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Direito do transexual à alteração do prenome sem a realização da cirurgia de adequação sexual

Agenda 05/08/2014 às 17:45

O presente artigo tem o propósito de discutir a viabilidade jurídica de alteração do prenome do Transexual, ainda que este não tenha realizado a cirurgia de adequação de sexo.

Introdução

É certo que o direito não pode cerrar seus olhos aos novos anseios sociais, ainda que não disponha de legislação específica pertinente. Precisa se modelar às novas demandas, se adaptar aos novos chamados e, principalmente, trazer soluções equilibradas para situações complexas.

Os transexuais sempre se fizeram presentes na sociedade, porém até pouco tempo atrás continuavam vivendo às margens sociais. Esta situação tem uma explicação histórica, tendo em vista que a população de homossexuais, travestis e transexuais sempre foi vista com maus olhos pela “nobreza”.

A história dos transexuais remonta ao Império Romano, uma vez que não há registros de sua existência antes deste período. Diversos relatos indicam que vários imperadores romanos se vestiam de mulher ou apresentavam características afeminadas.

De acordo com Olinto (1998), o imperador romano Heliogábalo, por exemplo, casou-se formalmente com um poderoso escravo, adotou o papel de esposa e oferecia metade de seu império ao médico que o equipasse com uma genitália feminina.

Em diversas outras ocasiões podemos encontrar relatos históricos de transexuais, o que demonstra que não se trata de um assunto novo.

Desde a época do descobrimento, o Brasil carrega o estigma de paraíso sexual, o que gera a impressão de que a homossexualidade, o travestismo e o transexualismo são aceitos e disseminados no país. Entretanto, isso não é verdade.

Os transexuais passaram a sair desta marginalidade e buscar no poder judiciário a tutela de seus direitos enquanto pessoas, cuja dignidade deve ser respeitada. Entretanto, o início da busca por esta tutela encontrou diversos percalços tanto legais como sociais, atribuindo ao magistrado o árduo dever de interpretar a lei da melhor forma possível.

           

             Diante de tantos fatos controversos, um chama a atenção do poder judiciário e desafia o magistrado a uma interpretação flexível da norma tradicional: o transexual poderá alterar seu prenome no registro civil, ainda que não tenha realizado a cirurgia de adequação sexual?

Alguns países europeus passaram a regular a situação do transexual por meio de leis novas e específicas como França, Itália e Bélgica. Nos Estados Unidos, podemos citar os Estados de Illinois, Arizona, Lousiana e Califórnia que possuem legislação própria para tratar desta matéria.

A França, por exemplo, depois de intensas discussões e julgados e denegatórios, passou a admitir a mudança no assento de nascimento do transexual. O tribunal de Toulouse, através de sua decisão de 1976, veio definitivamente consagrar, no Direito Francês, a admissibilidade de redesignação de um transexual e a correspondente alteração de seu prenome no registro civil.

            Os primeiros julgados sobre esta matéria no Brasil denegaram o direito dos transexuais em alterarem seus nomes nos respectivos assentos civis, sob o fundamento de que existiria uma incongruência entre o sexo legal e o nome requerido. Ou seja, um indivíduo do sexo legal masculino pleiteava ser chamado por um nome genuinamente feminino. 

            As decisões que foram proferidas neste sentido foram duramente criticadas pelos doutrinadores que iniciavam suas pesquisas sobre esta população vulnerável. Um ponto que deve ser destacado é que o Brasil não possui nenhuma legislação específica que regule a situação do transexual.

            Diante desta lacuna legal, o objetivo principal desta pesquisa foi estudar a viabilidade jurídica de alteração do prenome do transexual ainda que não tenha realizado a cirurgia de adequação sexual, garantindo a proteção do seu mínimo existencial.

            Será demonstrado que inexiste motivo para o poder judiciário e futuramente uma lei específica negar o direito do transexual de alterar seu prenome do registro civil, ainda que não tenha realizado a cirurgia de adequação sexual. Sua dignidade deve ser preservada e sua felicidade permitida. O Estado não pode tolher direitos tão básicos e essenciais para uma vida digna.

 

2. Conceito de gênero e a classificação do sexo

A compreensão do conceito de sexo e gênero, bem como sua classificação, se mostra importante para melhor entender a situação do transexual na sociedade moderna. A visão que define gênero como algo que as sociedades criam para significar as diferenças dos corpos sexualizados assenta-se em uma dicotomia entre sexo(natureza) versus gênero(cultura). Isso pode ser evidenciado por Bento (2006, p. 414), quando ela afirma que

Uma sofisticada tecnologia social heteronormativa, operacionalizada pelas instituições médicas, linguísticas, domésticas, escolares e que produzem  constantemente corpos-homens e corpos-mulheres.

            Segundo Benedetti (2005, p. 24):

Os primeiros antropólogos que estudaram e descreveram os fenômenos de transformação do gênero não dispunham nem sequer do conceito de gênero para auxiliá-los em suas reflexões. Até os anos 60, quando o movimento feminista passou a ter força reivindicatória, sexo e gênero eram equivalentes nos paradigmas científicos das humanidades.

Este autor afirma ainda que o conceito de gênero provocou grandes transformações e deslocamentos tanto no nível político e das relações entre homens e mulheres, cujas novas dinâmicas são incontestáveis, como no pensamento e na elaboração teórica sobre o social.

Segundo Olinto (1998, p. 32):

Gênero é um conceito das ciências sociais surgido nos anos 70, relativo à construção social do sexo. Significa a “distinção entre atributos culturais alocados a cada um dos sexos e a dimensão biológica dos seres”. O uso do termo gênero expressa todo um sistema de relações que inclui sexo, mas que transcende a diferença biológica. O termo sexo designa somente a caracterização genética e anatomo-fisiológica dos seres humanos.

O termo gênero, classificação construída pela sociedade, contribui para exacerbar a distinção entre indivíduos de sexos diferentes. Essa classificação possibilita a construção de significados sociais e culturais que distinguem cada categoria anatômica sexual e que são repassados aos indivíduos desde a infância. (DEZIN apud NOGUEIRA, 2001).

 Assim, o conceito de gênero abrange as “características psicológicas, sociais e culturais que são fortemente associadas com as categorias biológicas de homem e mulher”. (DEAUX apud NOGUEIRA, 2001, p. 9). Para Gilbert, Hallet e Elldridge apud Nogueira (2001, p. 9):

Gênero é, portanto, o termo usado no contexto social, podendo ser definido como um esquema para a categorização dos indivíduos (na perspectiva da cognição social) esquema esse que utiliza as diferenças biológicas como base para a designação de diferenças sociais.

O sexo se classifica em cromossômico ou genético, endócrino ou gonádico, morfológico, jurídico, social e psicossocial. A seguir, breves considerações sobre esta classificação para melhor entendimento e diferenciação.

2.1 Sexo Cromossômico ou Genético

No início das pesquisas cromossômicas, acreditava-se que o individuo tinha 48 cromossomos, porém apenas com o domínio das técnicas de cultura de tecidos, as quais possibilitaram estudar os linfócitos em divisão, verificou-se que esta afirmativa estava incorreta. Sabe-se, atualmente, que um ser humano normal possui 22 pares de autossomas e um par sexual.

O sexo genético será definido a partir da fecundação, isto é, quando o cromossomo sexual feminino (presente no óvulo “X”) encontra-se com o masculino (presente no espermatozoide podendo ser “X” ou “Y”). Havendo a junção de “XY” o individuo será do sexo cromossômico masculino, “XX” será do sexo cromossômico feminino.  

Entretanto, é imprescindível que se destaque que o material genético pode sofrer alterações numéricas ou estruturais. Tratando do assunto, Sutter (1993, p. 35):

Nas alterações numéricas as novas células irão apresentar diferente do normal esperado. Enquanto o conteúdo cromossômico normal, o cariótipo normal, pode ser apenas “XX” e “XY”, o cariótipo anormal, pode apresentar contudo cromossômico bem mais diversificado, como por exemplo “XXX”, “XXY”, “XO” ou “XX/Y”, este caracterizando a presença de células diferentes em um mesmo indivíduo, denominando-se mosaico. Um dos mecanismos responsáveis é a não disjunção dos cromossomos filhos, que não se separam e movimentam de maneira correta na divisão. Já as aberrações estruturais podem resultar de quebras em determinados cromossomos como reconstituição anormal ou perda de um segmento ou duplicação de segmento.

Pontua-se a brilhante citação anterior para entender que não apenas temos o “sexo masculino” ou “sexo feminino”, mas sim, que podemos ter outras variáveis, anormais, compreende-se, mas variáveis significativas que põem em xeque toda a estruturação social entre homens e mulheres.

Entretanto, é importante pontuar que a situação do transexual não corresponde a nenhum tipo de alteração genética, uma vez que seus genes correspondem perfeitamente àqueles cientificamente definidos para determinado sexo.

 

2.2 Sexo Endócrino ou gonádico.

Tem-se por endócrino ou gonádico aquele determinado pela presença de gônadas, ou seja, das glândulas sexuais.

Importante esclarecer que as glândulas aparecem ainda na vida uterina, posto que o embrião não tem testículos nem ovários, mas gônadas indiferenciadas que podem evoluir num ou outro sentido. “Na verdade, o sexo gonádico pode ser definido como a constituição das estruturas sexuais internas e externas, que somente se diferenciarão quando alcançarem um certo grau de amadurecimento”. (SPENGLER, 2003, p. 23)

Todo embrião possui, ao mesmo tempo, estruturas de Wolff, que originam o canal deferente e as vesículas seminais masculinos; e estruturas de Müller, que originam as trompas e o útero femininos. A presença de testículos, mediante substância organizadora de natureza desconhecida, determina a evolução no sentido wolffiano; sua ausência leva ao desenvolvimento mülleriano, independentemente da presença ou ausência de ovário.

Portanto, até a completa formação do feto, não há que se falar em definição gonádica sexual, posto que alterações sofridas no ritmo cerebral dos indivíduos, no período fetal, pode acarretar a chamada síndrome sexual.

 

2.3 Sexo morfológico

Em breves palavras, tem-se por sexo morfológico aquele cuja conclusão se extrai unicamente da aparência do individuo. É o sexo decorrente da aparência externa o qual, a priori, está intimamente ligado com o sexo gonádico e o genético.

Sutter (1993, p. 35), entende que sexo fenotípico:

Depende de seus genitais externo, internos e dos caracteres secundários. Entre os genitais internos encontram-se as gônadas que, conforme o exposto, são as principais responsáveis pelos caracteres secundários externos. Consequentemente, da anormalidade na estrutura das gônadas pode resultar a presença de caracteres alterados. A malformação gonadal pode ser unilateral ou bilateral. Já que as gônadas femininas apresentam tecido ovariano e as masculinas tecido testicular, quando essa diferença não ocorre em uma mesma gônada apresenta-se uma mistura de tecido ovariano com testicular.

Desta forma, devemos entender por sexo morfológico aquele que aparentemente traduz o que o individuo é perante a “normalidade” social.

 

2.4 Sexo Jurídico ou Sexo Legal

O Sexo jurídico é também conhecido sexo legal, tendo em vista que é aquele que decorre de uma análise do sexo fenotípico, ou seja, a partir do exame dos caracteres genitais, para que seja determinada a classe que este indivíduo pertence: masculino ou feminino.

A certidão de nascimento goza de presunção de relativa de veracidade, já que é expedida por órgão dotado de fé pública. Entretanto, poderá ocorrer erro declaratório quanto ao sexo do registrando, quer dolosamente ou não. Com efeito, torna-se indispensável a relativização da veracidade para que, posteriormente, não haja empecilho formal nem material para correção de possíveis equívocos.

O transexual passa por uma situação muito delicada no que tange ao sexo jurídico. Isso porque, mesmo tendo compreendido as anteriores classificações de sexo, estas se limitam unicamente a uma análise biológica do individuo, deixando de lado qualquer manifestação psicológica ou interação psicossocial que ponha em dúvida a real orientação sexual daquele.

Importante destacar que se tornou comum apenas classificar no meio social o sexo morfológico e gonádico, ou seja, pela aparência e pelo membro sexual. Isso quer dizer que no momento do nascimento o individuo que tenha pênis será do sexo masculino e aquele com vagina do sexo feminino.

Entretanto, convém destacar a importância do sexo jurídico nos casos que fogem desta dicotomia sexual. Estamos falando não apenas de transexuais, mas também dos hermafroditas, dentre outros.

Sexo jurídico, portanto, é a denominação que se dá ao conhecido sexo civil, aquele que consta no registro de nascimento e demais documentos do cidadão. É o que, teoricamente, define o gênero do ser humano em masculino ou feminino.

 

2.5 Sexo social

Tem-se por sexo social aquele derivado do contexto social no qual a pessoa está inserida. Desta forma, tanto o ambiente como o modo como se desenvolve o indivíduo contribuem para a formação do sexo social.

Tratando deste conceito, Araújo(2000, p. 30):

A consciência que se tem de ser do gênero masculino ou feminino é, portanto, adquirida e induzida pelo comportamento e pelas atitudes dos pais, dos familiares e do meio social a que se pertence, além da percepção e interiorização das experiências vividas.

Quando estudamos o mundo transexual podemos entender que este sexo social não corresponde ao que o individuo sente ou se vê. Ou seja, é criado conforme um ditame social em ser do gênero masculino ou feminino, de acordo com as características atribuídas a cada gênero pela sociedade.

 

2.6 Sexo Psicossocial

Compreender o sexo psicossocial é essencial para divagar o universo do transexual. Isso porque, resulta de um conjunto de fatores que refletem na conduta sexual de uma pessoa. Aqui, podemos inserir o comportamento familiar, educacional e escolar.

Spengler(2003, p. 23) define sexo psicossocial como:

O sexo psicossocial é, então, o resultado de uma combinação de fatores e interações genéticas, fisiológicas e psicológicas que acontecem e se formam dentro do meio onde o individuo se desenvolve.

Tratando do tema, Dias (2006) confirma que o problema da identidade sexual ultrapassa os limites do sexo morfológico, pois como o lado externo concorre o critério psicológico. Assim, não é devido atribuir o gênero com base, unicamente, na aparência externa.

Quando nos deparamos com um individuo transexual é notável o conflito entre o sexo somático e o sexo social, tendo em vista que apesar de aparentar fisicamente e possuir características genéticas de um indivíduo de determinado gênero (com base nas características socioculturais tidas como normais) este se vê como o gênero oposto.

Ou seja, o transexual possui um sexo psicológico diferente daquele que, em primeiro momento, poderiam sugerir suas características morfológicas ou até mesmo genéticas.

Maranhão (1989, p. 145) indica que:

É evidente que os fatores constitucionais e endócrinos predisporão alguém a um tipo de reação psicológica.  Além disso, os de ordem educacional, familiar, escolar, etc, atuarão até certo ponto de uma forma orientada a levar alguém a se comportar e a reagir como masculino e feminino. Outras vezes, os processos educativo, de aculturamento e de adaptação social, serão ineficazes para alcançar esse ajuste biopsicossocial.

Finalmente, pode-se dizer que entre todos os fatores para determinação do termo sexo, o psicossocial é a mais importante, tendo em vista que no caso de haver desencontro ou contradição com os demais critérios de definição, o psicossocial sobrepõe-se aos demais.

 

3. Visão histórica da transexualidade como patologia

Os transexuais são pessoas que se identificam com o gênero oposto ao seu sexo biológico, sendo que tal situação pode gerar um desconforto ou sentimento de inadequação em relação ao próprio corpo.

Em uma visão conservadora, Rodrigues(2002, p. 332) assim conceituava esta parcela da população:

Um indivíduo de extrema inversão psicossexual, circunstância que o conduz a negar o seu sexo biológico e a exigir a cirurgia de reajuste sexual, a fim de assumir a identidade de seu verdadeiro gênero que não condiz com seu sexo anatômico

Vieira (2011, p. 412) entendendo de forma distinta, prefere conceituar a transexualidade da seguinte forma:

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A transexualidade é caracterizada por um forte conflito entre corpo e identidade de gênero e compreende um arraigado desejo de adequar o corpo hormonal e/ou cirurgicamente àquele do gênero almejado

            Não é recente a discussão sobre os direitos do transexual na sociedade, uma vez que os primeiros casos tratados no país remontam às décadas anteriores. Entretanto, os institutos jurídicos, como parte de uma ciência social, vêm se adaptando às necessidades contemporâneas, pelo que não se pode deixar de viabilizar ou até mesmo flexibilizar a tutela jurídica ao individuo transexual.

A violência e a discriminação dirigidas às pessoas transexuais ao redor do mundo têm sido denunciadas perante os órgãos internacionais da ONU. No Brasil, há especial interesse no assunto, uma vez que o país permite a cirurgia de transgenitalização desde 1997, atualmente nos moldes da Resolução n 1.955/2010 do CFM.

Atualmente, a transexualidade é vista pela medicina como uma patologia, mas não é desta forma que deve ser vista a situação do transexual. Entretanto, esta visão patológica tem raízes profundas, tendo sido fomentada principalmente pelos pensamentos dos Drs. Robert Stoller e Harry Benjamin.

Bento (2006, p. 137) traz a visão destes dois pesquisadores:

Para Stoller, a explicação para a gênese da transexualidade estaria na relação da criança com sua mãe. Segundo ele, a mãe do transexual é uma mulher que, devido à inveja que tem dos homens e ao seu desejo inconsciente de ser homem, fica tão feliz com o nascimento do filho que transfere seu desejo para ele. Isso acarreta uma ligação extrema entre filho e mãe, o que não deixa o conflito de Édipo e sua resolução, segundo o autor, são momentos decisivos para constituição da identidade de gênero da criança e de sua identidade sexual

Stoller (1982, p. 138) acreditava e defendia que a verdade sobre o transexual estaria em sua infância e, mais especificamente, na relação com sua mãe. E vai além ao caracterizar a suposta mãe típica do transexual:

É eficiente, enérgica e dada a negócios. Veste-se de uma maneira masculina, com cabelos curtos, quase sempre usa slacks e camisas de seu marido. Ela inveja os homens e é mordaz e condescendente em relação a eles, dominando situações sociais. Diz que seu casamento é infeliz, havendo uma grande distância entre ela e seu marido. Ela é, sem dúvida, quem toma as decisões na família

            Portanto, Stoller (1982, p. 141) vê na transexualidade uma patologia que tem como origem um comportamento “inadequado” da mãe, pelo que um tratamento psicológico e terapêutico seria o mais indicado como tratamento, mas somente se identificado o “problema” no início, como se depreende da seguinte passagem:

A tarefa do terapeuta seria induzir o conflito de Édipo para que uma feminilidade ou masculinidade “normal” possa surgir. O Autor relata casos de mães que levaram seus filhos ao seu consultório por estarem desesperadas com o fato de eles gostarem de brincar com bonecas e usar roupas impróprias, e outros comportamentos “anormais”. Quanto mais cedo a mãe tomasse consciência desses “desvios”, mais fáceis seriam o tratamento e a “cura”.

Já para Harry Benjamim, endocrinologista de formação, a normalidade ocorre quando os diversos níveis constitutivos do sexo não estiverem em desacordo. Um comportamento que apresente qualquer nível de deslocamento entre esses níveis seria um sintoma de que há um mau funcionamento. Além da determinação hormonal da feminilidade e da masculinidade seria a heterossexualidade que articularia os vários sexos ao “sexo”.

Segundo Bento (2006, p. 149):

O autodiagnóstico é defendido como legítimo pelos benjaminianos. Para Benjamin, a cirurgia seria a única terapia possível para os/as transexuais verdadeiros. Ao localizar a origem, das identidades de gênero no sexo cromossomático e a sexualidade no sexo germinal, Benjamin reafirma e reatualiza Tardieu, para quem a verdade última dos sujeitos deveria ser buscada não nos comportamentos, mas na biologia dos corpos-no caso de Benjamin, principalmente nos hormônios. A consequência imediata das posições de Benjamin é a definição da transexualidade como uma enfermidade.

Benedetti (2011, p. 24) justifica esta visão patológica da transexualidade afirmando que:

As primeiras abordagens antropológicas sobre as transformações de gênero- sem considerar aqui os esforços da antropologia física para explicar esses fenômenos por meio de argumentos estritamente anátomo-fisiológicos-guiaram-se pelos conceitos de transexualidade, travestismo e homossexualidade, todos pertinentes às áreas médicas e psicológicas do conhecimento. Esses conceitos argumentam em favor de um “distúrbio” ou “anormalidade” na constituição fisiológica ou conformação psíquica que ocasionaria certo tipo de desejo e comportamento em determinados indivíduos

Não é possível compreender o transexual como um portador de uma patologia psíquica, mas sim como alguém que tem a real necessidade de adequar o seu corpo físico ao seu sexo psicológico.

O psicólogo e psicanalista Rafael Cossi, trabalhou com diferentes noções da psicanálise lacaniana (Lacan foi o seguidor que mais contribuiu e deu continuidade à obra de Sigmund Freud para tentar explicar a razão de algumas pessoas buscarem viver suas vidas como se fossem do sexo oposto). Seu objetivo era contrapor o ponto de vista lacaniano mais corrente.

Segundo ele, no quadro do transexualismo, o sujeito contesta seu pertencimento ao sexo que seu corpo indica. O psicanalista alega com convicção que sua identidade sexual está em discordância com sua anatomia e, muitas vezes, exige que esta seja reparada. A reivindicação de adequação do sexo pode vir acompanhada da exigência de retificação do nome, sua identidade civil.

O sofrimento do transexual decorre da incoerência entre sexo e gênero. É comum, na literatura especializada, a consideração de que se trata de um fenômeno atemporal e presente em diferentes culturas. De fato, há muitos relatos, históricos e mitológicos, a respeito de indivíduos que adotavam o gênero que não correspondia a seu sexo e outros que chegavam até a se castrar.

Pode-se exemplificar esta situação histórica com os chamados “berdaches”. Sobre eles, Benedetti(2011, p. 21) afirma que:

Eram indivíduos que, nascidos homens, passavam a adotar vestimentas e comportamentos femininos, executavam tarefas e atividades nitidamente destinadas às mulheres e praticavam sexo com homens, geralmente no papel passivo.

 

            Em que pese as decisões judiciais mais atuais serem favoráveis aos transexuais, todas elas ainda se baseiam em laudos médicos para identificar ou não a patologia. Ou seja, mesmo que o fim seja louvável, o fundamento ainda é questionável.

            A consequência de tratar a transexualidade como patologia é concentrar nas mãos médicas a decisão final pelo “diagnóstico” ou não desta condição. Ou seja, o biopoder se concentra nas mãos de pessoas que não são as maiores interessadas, pelo que resta completamente limitada a autonomia privada do transexual em decidir sua própria vida.

 

4. Autonomia privada: conceito e visão contemporânea da liberdade individual.

A autonomia da vontade é conceituada por Guimaraes (2013) como um princípio pelo qual a vontade dos contratantes, ou do agente do ato jurídico, é soberana e produz efeitos legais, quando a pessoa é capaz, não contraria o direito expresso, o interesse coletivo nem a ordem pública.

Em um conceito clássico, poderíamos entender esta autonomia como uma possibilidade quase que ilimitada de formar relações jurídicas tendo com parâmetro, simplesmente, a vontade dos contratantes. Quer dizer, o que num pacto ficasse definido, seria aquilo que faria o direito entre as partes.

Durante um bom espaço de tempo, esta teoria conhecida como pacta sunt servanda prevaleceu nas relações jurídicas como verdade absoluta e imutável. Em outras palavras, a vontade dos contratantes deveria prevalecer independente de qualquer coisa. Havendo desrespeito a esta situação, estaríamos diante de claro desequilíbrio contratual, o que não poderia ser admitido.

Independente das condições do contrato, as partes deveriam cumprir integralmente aquilo que foi acordado.

Percebe-se que nesta fase histórica, o direito se preocupava em regular situações jurídicas predominantemente individuais sem, no entanto, vislumbrar um tutela social. Quer dizer, as relações eram travadas sem preocupação com os reflexos que poderiam causar na sociedade.

Nesta época, o estado estava sob a égide do liberalismo exacerbado, ou Estado Liberal Clássico. Neste momento, o que se pretendia era regular as relações comerciais da burguesia para dar amparo jurídico aos contratos celebrados. Entretanto, com o passar do tempo percebeu-se que este tipo de relação jurídica com ampla liberdade de contratar causaria reflexos sociais de importantíssima relevância, começando a surgir, pois, o Estado democrático de Direito.

Explica-se. Com a eclosão das duas grandes guerras mundiais, diversos comerciantes viram suas fortunas esvaírem-se em virtude do não cumprimento dos contratos celebrados, posto que com aquelas houve uma imprevisibilidade na entrega das obrigações contratadas. Quer dizer, surge a teoria da imprevisão contratual, onde não se pode irrelevar certos fatos de possível acontecimento para consumação e cumprimento do contrato.

Aqui, desde já, percebemos que a autonomia de vontade começa a ruir uma vez que se mostra tão excessiva que põe em risco a própria relação contratual. Assim, novos conceitos começam a emergir meio às transformações sociais que até o hoje continuam ocorrendo.

A teoria da autonomia privada surge justamente no momento no qual a autonomia de vontade começa a ser contestada, não apenas por sua arbitrariedade, mas também em virtude de sua fragilidade. Segundo Borges (2007, p. 52):

   A teoria da autonomia privada contestou o dogma da vontade ao afirmar que o puro consenso não é capaz de criar direito, mas apenas o consenso que for previsto como legítimo pelo ordenamento jurídico ou aquele consenso ou acordo que não o contrariar.

Com efeito, o simples fato de “querer” não mais poderia criar direito entre as partes sem, antes, se observar o que a legislação sobre o tema permitia. Quer dizer, a autonomia privada se mostra como o direito-dever que cada individuo tem de criar relações jurídicas, baseadas em sua vontade, porém nos limites que a lei permite.

O simples consenso entre as partes não é mais suficiente para estabelecer estas relações. Ou melhor, não é mais o único pressuposto para refletir os efeitos jurídicos do negócio celebrado.

Ao dissertar sobre a concepção de autonomia centrada na integridade, FARIA (2007. p. 68) traz a visão de Dworkin:

Segundo Dworkin, essa concepção pressupõe que o valor da autonomia deriva da capacidade que protege: a capacidade de alguém expressar seu caráter – valores, compromissos, convicções e interesses críticos e experienciais – na vida que leva. Reconhecer ao homem um direito à autonomia permite a autocriação, ou seja, permite que cada um de nós seja responsável pela configuração de nossas vidas de acordo com nossa própria personalidade – coerente ou não, mas de qualquer modo distinta. O direito à autonomia protege e estimula essa capacidade em qualquer circunstância, permitindo que as pessoas que a têm decidam em que medida, e de que maneira, procurarão concretizar esse objetivo.

Percebe-se que neste novo formato de contratar, o Estado, como ente soberano que é, regula as relações jurídicas da forma que seja mais benéfica para o interesse social. Ou seja, não basta apenas que o negócio jurídico celebrado seja lícito, possível e determinado, advindo da manifestação de vontade das partes. Além de tudo isso, ele precisa gerar efeitos que estão parametrizados pela Lei o que, sem dúvida, limita a própria autonomia de vontade.

Em primeira análise poderíamos imaginar uma limitação no direito de exercer a liberdade individual, porém se entendermos a autonomia privada como fator não limitador, mas moderador das relações jurídicas, compreenderemos que esta regulação pelo Estado se mostra indispensável em diversas ocasiões. Isso porque, nossa base jurisdicional tem como pressuposto o interesse social e não individual, pelo que situações privadas unilaterais que se mostrem contrárias ao interesse social deverão ser repreendidas pelo Estado.

 

4.1 Fatores limitativos da autonomia privada: Crítica aos chamados “bons costumes”

Uma vez compreendida a diferença entre autonomia privada e autonomia de vontade, bem como suas peculiaridades e sua evolução histórica, imperioso tecer algumas considerações sobre os fatores limitativos desta autonomia, bem como as barreiras que o Estado impõe como forma de moderar a manifestação da vontade individual.

Já foi dito que vivemos atualmente em um Estado Democrático de Direito onde cada vez mais se objetiva constitucionalizar as relações civis, ou seja, trazer os direitos fundamentais como fundamento dos negócios jurídicos celebrados vislumbrando sempre evitar reflexos negativos na sociedade.

Alguns doutrinadores chamam de humanização do Direito Civil ou Constitucionalização deste Direito. Apesar da nomenclatura, o que se percebe, na prática, é a inserção de conceitos civis na Constituição.

Pois bem. Sabendo que a autonomia privada encontra fundamento na liberdade de contratar dentro dos parâmetros legais, importante que sejam citados os fatores limitativos impostos pelo Estado que fazem com que exista, de fato, uma moderação neste “livre” exercício de contratar.

Sabe-se que a autonomia privada, em que pese ter como pilar o livre exercício da vontade para celebrar negócios jurídicos, porém nos limites legais, não concebe ao seu titular o direito de extinguir ou modificar os elementos de existência e validade do negócio. Portanto, os fatores limitativos estão presentes e impostos em todos os negócios, pelo que devem ser considerados.

Portanto, a LEI se mostra como um importante fator limitativo, uma vez que decorre desta os parâmetros legais aos quais os contratantes devem se submeter para que o negócio celebrado tenha validade, eficácia e existência.

Não se pode celebrar negócio jurídico fora dos ditames legais, sob pena de nos depararmos com um negócio irrelevante, ilegal ou até mesmo ilícito, conforme estudo de BETTI (2008).

A ética e a moral também se mostram como fatores limitativos da autonomia privada, uma vez que a sociedade sempre encontrou nestes dois institutos verdadeiros nortes para manterem, de uma certeza forma, a supremacia do interesso coletivo sobre o individual.

Isso quer dizer que ética e moral, em que pese terem conceitos distintos, se mostram equivalentes quando tratamos de regramentos sociais. Em outras palavras, a ética e a moral orientam a sociedade naquilo que, momentaneamente, é interessante e faz parte do contexto temporal.

Alguns doutrinadores entendem que existe uma nova moral, porém se pararmos para analisar o que seria essa “nova moral” na verdade iremos perceber que se trata, na verdade, da antiga moral adaptada em um novo contexto. Porém, não é unânime esse posicionamento.

De uma certa forma, ainda que ressalvadas algumas restrições, podemos enquadrar a vulnerabilidade como um fator limitativo da autonomia privada. Isso quer dizer que a vontade do indivíduo pode ser limitada por conta de sua vulnerabilidade, seja qual for sua natureza.

O que se percebe que é quanto mais vulnerável é a pessoa, mais sua manifestação de vontade pode ser comprometida.

Por fim, e talvez um fator limitativo que sempre guarda discussões calorosas, são os chamados “bons costumes”. Isso porque, como se trata de um conceito extremamente subjetivo, tais limites acabam por comprometes, e não apenas limitar, a própria autonomia.

Quando lidamos com o conceito de moral, percebemos que uma pessoa pode viver socialmente adotando comportamentos tidos como “imorais” mas que para ela é completamente moral. Ou seja, para que se adapte ao contexto social, esta pessoa, em seu universo, vive de forma imoral, já que não acredita que determinado tipo de comportamento se adéque ao seu mínimo existencial.

Bons costumes dependem exclusivamente de um ditame social, ou seja, de uma regra. Isso quer dizer que um grupo dominante irá definir regras sociais tidas como de bons costumes e determinar que todo o restante da sociedade viva de acordo com esses ditames.

Esse fator limitativo é extremamente calcificante, já que a autonomia privada da pessoa deixa de ser vinculada à sua vontade e passa a ser conduzida por uma regra geral.

Critica-se, pois, tal fator limitativo, ainda que seja impossível negar sua existência, justamente pelo fato de haver um deslocamento da autonomia privada para atender a um ditame coletivo.

E é justamente neste contexto que os transexuais encontram uma enorme barreira, tendo em vista que são vistos pelos “bons costumes” como pessoas que apresentam comportamento inadequado aos ditames sociais. Por este motivo, não podem ser vistos como pessoas “normais”.

A consequência deste fator limitativo é, sem dúvida, a marginalização dos transexuais, tendo em vista que a sua livre manifestação de vontade deixa de ser “livre” para se adequar a estes “bons costumes”.

Pois bem, uma vez compreendida essa nova realidade do que seria a autonomia privada, importa analisar a possibilidade jurídica do transexual de alterar seu prenome no registro civil para um que seja adequado ao seu sexo psicológico e se esta possibilidade estaria vinculada à realização da cirurgia de adequação sexual ou não.

 

5. Direito ao nome: identidade do transexual como direito da personalidade e a possibilidade de sua alteração sem a cirurgia de adequação sexual.

Sabe-se que o Direito ao nome foi reconhecido pela primeira vez no Código Civil Alemão em seu artigo 12:

Art. 12 Quando o direito ao uso de um nome é contestado ao seu titular por uma outra pessoa, ou quando a interesse do titular é lesado pelo fato de uma outra pessoa tomar indevidamente o mesmo nome, pode o titular exigir uma reparação. Se outros prejuízos são de se temer, pode ele demandar a cessação desse estado.

Afirma Stancioli (2009), que os temas concernentes à personalidade já circulavam entre os romanos e gregos, mas é necessária uma nova leitura de tal instituto jurídico. Ainda, que os direitos da personalidade distinguem-se dos demais direitos fundamentais por serem constitutivos da própria noção plena de pessoa humana e que pessoa e personalidade têm seu fundamento constitutivo na autonomia, na dignidade e na alteridade.

O objetivo do nome é servir de identificação das pessoas no universo em que se encontram inseridas. Sendo assim, o princípio da imutabilidade decorre da necessidade de segurança nas relações jurídicas e estabilidade social, porém ele não é absoluto.

A questão abordada neste projeto sugere a possibilidade da alteração do prenome do transexual, ainda que não tenha efetivado a cirurgia de adequação sexual.

Em relação àqueles transexuais que efetivaram a cirurgia o entendimento mais ordinário é pela possibilidade dessa alteração, em uma interpretação ampla da Lei de Registros Públicos. O fundamento mais utilizado é que o individuo que foi registrado com um gênero, mas que, com o tempo, seu sexo psicossocial contrariou o morfológico. Assim, por se sentir ridicularizado e humilhado ao ter que se identificar com um nome de um gênero oposto ao seu psicológico e tendo realizado a cirurgia de adequação sexual, não haveria motivos para manter em seu assento civil seu nome originário.

Em outras palavras, o sujeito que foi registrado com um nome genuinamente masculino, mas que realizou a cirurgia de adequação sexual passando a se ser identificado socialmente como do gênero feminino, não pode se identificar civilmente com o nome do gênero masculino, posto que tal situação seria, sem dúvida, vexatória.

Embora não haja norma que autorize a alteração do assento de nascimento nas hipóteses de transexualidade, o colendo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1008398/SP (julgado em 15/10/2009, DJe 18/11/2009), entendeu pela possibilidade de alteração do prenome, assim como do designativo de sexo, em favor de transexual que havia se submetido à cirurgia de transgenitalização:

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a alteração do pré-nome e da designação de sexo de um transexual de São Paulo que realizou cirurgia de mudança de sexo. Ele não havia conseguido a mudança no registro junto à Justiça paulista e recorreu ao Tribunal Superior. A decisão da Terceira Turma do STJ é inédita porque garante que nova certidão civil seja feita sem que nela conste anotação sobre a decisão judicial. O registro de que a designação do sexo foi alterada judicialmente poderá figurar apenas nos livros cartorários.

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, afirmou que a observação sobre alteração na certidão significaria a continuidade da exposição da pessoa a situações constrangedoras e discriminatórias. Anteriormente, em 2007, a Terceira Turma analisou caso semelhante e concordou com a mudança desde que o registro de alteração de sexo constasse da certidão civil.

A cirurgia de transgenitalização foi incluída recentemente na lista de procedimentos custeados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e o Conselho Federal de Medicina reconhece o transexualismo como um transtorno de identidade sexual e a cirurgia como uma solução terapêutica. De acordo com a ministra relatora, se o Estado consente com a cirurgia, deve prover os meios necessários para que a pessoa tenha uma vida digna. Por isso, é preciso adequar o sexo jurídico ao aparente, isto é, à identidade, disse a ministra.

A ministra Nancy Andrighi destacou que, atualmente, a ciência não considera apenas o fator biológico como determinante do sexo. Existem outros elementos identificadores do sexo, como fatores psicológicos, culturais e familiares. Por isso, a definição do gênero não pode ser limitada ao sexo aparente, ponderou. Conforme a relatora, a tendência mundial é adequar juridicamente a realidade dessas pessoas. Ela citou casos dos tribunais alemães, portugueses e franceses, todos no sentido de permitir a alteração do registro. A decisão foi unânime.

O direito ao nome é um dos mais importantes direitos da personalidade, sendo, nas palavras de Borges (2007, p. 221): “O elemento pelo qual ela é identificada na sociedade, individualizando-a.”

O problema surge quando nos deparamos com situação na qual o sujeito ainda não se submeteu à cirurgia de adequação sexual, mas deseja alterar o seu prenome.

A adequação do transexual feminino para o masculino não é simples. A neofaloplastia, hoje é realizada em três momentos: a construção do neopênis no antebraço da pessoa, a implantação na zona perineal e a colocação de próteses peniana e testicular de silicone, todas estas fases no intervalo de três meses -, serve apenas para satisfação anatômica do indivíduo, sem qualquer funcionalidade, - o que levou a Jurisprudência a considerar a excepcionalidade desta situação e admitir mudanças de gênero até mesmo sem a realização das cirurgias, desde que obedecidos os demais requisitos da mencionada norma médica.

Com efeito, principalmente nos casos de cirurgia do feminino para o masculino, o transexual vivencia conflitos de identidade de gênero, isto é, sente que houve um erro na determinação do sexo anatômico, genérico e biológico, ao qual não se sente pertencer, desde a sua infância. Sofre de uma dicotomia físico-psíquica, possuindo um sexo físico distinto de sua conformidade social psicológica, o que vai lhe gerando, ao longo de todo o seu desenvolvimento, infelicidade, baixa auto-estima, rejeição e inadequação social.

Quanto à colocação da prótese peniana, optando por não realizar ainda a intervenção, por ser experimental e de resultados imprevistos, a troca de nome é um grande passo para que aumente seu sentimento de pertencimento, auxiliando-o na integração das áreas social, jurídica, emocional, comportamental e cognitiva, visando a construção de sua identidade masculina. A troca de nome evitará situações constrangedoras que vivencia constantemente e que impedem a sua autonomia.

Em pesquisas aos julgados disponíveis para consulta em processos sobre o tema aqui abordado, o que percebemos é uma verdadeira e louvável inclinação dos Tribunais em conceder a tutela pretendida pelo sujeito transexual, ainda que não tenha realizado a cirurgia de adequação sexual. Os fundamentos são diversos, mas todos têm em comum o princípio da dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial.

O que se percebe tanto nas decisões dos tribunais como nas de primeiro grau é uma maior sensibilidade do magistrado ao analisar um caso tão delicado. Afasta-se, por vezes, o excesso de formalidade para dar espaço ao julgador sensível ao anseio social. Afinal, o direito, como ciência social, precisa se adequar ao tempo em que é aplicado.

A decisão histórica sobre o tema adveio da então Desembargadora Maria Berenice Dias, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ainda no ano de 2006, que já entendia pela possibilidade de alteração do nome antes mesmo da realização da cirurgia:

APELAÇÃO CÍVEL. ALTERAÇÃO DO NOME E AVERBAÇÃO NO REGISTRO CIVIL. TRANSEXUALIDADE. CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO. O fato de o apelante ainda não ter se submetido à cirurgia para a alteração de sexo não pode constituir óbice ao deferimento do pedido de alteração do nome. Enquanto fator determinante da identificação e da vinculação de alguém a um determinado grupo familiar, o nome assume fundamental importância individual e social. Paralelamente a essa conotação pública, não se pode olvidar que o nome encerra fatores outros, de ordem eminentemente pessoal, na qualidade de direito personalíssimo que constitui atributo da personalidade. Os direitos fundamentais visam à concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual, atua como uma qualidade inerente, indissociável, de todo e qualquer ser humano, relacionando-se intrinsecamente com a autonomia, razão e autodeterminação de cada indivíduo. Fechar os olhos a esta realidade, que é reconhecida pela própria medicina, implicaria infração ao princípio da dignidade da pessoa humana, norma esculpida no inciso III do art. 1º da Constituição Federal, que deve prevalecer à regra da imutabilidade do prenome. Por maioria, proveram em parte. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70013909874, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 05/04/2006)

Perceba que a então desembargadora fundamenta sua decisão no princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que a negativa desta tutela ensejaria afronta ao mínimo existencial do transexual. Festeja-se esta decisão, porquanto desafiou o próprio direito a solucionar um caso que de um lado apontava a impossibilidade legal da concessão da tutela, mas que do outro trazia uma realidade que não poderia ser desconsiderada de forma preliminar.

O que se busca argumentar é que não estamos diante de um simples caso de impossibilidade jurídica do pedido, como poderiam pensar(e já pensaram) alguns magistrados no passado, mas sim de uma busca ao próprio direito de felicidade. E que seria o magistrado para negar este direito?

Decisões favoráveis à possibilidade de alteração do prenome sem a realização da cirurgia de adequação sexual já podem ser encontradas em alguns Tribunais, conforme citações a seguir destacadas:

Retificação de assento de nascimento. Alteração do prenome e do sexo. Transexual. Interessado não submetido à cirurgia de transgenitalização. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Condições da ação. Presença. Instrução probatória. Ausência. Sentença cassada. O reconhecimento judicial do direito dos transexuais à alteração de seu prenome conforme o sentimento que eles têm de si mesmos, ainda que não tenham se submetido à cirurgia de transgenitalização, é medida que se revela possível em consonância com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Presentes as condições da ação e afigurando-se indispensável o regular processamento do feito, com instrução probatória exauriente, para a correta solução da presente controvérsia, impõe-se a cassação da sentença. (TJMG, AC 1.0231.11.012679-5/001, 6ª C. Cív., Rel. Des. Edilson Fernandes, p. 23/08/2013).

 

Constitucional. Civil. Processual Civil e Registro Público. Alteração de nome e sexo em assento civil de nascimento sem a realização de cirurgia de redesignação sexual. Requerente portadora de transexualismo (CID-10 F 64.0), devidamente comprovado nos autos mediante atestado médico e fotografias. Desnecessidade e inviabilidade de realização de procedimento cirúrgico. Pedido com precedente no artigo 109 da Lei nº 6.015/73 e na Jurisprudência. Feito de jurisdição voluntária. Prova material incontroversa. Caráter social da ação. Adequação da realidade psicossocial da requerente à realidade jurídica. Efetivação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Novo prenome proposto que se adequa a identificar a requerente sem dificuldade, ante a semelhança com o anterior. Utilização do nome anterior apenas para fins de nome de fantasia profissional, nos termos do art. 57, § 1º, da Lei 6.015/73. Parecer favorável do Ministério Público. Procedência dos pedidos deduzidos na exordial. (TJPE, Proc. nº 0180-59.13, Rel. Juiz de Direito José Adelmo Barbosa da Costa, j. 08/04/2013).

Percebe-se que o prenome tem a função de identificar e de individualizar a pessoa perante a família e a sociedade, revelando-se importante fator de autodeterminação, repercutindo nas relações privadas e públicas. Nesse sentido, o reconhecimento judicial do direito dos transexuais à alteração de seu prenome conforme o sentimento que eles têm de si mesmos, ainda que não tenham se submetido à cirurgia de transgenitalização, é medida que se revela em consonância com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Esse é o entendimento das decisões acima transcritas.

Com efeito, o Julgador deve analisar as razões íntimas e psicológicas do portador do nome, e estar sensível à realidade que o cerca e às angústias de seu semelhante. E, na hipótese da transexualidade, a alteração do prenome da pessoa segundo sua autodefinição tem por escopo resguardar a sua dignidade, além de evitar situações humilhantes, vexatórias e constrangedoras.

Não é raro nos depararmos com argumentos contrários a esta possibilidade, principalmente por sugerir uma possível porta aberta para cometimento de fraudes. Entretanto, não se busca aqui defender que esta alteração não iria respeitar os trâmites administrativos necessários para sua conclusão.

Muito pelo contrário. Não se busca conceder ao transexual direito melhor e maior do que os outros não transexuais que também buscam a alteração do seu prenome por motivos diversos. A fraude pode ser evitada ou prevenida, basta o poder público adotar as medidas cautelares para tanto, principalmente para garantir direito de terceiros. O que não se pode é obstar o direito do transexual de encontrar sua real identidade.

O que importa diante de tantos fundamentos jurídicos é que o individuo transexual tem o direito à tutela jurisdicional sempre que entender que seu mínimo existencial está ameaçado por um contexto social ultrapassado e hipócrita.

Não cabe aos bons costumes impedir que o transexual seja feliz. Isso é o que importa, e, nas palavras do magistrado Gerivaldo Alves Neiva quando do julgamento da ação nº 0003362-54.2010.805.0063 em trâmite na Comarca de Conceição do Coité, na Bahia:

Quem é um Juiz de Direito, então, para negar o desejo tão seguro do autor em deixar florescer sua feminilidade, embora tenha nascido com órgãos do sexo masculino? Assim, se é para ser respeitado em sua cidadania e dignidade, há que se curvar qualquer Juiz à vontade do dono do corpo e lhe permitir ter o nome que lhe torna feliz e realizado. E faço isto, por fim, com fundamento no artigo 16, do Código Civil Brasileiro (“Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.”) e, principalmente, no artigo 1°, II e III, da Constituição Federal (os fundamentos da cidadania e dignidade da pessoa humana).

Ao tratar do “nome” na “transexualidade”, Dias (2010, p. 142), compreende o tema como:

A falta de coincidência entre o sexo anatômico e o psicológico chama-se transexualidade. É uma realidade que está a reclamar regulamentação, pois se reflete na identidade do indivíduo e na sua inserção no contexto social. Situa-se como direito de personalidade, direito que merece destacada atenção constitucional. A proteção do transexual inicia-se no direito à intimidade, quando constatada sua situação e a dificuldade de vivenciá-la.

Vem a jurisprudência, em respeito ao princípio da dignidade humana, admitindo a adequação do registro e autorizando tais mudanças. Mesmo antes da realização da cirurgia, possível a alteração do nome e da identidade sexual.

            Qualquer indivíduo que nasce deve ser registrado no prazo legal. Este registro é feito em cartório de pessoas naturais com observância da Lei de Registros Públicos.

Em análise ao artigo 1º da Lei de Registros Públicos (LRP), percebemos que a finalidade dos serviços concernentes aos Registros Públicos é a autenticidade, a segurança, a publicidade e a eficácia dos atos jurídicos. Há que se ressaltar a oponibilidade “erga omnes” dos atos registrados. (CENEVIVA, 2009, p. 3).

Aqui começa a problemática no caso dos transexuais. Isso porque, quando do nascimento da criança não é possível identificar seu real gênero, já que fisicamente pode demonstrar-se como do sexo, por exemplo, masculino, mas posteriormente pode externar seu real sexo psicológico feminino.

Desta forma, nos deparamos com uma gigante barreira burocrática para retificar este equívoco registral e fazer constar na certidão do transexual seu real gênero.

A lei de registros públicos, antes da alteração sofrida pela Lei nº 9.708, de 1998, previa em seu artigo 59 que o nome seria imutável. Porém, essa imutabilidade era relativa, já que permitia a retificação caso houvesse qualquer dos casos previstos na lei.

Com a referida alteração, o artigo 58 passou a prever que o nome seria definitivo. Percebe-se, todavia, que apesar de definitivo, poderá ser alterado por apelidos públicos. E, é aqui, que podemos interpretar a norma de forma extensiva aos transexuais.

Por apelido público entende-se todo nome que socialmente o indivíduo é conhecido. Desta forma, aqui irá interessar não o nome de registro, mas o nome social.

Sobre o tema, Sanches( 2010, p. 425):

Como visto, quanto ao prenome, a lei garante a possibilidade de sua substituição para adequá-lo a apelidos públicos, resolvendo assim o problema do travesti ou do transexual, por exemplo. Isso porque, uma pessoa com aspecto representativo social do gênero feminino e que contenha documento de identificação com prenome masculino sofre enorme constrangimento em suas relações sociais, haja vista o nome não corresponder a identidade da pessoa, assim como a própria sociedade passa a não conseguir êxito na identificação do sujeito.

Em virtude da inexistência de lei explícita que aborde o direito à identidade sexual e por estar a jurisprudência se inclinando para possibilidade de alteração do nome e gênero do transexual em sua certidão civil, diversos órgãos vêm permitindo a possibilidade de utilização do nome social para identificação do transexual.

Dissertando sobre o tema, Vieira (2011, p. 418):

O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) reconhece o uso do nome social, em atendimento médico integral à população de transexuais. A Res. 208, de 27.10.2009 dispõe sobre o atendimento médico integral à população de travestis, transexuais e pessoas que apresentam dificuldade de integração ou dificuldade de adequação psíquica e social em relação ao sexo biológico. A essa população também deve ser assegurado, durante o atendimento médico, o direito de usar o nome social, podendo o paciente indicar o nome pelo qual prefere ser chamado, independentemente do prenome inscrito no seu registro civil ou nos prontuários do serviço de saúde.

Vieira (2011, p. 419) continua a esclarecer que no Estado de São Paulo, por força do Decreto 55.588/2010, os transexuais têm o direito ao tratamento nominal nos órgãos públicos da administração direta e indireta. Esta afirmação se confirma com a passagem a seguir:

O Estado se baseia no princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito, para assegurar o pleno respeito às pessoas, independente de sua identidade de gênero. Com este decreto, a pessoa interessada indicará, no momento do preenchimento do cadastro ou ao se apresentar para o atendimento, o prenome que corresponda à forma pela qual se identifica e é identificada pela sociedade. Os servidores públicos deverão tratar a pessoa pelo prenome indicado, que constará dos atos escritos. O prenome adotado no registro civil deve ser utilizado para os atos que ensejarão a emissão de documentos oficiais, acompanhado do prenome escolhido. Os órgãos da Administração direta e as entidades da Administração indireta deverão capacitar seus servidores para o cumprimento deste decreto. O Servidor Público que descumprir o decreto incorrerá em processo administrativo para apurar violação da Lei 10.948, de 05.11.2001, sem prejuízo de infração funcional. 

            Mas esta novidade não se restringe ao Estado de São Paulo, uma vez que em outros estados como Bahia, Maranhão, Goiás, Paraná, Pará, Tocantins, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Piauí, Rio de Janeiro, Distrito Federal e Alagoas já permitem o uso do some social na rede de ensino público e na área de saúde.

            Uma vez que a Lei de Registros Públicos permite a alteração do prenome pelo apelido público e entendendo este como nome social, podemos concluir que o transexual poderia, sim, modificar seu prenome. Entretanto a problemática vai além desta “simples” retificação.

            A Lei em seu artigo 58 apenas fala da possibilidade de alteração do prenome, sem mencionar, portanto, o sexo ou gênero. Isso levar a concluir que um individuo que tenha em seu registro civil o gênero masculino e, portanto, um nome masculino, apenas poderia alterar este por um outro também masculino, já que não poderia ser alterado seu gênero. Portanto, o problema do transexual continua, já que deseja modificar tanto seu prenome como seu gênero.

            Importante destacar que a alteração sofrida na Lei de Registros Públicos acabou por judicializar a retificação do prenome, uma vez que qualquer alteração apenas poderá ser feita por sentença judicial. Uma exceção, entretanto, é a do artigo 110 da referida lei que prevê que os erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção poderão ser corrigidos de ofício pelo oficial de registro no próprio cartório onde se encontrar o assentamento, mediante petição assinada pelo interessado, representante legal ou procurador, independentemente de pagamento de selos e taxas, após manifestação conclusiva do Ministério Público.

            De qualquer forma, a situação do transexual, atualmente, requer a intervenção do poder judiciário para que possibilite a alteração tanto do prenome como do gênero no assentamento civil. Entretanto, o que se critica atualmente é o fato da maior parte dos magistrados entender ser necessária a comprovação da “patologia” transexual para permitir esta alteração, ou seja, ainda considerar a transexualidade como patologia.

            Entretanto, apesar desta visão equivocada que ainda subsiste, a tutela pretendida pelos transexuais para alteração de seu prenome nos assentos civis vem sendo concedida, não apenas com base no princípio da dignidade da pessoa humana, mas também por entenderem os magistrados que esta situação os expõe ao ridículo.

            Aliás, sobre exposição a situação vexatória, não é demais pontuar que a Lei de registros públicos veda o registro civil de nomes que exponham o individuo ao ridículo, senão vejamos a previsão do artigo 55,§ único:

Quando o declarante não indicar o nome completo, o oficial lançará adiante do prenome escolhido o nome do pai, e na falta, o da mãe, se forem conhecidos e não o impedir a condição de ilegitimidade, salvo reconhecimento no ato. (Renumerado do art. 56, pela Lei nº 6.216, de 1975).

Parágrafo único. Os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. Quando os pais não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso, independente da cobrança de quaisquer emolumentos, à decisão do Juiz competente.

 

            Quando a lei prevê que não serão registrados nomes que exponham ao ridículo seu titular, busca o Estado proteger a pessoa a situações humilhantes. Mas poderíamos indagar a seguinte questão: “mas por que o transexual seria exposto ao ridículo se seu nome é normal?”

            A situação do transexual é completamente diferente. Ainda que ostente em seu registro civil um nome considerado comum, ou seja, que não haja motivos para exposição ao ridículo, o simples fato de se identificar com um nome que não corresponde ao seu sexo psicológico já é suficiente para lhe expor ao ridículo.

            Desta forma, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana e para não expor o transexual a situação vexatória por ostentar nome civil que não é adequado ao seu real sexo social, não há que se falar em óbice pelo poder público para permitir esta retificação.

 

5. CONCLUSÃO

Uma vez compreendido o que vem a ser um sujeito transexual, bem como as dificuldades sociais que essa população precisa enfrentar diariamente não é de se estranhar que problemáticas como a proposta neste trabalho tenham grande notoriedade e importância.

            Não se trata de mera discussão doutrinária ou jurisprudencial para criar novo direito, mas simplesmente garantir a dignidade a esta população que existe no convívio social e tem os mesmos direitos que qualquer outro indivíduo.

            Ademais, negar o reconhecimento do direito de alterar o prenome, mesmo sem ter realizado a cirurgia de adequação sexual é expor o transexual a uma humilhação diária, o que não pode ser permitido por nenhum ordenamento que tenha como fundamento a dignidade da pessoa humana.

Outrossim, deixar de tutelar seus direitos é negar a própria dignidade da pessoa humana, o que não pode permitir em uma República Democrática que tem, justamente, este princípio como fundamento.

Precisamos compreender o transexual como uma pessoa normal, e não como uma aberração ou um portador de uma patologia. Estamos tratando de pessoas humanas e não de objetos que podem ser classificados e agrupados.

Outro ponto conclusivo é de que para que os transexuais alcancem a felicidade plena, certos direitos de personalidade precisam ser compreendidos como disponíveis, já que sem isso não haveria possibilidade jurídica, por exemplo, de autorização da cirurgia de adequação sexual.

O que precisamos ter em mente é que o transexual não almeja mudar de sexo e tornar-se outra pessoa. Muito pelo contrário, este indivíduo busca, incessantemente ser aceito pela sociedade da forma como é e não no gênero que foi classificado em sua certidão de nascimento.

Estamos falando de adaptação e não de transformação. Muito mais que isso, estamos propondo que o transexual deseje ser aceito como é e não como os bons costumes querem que seja. Em outras palavras, pretendem os transexuais femininos (que nasceram como gônodas masculinas) serem aceitos e respeitados como verdadeiras mulheres, sendo titular de todos os direitos inerentes a esta condição.

Não há por que o judiciário negar-lhes esta proteção, pelo que a conclusão desta pesquisa é pela possibilidade jurídica de alteração do prenome do transexual no registro civil, ainda que não tenha realizado a cirurgia de adequação sexual.

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