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Relativismo, universalismo e direito fundamental à vida:

Breves considerações sobre o infanticídio indígena no Brasil

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Agenda 10/12/2014 às 10:25

O presente trabalho busca realizar uma sintética análise da questão do infanticídio indígena no Brasil, ainda praticado por algumas tribos, e as perspectivas de enfrentamento do problema, sob a ótica do ordenamento jurídico atual.

Resumo: O presente trabalho busca realizar uma sintética análise da questão do infanticídio indígena no Brasil, ainda praticado por algumas tribos, e as perspectivas de enfrentamento do problema, sob a ótica do ordenamento jurídico atual. Obviamente não se olvidará que a Constituição Brasileira cerca de proteção jurídica o conjunto de elementos constitutivos da cultura indígena (arts. 215, parágrafo primeiro e 231) e que, por outro lado, também eleva a patamar de direito fundamental o valor da vida humana. Não se pode fugir do nítido conflito de valores que se revela na problemática em exame e, então, notar as implicações práticas que surgem e que envolvem, dentre outras questões, a necessidade de atribuir proteção às vidas das crianças indígenas potencialmente passivas de serem vítimas de infanticídio, ao tempo em que também demanda o respeito à liberdade cultural daqueles povos. Nesse ponto, brota como a perspectiva de amenização da controvérsia a aplicação da técnica de ponderação de valores, a ser utilizada para analisar a efetividade que se pode extrair da atual legislação que incide sobre a matéria e daquela que estar por vir. Como resultado da pesquisa, apenas será posto um ponto de vista sobre a relevância do atual quadro normativo existente - que não deixa de ser insuficiente, mas que dá sinais de uma possível estabilização sobre a hierarquia de valores envolvidos nesse debate.

Palavras-chave: infanticídio; vida; direitos fundamentais; ponderação; e valores.


Introdução

O debate acerca do infanticídio indígena no Brasil ganhou relevo nacional e popular recentemente no Brasil, ante algumas matérias veiculadas a imprensa. A prática indígena, obviamente, remonta séculos, mas o seu conhecimento pela maioria da população não deve ser maior do que o período passado de 10 ou 15 anos.

Vários trabalhos científicos já perfizeram estudos sore a matéria que se propõe, novamente, estudar no presente artigo. Percebe-se, dentre várias problemáticas que irradiam da questão, que a principal controvérsia presente no debate reside no aparente conflito de valores constitucionais subsumidos no multiculturalismo e no direito à vida – no qual se inclui a dúvida sobre como atenuar essa fricção entre direitos.

Assim, a proposta do presente trabalho percorrerá, incialmente, uma análise breve sobre o direito à diversidade cultural; posteriormente, tentar-se-á visualizar os efeitos do embate entre o respeito à diversidade cultural e a proteção à vida, sem olvidar da influência que cada um destes institutos exerce no problemas práticos relativos ao infanticídio indígena; e, por fim, poder-se-á descrever a conclusão sobre as medidas jurídicas possíveis para equação das variantes axiológicas que envolvem o tema.


1. O MULTICULTURALISMO NA SOCIEDADE BRASILEIRA

O pluralismo cultural, sem sombra de dúvida, é uma característica nacional. A formação da sociedade brasileira e de sua identidade é fruto de uma combinação de valores, crenças e costumes variados, que não se resumem à contribuição dos atores que participaram do processo de construção do país no período colonial (europeus, índios e negros africanos), mas que deriva de uma operação envolvendo todas as culturas presentes na história brasileira, com resultado quase exponencial de conscientização da identidade nacional - a qual continua em processo de formação.

Há, na Constituição Federal do Brasil, o reconhecimento desta condição inerente à nossa sociedade, no preâmbulo da Carta:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL[1].

O reconhecimento da diversidade de culturas e o direito ao patrimônio cultural pelos povos indígenas foram estabelecidos, também na CF/88, que prevê, em seus arts. 215 e 233:

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

§ 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

(...)

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens[2].

Sobre o direito à diversidade cultural, ensina o doutrinador Paulo Bonavides:

O direito à diversidade cultural é uma garantia concedida a determinados grupos culturalmente diferenciados de que suas tradições, crenças, e costumes possam ser preservados e protegidos frente a movimentos de interculturalidade, ou seja, ninguém pode ser obrigado a abster-se de possuir suas próprias tradições, crenças e costumes, ou mesmo de ser obrigado a aderir às tradições, crenças e costumes de outros grupos[3].

Nesse diapasão, em que remontamos brevemente o espectro constitucional de reconhecimento ao direito à diversidade cultural indígena, entra em cena a discussão sobre a prática cultural e milenar de se matar crianças (por motivos diversos).

O infanticídio realizado por algumas etnias indígenas alocadas no território brasileiro pode ser visualizado no depoimento de Kaniru Kanayurá, índia pertencente a uma das tribos do Vale do Xingu:

Até hoje eu só consegui desenterrar um com vida, o Amalé. A mãe dele era solteira, ela chorou muito, mas o pai dela enterrou ele. Ele estava chorando dentro do buraco, aí minhas parentes foram me chamar. Eu entrei na casa, perguntei onde ele estava enterrado e tirei ele do buraco. Saiu sangue da boca e do nariz dele, mas ele viveu. Ele está doente, mas eu decidi criá-lo. Agora ele é meu filho. É um menino bonito, não é cachorro. É errado enterrar. Teve três crianças que eu tentei salvar, mas não deu tempo. Uma nasceu de noite e eu não vi. A minha tia também queria essa criança, gostava dela, mas quando chegou lá a mãe dela já tinha quebrado o pescoço do bebê[4].

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Não deixa de ser comovente o depoimento da índia, nem isolado. Em breve pesquisa em sites de instituições especializadas no convívio com os indígenas, percebe-se que existe uma grande angústia por parte das mães, principalmente, que por razões culturais (ou da tradição local) são obrigadas a abrir mão da criação de seus filhos recém-nascidos – e há relatos de matança de crianças maiores, com até 12 anos.

A prática de infanticídio indígena decorre de uma cultura milenar e são muitas razões que levam a este ato. Saulo Feitosa, Carla Rubia e Samuel Carvalho resumem em três hipóteses:

As razões são diversas, mas, para fins práticos, podem ser agrupadas em torno de três critérios gerais: a incapacidade da mãe em dedicar atenção e os cuidados necessários a mais um filho; o fato do recém-nascido estar apto ou não a sobreviver naquele ambiente físico e sóciocultural onde nasceu; e a preferência por um sexo[5].

 O infanticídio, ao contrário do que possa parecer, não é generalizado, e a prática tem sido reconhecida apenas em determinadas etnias, entre elas os uaiuai, bororo, mehinaco, tapirapé, ticuna, amondaua, uru-eu-uau-uau, suruwaha, deni, jarawara, jaminawa, waurá, kuikuro, kamayurá, parintintin, yanomami, paracanã e kajabi[6].

Por outro lado, é inegável que a tradição indígena em debate tem sido contestada por parte dos próprios integrantes daquela sociedade. Em vários depoimentos colhidos de pessoas pertencentes àquelas comunidades índigenas, especialmente das mães, pode-se vislumbrar o sofrimento que decorre da manutenção dessa tradição – como já visto alhures.

Da questão posta em debate, portanto, pode-se visualizar um nítido conflito entre valores constitucionais: de um lado o direito à dignidade humana – que em maior ou menor medida reflete, ou mesmo engloba, o direito à vida -; e, por outro lado, o direito ao reconhecimento das tradições indígenas.

Aqui vale ressaltar que o contexto que envolve essa prática indígena é completamente diverso da cultura em que a sociedade brasileira urbana – não indígena – está ambientada, e tal aspecto, de certa forma, legitima o reconhecimento dessa prática e a tendência de uma intervenção menos agressiva por parte do Estado.

Sobre o assunto, cita-se a antropóloga Marianna Assunção Figueiredo Holanda, autora da dissertação “Quem são os humanos dos Direitos: sobre a criminalização do infanticídio indígena”:

Esse é um dos pontos centrais do estudo: o que nós, brancos, entendemos como sendo vida e humano diferente da percepção dos índios. Um bebê indígena, quando nasce, não é considerado uma pessoa – ele vai adquirindo pessoalidade ao longo da vida e das relações sociais que estabelece[7]

A despeito disso, não há como negar que, ao respeitar integralmente a prática indígena e coibir qualquer ação que tente, de maneira mais contundente e radical, impedir a morte de crianças indígenas, o Estado Brasileiro poderia estar, sob determinado ponto de vista, atuando de maneira a consentir com a violação de direitos fundamentais reconhecidos por Ele próprio.

Isso porque há clara disposição, no âmbito internacional, de intenção protetiva à vida, na forma de normas que conferem valor, de caráter praticamente indisponível, à dignidade da pessoa humana, tida esta como premissa básica para o desenvolvimento da sociedade[8].

Considera-se, portanto, que devem ser inseridos no contexto da presente questão os pontos a favor da proteção jurídica relativa ao reconhecimento cultural em contraponto aos argumentos relativos ao direito fundamental à vida. Na tentativa de solucionar a presente problemática, surge o seguinte questionamento: a política e ou aplicação da tese jurídica que legitima o reconhecimento cultural de um povo minoritário teria autoridade para permitir uma prática claramente contrária ao direito fundamental à vida?


2. RELATIVISMO E UNIVERSALIMSMO E A TEORIA CRÍTICA

No centro do presente debate, paralelamente ao nítido conflito de princípios constitucionais já mencionados, evidencia-se também o inevitável cotejo de duas correntes teóricas: a do universalismo abrangente e a do relativismo cultural.

Depreende-se que as duas correntes citadas surgem concomitantemente às novas teorias jurídicas pós-Segunda Guerra Mundial, momento no qual a humanidade, como um todo, e a comunidade jurídica especialmente, buscava enfrentar os perigos potencialmente advindos de uma possível legitimação normativa a governos totalitários, além de estabelecer um marco ideológico de intenção de respeito universal aos direitos básicos do homem.

No processo de universalização de direitos proposto pela comunidade internacional, entretanto, delineou-se um confronto entre a opinião universalista de direitos humanos e diversas questões ligadas às diferenças culturais, religiosas e éticas existentes no mundo. Nesse contexto é que surge a teoria do relativismo cultural.

Nas palavras de Ronaldo Lidório:

O relativismo cultural, inicialmente desenvolvido por Franz Boas e com base no historicismo de Herder, defende que bem e mal são elementos definidos em cada cultura. E que não há verdades culturais visto que não há padrões para se pesar o comportamento humano e compará-lo a outro. Cada cultura pesa a si mesma e julga a si mesma[9].

De outro lado, fruto exatamente da intenção de se estabelecer direitos universais intangíveis, que independentemente de raça, sexo, etnia ou religião, os homens e mulheres possuem simplesmente por serem humanos, desenvolve-se a teoria da universalidade abrangente.

Segundo Natália de França Santos:

A tese da universalidade dos direitos humanos foi adotada pela ONU através da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, sendo posteriormente reafirmada através da Declaração de Viena, de 1993[10].

Com efeito, tal informação, de fato, pode ser facilmente extraída dos textos da ONU, mencionados pela Autora. Senão vejamos:

A presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição[11].   

Todos os Direitos do homem são universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados. A comunidade internacional tem de considerar globalmente os Direitos do homem, de forma justa e equitativa e com igual ênfase. Embora se devam ter sempre presente o significado das especificidades nacionais e regionais e os antecedentes históricos, culturais e religiosos, compete aos Estados, independentemente dos seus sistemas político, económico e cultural, promover e proteger todos os Direitos do homem e liberdades fundamentais[12]

Nesse ponto da pesquisa, releva ser extremamente pertinente trazer a perspectiva teórica disseminada pela Teoria Crítica do Direito. Mais recentemente, a partir do pensamento do professor e doutrinador Axel Honneth, foi introduzido no seio da citada teoria um viés sociológico, necessário à reflexão de uma saída para a emancipação do ser humano segundo o pressuposto da dinâmica social efetiva, ou seja, “segundo as experiências de injustiça e os conflitos que se seguem a cada experiência” [13].

No livro Luta por Reconhecimento, Honneth discute os padrões de reconhecimento nas suas três dimensões e as respectivas formas de desrespeito: amor (violação), do direito (privação de direitos) e da solidariedade (degradação). No que concerne à dimensão atinente ao direito, Honneth ensina:

“... só podemos chegar a uma compreensão de nós mesmos como portadores de direitos quando possuímos, inversamente, um saber sobre quais obrigações temos de observar em face do respectivo outro: apenas da perspectiva normativa de um ‘outro generalizado’, que já nos ensina a reconhecer os outros membros da coletividade como portadores de direitos, nós podemos nos entender também como pessoa de direito, no sentido de que podemos estar seguros do cumprimento social de algumas de nossas pretensões” [14].

É nesse contexto de diretriz doutrinária voltada à obtenção de um significado humano, sob a ótica do direito, a partir do reconhecimento da dignidade do outro ser humano, podemos também abstrair a premissa segunda a qual “a existência do indivíduo está associada à vida do conjunto ao qual ele pertence”, forjada por Rolf Wiggershaus[15].

Sob a ótica dessas correntes teóricas, poderemos analisar a atual situação normativa e, com aplicação do princípio da proporcionalidade (ou ponderação de valores), verificar que diretriz poderia, em tese, ser tomada pelo Estado Brasileira na solução do conflito.


3. ATUAL SITUAÇÃO NORMATIVA DA QUESTÃO ORA DEBATIDA

O infanticídio é um tipo legal discriminado no art. 123 do Código Penal Brasileiro. Preceitua o dispositivo: “Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena - detenção, de dois a seis anos” [16].

Contudo, utiliza-se aqui esta expressão (infanticídio) apenas pela praticidade do ato e por falta de outra expressão que qualifique com melhor nitidez a situação debatida na pesquisa[17].

Há de ressaltar que a lei prevê a capacidade relativa do índio, na esfera civil (lei 6001/73). Diferentemente do que entende a maioria da população – e isso retrata uma visão discriminatória da capacidade mental do índio -, é possível a imputabilidade penal do ameríndio, segundo o entendimento que se extrai da Súmula 147/STJ. Essa imputabilidade, contudo, consoante os direitos previstos no art. 231 da CF, deve ser verificada caso a caso. Sobre o infanticídio indígena, decorrendo a prática de costume cultural, em princípio é assegurada a inimputabilidade do ameríndio.

Em que pese a inimputabilidade nesse caso específico e o fato de a prática milenar de matar bebês pôr em cheque o direito fundamental à vida e à dignidade humana das crianças mortas – ao menos a partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948 -, apenas no ano de 2007 o debate sobre o tema ganhou contornos legais específicos, com a proposição do PL 1.057/2007, na Câmara dos deputados, de autoria do deputado Henrique Afonso.

Várias críticas foram disseminadas sobre a ausência de técnica legislativa da proposta (pode-se citar, por exemplo: a eleição de uma legislação autônoma em contraponto à inserção no contexto do Estatuto do Índio; proposta original que não inseriu no debate uma perspectiva mais ampla das questões sociológicas envolvidas; ausência de previsão de intervenção Estatal menos agressiva possível para a busca de solução do problema[18]), mas fato é que a discussão, de fato, só começou a tomar relevo em âmbito do Poder Legislativo com a proposta original deste PL.

Originalmente, o PL discutia “o combate a práticas tradicionais nocivas e à proteção dos direitos fundamentais de crianças indígenas, bem como pertencentes a outras sociedades ditas não tradicionais”. Percebe-se, da leitura atenta do projeto original, que a forma de abordagem do tema não envolvia qualquer medida de contenção paulatina das práticas indígenas consideradas repulsivas, mas criminalizava o ato daqueles não índios que, conhecendo das práticas descritas no artigo terceiro do PL, omitissem-se na notificação das autoridades competentes ali mencionadas.

Contudo, a análise da matéria em oito artigos do PL original englobava também a previsão de uma atuação efetiva e direta do Estado em prol da proteção da vida da criança, assim como no diálogo com a comunidade no sentido de levar o conhecimento do teor, da visão e da perspectiva dos direitos humanos. Nesse sentido, poder-se-ia vislumbrar uma finalidade de proteção urgente à vida, concomitantemente ao respeito da cultura indígena estabelecida.

Cito os artigos 6 e 7 do PL original, para ilustrar o conteúdo teleológico do projeto:

Art. 6º. Constatada a disposição dos genitores ou do grupo em persistirem na prática tradicional nociva, é dever das autoridades judiciais competentes promover a retirada provisória da criança e/ou dos seus genitores do convívio do respectivo grupo e determinar a sua colocação em abrigos mantidos por entidades governamentais e não governamentais, devidamente registradas nos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente. É, outrossim, dever das mesmas autoridades gestionar, no sentido de demovê-los, sempre por meio do diálogo, da persistência nas citadas práticas, até o esgotamento de todas as possibilidades ao seu alcance.

 Parágrafo único. Frustradas as gestões acima, deverá a criança ser encaminhada às autoridades judiciárias competentes para fins de inclusão no programa de adoção, como medida de preservar seu direito fundamental à vida e à integridade físico-psíquica.

Art. 7º. Serão adotadas medidas para a erradicação das práticas tradicionais nocivas, sempre por meio da educação e do diálogo em direitos humanos, tanto em meio às sociedades em que existem tais práticas, como entre os agentes públicos e profissionais que atuam nestas sociedades. Os órgãos governamentais competentes poderão contar com o apoio da sociedade civil neste intuito[19].

O PL recebeu um substituto, elaborado pela Deputada Janete Rocha Pietá, que atualmente encontra-se pronto para pauta na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, com parecer aprovado por unanimidade. Ele acrescenta o art. 54-A à Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973 (Estatuto do Índio), conforme seu caput, para:

“Reafirmar o respeito e o fomento às práticas tradicionais  indígenas, sempre que as mesmas estejam em conformidade com os direitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal e com os tratados e convenções sobre direitos humanos de que a República Federativa do Brasil seja parte.

Parágrafo único. Cabe aos órgãos responsáveis pela política indigenista oferecerem oportunidades adequadas aos povos indígenas de adquirir conhecimentos sobre a sociedade em seu conjunto quando forem verificadas, mediante estudos antropológicos, as seguintes práticas: I – infanticídio; II - atentado violento ao pudor ou estupro; III - maus tratos; IV - agressões à integridade física e psíquica de crianças e seus genitores” [20].

Com efeito, vislumbra-se no novo projeto legislativo uma redução drástica da regulamentação do conflito; conquanto tenha sido proposta uma solução apaziguadora da tensão cultural existente entre polos distintos da sociedade brasileira – louvável no sentido de evitar um estigma negativista dos indígenas – e, ainda, de melhor técnica legislativa – por incluir dispositivos no âmbito da legislação específica já existente -, o debate, de fato, foi reduzido a princípios diretivos sem, aparentemente, propor qualquer medida efetiva e direta.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Lucas Souza. Relativismo, universalismo e direito fundamental à vida:: Breves considerações sobre o infanticídio indígena no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4179, 10 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31048. Acesso em: 22 nov. 2024.

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