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Declaração de nulidade de lei inconstitucional

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Agenda 08/08/2014 às 18:00

DA DECLARAÇÃO DE NULIDADE PARCIAL

O ordenamento jurídico brasileiro, apoiado por toda a doutrina e jurisprudência, admite plenamente a aplicação da teoria da divisibilidade da lei, de forma que declara-se, neste caso, apenas a inconstitucionalidade das normas viciadas, exceto se elas não puderem subsistir de forma autônoma.

Entretanto, não basta verificar a possibilidade objetiva de divisibilidade, deve se fazer uma análise subjetiva para verificar se era esta a vontade do legislador e verificar se de fato é possível a declaração de nulidade parcial. Assim, se a declaração de nulidade parcial acarretar a criação de uma lei que expresse uma norma diferente da desejada pelo legislador a declaração de nulidade deverá ser total.

É o que aconteceu com a ADI 3459, em que o STF decidiu não conhecer a ação tendo em vista que a eliminação da expressão normativa imputaria em nova lei contrária a lei do legislador[8]:

CARÊNCIA DA AÇÃO - PROCESSO OBJETIVO - PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - CONSEQÜÊNCIA - SURGIMENTO DE NORMATIZAÇÃO. Uma vez surgindo, como conseqüência do pedido formulado na ação direta de inconstitucionalidade, normatização estranha ao crivo da Casa Legislativa, forçoso é concluir pela impossibilidade jurídica.


DA DECLARAÇÃO DE NULIDADE PARCIAL SEM REDUÇÃO DE TEXTO

A identificação de casos de inconstitucionalidade parcial é bem antiga, já em 1949 Lúcio Bittercourt ensinava:

Ainda no que tange à constitucionalidade parcial, valo considerar a situação paralela em que uma lei pode ser válida em relação a certo número de casos ou pessoas e inválida em relação a outros. É a hipótese, verbi gratia, de certos diplomas redigidos em linguagem ampla e que se consideram inaplicáveis a fatos pretéritos, embora perfeitamente válidos em relação às situações futuras. Da mesma forma, a lei que estabelecesse, entre nós, sem qualquer distinção, a obrigatoriedade do pagamento de imposto de renda, incluindo na incidência deste os proventos de qualquer natureza, seria inconstitucional no que tange à remuneração dos jornalistas e professores.

Com frequência o STF verifica a inconstitucionalidade da cobrança de tributos sem a observância do princípio da anterioridade, que é considerado um princípio fundamental. A reinteração de julgados deu origem à súmula 67 do STF segundo a qual é "inconstitucional a cobrança de tributo que houver sido criado ou aumentado no mesmo exercício financeiro".

Nessas decisões, não há necessariamente a cassação da lei, tendo em vista que ela poderá ser aplicada no próximo exercício financeiro.

O STF, em outros casos, considera que a aplicação de leis sobre correção monetária a situações consolidadas é inconstitucional, conforme se verifica no seguinte julgado:

Correção monetária. A fixação da sua incidência a partir do ajuizamento da ação viola o principio da não retroatividade da Lei (art. 153, § 3g, da Constituição Federal), destoando, inclusive, da jurisprudência do STJ. Aplicação da Lei n. 6.899 de 1981, aos processo pendentes, a partir de sua vigência (art. 3 do Decreto n. 86.649 de 1981). Provimento de recurso extraordinário[9].

O STF então se limita a considerar inconstitucional apenas determinada hipótese de aplicação da lei, se realizar a alteração do seu programa normativo.

Em julgado mais recente, o STF adotou, expressa e inequivocamente, a técnica da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, tal como se pode verificar da seguinte passagem da emenda referente à ADI 319:

Exame das inconstitucionalidades alegadas com relação a cada um dos artigos da mencionada Lei. Ofensa ao princípio da irretroatividade com relação à expressão 'marco' contida no parágrafo 5 do artigo 2 da referida Lei. Interpretação conforme à constituição aplicada ao 'caput' do artigo 2, ao parágrafo 5 desse mesmo artigo e ao artigo 4, todos da Lei em causa. Ação que se julga procedente em parte, para declarar a inconstitucionalidade da expressão 'marco', contida no parágrafo 5 do artigo 2 da Lei n. 8.039 de 1990, e, parcialmente o caput e o parágrafo 2 do artigo 2, bem como o artigo 4, os três em todos os sentidos que não aquele segundo o qual de sua aplicação estão ressalvadas as hipóteses em que, no caso concreto, ocorra direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada[10].

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Lembra-se que a redução da aplicação de uma lei pode ocorrer também por meio da simples aplicação da interpretação conforme.

Reconheceu-se a possibilidade de explicitação, no campo da liminar, do alcance de dispositivos de uma certa lei, sem afastamento da eficácia no que se mostre consentânea com a Constituição Federal.


ANÁLISE DE CASO

Para melhor visualizar como ocorre a declaração de nulidade de lei inconstitucional faremos análise de um caso em que houve a  declaração de nulidade sem a redução do texto. Trata-se da ADIN 319 em que foi Relator o Ministro Moreira Alves.

Ao julgar o caso o Ministro Moreira Alves considerou que quatro temas podem ser considerados as contribuições centrais em relação à construção de quais deveriam ser os efeitos do controle de constitucionalidade. São eles: (i) a eficácia erga omnes, ou seja, oponível contra todos; (ii) o efeito em regra ex tunc da decisão ou seja, retroativos; (iii) a possibilidade de cautelar em ADI com efeitos, em regra, desse momento para frente, ex nunc; e (iv) a possibilidade de considerar leis ainda constitucionais, tendo em conta a realidade.

Outra técnica que lida de forma particular com os efeitos das decisões no controle é aquela que, por razões de fato, consideram a lei ainda constitucional ou apelam para o legislador repensar a questão.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 319, proposta pela Confederação Nacional dos estabelecimentos de Ensino (CONFENEN), impugnava-se os critérios de reajuste das mensalidades escolares, estabelecidos pela Lei n. 8.039/90, sustentando violação à irretroatividade das leis por pretender alterar os critérios para meses anteriores à sua vigência, bem como ao princípio da livre iniciativa e concorrências, sob a alegação de que o intervencionismo só se justifica a posteriori para conter lucros abusivos nos termos do art. 173, §4º.

O Supremo Tribunal Federal decidiu, em primeiro lugar, a necessidade de conciliar a livre iniciativa com a justiça social e a redução das desigualdades sociais, concluindo que o Estado pode regular preços abusivos de bens serviços por conta do poder econômico para conter lucros arbitrários.

Em seguida, defendeu inexistir inconstitucionalidade pela mera previsão de critérios para reajustes das mensalidades. Realizou, ainda, uma interpretação conforme à Constituição para declarar a inconstitucionalidade do artigo que violava o princípio da irretroatividade das leis.

O Ministro Moreira Alves destacou que a norma do dispositivo examinado poderia ser interpretada de modo a entendê-la aplicável nas hipóteses em que não viola o direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Essa interpretação seletiva é justamente a interpretação conforme ou, nas palavras do Ministro Moreira Alves: “quando se adota interpretação conforme à Constituição, passando a entender que, nesse caso, se declara a inconstitucionalidade parcial do dispositivo impugnado em todos os sentidos que não aquele que entende que se concilia com a Carta Magna”.

O Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria de Moreira Alves, não conheceu da ação por impossibilidade jurídica do pedido, decidindo que a tese de que há hierarquia entre as normas constitucionais originárias é incompatível com o sistema de uma Constituição rígida.

A competência da Corte serve para impedir o desrespeito à Constituição como um todo e não para fiscalizar se o Poder Constituinte Originário violou princípios de direito suprapositivo. Também ficou decidido que a Corte não pode invocar cláusulas pétreas para declarar a inconstitucionalidade de outras normas constitucionais do texto original da Constituição de 1988. As cláusulas pétreas consubstanciam limites ao Poder Constituinte derivado, que desempenhar o poder de rever ou emendar à Constituição, e não representam limites ao Poder Constituinte originário.


CONCLUSÃO

Diante da análise dos argumentos trazidos e teorias expostas, é possível verificar que o pronunciamento de inconstitucionalidade de lei sofreu algumas importantes alterações nos últimos anos, principalmente no que diz respeito à declaração dos efeitos da declaração de lei inconstitucional.

Em 10 de novembro de 1999, como consequência da evolução do sistema de controle de constitucionalidade vigente, foi aprovada a Lei n. 9.868, a qual foi responsável por promover relevantes alterações, sob o ponto de vista técnico, nos critérios de decisão de controle de constitucionalidade brasileiro.

O diploma legal em questão garantiu a possibilidade de o órgão incumbido da jurisdição constitucional dispor sobre os efeitos que a decisão proferida alcançará. O que significa que foi conferida ao julgador maior liberdade para que seja realizado o juízo de ponderação entre o princípio da nulidade da lei inconstitucional e os princípios da segurança jurídica, bem como do excepcional interesse social, a fim de que haja a preservação das relações jurídicas e efeitos que foram construídos sob a égide da norma que será banida do ordenamento jurídico.

Dessa forma, tornou-se lícito ao julgador impor restrições aos efeitos da decisão sobre inconstitucionalidade da lei, bem como deliberar sobre a aplicação desta decisão, se serão pro futuro, ex tunc ou ex nunc[11]. Sendo as diferentes modalidades de declaração de nulidade as seguintes: (i) Declaração de nulidade total, nas hipóteses em que a integralidade da lei ou ato normativo é invalidada pelo Tribunal; (ii) Declaração de nulidade parcial, admitindo-se a teoria da divisibilidade da lei, o Tribunal somente proferirá a inconstitucionalidade da parte eivada de vícios, não estendendo a censura às partes idôneas; e (iii) Declaração de nulidade parcial sem redução de texto, quando uma lei for válida para certas pessoas, casos ou momentos e inválida em relação a outros.


Bibliografia

ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais. Coimbra: Almedina, 1998.

MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n.º 1/69. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974.

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Saraiva, 2011.

BRANCO, Paulo Gustavo; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 8ªed. São Paulo: Saraiva, 2013.

BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Efeitos da Inconstitucionalidade da Lei. In Direito Público, nº 8, abril/junho, 2005.

BUZAIDE, Alfredo. Da ação direta de declaração de inconstitucionalidade no direito brasileiro, vol. 6, ed. Saraiva, 1958.

WOODBURY, Westel, The Constitutional law of the United States, New York, 1910, v. 1, ed. Saraiva, 2000.

ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

Artigo: O princípio da nulidade da lei inconstitucional e sua aplicação. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2333. Acessado em 25.5.2014.


Notas

[1] BRANCO, Paulo Gustavo; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 8ªed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 1261.

[2] WOODBURY, Westel, The Constitutional law of the United States, New York, 1910, v. 1, p. 9-10.

[3] BUZAIDE, Alfredo. Da ação direta de declaração de inconstitucionalidade no direito brasileiro... p. 128-132.

[4] ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 49

[5] BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Efeitos da Inconstitucionalidade da Lei. In Direito Público, nº 8, abril/junho, 2005.

[6] Cf. Westel Woodbury Willoughby, The Constitutional law of the United States, New York, 1910 v.1 P.9-1-. Cf. também Thomas M. Cooley, A treatise on the constitutional limitations, 4. ed., Boston 1878, p. 227.

[7] Cf., a propósito, Gilmar Ferreira Mendes, Controle de Constitucionalidade: Aspectos jurídicos e políticos, São Paulo: Saraiva, 1990, p. 284., Carlos Alberto Lúcio Bittencourt, O controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis, 2. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 127.

[8] ADI 3459, Rel. Marco Aurélio, Sessão Plenária de 24-08-2005.

[9] RE 97.816, Rel. Min. Djaci Falcão, DJ de 12-11-1982, p. 11489.

[10] ADI 319, Rel Min Moreira Alves, DJ de 30-4-1993, p. 7563.

[11] ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 49

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