se basear em presunções, a fim de se comprovar o nexo causal. Mas, como se pôde perceber a partir da leitura do trecho acima, a presunção é um método mais fraco e arbitrário, devendo ser preterida.
Assim, as estatísticas demonstradas a partir de uma média teórica se apresentará como subsídio teórico mais sólido ao qual o juiz poderá recorrer. O emprego da regra “tudo ou nada” ligada à causalidade, a qual traz como princípio o dano certo, em que somente se dará a reparação do dano nos casos em que se verifica a conditio sine qua non, em todo e qualquer caso, poderia gerar situações de injustiça.
Dessa forma, o emprego de estatísticas através da teoria da perda de uma chance estaria de acordo com o novo paradigma solidarista. Contudo, Rafael Peteffi (2009) acrescenta que isso deveria constituir uma opção subsidiária, a ser utilizada somente quando se esgotarem as possibilidades de utilização ortodoxa do nexo causal.
3.6 Limites da técnica
A chance é algo muito abstrato e, por não apresentar dimensões materiais, torna-se complexo impor-lhe limitações. (CARNAÚBA, 2012, p. 163). Diversas podem ser as chances atreladas à vida de um indivíduo, mas nem todas elas mostram-se fortes o suficiente para gerar uma reparação. Valendo-se, porém, de evidências racionais, é possível concluir qual chance é mais provável de ocorrer.
Dessa forma, a fim de estabelecer uma limitação à utilização dessa técnica, torna-se necessário restringir a reparação às chances sérias e reais. Se assim não fosse, permitir-se-ia uma tendência de banalização dessa teoria. O uso inadequado da técnica conduziria à formação de um campo aberto para o ressarcimento de prejuízos que não interessam ao Direito.
Como afirma Carnaúba, não se pode dar azo a “chances que por vezes não passam de meros sonhos do demandante, ou então de seu oportunismo travestido em prejuízos”. (CARNAÚBA, 2012, p. 163). Torna-se imprescindível, então, a implementação de barreiras conceituais à técnica, a fim de restringir a indenização apenas aos danos dignos de proteção.
Como forma de estabelecer uma limitação à técnica, a jurisprudência italiana considera que a reparação deveria ser condicionada a uma porcentagem mínima de chance de 50%. Dessa forma, apenas estaria sujeita à reparação a oportunidade perdida que representasse ao menos 50% de chance de se verificar, sendo que, abaixo desse percentual, não haveria interesse juridicamente protegido. (CARNAÚBA, 2012, p. 164).
Contudo, tal tese de limitação a um percentual pode gerar certas injustiças. Diante disso, vale citar o entendimento apresentado por Daniel Amaral Carnaúba:
Em nosso ver, esta imposição pode gerar discriminações injustificáveis. Se o objetivo é separar as chances relevantes daquelas que não o são, nenhuma cifra estabelecida a priori poderá servir de critério. Isto porque o problema das chances perdidas surge nas mais variadas situações, em algumas das quais uma chance de poucas probabilidades pode representar um interesse muito relevante para a vítima. E em outras, chances muito prováveis podem não ter valor algum. (CARNAÚBA, 2012, p. 164).
O estabelecimento de uma limitação baseada em um percentual determinado ensejaria uma solução muito simplista e indevida. Torna-se, então, mais adequada a solução desenvolvida pela jurisprudência francesa, que também é a adotada pelo Brasil, conforme se extrai do julgamento do caso do “Show do Milhão”, em que a autora tinha apenas 25% de chance de receber o prêmio final.
A jurisprudência francesa considera que, para haver reparação, a chance perdida deve, obrigatoriamente, ser séria e real. A partir daí dois elementos serão analisados: as probabilidades compreendidas no caso e a prova de que a chance interessava concretamente ao seu beneficiário.
Quanto ao primeiro elemento, é fato que quanto menor forem as probabilidades, mais embasamento tem o juiz para considerar que a chance não seria séria e real. Mas, nesse ponto, não se deve fixar percentuais mínimos limitantes à aplicação da teoria.
Em relação ao segundo elemento, a chance só será considerada séria se a vítima comprovar seu interesse particular na oportunidade perdida. Normalmente, extrai-se essa prova dos esforços que o sujeito empregou para obtenção da vantagem aleatória. (CARNAÚBA, 2012, p. 166).
Sendo assim, torna-se imprescindível a análise da seriedade das chances perdidas. É, justamente, essa análise que separa a perda de uma chance baseada em danos meramente hipotéticos ou eventuais das chances que são passíveis de reparação. Não se pode utilizar uma teoria tão importante para justificar a reparação de uma simples esperança subjetiva. Dessa maneira, esses critérios sólidos devem ser utilizados, a fim de se evitar a vulgarização da técnica.
3.7 Dificuldade de auferir o quantum indenizatório
Apesar de já se verificar uma larga adoção da teoria da perda de uma chance, verifica-se muita dificuldade por parte dos tribunais de estabelecer o quantum indenizatório devido. Muitos acórdãos reconhecem a perda de uma chance, mas acabam condenando a parte ré ao ressarcimento pelo resultado final esperado em si e não pela probabilidade de êxito da parte autora em auferir uma vantagem ou evitar um prejuízo.
A indenização pela perda de uma chance, portanto, jamais poderá se equiparar ao benefício que a vítima receberia caso não tivesse perdido a chance e tivesse alcançado o resultado final almejado. Isso se deve ao fato de que, por não existir uma certeza acerca da obtenção do resultado esperado, a indenização pela perda da chance será sempre inferior ao valor deste.
Torna-se, ainda, válido apresentar o entendimento de Sérgio Savi a respeito da questão de quantificação do valor indenizatório:
Para valoração da chance perdida, deve-se partir da premissa inicial de que a chance, no momento de sua perda, tem um certo valor que, mesmo sendo de difícil determinação, é incontestável. É, portanto, o valor econômico desta chance que deve ser indenizado, independentemente do resultado final que a vítima poderia ter conseguido se o evento não a tivesse privado daquela possibilidade. (SAVI, 2006, p.63).
Deve-se atentar para o fato de que aquela situação apta a produzir um lucro apenas provável e não absolutamente certo, não interfere sobre a existência do dano, mas sim influi na valoração deste. Ou seja, a incerteza deixou de afetar o campo da existência do interesse legalmente protegido, passando a determinar o quantum indenizatório. (CARNAÚBA, 2012, p. 162). Com isso, a chance de ganho apresentará sempre um valor menor que o resultado futuro, refletindo no montante da indenização.
Sérgio Savi (2006) acrescenta que a quantificação do dano deverá ser realizada de forma equitativa pelo juiz, partindo ele do dano final e fazendo incidir sobre este o percentual de probabilidade de obtenção da vantagem esperada. Também deve o juiz se basear no arbitramento para garantir a liquidação do dano.
Dessa forma, como o que se indeniza é a probabilidade de se obter o resultado final, o cálculo do quantum indenizatório deve tomar como parâmetro o valor total do resultado esperado, incidindo sobre este um coeficiente de redução proporcional às possibilidades de se atingir tal resultado. Ou seja, primeiramente, determina-se qual seria o ganho auferido ou a perda evitada para que, depois, multiplique-se esse valor pela porcentagem de chances que a vítima perdeu em razão do ato lesivo. O montante a ser indenizado será correspondente ao resultado dessa conta.
Sendo assim, observa-se a necessidade de o juiz se ater a uma indenização equitativa, calcada na razoabilidade do arbitramento. A verificação do grau de probabilidade da chance será de extrema importância para se estabelecer o montante indenizatório. Contudo, deve-se ressaltar que nem sempre a quantificação da indenização com base nesta teoria será alcançada com facilidade. Essa dificuldade, porém, não poderá significar o afastamento da reparação do dano.