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Sistema tributário brasileiro e disparidades econômicas regionais do país como decorrência do processo histórico

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Agenda 06/08/2014 às 10:22

CONCLUSÃO: NECESSIDADE DE PACTO CIDADÃO

Para a pergunta “O sistema tributário atual é adequado para lidar com as grandes disparidades econômicas regionais?”, a resposta é negativa. Apesar dos esforços do Constituinte de 1988 e do legislador posterior, além da modernização ocorrida do Estado brasileiro, o sistema tributário não tem lidado de forma eficaz com as desigualdades regionais.

O arcabouço jurídico brasileiro em todos os aspectos, mas principalmente em direito público no geral é uma “concha de retalhos” composta por normas oriundas de períodos históricos diferentes e que os juristas não têm conseguido conciliar, principalmente quando os estudos são transportados para a esfera de políticas públicas, fiscais e decisões judiciais. Há necessidade de, 20 anos após o advento da democracia, fazer um inventário das normas vigentes e sua conseqüente modificação conforme as diretrizes atuais.

De outro lado, verifica-se que no Brasil as diferenciações entre os sistemas do direito, da política e da economia não são tão claras como nos países de modernidade central (nas palavras de Marcelo Neves) de modo a comprometer o “movimento” funcionalmente correto da sociedade.

Assim, há normas relegadas ao direito, mas que tratam de administração de recursos e dos próprios recursos públicos o que contraria a lógica da economia (que lida basicamente com escassez, elemento ignorado pela lógica do direito). Da mesma forma, promessas próprias do sistema política são inaferíveis do ponto de vista do direito e também do sistema econômico.

Esse ponto deve ser levado em conta na reanálise da tributação. Faz-se necessário lidar de forma realística com a questão dos recursos públicos, com as possibilidades desses recursos e com as atribuições que serão passadas ao direito para que as expectativas sociais sejam alcançadas sem gerar maiores distorções.

Mostrou-se que a formatação dada ao imposto ICMS tem contribuído para a guerra fiscal sem que essa batalha sirva ao aumento da concorrência sadia entre Estados membros e o concurso do desenvolvimento para o país.

Com relação ao ISS, por exemplo, mencionamos que sua disposição atual, além de tratar de forma tímida tributo sobre atividade econômica cada vez mais importante para o país, ainda dificulta a arrecadação e propicia a evasão.

Com relação a estes dois impostos, talvez fosse melhor concentrar a legislação e a arrecadação nas mãos do poder central, repassando-se os montantes para as outras esferas. Pelo menos até que haja uma redefinição dos papéis dos entes federados, o que demanda o que alguns chamam de pacto federativo.

Quanto às demais problemáticas da questão, há necessidade de um diálogo mais aprofundado das esferas sociais. A autora alemã acima referida, fala em reformulação do contrato social nos países da América Latina. Mas o que é necessário ao Brasil vai além de uma reavaliação do contrato social. Há necessidade deformação de um verdadeiro pacto de cidadania no qual cada um assuma as responsabilidades pessoais com o objetivo de alcançar modificação coletiva. A percepção da pessoa como cidadão, como parte do todo, com a visão de se viver em comum[nidade] é o único meio de equilibrar as desigualdades regionais e isso não pode ser alcançado exclusivamente pelo sistema tributário.

Enquanto a responsabilidade não for assumida por cada um, alguns poucos continuarão a agir como donos da coisa pública. Os interesses pessoais continuaram a guiar as relações políticas no Poder Central e, deste modo, está impedido qualquer diálogo para o equilíbrio de interesses.

O que se tem hoje é cada líder regional (herdeiros dos municípios e do poder nos Estados) lutam pela manutenção do estado de coisas na medida em que este está de acordo com seus interesses pessoais. Sem que se tenha uma preocupação efetiva de recriar o Estado brasileiro dentro de uma perspectiva de igualdade entre todos. Caso, contrário, com as reformas mínimas que vêm sendo feitas, o sistema tributário ineficiente continuará a não contribuir para a diminuição de bolsões de pobreza, ao menos de forma efetiva e definitiva.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

[1] PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Companhia das Letras, p. 269 e ss.

[2] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 25. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993, p. 101.

[3] A escravidão no Brasil. Versão digital disponível em: [http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/malheiros1.html]. Acesso em 02.04.2013.

[4] PRADO JÚNIOR, Caio. Op. cit., p. 269 e ss.

[5] Idem.

[6] Vide notícias recentes: [http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2014-05/prefeitura-de-sao-paulo-cria-abrigo-para-receber-haitianos]. Acesso em: 06.05.2014.

[7] O Futuro da Democracia. São Paulo: Paz e Terra, p. 43. 

[8] Política fiscal y desarrolo en America Latina – Caminos hacia um nuevo contrato social. Disponível em:<http://www.alemaniaparati.diplo.de/Vertretung/mexikogic/es/02/OCDE_20informe2009_20latinoamerica__download,property=Daten.pdf>. Acesso em: 10.11.2009.

Sobre o autor
Eduardo Tuma

Mestre em Direito do Estado pela PUC-SP e doutorando em Filosofia do Direito pela mesma instituição. Pós-graduado em Governo e Liderança pela Universidade de Harvard e especialista em Direito Tributário pela FMU, na qual leciona Teoria Geral do Estado no curso de bacharelado em Direito. Em 2012 foi eleito Vereador na cidade de São Paulo, é vice-presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Municipal e o parlamentar que mais apresentou e aprovou proposições na atual legislatura. Advogado em São Paulo.

Informações sobre o texto

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