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A aplicabilidade do Código Florestal na preservação da mata ciliar

Agenda 06/12/2014 às 10:30

A mata ciliar desempenha várias funções importantes no meio ambiente. Embora a referida vegetação tenha um caráter de imprescindibilidade para a manutenção do equilíbrio ecológico, sua regulamentação vem sofrendo significativas transformações.

1. INTRODUÇÃO

A mata ciliar consiste em uma vegetação nativa e espécie do gênero área de preservação permanente. Fica localizada às margens de rios, nascentes, lagos e represas e tem por escopo a proteção do solo e da água, evitando a erosão, o assoreamento e a poluição, já que dificulta a chegada dos dejetos materiais até o curso d’água. Além das mencionadas funções, a mata ciliar fornece relevante contribuição para evitar a escassez da água, já que a planta auxilia na retenção desse recurso hídrico pelo solo.

É perceptível que a preservação da mata ciliar é de fundamental importância e que sua destruição gera tanto impactos para o meio ambiente quanto para a própria sociedade, ocasionando assim várias consequências negativas para o ser humano.

A Medida Provisória 2166-67 de agosto de 2001 foi responsável pela introdução do assunto atinente à área de preservação permanente no Código Florestal de 1965, ou seja, a Lei 4771/65. Esse tema continua fazendo parte do Código Florestal de 2012 (Lei 12651/2012). Dessa forma, o referido dispositivo legal continuou fornecendo proteção para as áreas de preservação permanente e consequentemente para as matas ciliares. Isso foi motivo de embate entre os ambientalistas e fazendeiros, haja vista que estes dão primazia à produção e aqueles visam mais a preservação.

Apesar da relevância desse tipo de formação vegetal, este recurso vem sofrendo degradação pela constância das ações antrópicas, movidas pela busca incessante de lucro. As causas de seu desmatamento são várias, dentre as quais se destacam a implantação de pastagens para atividade agropecuária, remoção da madeira para diversos fins, a ampliação da agricultura e crescimento urbano.

Diante desses aspectos propedêuticos, torna-se perceptível que a referida degradação ambiental acarreta opiniões controversas. Essa é uma questão de difícil resolução e que exige a eficácia normativa com o intuito de garantir a suma importância do meio ambiente, já que é este o responsável pela sobrevivência das atuais e futuras gerações.


2. ASPECTOS RELEVANTES DA MATA CILIAR

O art. 225 da Constituição Federal considera o meio ambiente como um “bem de uso comum do povo”. O Código Civil associa os bens públicos aos de uso comum dos indivíduos, que por sua vez são propriedades do poder público, mas podendo ser usufruídos por qualquer pessoa.

Contudo, o meio ambiente não é visto sob essa esfera cível, pois esta utiliza o critério da propriedade para a classificação dos bens. O bem, em evidência, não é suscetível de aquisição, já que seu domínio não pertence ao Estado nem aos particulares. É preciso ressaltar que há o interesse público porque é provido de imprescindibilidade para a sociedade e não porque é parte patrimonial de algum ente estatal.

Como as florestas são bens de natureza ambiental, são consideradas bens difusos, pois pertencem a todos indistintamente, não podendo ser apropriadas por ninguém.

Nesse sentido, o art. 2º do Novo Código Florestal traz a seguinte disposição:

Art. 2º As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação nativa, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do país, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente a Lei estabelecem.

As matas ciliares podem ser utilizadas como áreas de preservação permanente, as quais possuem previsão no art. 3º, II da Lei 12651/2012. São assim definidas legalmente:

Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:

(...)

II - Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;

Dessa forma, conclui-se que as áreas de preservação permanente não são passíveis de remoção, uma vez que desempenha relevante papel no meio ecológico. Assim, “têm esse papel (maravilhoso, aliás!) de abrigar a biodiversidade e promover a proteção da vida” (MIRALÉ, 2009, p. 743).

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A destruição das matas ciliares pode ocasionar consequências drásticas, pois além dos impactos ambientais (assoreamento, desbarrancamentos, entre outros), pode trazer prejuízos imensuráveis para as pessoas que moram próximo ao local. Podem ser citados como exemplos de impacto social a falta de peixes para as populações ribeirinhas que se alimentam dos mesmos e inundações nas cidades decorrentes da insuficiência da filtração de água no solo.

Ao discorrer sobre um dos inúmeros fins da mata ciliar, Vieira (2013, p.2) pondera:

Assim como os cílios protegem os olhos dos seres vivos contra o suor e a poeira que poderiam machucá-los, as matas ciliares possuem a função de proteger os rios, riachos, córregos e o entorno dos lagos e lagoas contra as intempéries provocadas pela própria natureza, bem como pela ação humana.

A mata ciliar também pode ser utilizada como corredor ecológico, interligando florestas distantes umas das outras. Sendo assim, os animais não precisam passar por áreas de pastoreio e agricultura, arriscando suas vidas. Outro relevante benefício proporcionado diz repeito à função de abrigo aos animais, onde estes podem exercer suas atividades de reprodução e alimentação.

Dessa forma subtende-se que há indispensabilidade da mata ciliar no meio em que está inserida. Embora sua preservação deva ter caráter de perpetuidade, Fiorillo (2012, p. 256) afirma:

[...] Vale esclarecer que a expressão preservação permanente não se apresenta na sua forma mais técnica, porque uma vez permitida a utilização dessa área, ainda que para finalidades das reservas ecológicas, pode-se afirmar que a intocabilidade – pressuposto do conceito de preservação – não foi respeitada. Também não é permanente, na medida em que, uma vez criada, temos que será possível a sua supressão ou alteração através de lei, conforme determina o art. 225, §1º, III, da Constituição Federal.


3. O NOVO CÓDIGO FLORESTAL E AS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

O capítulo II do Código Florestal se divide em duas seções que tratam das áreas de preservação permanente. A primeira delas tem como conteúdo a delimitação dessa cobertura vegetal. Para computar a APP, o critério utilizado foi a largura do leito regular dos rios e cursos d’água, desde que naturais. Já a segunda seção descreve como se dá a proteção das APPs.

São consideradas áreas de preservação permanente todas aquelas previstas no art. 4º da Lei 12651/2012, respeitando-se as delimitações indicadas, ou seja, a área reservada varia de 30 m a 500 m, o que depende da largura do rio. Há ainda a possibilidade de o Chefe do Poder Executivo, movido pelo interesse social, considerar como APPs outras áreas revestidas por florestas ou cobertura vegetal diversa. No entanto, para que isso ocorra, o art. 6º elenca algumas finalidades que essas formações vegetais devem cumprir:

Art. 6º [...]

I – conter a erosão do solo e mitigar riscos de enchentes e deslizamentos de terra e de rocha;

II – proteger as restingas ou veredas;

III – proteger várzeas;

IV – abrigar exemplares da fauna ou da flora ameaçados de extinção;

V – proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico, cultural ou histórico;

VI – formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias;

VII – assegurar condições de bem-estar público;

VIII – auxiliar a defesa do território nacional, a critério das autoridades militares;

IX – proteger áreas úmidas, especialmente as de importância internacional.

As áreas de preservação permanente, portanto, estão localizadas em terrenos dotados de vulnerabilidade, como topos de morros e margens de rios, que possuem grande probabilidade de sofrer deslizamentos e outras catástrofes e por isso carecem de proteção.

O Código que entrou em vigor trouxe importantes esclarecimentos, pois agora só são consideradas como APPs as áreas entorno dos cursos de água natural. A medição da vegetação, que deve ser preservada na margem dos rios, era realizada, anteriormente, levando em conta a cheia dos rios e atualmente é feita tendo em vista o nível regular de água dos rios. Isso trouxe aspectos positivo e negativo, pois proporcionou a facilidade quanto à medição, mas por outro lado houve a diminuição da área que irá ser passível de preservação.

Se ocorrer a supressão da vegetação situada em área de preservação permanente, o responsável por sua manutenção tem a obrigação de promover sua recomposição. Tal incumbência possui natureza real e em caso de transferência da posse ou domínio do imóvel, ela será transmitida ao sucessor (art. 7º, §§ 1 º e 2º do Código Florestal).

Quanto à intervenção ou supressão da vegetação que compreende a APP, o art. 8º do referido Código dispõe que “[...] somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei”.

Por fim, é cabível mencionar que a recomposição das APPs ocorrerá com base nos métodos elencados no art. 61-A, §13. Além disso, o processo de regularização ambiental se dará nos moldes do art. 65 do novo Código Florestal.


4. RURALISTAS VERSUS AMBIENTALISTAS

As modificações advindas da vigência do Novo Código Florestal não foram recebidas com unanimidade e aquiescência por parte de todos os setores interessados. De um lado a bancada ruralista argumenta perdas no agronegócio e por outro, os ambientalistas questionam a curto e longo prazo os impactos decorrentes da aplicabilidade do diploma legal.

Torna-se evidente, portanto, que há um grupo defensor do desenvolvimento econômico e outro que defende a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

 Os fazendeiros argumentam que deve haver abastecimento interno com produtos agrícolas, reforçando a economia do país. Desse modo, são favoráveis à concessão de anistia àqueles que desmataram áreas de preservação permanente e de Reserva Legal antes de 22 de julho de 2008. Nesse caso, deve ser mencionado que as multas aplicadas antes desse período serão providas de suspensão somente se o produtor se aderir ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) e cumprir as exigências estabelecidas.

Já os defensores do desenvolvimento sustentável têm uma visão pessimista a respeito da Lei 12651/2012, pois a veem como um retrocesso na legislação brasileira. Eles são contrários às várias mudanças, como a possibilidade de anistia e permissão da ocupação, em caso de interesse social, das encostas com 25 graus a até 45 graus de declividade.

Essa dicotomia também é verificada entre os países desenvolvidos e os subdesenvolvidos. Ciocchetti apud Pavlovsky (2014, p.1) assim dispõe acerca dessa divisão:

Restou nítida a divisão (ainda hoje persistente, como na discussão acerca da emissão de gases que geram o denominado efeito estufa) entre os países ricos – que alcançaram alto grau de industrialização dizimando seus recursos naturais – e os subdesenvolvidos – possuidores de recursos ambientais exuberantes, cuja exploração procurou-se limitar em nome da sustentabilidade, por intermédio da imposição de mecanismos rígidos de controle ambiental.

A posição do Greenpeace é nitidamente contrária à aprovação do referido diploma legal, uma vez que este “produziu o milagre de transformar uma legislação escrita para defender as florestas brasileiras em lei de incentivo à expansão desenfreada da agricultura e da pecuária” (D’AGOSTINO DO G1, 2011, p.2).

Portanto, são nítidas as discussões existentes entre os ecologistas e produtores rurais, pois sempre houve divergências sobre a prevalência da economia ou sustentabilidade, exploração ou preservação.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É de notável percepção que ao longo dos tempos, a interferência na integridade ambiental tem aumentado numa escala cada vez maior. Esse quadro é resultado, principalmente, da ganância do ser humano pela busca do lucro por qualquer meio, valorizando o dinheiro e enfatizando o desrespeito pelo meio ambiente.

Um dos princípios norteadores do Direito Ambiental é a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, que segundo a Magna Carta corresponde a um direito de todos. No entanto, tanto a coletividade quanto o Poder Público têm a tarefa de promover sua defesa e preservação, mantendo assim, sua integridade para as presentes e futuras gerações.

O interesse da exploração desordenada não deve se sobrepor ao dever de preservação do meio ambiente. A melhor solução para o problema relacionado à degradação das matas ciliares é a conciliação entre a preservação e a produção sustentável, ou seja, aliar desenvolvimento com sustentabilidade.

Portanto, deve-se conferir a merecida importância ao desenvolvimento sustentável, pois este promove o crescimento do setor econômico sem o comprometimento dos recursos naturais, que serão utilizados pelas gerações futuras.


 6. REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.

BRASIL. Lei n. 12651, de 25 de maio de 2012: Código Florestal Brasileiro. Diário Oficial da República Federativa do Brasil.

D’AGOSTINO, Rosanne. G1 – Para ambientalistas, aprovação do Novo Código Florestal é retrocesso - notícias em Política. 25/05/2011. Disponível em: <http://g1.globo.com/politica/noticia/2011/05/para-ambientalistas-aprovacao-do-novo-codigo-florestal-e-retrocesso.html> Acesso em: 15/03/2014.

FORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental brasileiro. 13. Ed. Rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012.

MIRALÉ, Édis. Direito do Ambiente: a gestão do ambiente em foco. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

PAVLOVSKY. Fernando Awensztern. A Reforma do Código Florestal. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n.2900, 10 jun, 2011. Disponível em : <http://jus.com.br/artigos/19306>. Acesso em: 14/03/2014.

VIEIRA, Raphael Ricardo Menezes Alves. A utilidade das matas ciliares como área de preservação permanente. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3725, [12] set. [2013]. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25273>. Acesso em 16/03/2014.

Sobre a autora
Thaísa da Silva Borges

Delegada de Polícia do Estado de São Paulo. Ex-advogada. Graduada em Direito pela Universidade do Estado de Minas Gerais. Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pelo Instituto Elpídio Donizetti. Pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal pelo Instituto Elpídio Donizetti.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES, Thaísa Silva. A aplicabilidade do Código Florestal na preservação da mata ciliar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4175, 6 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31044. Acesso em: 22 nov. 2024.

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