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A desconsideração da personalidade jurídica e a visão dos Tribunais Regionais do Trabalho

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Agenda 18/08/2014 às 15:00

Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção do título de Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho

INTRODUÇÃO

Muito embora a legislação comum estabelecida que a pessoa jurídica seja um ente absolutamente independente da pessoa física, por conta das inúmeras fraudes cometidas pelos sócios-gerentes daquela, a doutrina e a jurisprudência evoluíram no sentido de se desconsiderar a sua personalidade, para que, os credores da empresa, nos casos em que se vêem lesados pela ausência patrimonial, frustrando o recebimento de seus créditos, possam avançar no patrimônio de seus administradores.

O jovem e brilhante professor LEONE PEREIRA ensina, ao comentar o princípio da efetividade da execução trabalhista que

O processo de execução caracteriza-se como o conjunto de atos processuais coordenados que sucedem no tempo, objetivando a realização prática de atos concretos e satisfativos do direito do credor. Representa a realização prática da vontade concreta da lei.[1]

Assim por conta de atitudes reprováveis de sócios ou administradores das pessoas jurídicas contratantes de mão de obra, por diversas vezes vemos que o obreiro, tendo alguns direitos laborais alijados, verem frustradas a execução dos títulos executivos obtidos nas reclamações trabalhistas ajuizadas com esse intuito.

Diante de tal comportamento, surgiu, inicialmente aplicado apenas no direito comum, a chamada teoria da desconsideração da personalidade jurídica, diante dos abusos cometidos pelos administradores.

Insta, desde já, fixar que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica não extingue a pessoa jurídica da devedora principal nem comunica definitivamente os patrimônios individuais e societários, mas apenas desconsidera, no caso concreto, a separação patrimonial para alcançar os bens do sócio.

A desconsideração da pessoa jurídica é instituto com raízes do Common Law (disregard of legal entity) e, conforme consolidado entendimento doutrinário, não constitui a anulação da personalidade jurídica em toda a sua extensão, mas apenas a declaração de sua ineficácia para determinado efeito concreto. Assim, somente em casos determinados, quando se verificar que houve abuso de direito ou fraude nos negócios e atos jurídicos da pessoa jurídica, é que o juiz ignora a sua personalidade jurídica e projeta os efeitos desde logo em face da pessoa física que se beneficiou ou que praticou o ato.

Todavia, tem sido verificado, na prática processual que, em inúmeros casos, basta a não localização da empresa-Reclamada para que os juízes do trabalho, com respaldo no entendimento das Cortes, desconsiderem a devedora principal, invadindo o patrimônio de seus sócios, visando o cumprimento de seus títulos.

Contudo, a aplicação da citada teoria não pode ser indiscriminada, posto que, nem todas as hipóteses de não cumprimento do título sentencial laboral se dá por fraude da Reclamada, o que possibilitaria a desconsideração de sua personalidade, mas por outros tantos motivos.

Diante de tal fato, o presente estudo analisará, de uma forma clara e sucinta, o comportamento de nossos Tribunais Regionais (considerando-se que, por se tratar de matéria infraconstitucional, o Colendo TST não tem competência para tratar do tema), à luz das opiniões de alguns doutrinadores de escol.

PERSONALIDADE – PESSOA NATURAL E PESSOA JURÍDICA

A ideia de personalidade está intimamente ligada à de pessoa, pois exprime a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações. Esta aptidão é reconhecida a todo ser humano.

Como o homem é o sujeito das relações jurídicas, e a personalidade a faculdade a ele reconhecida, diz-se que todo homem é dotado de personalidade. Mas não se diz que somente o homem, individualmente considerado, tem esta aptidão. O direito reconhece igualmente personalidade a entes morais, sejam os que se constituem de agrupamentos de indivíduos que se associam para a realização de uma finalidade econômica ou social (sociedade e associações), sejam os que se formam mediante a destinação de um patrimônio para um fim determinado (fundações), aos quais é atribuída com autonomia e independência relativamente às pessoas físicas de seus componentes ou dirigentes.

A definição de pessoa natural, segundo Maria Helena Diniz[2], é “o ser humano considerado como sujeito de direitos e obrigações”.

Já a pessoa jurídica, “é o sujeito de direito personificado não humano. É também chamada de pessoa moral.” [3]

Partindo-se dos conceitos acima, podemos afirmar, então, que a pessoa natural (ou a comumente denominada pessoa física) e a pessoa jurídica (moral) são absolutamente distintas, não se confundindo.

Enquanto a pessoa física encontra na sua capacidade a expansão plena de sua alteridade ou de seu poder de ação, com linhas de generalidades que lhe asseguram extensão ilimitada (em tese), as pessoas jurídicas, pela própria natureza, têm o poder jurídico limitado aos direitos de ordem patrimonial. [4]

A sociedade comercial, uma vez submetida às exigências legais, passa a ser vista como unidade jurídica distinta das pessoas físicas dos respectivos sócios, tornando-se, em princípio, responsável por suas próprias obrigações.

Em consequência, a sociedade comercial que, repita-se, não se confunde como pessoas físicas de seus respectivos sócios, tem personalidade própria, sendo, então, titular de seu patrimônio e responsável pelas suas obrigações e direitos.[5]

Sendo assim, quando se fala de pessoa natural e pessoa jurídica, parte-se da premissa que são distintas e independentes, com naturezas jurídicas diversas e dissociadas.

ORIGEM DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

As pessoas jurídicas nasceram da insuficiência da pessoa física para fazer frente aos desafios da produção. Os empreendedores tiveram necessidade de se associar, agregando recursos financeiros, mão-de-obra e conhecimento para a consecução de uma finalidade, criando as sociedades.

Ao adquirir personalidade jurídica a sociedade se autonomiza, separando-se das pessoas que a constituíram.

Porém, abusos foram cometidos pelos sócios e administradores sob o manto protetor da pessoa jurídica. Desta forma, houve uma reação da doutrina e da jurisprudência, que se consubstanciou na "disregard theory" ou "disregard of legal entity".

Os operadores do Direito viram na "disregard theory" uma luz no fim do túnel para casos insolúveis.

São várias as denominações dadas à "disregard doctrine", sendo as principais: "disregard of legal entity", "piercing the veil", "lifting of the corporate entity", "durchgriff der juristichen person", "il superamento della personalitá giuridica delle società d'capitali", "teoria da penetração", "teoria da desconsideração da pessoa jurídica" ou "teoria do disregard".

A desconsideração da personalidade jurídica consiste no afastamento temporário da personalidade jurídica da entidade, a fim de permitir que o credor lesado satisfaça, com o patrimônio pessoal dos sócios ou administradores da empresa, a obrigação não cumprida.

Se por um lado é pacífico que a teoria da desconsideração da pessoa jurídica é fruto de construção jurisprudencial, sendo posteriormente aperfeiçoada pela doutrina e, por fim, respaldada na forma legal; de outro lado, é controvertida a fixação da gênese do instituto, restando duvidoso apontar o primeiro julgado que deu origem ai "disregard of legal entity".

Há quem registre que a primeira decisão que aplicou a desconsideração da pessoa jurídica foi prolatada em 1809 no caso envolvendo o Bank United States em face de Deveaux. O juiz Marshall ao pretender fixar a competência do Supremo Tribunal dos Estados Unidos aplicou o art. 3º, seção 2ª, da Constituição Federal, considerando que tal dispositivo restringia a jurisdição entre cidadãos de diferentes Estados, o julgador não hesitou em desconsiderar a pessoa jurídica e considerar que por detrás dela encontravam-se cidadãos, pessoas físicas, ou seja, os sócios destas corporações.

Todavia, o julgamento que efetivamente consagrou a "disregard doctrine" ocorreu quase noventa anos mais tarde, em Londres, 1897. Trata-se do caso inglês Salomon versus Salomon noticiado pelo professor da Universidade de Piza, Piero Verrucoli.

Como se vê, os dois precedentes citados, 1809 e 1897, são oriundos do sistema jurídico da "common law". Somente a partir da tese de "Rolf Serick", ao conquistar a cátedra da Universidade de Tübingen, que a teoria do "disregard" passou a ser recepcionada no sistema romano-germânico ("civil law").[6]

Informa a doutrina que, o conceito da desconsideração da personalidade jurídica foi introduzido no direito brasileiro por Rubens Requião, em artigo publicado em dezembro de 1969, na Revista dos Tribunais (RT 410), onde o saudoso jurista questiona o absolutismo da personalidade jurídica, argumentando que

Se a personalidade jurídica constitui uma criação de lei, como concessão do Estado, objetivando, como diz Cunha Gonçalves, ‘a realização de um fim’, nada mais procedente do que reconhecer ao Estado, através de sua justiça, a faculdade de verificar se o direito concedido está sendo adequadamente usado. A personalidade jurídica passa a ser considerada doutrinariamente de um direito relativo, permitindo ao juiz penetrar o véu da personalidade para coibir os abusos ou condenar a fraude, através de seu uso.[7]

SUZY ELIZABETH CAVALCANTE KOURY[8], discorrendo sobre o tema, apresenta o seguinte conceito

a Disregard Doctrine consiste em subestimar os efeitos da personificação jurídica, em casos concretos, mas, ao mesmo tempo, penetrar na sua estrutura formal, verificando-lhe o substrato, a fim de impedir que, delas de utilizando, simulações e fraudes alcancem suas finalidades, como também para solucionar todos os outros casos em que o respeito à forma societária levaria a soluções contrárias à sua função e aos princípios consagrados pelo ordenamento jurídico.

Assim, muito embora, em consequência da concessão de personalidade jurídica às entidades associativas etc., adquirem elas autonomia patrimonial - os bens da sociedade não se confundem com os bens particulares de seus respectivos sócios, tampouco respondem os sócios pelas obrigações sociais, desde que, não se verifique a má ou fraudulenta gestão, que impossibilite a solvência de seus débitos.

Destarte, a autonomia patrimonial da pessoa jurídica não pode ser utilizada como pano de fundo para o cometimento de fraudes, sendo que, nestas hipóteses, deve a regra da separação patrimonial ceder episodicamente para coibir a fraude e a lesão ao interesse de credores.

EVOLUÇÃO LEGAL DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

AMADOR PAES DE ANDRADE[9] contextualiza que

De início manifestamente individualista (ainda subsistem, em grande número, os comerciantes singulares ou empresários individuais), exercia o comerciante suas atividades mercantis em nome próprio, desbravando regiões inóspitas, distribuindo produtos e acumulando riquezas, tal como o legendário mercador veneziano Marco Polo.

Dispunha o art. 20 do Código Civil de 1916: "As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros".

O princípio clássico subsiste, assegurando o novo Código Civil (art. 52) a proteção dos direitos da personalidade as pessoas jurídicas, o que põe em evidência a realidade dessa instituição, que, absolutamente, não é uma ficção.

Contudo, não se pode olvidar que, muito embora, originalmente distinta e independente, viu o doutrinador, diante dos abusos cometidos pelos dirigentes das pessoas jurídicas, desvirtuando sua finalidade, prejudicando de sobremaneira seus credores, trazer aos estudos a possibilidade de, em casos específicos e atendidos determinados fundamentos, afastar a personalidade da empresa, responsabilizando os maus dirigentes.

Nascida na doutrina e aceita na jurisprudência, a denominada autonomia existencial da pessoa jurídica passou a ser flexibilizada, encontrando voz na legislação nacional.

A primeira notícia legislativa acerca da possibilidade de se responsabilizar os sócios-gerentes nos casos de abuso de gestão está no artigo 10 do Decreto nº 3.708, de 10 de janeiro de 1.919[10].

Tal dispositivo contava com a seguinte redação:

Os socios gerentes ou que derem o nome á firma não respondem pessoalmente pelas obrigações contrahidas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidaria e illimitadamente pelo excesso de mandato e pelos actos praticados com violação do contracto ou da lei. sic (BRASIL, 1919)

A responsabilidade dos sócios solidários, conquanto ilimitada, é subsidiária, "ex vi" do disposto no art. 1.024 do novo Código Civil que dispõe que “os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.”

Idêntica é a regra disposta no art. 596 do Código de Processo Civil, que estabelece que “os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade.”

A lei a que se refere o dispositivo processual acima transcrito é a lei que rege a respectiva espécie societária: se de responsabilidade limitada, observar-se-á o disposto no art. 1.052: "... a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social".

Responderá o administrador (gerente) para com a sociedade e para com terceiros, quando atuar com culpa (negligência, imprudência ou imperícia) no desempenho das suas funções, violação ao contrato ou à lei.

Idêntica é a regra contida no art. 158 da Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (Lei das Sociedades Anônimas).

O Código Tributário Nacional, com intuito de proteger o fisco, estabelece, em seu no artigo 135 que:

São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração da lei, contrato social ou estatutos:

I. as pessoas referidas no artigo anterior (art.134, inciso VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedades de pessoas);

II...

III. os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado. (BRASIL, 1966)

Observe-se que, até então, apenas era mencionada a violação da lei ou do contrato social e o excesso de mandato.

O Código de Defesa do Consumidor trouxe um avanço ao incluir o abuso de direito como fato ensejador da desconsideração e, principalmente, a hipótese de a personalidade jurídica ser um obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos do consumidor. Assim preceitua o artigo 28 do referido diploma:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

(...)

§ 5º.  Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. (BRASIL, 1990)

Por derradeiro, o atual Código Civil Brasileiro consolidou a teoria de desconsideração da personalidade jurídica, determinando no seu artigo 50 que:

Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. (BRASIL, 2002)

Acolhida pela jurisprudência, a teoria da desconsideração vem sofrendo, ao longo dos anos, evoluções à sua espécie e aplicação.

Duas são as teorias acerca da desconsideração da personalidade jurídica, denominadas de Teoria Maior e Teoria Menor, ambas adotadas na legislação brasileira. Os professores CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD[11], assim explicam a Teoria Maior:

Propugna que somente poderá o juiz, episodicamente, no caso concreto, ignorar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica como forma de combate a fraudes e abusos praticados através dela. (.) Subdivide-se a teoria maior em teoria maior objetiva e teoria maior subjetiva, a depender da exigência, ou não, do elemento anímico para a desconsideração. De qualquer sorte, a teoria maior exigirá, sempre, o atendimento dos requisitos legais.

E sobre a Teoria Menor, explicam os mesmos autores:

Trata como desconsideração da personalidade jurídica toda e qualquer hipótese de comprometimento do patrimônio do sócio por obrigação da empresa. Centra o seu cerne no simples prejuízo do credor para afastar a autonomia patrimonial.[12]

É de se concluir, pelos conceitos expostos, que a Teoria Maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não autoriza o entendimento de que a desconsideração da personalidade posa ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações, exigindo-se para sua configuração, além da prova de insolvência, a demonstração de desvio de finalidade ou da confusão patrimonial, tendo sido adotada pelo Código Civil, em seu artigo 50, aqui já reproduzido.

Porém, nas relações de consumo, aplicada no Processo do Trabalho de forma subsidiária, tendo em vista que seus princípios norteadores se equivalem, entre eles, a hipossuficiência da parte (lá, o consumidor, aqui, o trabalhador), regidas pela Lei nº 8.078/90, em especial pelo disposto no § 5º do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, foi adotada a Teoria Menor.

É importante deixar consignado que para empresa individual não se aplica a desconsideração da personalidade jurídica, em face da unicidade patrimonial existente entre as pessoas física e jurídica. Isso porque o empresário individual não possui personalidade jurídica distinta da personalidade de seu titular.

Seguindo sua evolução, atualmente a doutrina e a jurisprudência autorizam a chamada “desconsideração da personalidade jurídica inversa”, a fim de atingir o patrimônio da empresa para satisfação de obrigações pessoais do sócio ou administrador, desde que presentes os mesmos requisitos.

A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir, então, o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações de seus sócios ou administradores.

Destarte, a finalidade maior da disregard doctrine é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, seja desconsiderando a personalidade da empresa, e alcançando o patrimônio da pessoa física gestora, seja o contrário, quando verificados os requisitos legais.

FUNDAMENTOS DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Quanto a possibilidade de aplicação da desconsideração da pessoa jurídica, existem três correntes doutrinárias.

A primeira, encabeçada pelo saudoso Rubens Requião, denominada de subjetiva, entende ser admissível a aplicação da teoria da desconsideração somente nos casos em que esteja comprovado o "animus" fraudulento ou de abuso de direito por parte da sociedade devedora. Tal corrente é criticada, haja vista que restringe, de sobremaneira, a aplicação da desconsideração, e, tendo em vista a necessidade de se comprovar o elemento subjetivo torna quase que impossível de ser utilizada.

Já a segunda, denominada de finalística, aplicando-se a teoria da penetração em sintonia com o que dispõe o § 5º, do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, a intenção fraudulenta é presumida com a presença do prejuízo do credor no momento da dificuldade da execução. Esta é a teoria aplicada no direito brasileiro.

Por último, a terceira corrente, chamada de objetivista, aplica amplamente o "disregard", seja em prol do credor ou mesmo do devedor, bastando a presença da separação patrimonial da sociedade como forma de obstáculo a determinado interesse tutelado pelo direito. Tal teoria não encontra voz na jurisprudência nacional.

Em sua tese de doutorado, o professor MARCOS NEVES FAVA sintetiza, de forma clara e objetiva a possibilidade de aplicação da teoria da desconsideração[13]:

(a) a ausência de pagamento, sem qualquer motivo expresso, das obrigações trabalhistas constitui desvio de conduta do empregador, que, por esta perspectiva, à luz dos artigos 28 do Código de Defesa do Consumidor ou 50 do Código Civil, pode ter sua personalidade jurídica desconsiderada; (b) independentemente do ânimo, da intenção, do dolo do empregador na prática de qualquer ato, relativo ao contrato de emprego, desde a conceituação da figura do empregador, nenhum valor atribui o ordenamento à 'personalização' do contratante, do que deflui a desnecessidade de identificação de desvio de conduta, para reconhecimento dos titulares, por trás do véu da personalidade jurídica, se disto depender o cumprimento da obrigação trabalhista; e (c) a dimensão constitucional do respeito à dignidade do homem exige, por ponderação, que o direito relativo à distinção entre pessoa natural e pessoa jurídica supere-se pela ferramenta da despersonalização, para que se atinja cumprimento das obrigações do contrato de emprego.

Além dos requisitos acima expostos, não se pode olvidar que, o princípio do contraditório e da ampla defesa, onde o sócio/administrador/gerente poderá trazer argumentos visando se desvencilhar da responsabilidade pessoal, deve ser observado, sob pena de nulidade.

DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO NA EXECUÇÃO TRABALHISTA

Considerando que o fundamento de despersonalizar o empregador é justamente o de proteger o contrato de trabalho, e os direitos adquiridos dos empregados (arts. 448 e 10 da CLT, respectivamente), por extensão, imbuído deste mesmo espírito, deve-se aplicar a teoria do "disregard" na satisfação dos créditos trabalhistas dos empregados.

Com acerto observa ARION ROMITA[14] que

a limitação da responsabilidade dos sócios é incompatível com a proteção que o direito do trabalho dispensa aos empregados; deve ser abolida, nas relações da sociedade com seus empregados, de tal forma que os créditos dos trabalhadores encontrem integral satisfação, mediante a execução subsidiária dos bens particulares dos sócios.

Destaque merece a observação de DALLEGRAVE NETO[15]:

Impende registrar que o gênero dos bens dos sócios pode-se dar tanto através da teoria do "disregard of legal entity", quanto da teoria da "ultra vires societatis". A despeito de sua proximidade, ambos não se confundem.

O "ultra vires" decorre da responsabilidade civil do sócio-administrador (ou sócio-gerente) que viola a lei, o contrato ou o estatuto. Pune-se somente o agente causador (o sócio), condenando-o a ressarcir o prejuízo. No "disregard" não se trata de imputar responsabilidade civil ao sócio que pratica ato ilícito próprio, mas de declarar a ineficácia episódica da pessoa jurídica que agiu em desvio de finalidade, prejudicando terceiros-credores.

Etimologicamente "ultra vires societatis" significa além das forças da sociedade, referindo-se à exorbitância do ato do sócio-gerente que age em excesso ou em desconformidade com o estatuto, o contrato ou a lei.

Sem a pretensão de esgotar o tema, e, observando a finalidade do presente trabalho, colacionamos, a seguir, alguns julgados dos Egrégios Tribunais Regionais do Trabalho, revelando a sua visão.

1.         Natureza da decisão

Considerando que no processo do trabalho o sistema recursal, em primeiro grau de jurisdição é muito restrito, em relação ao sistema do processo civil comum, e, tendo em vista que a desconsideração da personalidade jurídica se dá em fase de execução, importante, antes de mais nada, firmamos a natureza jurídica da decisão judicial.

No caso de inclusão, o entendimento pacificado na doutrina e jurisprudência laboral é que se trata de decisão interlocutória, impassível de qualquer recurso.

AGRAVO DE PETIÇÃO. IRRECORRIBILIDADE DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS. PROCESSAMENTO OBSTADO NA ORIGEM MANTIDO. A decisão que desconsidera a personalidade jurídica da sociedade empresarial executada e determina a realização de bloqueio de numerários, via BACENJUD, dos seus respectivos sócios, não pode ser atacada por Agravo de Petição, face sua natureza eminentemente interlocutória. Incidência dos termos do art. 893, §1º, da CLT e Súmula 214 do colendo TST. Agravo de Instrumento que se nega provimento.[16]

No v. acórdão supra ementado, a douta Relatora, observando o contido no artigo 897 do Estatuto Obreiro, observa que “excepcionalmente a doutrina tem admitido a interposição do Agravo de Petição para impugnar decisões interlocutórias na fase de execução quando não podem ser objeto de impugnação pelos embargos e causarem prejuízo imediato às partes.”

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Contudo, informa a nobre Relatora que, “porquanto a decisão que se pretende atacar com a interposição do Agravo de Petição não é de cunho terminativo do feito, pois limitou-se a desconsiderar a personalidade jurídica, incluindo os sócios na polaridade passiva e determinando a realização de atos com a finalidade de garantir a execução.”

No mesmo sentido, é o entendimento do TRT baiano:

AGRAVO DE PETIÇÃO. NÃO CABIMENTO. A decisão de fl. 859 é meramente interlocutória. Dela não se admite a interposição de agravo de petição de imediato, porque não extingue o processo e nem paralisa a sua tramitação, uma vez que se restringe a indeferir a pretensão do exequente, ora agravante, de desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada, com o consequente ingresso dos eventuais sócios no pólo passivo da presente execução[17]

Considerando-se então que, a natureza jurídica da decisão que desconsidera a personalidade jurídica da empresa (ou da pessoa física, quando da espécie inversa), é interlocutória, e, haja vista a incidência do princípio da irrecorribilidade das interlocutórias, no processo do trabalho, temos que, não cabe, contra a mesma, nenhum recurso.

Todavia, em relação a decisão que indefere a inclusão, o entendimento é diverso, qual seja, que, muito embora seja, também, considerada interlocutória, no caso, caberá a interposição de agravo de petição, haja vista que, segundo o entendimento doutrinário e jurisprudencial, tal ato judicial ostenta natureza terminativa.

Neste sentido:

AGRAVO DE PETIÇÃO. CABIMENTO. 1. Decisão que indefere pedido de redirecionamento da execução contra sócio do devedor, por impedir o curso do processo, ostenta natureza terminativa, comportando, assim, ataque pela via do agravo de petição (arts. 893, § 1º e 897, alínea b, da CLT).[18]

Sendo assim, para a decisão que defere a desconsideração da personalidade jurídica, independentemente de sua espécie, não cabe recurso nenhum, tendo em vista a nítida natureza interlocutória da mesma, podendo, a parte que se sente prejudicada manejar, de acordo com a hipótese, a exceção de pré-executividade, alegando uma das matérias de ordem pública (artigo 301 do Código de Processo Civil, prescrição, decadência etc.), ou, após a garantia do juízo, opor os embargos a execução.

Porém, a decisão que indefere a desconsideração, por se equiparar a extinção sem julgamento do mérito, por ilegitimidade, sendo, assim, de natureza eminentemente terminativa, caberá o recurso de agravo de petição, previsto no artigo 897, a da CLT.

2.         Aplicabilidade da desconsideração com base na legislação comum

Estabelece o artigo 889 da CLT que

Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal. (BRASIL, 1943)

Assim, ao contrário do que disciplina o artigo 769, no processo de execução trabalhista, a norma subsidiária inicial é a lei de execução fiscal (6.830/80) e, somente após é que observará o contido no processo civil comum.

Como bem alerta LEONE PEREIRA[19],

Portanto, na hipótese de lacuna na CLT ao disciplinar a fase de execução trabalhista, a aplicação subsidiária deverá ser realizada observando-se a seguinte ordem:

1º) Lei de Execução Fiscal (Lei n. 6.830/80);

2º) Código de Processo Civil (Lei n. 5.869/73).

Todavia, ainda com base na subsidiariedade da norma comum, na ausência de disciplina e, desde que não seja contrária as princípios norteadores do processo do trabalho, outras legislações poderão ser utilizadas pelo Magistrado, quando da fase de execução.

Sendo assim, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica é aceita e aplicável no processo do trabalho, com base no raciocínio acima exposto, sendo que, em algumas hipóteses, os Tribunais Regionais, ora aplicam a teoria maior, com base no Código Civil, ora aplicam a teoria menor, para justificar a inserção do sócio no pólo passivo da execução trabalhista.

O Regional paulista, aplicando a regra da subsidiariedade assim decidiu:

Desconsideração da personalidade jurídica. Validade. A desconsideração da personalidade da pessoa jurídica no Processo do Trabalho encontra fundamento no art. 135, III do Código Tributário Nacional, ao qual se refere expressamente o art. 4º da Lei de Execuções Fiscais que é aplicável subsidiariamente à execução trabalhista por força do art. 889 da CLT. Possível invocar também o art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, este compatível com o Direito do Trabalho eis que ambos têm igual pressuposto (proteção ao hipossuficiente, lá - consumidor, aqui - empregado). Pela incompatibilidade com os Princípios do Direito do Trabalho, é afastada a aplicação do art. 50 do Código Civil. Recurso da agravante a que se nega provimento.[20]

No caso em referência, o Regional aplicou a teoria da desconsideração, tomando por base a lei consumerista e não o artigo 50 do Código Civil, por entender que este não se aplica ao processo do trabalho, ante os seus princípios norteadores.

Contudo, tal entendimento já se revela superado, até, porque, se a teoria não é aplicada por força do artigo 50 do Código Civil, assim a será ante a invocação, como afirmado no v. acórdão, do Código de Defesa do Consumidor.

Assim concluiu o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região:

ABUSO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - APLICAÇÃO DO ARTIGO 50 DO CÓDIGO CIVIL - RESTOU DEMONSTRADO NOS AUTOS QUE O AGRAVANTE ATUOU COMO PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO RECLAMADA NÃO SÓ NO PERÍODO EM QUE O RECLAMANTE LÁ TRABALHOU, DESDE A SUA CRIAÇÃO, COMO APÓS O ROMPIMENTO DA RELAÇÃO DE TRABALHO E MESMO DURANTE A PRESENTE EXECUÇÃO. PERFEITAMENTE APLICÁVEL AO CASO VERTENTE O ARTIGO 50 DO CÓDIGO CIVIL, QUE PERMITE QUE OS EFEITOS DE CERTAS E DETERMINADAS RELAÇÕES DE OBRIGAÇÃO SEJAM ESTENDIDOS AOS BENS PARTICULARES DOS ADMINISTRADORES OU SÓCIOS DA PESSOA JURÍDICA, EM CASO DE ABUSO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.[21]

Pouco importa qual o dispositivo legal a ser utilizado como fundamento para a desconsideração da personalidade jurídica.

No caso, para a sua verificação, o magistrado deverá verificar se a gestão se deu de forma a causar prejuízo aos empregados da empresa.

Porém, o Tribunal Regional da 24ª Região, entende que, para a aplicação da teoria, deve-se observar a teoria maior, ou seja, que se comprova a má ou fraudulenta gestão.

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA SOCIEDADE - PRESSUPOSTOS. A teoria da desconsideração da pessoa jurídica , pela qual os bens particulares do sócio respondem pelas obrigações contraídas pela sociedade, é aplicável se observada a existência de fraude ou abuso cometido pela sociedade, e desde que verificada a insuficiência do patrimônio societário para cumprir a obrigação. Agravo de petição não provido, por unanimidade.[22]

Para a Corte sul mato-grossense, deve-se, primeiro, esgotar todas as possibilidades de localização de bens em nome da Executada-empresa, para, somente no caso de frustração e, provada a má gestão, é que se possibilita a desconsideração da personalidade jurídica daquela.

Por último, cabe destaque o v. acórdão proferido pelo Egrégio Tribunal do Trabalho da 8º Região, aplicando a teoria menor, acima citada, para desconsiderar a personalidade jurídica da empresa-Reclamanda.

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA TEORIA MENOR. Não tendo sido encontrados quaisquer bens em nome da reclamada, bem como da pessoa jurídica, sócia da reclamada, a Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica com previsão legal no §5º, art. 28 do CDC, autoriza que sejam atingidos os bens da pessoa física, ainda que esta não tenha participado da relação jurídica processual desde a fase cognitiva.[23]

No caso acima citado, entendeu a Turma julgadora que, a simples inexistência de patrimônio é o que basta para a inclusão dos sócios da empresa devedora, pouco importando como se deu a gestão da mesma.

3.         Aplicação na hipótese de recuperação judicial ou de falência decretada

Enquanto que a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica (artigo 47, da lei 11.101/06), a falência, em termos jurídicos, falência é o nome da organização legal e processual destinada à defesa daqueles impossibilitados de receber seus créditos. Trata-se de um processo de execução coletiva dos bens do devedor, decretado judicialmente, ao qual concorrem todos os credores, que buscam no patrimônio disponível, saldar o passivo em rateio, observadas as preferências legais.

A princípio, pode-se concluir que a empresa em recuperação, assim como a falida, assim se encontram por conta da má gestão de seus administradores.

Todavia, em muitos casos, tal situação se dá por conta de outras tantas razões, compreendidas, entre elas, a oscilação do mercado, as altas de juros bancários, a retração econômica etc.

Porém, mesmo nos casos de recuperação judicial e de falência, muito embora os créditos trabalhistas sejam considerados privilegiados, o juiz trabalhista, visando assegurar a plena quitação do direito do trabalhador, poderá desconsiderar a personalidade jurídica da empresa, invocando a teoria em estudo.

Neste sentido, destacamos:

FALÊNCIA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. POSSIBILIDADE DE PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO. A falência não constitui óbice para a desconsideração da personalidade jurídica, amplamente aplicada na Justiça do Trabalho. O art. 114 da Constituição Federal, que prevê a competência da Justiça do Trabalho, não se limita à fase de conhecimento. A interpretação sistemática do art. 5o, incisos XXXV e LXXVIII, e art. 100, parágrafo 1o - A da CF/88, do art. 877 da CLT e do art. 28 da Lei 8078/90 e da Lei 11.101/06 revela a possibilidade de o reclamante prosseguir a execução em face dos sócios, na Justiça do Trabalho, antes de habilitar o crédito no Juízo Falimentar.[24]

Neste caso, a Colenda 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região, entendeu que, muito embora tenha sido declarada a falência da empresa, tal decreto não impede a desconsideração da personalidade jurídica, para que a execução da sentença condenatória prossiga em face dos sócios.

Tal decisão encontra não é isolada, sendo uma tendência na justiça obreira.

EXECUÇÃO. FALÊNCIA DA DEVEDORA PRIMÁRIA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA PELO JUÍZO TRABALHISTA. POSSIBILIDADE. Ainda que a Lei 11.101/05 estabeleça que cabe ao Juízo Falimentar a desconsideração da personalidade jurídica na hipótese de declaração de falência, na inexistência de notícia nos presentes autos de que efetivamente houve aplicação da disregard doctrine aos sócios da falida pelo Juízo Universal, não há óbice à desconsideração da personalidade jurídica pelo Juízo Trabalhista.[25]

AGRAVO DE PETIÇÃO - EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DO EMPREGADOR. Apurado e tornado líquido o crédito devido, a competência para a execução dos valores em relação à empresa que figura em processo de recuperação judicial é do Juízo Cível, enquanto não encerrada a recuperação. Nada obstante, em relação aos sócios do empreendimento, não há óbice legal ao prosseguimento da execução mediante desconsideração da personalidade jurídica. Agravo de petição a que se dá provimento.[26]

Por derradeiro, insta colacionar interessante ementa de v. acórdão proferido pelo TRT da 23ª Região:

ENCERRAMENTO DO PROCESSO DE FALÊNCIA POR AUSÊNCIA DE BENS DA EMPRESA DEVEDORA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO TRABALHISTA PARA O PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO- Encerrado o processo de falência, continua a empresa devedora com a responsabilidade de seu passivo, pelo que se devolve a este juízo trabalhista a competência para o prosseguimento da execução. Então, se frustrada a satisfação do crédito obreiro no juízo falimentar, é perfeitamente cabível perante esta Especializada a desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada, uma vez que é pacífico o entendimento no sentido de que, inexistindo bens livres e desembaraçados da empresa que possam garantir a execução, é passível de expropriação bem particular de sócio que pertenceu ao quadro societário ao tempo da prestação laboral, beneficiando-se da força de trabalho. Agravo de petição obreiro ao qual se dá provimento para que, reconhecida a frustração da falência, desconsiderar a personalidade jurídica da empresa executada e determinar o prosseguimento da execução em desfavor dos sócios.[27]

No caso supra ementado, entendeu o Egrégio TRT da 23ª Região que, encerrado o processo falimentar, e não liquidado o crédito do obreiro, a execução retoma a competência trabalhista, e, ante a inexistência de patrimônio, desconsidera-se a personalidade jurídica da empresa falida, para que seus sócios se responsabilizem pela quitação do débito existente.

Todavia, muito embora a Egrégia Corte tenha desconsiderado a personalidade jurídica da falida, a mesma determinou que o empregado-exequente, apresentasse certidão extraída do processo falimentar para comprovar o encerramento deste e que não se logrou êxito no recebimento de seus créditos.

Assim, na prática, apesar da desconsideração, o que o empregado-exequente pretendeu, a bem da verdade, não foi concedido, pois, somente após o encerramento do processo falimentar é que o mesmo poderá dar o efetivo prosseguimento em sua execução trabalhista.

A crítica que se faz acerca da r. decisão é no sentido de que, nem sempre, como já dito, a falência de uma empresa se dá pela má ou fraudulenta gestão de seus sócios e/ou administradores.

No caso em exame, pouco importou o motivo da decretação da falência, para que se desconsiderasse a sua personalidade, para continuidade da execução trabalhista, no futuro.

4. Desconsideração da personalidade jurídica inversa

Como dito alhures, a teoria da desconsideração encontra sua vertente evolutiva, no momento em que se permite avançar no patrimônio de outro empresa, pertencente ao sócio da devedora original, com o objetivo de quitar seus débitos, nos casos em que se vislumbra a má ou fraudulenta gestão.

Execução. Desconsideração inversa da personalidade jurídica. Inexistência de bens do devedor principal ou de seus sócios. Existência de empresa de propriedade de sócios. Grupo econômico. A pessoa jurídica não pode servir de anteparo para o inadimplemento de crédito exequendo, sendo a desconsideração da personalidade jurídica salutar solução para assegurar a satisfação final do crédito. Caso a pessoa física não apresente bens, mas seja proprietária de outra empresa, esta é passível de constrição de seus bens. O fato de serem ambas controladas pela mesma pessoa configura grupo econômico, que autoriza a penhora pela ocorrência da solidariedade. Agravo de Petição provido.[28]

No seu v. voto, o relator esclarece que

A desconsideração da personalidade jurídica da empresa é evolução doutrinária e jurisprudencial salutar, que veio assegurar maior efetividade ao cumprimento dos comandos jurisdicionais, permitindo que a excussão de bens prossiga sem empecilhos de ordem societária, atingindo a pessoa física, não parando na pessoa jurídica executada.

Contudo, mesmo a desconsideração da personalidade jurídica revela-se por vezes insuficiente, já que os representantes da empresa executada, mediante artifícios, logram ocultar-se, frustrando a execução.

No presente caso, a empresa executada encontra-se inadimplente e não possui bens para saldar seu débito, mas seus sócios constituem-se em detentores de quotas sociais de outras empresas. Desta forma, o prosseguimento da execução nos bens das empresas indicadas é perfeitamente possível, pois se insere no âmbito da desconsideração da personalidade jurídica, em forma inversa, vez que se passa da pessoa física do executado para pessoa jurídica atrás da qual se esconde para não responder à desconsideração que atingiu sua empresa anterior.

Na realidade, o procedimento é o mesmo, invertendo-se apenas o vetor da desconsideração, que, já devidamente apontado da pessoa jurídica para a pessoa física, passa desta para uma outra pessoa jurídica, sempre com o objetivo de evitar a fraude e os atentados à dignidade da justiça, pois sempre que a personalidade jurídica estiver sendo utilizada para sedimentar abuso de direito, deve ser desconsiderada, permitindo que o real devedor possa sofrer a excussão final dos bens que satisfaçam o crédito. Incide à hipótese o art. 9º da CLT.

Tal evolução da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, já encontra ecos em julgados de outros TRT’s, como, a título de exemplo, colaciona-se, a seguir:

AGRAVO DE PETIÇÃO. DA DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA. A desconsideração inversa da personalidade jurídica consiste no afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, ao revés do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atacar o patrimônio da pessoa jurídica por obrigações do sócio. Uma vez que o escopo da disregard doctrine é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpretação teleológica do artigo 50 do CC, artigo 4º da Lei nº 9.605/1998 e do artigo 28 do CDC, ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, alcançando-se bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador. Ademais, o Enunciado nº 283 da IV Jornada de Direito Civil considera ser cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada "inversa" para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros. Quanto ao preenchimento dos requisitos do artigo 50 do CC, tem-se por afastados, pois, pela teoria menor da desconsideração da pessoa jurídica, que deve ser adotada no direito trabalhista, o mero inadimplemento autoriza o ataque ao patrimônio do sócio ou, no caso, do ente social. Agravo de petição interposto pela empresa Engesa Engenharia e Saneamento Ambiental Ltda a que se nega provimento.[29]

EXECUÇÃO DE CRÉDITO TRABALHISTA. EFETIVIDADE DA DECISÃO JUDICIAL. GARANTIA DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. PROCESSO COM SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO HÁ QUASE 10 ANOS SEM SOLUÇÃO. ABUSO DE DIREITO. DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA. Constatado que o executado (pessoa física) não cumpre o comando judicial, se furtando a pagar verbas de natureza salarial há quase 10 anos, e que é sócio-administrador de um negócio comprovadamente rentável, cabível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, para direcionar a execução contra a empresa que administra, incluindo-a no pólo passivo da demanda, a fim de conceder efetividade à execução. Inteligência dos artigos 5º, LXXVIII da Constituição Federal e 50 do Código Civil.[30]

Porém, importante destacar que, não é a mera participação do Executado no quadro societário de algumas pessoas jurídicas, por si só, não autoriza a aplicação do instituto da desconsideração inversa da personalidade jurídica. O que se faz necessário para que tal desconstituição ocorra é a comprovação da confusão patrimonial ou o desvio de bens da pessoa física para a pessoa jurídica, com o objetivo de lesar credores.

5. Desconsideração visando quitação de multa administrativa

As infrações à legislação trabalhista são punidas com multas pecuniárias, fixas ou variáveis, cujos valores são previstos em lei de acordo com cada infração. Após a lavratura do auto de infração pelo Auditor-Fiscal do Trabalho e o oferecimento de oportunidade para que o empregador apresente sua defesa, o Superintendente, ou a autoridade a quem ele tenha delegado competência para a prática do ato, impõe ao empregador a multa. No caso das multas variáveis, ou seja, aquelas em que a lei indica apenas o valor mínimo e o valor máximo, a gradação da multa se dá com base em parâmetros previstos em portaria do Ministro do Trabalho, de forma a garantir a isonomia, ou seja, que empregadores na mesma situação sejam punidos com multas de mesmo valor. Caso a multa não seja quitada, o débito é encaminhado à Procuradoria da Fazenda Nacional - PFN, órgão responsável pela inscrição em Dívida Ativa e cobrança executiva.[31]

Nesta condição, se a execução trabalhista estiver em curso visando o recebimento, exclusivamente, da multa administrativa aplicada pelo Ministério do Trabalho, é entendimento consolidado que não se aplica a desconsideração.

Vejamos:

EXECUÇÃO FISCAL. MULTA ADMINISTRATIVA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.

Hipótese de execução fiscal de multa administrativa. Circunstância que não autoriza a desconsideração da personalidade jurídica com base da teoria menor, capitaneada pelo Código de Defesa do Consumidor, que se

legitima apenas no caso de crédito trabalhista pelo seu caráter alimentar e pela hipossuficiência do empregado. De outro lado, não atrai a incidência do art. 135, III, do CTN, porque a desconsideração da personalidade ali prevista abarca apenas as obrigações tributárias, o que não é o caso da multa administrativa. A pretendida desconsideração, portanto, somente se justifica com fulcro no art. 50 do Código Civil, mas seu deferimento carece de inequívoca demonstração de prática abusiva por parte dos sócios.[32]

No exame do v. acórdão, supra ementado, apura-se que o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho do Estado da Bahia, indeferiu o agravo de petição interposto pela União Federal, ao argumento de que, nas hipóteses de multa administrativa, não incide a denominada teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, fundamentada no Código de Defesa do Consumidor ou no artigo 135 do Código Tributário Nacional.

Para a Egrégia Corte baiana, “o redirecionamento da execução contra os sócios/diretores da Executada, em se tratando de execução fiscal de multa administrativa, somente seria admitido nas hipóteses do art. 50 do Código Civil, quais sejam: abuso da personalidade jurídica pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.”

No mesmo sentido, o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho do Pará-Amapá, também consolidou entendimento do não cabimento da desconsideração de personalidade jurídica, quando o débito decorre de multa administrativa.

EXECUÇÃO FISCAL DECORRENTE DE MULTA ADMINISTRATIVA POR VIOLAÇÃO ÀS NORMAS CELETISTAS. ART. 135, III, DO CTN. REDIRECIONAMENTO DA DÍVIDA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INAPLICABILIDADE. 1) Na forma do art. 2º, § 5º, I, da Lei nº 6.830/80, no Termo de Inscrição da Dívida Ativa deve constar: “I – o nome do devedor, dos corresponsáveis e, sempre que conhecido, o domicílio ou residência de um e de outros”. Logo, se os sócios não foram incluídos no respectivo Termo, não há que se falar em execução contra os mesmos por meio da desconsideração da personalidade da jurídica da empresa, porquanto, pela regra da Execução Fiscal, é indispensável que a cobrança da dívida seja, desde sua nascente, contra a devedora principal e seus sócios; 2) Tendo em vista que a natureza jurídica da multa administrava não é de crédito trabalhista, nem decorrente de obrigação tributária, inaplicável o art. 135, III, do CTN, tendo em vista que o pressuposto fático da referida norma é a prática de atos, pelos sócios ou responsáveis pela empresa, com excesso de poder ou infração à lei, contrato social ou estatutos, desde que cabalmente demonstrados nos autos. Se não há prova, não há execução dos corresponsáveis, ex vi dos arts. 50 do Código Civil, e 592, II, e 596, caput, do CPC, inexistindo violação ao art. 4º, V, da Lei nº 6.830/80.”[33]

Ao argumento de que “a responsabilidade dos sócios na execução trabalhista origina-se da prestação de serviços do trabalhador, enquanto que, na fiscal, deriva do vínculo social com a empresa agravada”, somado ao entendimento do Colendo Tribunal Superior do Trabalho no mesmo sentido (Processo TST/ RR-19300-12.2009.5.18.0161), a Egrégia Corte da 8ª Região rejeitou o recurso da União.

Porém, há um julgado proferido pelo Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, em sentido contrário.

EXECUÇÃO FISCAL. DÍVIDA DE NATUREZA NÃO TRIBUTÁRIA. RESPONSABILIZAÇÃO DO SÓCIO/ADMINISTRADOR. POSSIBILIDADE. Embora o art. 135, III, do Código Tributário Nacional não seja aplicável às multas administrativas por infração à legislação trabalhista, já que tais penalidades não se revestem do caráter de tributo, o ordenamento jurídico contém outras normas que amparam a responsabilização do sócio/administrador (art. 50 e 1.016 do Código Civil), em caso de abuso da personalidade jurídica, permitindo que após esgotadas as possibilidades de solvência pela pessoa jurídica, a execução seja direcionada ao sócio/administrador. Todavia, no caso concreto, não restou provado que a pessoa jurídica tenha se dissolvido irregularmente ou ainda que não tenha patrimônio suficiente para garantir a execução fiscal, de sorte a autorizar a imediata desconsideração da sua personalidade jurídica. Recurso da União a que se nega provimento.[34]

No v. voto, o douto Relator, alterando seu entendimento anterior se faz diante da evolução legislativa sobre o tema, em particular a introdução do artigo 50 do Código Civil, assim se pronunciando:

Assim, embora o art. 135, III, do CTN não seja aplicável, existe no ordenamento jurídico outras normas que amparam a responsabilização subsidiária do sócio/administrador, no caso de abuso da personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil).

Lembre-se de que a pessoa jurídica existe por mera ficção jurídica, sendo seus atos efetivamente praticados por pessoas físicas, que devem responder pelo excesso praticado sob o manto da sociedade empresária.

O entendimento de que em nenhuma hipótese o sócio administrador pudesse ser responsável pela multa por infração à legislação do trabalho ocasionaria a fragilização do escopo da fiscalização, e, consequentemente, das próprias normas legais de proteção ao trabalhador, pela falta de execução da penalidade aplicada.

Portanto, esgotadas as possibilidades de solvência pela pessoa jurídica, o administrador responde subsidiariamente, pelas multas administrativas a que deu causa quando de sua gerência empresarial (art. 50 do Código Civil), nos moldes da denominada teoria da Disregard of Legal Entity.[35]

Todavia, tal entendimento ainda se mostra isolado, inclusive na Corte Goiana, aonde prevalece a impossibilidade de se aplicar a teoria, nos casos de execução da multa administrativa.

6. Benefício de ordem

Conforme conceitua ORLANDO GOMES[36], “o benefício de ordem consiste no direito assegurado ao fiador de exigir do credor que acione em primeiro lugar o devedor principal.”

Previsto no artigo 827 do Código Civil[37], a jurisprudência trabalhista já assentou entendimento que não é o caso de sua aplicação nos casos de desconsideração da personalidade jurídica.

Vejamos:

EXECUÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. BENEFÍCIO DE ORDEM. Constatada a impossibilidade de prosseguimento da execução contra o devedor principal - empresa tomadora dos serviços -, que não foi encontrado, não há falar em ordem de preferência, devendo ser mantida a determinação do Julgador de direcionar a execução contra a empresa responsável subsidiária, sendo prescindível, para este fim, a desconsideração da personalidade jurídica do primeiro réu, mormente se não foram indicados pelo responsável subsidiário bens livres e desembaraçados de propriedade do devedor principal.[38]

No mesmo sentido:

RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. DEVEDORES PRINCIPAL E SUBSIDIÁRIO. BENEFÍCIO DE ORDEM. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO EM FACE DOS SÓCIOS. Esta Seção Especializada firmou entendimento no sentido de que cabe ao devedor subsidiário o ônus de apontar a existência de bens passíveis de penhora, pertencentes ao devedor principal, quando alega o benefício de ordem, e que somente após inviabilizada a execução em face das pessoas jurídicas (devedoras principal e subsidiária) é que poderão ser autorizados a desconsideração da personalidade jurídica e o redirecionamento da execução em face do patrimônio dos sócios (item III da OJ EX SE 40). Agravo de petição da executada a que se nega provimento.[39]

No mesmo sentido é o entendimento das Cortes mato-grossense e paraibana:

BENEFÍCIO DE ORDEM E DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. NÃO CONHECIMENTO.Tendo em vista que o benefício de ordem é uma consequência da responsabilidade subsidiária e que a desconsideração da pessoa jurídica é um procedimento inerente à execução, sendo inoportuna a antecipação da discussão de possíveis incidentes daquela fase processual, não se conhece do apelo, por falta de interesse processual nesse particular.[40]

Sendo assim, não há que se falar em benefício de ordem, quando da desconsideração da personalidade jurídica, até porque não se enquadra da hipótese de cabimento estabelecido no ordenamento comum civil, uma vez que, tal instrumento é vinculado ao contrato de fiança.

7. Não cabimento da desconsideração, para inclusão dos membros de direção, nas hipóteses de execução em face de entidades sem fins lucrativos

Prevista no artigo 53 do Código Civil, as entidades sem fins lucrativos (ou no linguajar legal, associações sem fins econômicos), são instituições, dotadas de personalidade jurídica e caracterizada pelo agrupamento de pessoas para a realização e consecução de objetivos e ideais comuns, sem o objetivo de lucro.

Segundo a jurisprudência obreira, nos casos de entidades sem fins lucrativos, não há que se falar em se desconsiderar a sua personalidade, para invadir o patrimônio de seus diretores, quando a mesma se mostrar insolvente quanto aos créditos de seus funcionários, uma vez que, muitas vezes os dirigentes destas associações, no mais das vezes, laboram em caráter gratuito e de forma assistencial.

Sendo assim:

ENTIDADE SEM FINS LUCRATIVOS. INCLUSÃO DE MEMBROS  DA  DIRETORIA. Tendo à vista que a executada é entidade civil sem fins lucrativos, com finalidade educacional e cultural, é entendimento predominante nesta Seção Especializada que é incabível a desconsideração da personalidade jurídica para responsabilização dos membros da diretoria. Agravo de petição da exequente improvido.[41]

ENTIDADE DE NATUREZA ASSISTENCIAL. PENHORA DE BENS DE DIRIGENTES. TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE DA PESSOA JURÍDICA. INAPLICABILIDADE. Não há falar em penhora de bens de dirigentes de entidade assistencial, na medida em que não se trata de empresa privada com fins lucrativos e tampouco há provas de que os administradores agiram com o intuito de desviar os objetivos e as finalidades sociais da entidade com o propósito de obterem vantagens pessoais. Recurso conhecido para se negar provimento.[42]

Importante ressaltar que, além do entendimento do descabimento da desconsideração, ante a ausência de finalidade lucrativa, os julgados supra ementados informam que o credor não comprovou a confusão patrimonial ou a má ou fraudulenta gestão dos administradores.

Todavia, há julgados que, mesmo sendo a executada pessoa jurídica sem fins lucrativos, é possível a desconsideração da personalidade jurídica, visando a quitação de seus débitos.

AGRAVO DE PETIÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ASSOCIAÇÃO. PESSOA JURÍDICA COM FINALIDADE NÃO ECONÔMICA.

O fato de a associação constituir pessoa jurídica de finalidade não econômica (art. 44, I c/c art. 53, do Código Civil - CCB), por si só, não a torna imune aos efeitos da desconsideração da personalidade jurídica, seja com amparo no art. 28 do Código de Defesa do consumir - CDC, seja com espeque no art. 50 do CCB. Como a lei não fez qualquer distinção, não cabe ao intérprete o discrímen.[43]

No v. voto, o nobre Relator assim firma seu entendimento:

A ordem jurídica autoriza que os bens dos sócios ou administradores sejam constritos depois de excutidos todos os bens da sociedade, porquanto os bens da sociedade não se confundem com os bens dos sócios (art. 596 do CPC c/c art. 1.024 do CCB).

De fato, com suporte nos arts. 50 do CCB (Teoria Maior) e 28 do CDC (Teoria Menor), pode-se desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade para estender a execução aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Na seara trabalhista, prevalece a Teoria Menor da Desconsideração, calcada no art. 28, § 5º, do CDC, segundo o qual “poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”.

Com efeito, diante da feição protecionista e do caráter social do direito do consumidor, aplica-se ao Direito laboral a chamada Teoria Menor, que decorre da mera insolvência do devedor (que aqui faz presumir a fraude - art. 9º, CLT), diferentemente do Código Civil que acolhe a Teoria Maior, exigindo a comprovação do abuso da personalidade jurídica (desvio de finalidade ou confusão patrimonial) para a aplicação da disregard doctrin.

Logo, os sócios ou administradores da pessoa jurídica respondem subsidiariamente pelas dívidas trabalhistas, dependendo sua execução da frustração do procedimento executório deflagrado contra o empregador (art. 596 do CPC c/c art. 1.024 do CCB).

Destaca-se, ainda, que, pela teoria da desconsideração da pessoa jurídica, a execução pode se dirigir ao patrimônio do sócio sem que este tenha constado expressamente do título executivo judicial (Súmula 4 do E. TRT.17ª).

Cabe frisar que, no âmbito trabalhista, o inadimplemento conduz à presunção de fraude, a teor do disposto no art. 9º da CLT.

Desse modo, o fato de associação constituir pessoa jurídica de finalidade não econômica (art. 44, I c/c art. 53, do CCB), por si só, não a torna imune aos efeitos da desconsideração da personalidade jurídica, seja com amparo no art. 28 do CDC, seja com espeque no art. 50 do CCB.

De resto, como a lei não fez qualquer distinção, não cabe ao intérprete o discrímen.

Muito embora exista a divergência no próprio Sodalício (AP 0074500-45.2013.5.17.0014, da relatoria do Des. Fed. do Trabalho JOSÉ CARLOS RIZK, DEJT 17/06/2014), o entendimento supra esposado não é único naquela região (AP 0201200-45.2003.5.17.0005, da relatoria da Desa. Fed. do Trabalho CARMEN VILMA GARISTO, DEJT 22/06/2011), tal tema não encontra uma uniformização.

No Tribunal Regional do Trabalho do 19ª Região, encontramos entendimento similar:

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ENTIDADE SEM FINS LUCRATIVOS. POSSIBILIDADE. A ausência de finalidade lucrativa das organizações da sociedade civil de interesse público não impede a responsabilização dos seus sócios pelos créditos trabalhistas.[44]

Todavia, a jurisprudência é majoritária no sentido de não ser possível a desconsideração da personalidade jurídica, nos casos de entidades sem fins lucrativos.

8. A desconsideração e as cooperativas de trabalho

Com o regime jurídico definido pela lei 12.690, de 19 de julho de 2012, as cooperativas de trabalho tem o seu conceito estabelecido no artigo 2º, que possui a seguinte redação:

considera-se Cooperativa de Trabalho a sociedade constituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho.  (BRASIL, 2012)

Cooperativa é uma associação de pessoas com interesses comuns, economicamente organizada de forma democrática, isto é, contan­do com a participação livre de todos e respeitando direitos e deveres de cada um de seus cooperados, aos quais presta serviços, sem fins lucrativos.

No caso das cooperativas de trabalho, a atividade laborativa ou profissional, além de dever ser em proveito comum dos cooperados, deve ser exercida de forma autônoma pelo cooperado em si (autonomia individual), ainda que por meio de autogestão, com o fim de se obter melhor qualificação e renda, melhor situação socioeconômica e melhoria das condições gerais de trabalho, mas, inclusive, de cada cooperado individualmente, reunido na cooperativa.

Em linhas gerais, a atividade cooperativa, segunda a norma reguladora, é caracterizada pelos seguintes elementos:

1) É uma sociedade de pessoas.

2) O objetivo principal é a prestação de serviços.

3) Pode ter um número ilimitado de cooperados.

4) O controle é democrático: uma pessoa = um voto.

5) Nas assembléias, o “quorum” é baseado no número de cooperados.

6) Não é permitida a transferência das quotas-parte a terceiros, estranhos à sociedade, ainda que por herança.

7) Retorno proporcional ao valor das operações.

8) Não está sujeita à falência.

9) Constitui-se por intermédio da assembléia dos fundadores ou por instrumento público, e seus atos constitutivos devem ser arquivados na Junta Comercial e publicados.

10) Deve ostentar a expressão “cooperativa” em sua denominação, sendo vedado o uso da expressão “banco”.

11) Neutralidade política e não discriminação religiosa, social e racial.

12) Indivisibilidade do fundo de reserva entre os sócios, ainda que em caso de dissolução da sociedade.

Além destas características, a cooperativa de trabalho deve se reger pelos seguintes princípios e valores estabelecidos no art. 3º da lei:

I – adesão voluntária e livre;

II – gestão democrática;

III – participação econômica dos membros;

IV – autonomia e independência;

V – educação, formação e informação;

VI – intercooperação;

VII – interesse pela comunidade;

VIII – preservação dos direitos sociais, do valor social do trabalho e da livre iniciativa;

IX – não precarização do trabalho;

X – respeito às decisões de assembléia;

XI – participação na gestão em todos os níveis de decisão de acordo com o previsto em lei e no Estatuto Social.

Ainda, de acordo com o artigo 4º do citado diploma, a sociedade cooperativa poderá se da espécie de produção (quando constituída por sócios que contribuem com trabalho para a produção em comum de bens e a cooperativa detém, a qualquer título, os meios de produção), ou, de serviço (quando constituída por sócios para a prestação de serviços especializados a terceiros, sem a presença dos pressupostos da relação de emprego).

Excluindo a discussão doutrinária e jurisprudencial acerca do tema cooperativa, ainda mais quando se analisa a questão da terceirização (súmula 331 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho), até porque não é objeto do presente trabalho, os Tribunais Regionais já firmaram entendimento no sentido de que, verificados os pressupostos (má ou fraudulenta gestão, que resulte no inadimplemento das obrigações trabalhistas), é cabível a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

Vejamos:

DESCONSIDERAÇÃO DE PERSONALIDADE JURÍDICA. COOPERATIVA. Conforme dispõe a decisão recorrida, no que não é contestada no Agravo de Petição, o embargante foi incluído no pólo passivo por ser responsável pela Cooperativa de Transporte Urbano Alternativo Sul, com a qual o Reclamante teve seu vínculo empregatício reconhecido no período de 27.04.1998 e 12.07.2007. Insolvente a cooperativa, justifica-se sua inclusão na qualidade de responsável subsidiário. Vale dizer que os sócios se solidarizam na quitação destas verbas, motivo pelo qual não há que se falar em limitação de sua responsabilidade a suas cotas sociais. Ante o exposto, não há razão para reforma do julgado.[45]

AGRAVO DE PETIÇÃO DOS EXECUTADOS. COOPERATIVA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. RESPONSABILIDADE PESSOAL DOS SÓCIOS ADMINISTRADORES. O descumprimento dos direitos trabalhistas configura o "desvio de finalidade", conceito legal indeterminado presente no artigo 50 do Código Civil Brasileiro, que permite a desconsideração da pessoa jurídica. Em se tratando de cooperativa, a responsabilização pessoal dos sócios administradores deve observar os requisitos estipulados na norma específica, qual seja, a Lei n. 5.764/71, cujo artigo 49 exige o agir doloso ou culposo para tanto. Não demonstrada a prática de artimanhas por parte dos sócios administradores da cooperativa a fim de prejudicar a execução, não cabe o redirecionamento da execução. Agravo de petição a que se dá provimento.[46]

Nesta segunda ementa, extraída do v. acórdão firmado pelo Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, a MM. Relatora baseia seu entendimento, de ser possível a desconsideração no caso das cooperativas, ante o contido nos artigos 13 e 36 da antiga lei cooperativa, qual seja, a lei 5.764/71.

Mas, embora seja de entendimento consolidado nas Cortes Trabalhistas, o TRT da 20ª Região já se pronunciou contrariamente a desconsideração da personalidade jurídica, com o objetivo de incluir os associados. Vejamos:

AGRAVO DE PETIÇÃO – PEDIDO DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DE COOPERATIVA – RESPONSABILIDADE DOS COOPERADOS – IMPOSSIBILIDADE. A aplicação, por analogia, da teoria da desconsideração da personalidade jurídica à cooperativa constituída para impetrar fraude a direitos trabalhistas encontra óbice no fato de que os seus cooperados, a exemplo da agravante, também teriam sido lesados, figurando em vários outros processos trabalhistas. Assim, não faz sentido a determinação de penhora em bens uns dos outros. Em casos como tais, a satisfação da execução fica irremediavelmente vinculada à existência de bens em nome da cooperativa executada.[47]

No caso do v. acórdão supra ementado, o Desembargador Relator entendeu:

(...)

Apesar de ter sido reconhecida a constituição fraudulenta da cooperativa, com vistas à burla de direitos trabalhistas, não se pode abstrair que os seus cooperados (sócios) são aqueles que, a exemplo da reclamante, também teriam sido lesados e que figuraram em vários outros processos em trâmite na Justiça do Trabalho. É dizer, não faz sentido que se determine a penhora em bens uns dos outros. Infelizmente, em casos como tais, a satisfação da execução fica irremediavelmente vinculada à existência de bens em nome da cooperativa executada.

Ademais, não fez prova a agravante da dissolução fraudulenta alegada nas razões recursais. Não comprovou, ainda, o funcionamento da cooperativa, agora sob outra roupagem, a indicar possível fraude aos direitos dos seus credores

Sem adentrar ao mérito do caso em si, temos que a r. decisão se mostra contraditória e injusta aos olhos dos princípios norteadores do direito do trabalho.

Ora, se o Magistrado verificou que houve “reconhecida constituição fraudulenta da cooperativa”, não há se que excluir a responsabilidade dos sócios fundadores, salvo se, e não há notícia nos autos de tal situação se verificou, que o Exequente-Reclamante era um dos componentes dos órgãos diretores da associação.

Porém, como dito alhures, tal entendimento é isolado em outros Tribunais, apenas de que, em breve pesquisa, encontra outra decisão, no mesmo sentido, no Egrégio TRT sergipano (AP 01178-2005-003-20-85-3, da relatoria do Des. Fed. do Trabalho CARLOS ALBERTO PEDREIRA CARDOSO).

9. A desconsideração e os entes públicos

As pessoas jurídicas de direito publico podem ser divididas em pessoas de direito publico interno, e pessoas de direito publico externo, sendo a primeira agrupada em entes da administração direta e indireta e a segunda sendo os Estados estrangeiros, inclusive a Santa Sé e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público (artigos 41 e 42 do Código Civil).

Os entes da administração direta são; a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e os Territórios, enquanto que os da administração indireta são; as autarquias, inclusive as associações públicas e as entidades de caráter público, sendo estas as fundações públicas e as agencias reguladoras.

Muito embora seja objeto de discussão, sendo que, inclusive, existe um Mandado de Segurança, em trâmite junto ao Supremo Tribunal Federal (relatoria do Ministro CELSO DE MELLO – MS 32.494-MC/DF), onde se questiona a possibilidade de se desconsiderar a personalidade jurídica, no âmbito administrativo, pelos Tribunais de Contas, quando se apurar o abuso de direito ou de fraude, na seara do Direito do Trabalho, as Cortes Regionais já consolidaram entendimento de que, verificados os pressupostos, é possível a incidência da teoria da “disregard doctrine”.

SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JUÍDICA. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO. MUNICÍPIO. POSSIBILIDADE. Em caso de condenação e posterior inadimplência do devedor, em fase de execução, é possível a desconsideração da personalidade jurídica da empresa e direcionamento dos atos executórios no sentido de atingir os bens dos seus sócios. Na qualidade de acionista controlador, com amplo poder de decisão na gestão da sociedade de economia mista, dela se utilizando como instrumento de ação de suas políticas públicas, responde o Município pelos créditos trabalhistas inadimplidos pelo ente societário, que tem suas atividades voltadas à consecução de serviço público essencial. Agravo de petição conhecido e não-provido.[48]

No caso ementado, o Desembargador Relator faz incidir a teoria da desconsideração da personalidade, ao argumento de que, como a Municipalidade é possuidora de amplo poder de gestão e a prestadora de serviços encontra-se em fase de liquidação extrajudicial, resta incontroversa a situação de insolvabilidade e ausência de patrimônio desta última para a quitação de suas obrigações trabalhistas.

Uma questão interessante pode ser levantada diante da v. decisão do Regional em comento: no caso em tela, a desconsideração foi aplicada, apenas e tão somente pelo fato da prestadora de serviço (empregadora original) estar em liquidação extrajudicial, não constando no corpo do voto nenhuma menção acerca da improbidade de gestão.

Sendo assim, a Corte maranhense aplicou, no caso em comento, a desconsideração, sem observar os requisitos esculpidos, seja no artigo 50 do Código Civil, seja nos ensinamentos doutrinários relacionados à matéria.

No mesmo sentido que o Regional maranhense, os Sodalícios da 2ª, 6ª e 14ª Região, acompanham o entendimento:

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.CENTRAL. EMPRESA PÚBLICA. POSSIBILIDADE.

A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, que de há muito é aplicado ao Processo do Trabalho, tem o objetivo de evitar a lesão de direitos dos seus credores, garantindo-se, pois, os direitos dos empregados em caso de insuficiência de bens da empresa. Em se tratando de empresa pública, o devedor secundário passa a ser o ente público controlador.[49]

DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. ENTE PÚBLICO QUE FIGURA COMO SÓCIO DE EMPRESA COM PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO. POSSIBILIDADE. Não é necessário que o Município do Recife, ora agravante, tenha constado do título executivo judicial, para que seja executado na qualidade de sócio majoritário da CSURB. Agravo de petição a que se nega provimento.[50]

AGRAVO DE PETIÇÃO. ACREDATA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ESTADO DO ACRE. RESPONSABILIDADE. Inexistindo bens da devedora principal, qual seja, Empresa de Processamento de Dados do Acre – ACREDATA, para satisfazer a execução, cabível, por força do artigo 50 do Código Civil, a desconsideração da personalidade jurídica a fim de alcançar os bens dos sócios, no caso o Estado do Acre, seu acionista majoritário.[51]

Em todos os acórdãos acima, apesar dos Sodalícios basearem suas conclusões no artigo 50 do Código Civil, onde deve-se observar a má ou fraudulenta gestão da empresa devedora original, as conclusões se deram a partir da teoria menor, estabelecida na legislação consumerista, onde, para a inclusão dos sócios, basta inexistir patrimônio em favor da Executada original.

Nos casos supra, s.m.j., não podemos falar em desconsideração da personalidade jurídica, mas, sim, em responsabilidade subsidiária, posto que, o controlador foi convocado a fazer parte do pólo passivo da demanda, pelo simples motivo da empresa controlada não lograr êxito em quitar seus compromissos e não por restar comprovada a má ou fraudulenta gestão, conforme fundamentos já expostos.

10. A desconsideração e as sociedades anônimas

Segundo o artigo 1º da Lei 6.404/76, "a companhia ou sociedade anônima terá o capital divido em ações, e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas".

As sociedades anônimas são também chamadas de sociedades institucionais, tendo seu capital, como diz o dispositivo supra citado, dividido em ações e os titulares destas ações são denominados acionistas.

É uma sociedade de capital, pois as ações são negociadas livremente, não podendo os acionistas vetar o ingresso de estranho ao quadro social. A sociedade anônima, independentemente de qual seja seu objeto social, será sempre uma sociedade empresária. Assim, a sociedade anônima é sempre empresária, mesmo que seu objeto seja atividade econômica civil (CC, art. 982, § único; LSA, art. 2º, §1º).

Uma das características deste tipo societário é a responsabilidade dos sócios ou acionistas que será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas. Não existe, aqui, a responsabilidade solidária entre os sócios, como ocorre nas sociedades limitadas. Assim, se as ações estiverem totalmente integralizadas, o acionista não terá mais responsabilidade nenhuma.

“As sociedades anônimas podem ser de capital aberto ou capital fechado. É uma pessoa jurídica de direito privado, e será sempre de natureza eminentemente mercantil, qualquer que seja seu objeto, conforme preconiza o art. 2º, § 1º, da Lei 6.404/76. A constituição da sociedade anônima é diferente, conforme seja aberta ou fechada, sendo sucessiva ou pública para a primeira, e simultânea ou particular para a segunda. Para a sucessiva ou pública, sua constituição obedece a fases, como elaboração de Boletins de Subscrição, que devem ser registrados na Comissão de Valores Mobiliários; oferta de subscrição das ações ao público; convocação de subscritores e realização da assembléia de constituição; remessa do estatuto e atas das assembléias para a Junta Comercial e publicação da certidão do arquivamento no jornal oficial.

Já a constituição simultânea ocorre com elaboração de boletins de subscrição por fundadores, oferta direta ao público, convocação para assembléia, remessa à Junta Comercial do estatuto e ata da assembléia e publicação no jornal oficial da certidão do arquivamento.

A sociedade poderá participar de outras sociedades, e será designada por denominação acompanhada das expressões companhia ou sociedade anônima, expressas por extenso ou abreviadamente, todavia, vedado a utilização da abreviação "Cia" ao final da denominação. Poderá o nome do fundador, acionista, ou pessoa que porventura tenha concorrido para o êxito empresarial do negócio.”[52]

Trata-se tem uma estrutura, na qual a responsabilidade do acionista é limitada, ou seja, não depende do outro sócio. A ação, é parte (fração) do capital é, portanto, um  título que pode ser livremente negociável. Desse modo dispõe o art.  1º da Lei 6.404/1976:

A companhia ou sociedade anônima terá o capital dividido em ações, e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas. (BRASIL, 1976)

No que tange ao objeto do presente trabalho, é consolidado o entendimento de que, é possível aplicar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, mesmo nos casos de sociedade anônima.

Vejamos:

AGRAVO DE PETIÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SOCIEDADE ANÔNIMA. Nos termos do art. 158 da Lei n.º 6.404/76 e do art. 28 da Lei n.º 8.078/90, entende-se aplicável a desconsideração da personalidade jurídica para alcançar o gestor de sociedade anônima. Agravo provido.[53]

No v. voto condutor do acórdão supra ementado, o Relator, lastreando seu entendimento nos permissivos contidos na lei 6.404/76 e 8.078/90, aplica a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, para incluir o gestor da sociedade anônima no pólo passivo da reclamação trabalhista, excluindo, desde já, os demais acionistas, tendo em vista a ausência do poder de mando e direção da empresa.

Impende ressaltar no acórdão em comento que, a desconsideração da personalidade se deu com base na teoria menor, ou seja, pelo mero inadimplemento do empregador, sendo despiciente a verificação da má ou fraudulenta gestão.

Em caso diverso, onde se aplicou a teoria maior, averiguando a má gestão empresarial para se desconsiderar a personalidade jurídica, o Regional sergipano assim consolidou entendimento:

AGRAVO DE PETIÇÃO. SOCIEDADE ANÔNIMA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO AO SÓCIO. CONFIGURAÇÃO DE GESTÃO TEMERÁRIA. CABIMENTO. MANUTENÇÃO DO JULGADO. Não sobejando aqui registrar a regularidade da desconsideração da personalidade jurídica da Executada, em face das infrutíferas diligências promovidas para o fim de satisfação do crédito Obreiro constituído nos Autos da RT n. 0022200-31.1994.5.20.0001 (01.01-0222/94), consigno que a análise dos Autos informa ser o caso de responsabilização dos Sócios da Executada, Sociedade Anônima, na medida em que restou demonstrada a gestão temerária, esta consubstanciadas na impossibilidade de penhora dos bens da Empresa Executada, que não se encontrava estabelecida no endereço em que funcionava, estando em local incerto e não sabido, além da frustração de penhora on line, na medida em que constituem tais fatos, óbice ao regular exercício de qualquer atividade econômica, uma vez que a Empresa que deixa de funcionar no endereço indicado no Contrato Social arquivado na Junta Comercial, desaparecendo sem deixar nova direção, é presumivelmente considerada como desativada ou irregularmente extinta, o que autoriza, assim, o redirecionamento da Execução ao sócio gerente da Empresa Executada, como promovido pelo Juízo Executório, com o que se impõe a manutenção da Decisão Agravada, ressaltando, por oportuno, a incolumidade dos artigos 5º, incisos II, XXII, XXXVI, LIV, LV e 170, inciso II, da CF/88. Agravo de Petição a que se nega provimento.[54]

No mesmo sentido se pronunciou o Regional mineiro e o cearense:

SOCIEDADE ANÔNIMA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. A regra é que o administrador não seja pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade anônima em virtude de ato regular de gestão. Todavia, responderá pelos prejuízos que causar, quando proceder com culpa ou dolo e com violação da lei ou do estatuto. Na hipótese vertente, os elementos de convicção demonstram que os Administradores não agiram com probidade e diligência. A sociedade foi mal administrada, não encontrando o oficial de justiça bens passíveis de penhora. Houve vulneração de dispositivos legais relativos à legislação trabalhista. Aplicável a teoria da "disregard of the legal entity".[55]

SOCIEDADE ANÔNIMA - REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO CONTRA SÓCIO-DIRETOR - POSSIBILIDADE. É plenamente viável o redirecionamento da execução contra os sócios ou gestores de sociedade anônima nos casos de encerramento irregular das atividades, sem a existência de patrimônio social capaz de garantir as dívidas trabalhistas e previdenciárias. Inteligência dos artigos 117 e 158 da Lei 6.404/76 e do artigo 50 do Código Civil.[56]

Desta forma, demonstrada a irregularidade na gestão da sociedade pelo não cumprimento injustificável de todas as suas obrigações (em particular, as trabalhistas), a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, embora em caráter excepcional, é medida que se impõe.

11. A desconsideração e o sócio retirante

Uma grande discussão no processo de execução, envolvendo empresas e associações, em geral, está relacionada a responsabilidade trabalhista do sócio retirante, ou seja, daquele que não pertence mais ao quadro societário da empresa quando os bens da sociedade e dos sócios atuais são insuficientes para a garantia da execução e, via de consequência, para a satisfação do crédito do exequendo.

A legislação trabalhista é omissa quanto ao limite temporal da responsabilidade do sócio que se retira da sociedade e, nessa seara, surgem algumas correntes.

O atual Código Civil dispõe, em seus artigos 1.003 e 1.032 que:

Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade.

Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação. (BRASIL, 2002).

Assim, de acordo com a legislação comum civil, o sócio retirante permanece responsável pela dívida trabalhista por dois anos após averbada a resolução da sociedade no órgão competente. Segundo o Código Civil então, ultrapassado esse prazo, não responde o ex-sócio pelos débitos trabalhistas da empresa executada, sendo irrelevante o momento de interposição da ação ou o período trabalhado pelo empregado.

Todavia, há doutrinadores que informam que a obrigação do sócio retirante permanece quando a reclamação trabalhista for ajuizada no prazo de até dois anos da sua saída da sociedade. Para aqueles, deve-se levar em conta o fato de a ação ter sido distribuída nos dois anos seguintes à sua retirada da sociedade, pouco importando ter se beneficiado ou não do trabalho do empregado.

No entanto, quanto aos débitos trabalhistas, apesar do disposto nos artigos supracitados do Código Civil, a corrente majoritária é no sentido de que a responsabilidade do sócio retirante não se esgota após dois anos de sua saída da sociedade, tendo em vista as peculiaridades da ação trabalhista que visa resguardar direitos de natureza alimentar.

Para os seguidores dessa corrente, se o sócio retirante se beneficiou do resultado da prestação de serviços do trabalhador, não há como se admitir que tal ex-sócio seja responsável por atos praticados apenas por dois anos após sua saída, principalmente se referido ato foi uma contratação laboral pactuada enquanto tal sócio integrava o quadro social e/ou os serviços prestados pelo empregado se deram enquanto tal sócio integrava o quadro societário da empresa executada, podendo, desta forma, o patrimônio pessoal do ex-sócio que integrava a sociedade à época da vigência do contrato de trabalho pode ser objeto de constrição judicial na execução promovida em face da empresa, quando os bens desta se revelam insuficientes para a quitação do débito trabalhista.

SÓCIO RETIRANTE. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INCOMPATIBILIDADE DOS ARTIGOS 1003 E 1032 DO CÓDIGO CIVIL. O fundamento nuclear que, na esfera trabalhista, determina a responsabilidade do ex-sócio pela dívida da sociedade, está no proveito pessoal que esse ex-sócio obteve com a força de trabalho do credor, na presunção de que o trabalho do credor contribuiu para a formação do patrimônio do devedor. As verbas que se pretende alcançar são de natureza alimentar e neste sentido, afiguram-se os artigos 1003 e 1032 do Código Civil não compatíveis com as regras de proteção estatuídas pela CLT, mais especificamente os artigos 2º, 10 e 448. Agravos de petição dos embargantes não providos.[57]

EXECUÇÃO. PENHORA DE BENS DE EX-SÓCIO DA EMPRESA. POSSIBILIDADE. Não havendo nos autos indicação de bens da sociedade ou dos atuais sócios, legítima é a constrição sobre o patrimônio de ex-sócio, que pertencia ao quadro societário da executada no transcorrer da execução. Agravo provido.[58]

Todavia, ainda não há uma consolidação no entendimento de qual é o prazo para a responsabilização do sócio retirante, tendo notícias que, muito embora, como dito, se predomine a ideia de que o prazo conta-se do ajuizamento da ação, há julgados, inclusive do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, aplicando o prazo do Código Civil.

Neste sentido, destacamos:

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – SÓCIA DA EMPRESA AO TEMPO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DA EXEQUENTE – A jurisprudência consagra o fenômeno da desconsideração da personalidade jurídica da empresa para responsabilizar seus sócios, gerentes ou não, ainda que minoritários, pelos débitos da sociedade, independentemente da prática ou não de atos faltosos por parte destes. Assim, comprovado ser a Agravante sócia da empresa executada na época da prestação de serviços da Autora, fica demonstrado que a mesma se beneficiou de seus serviços. Ademais, a retirada de um dos sócios não o exonera imediatamente das obrigações da empresa em relação a seus empregados, continuando responsável, por até 02 anos apos a saída do quadro societário.[59]

No mesmo viés:

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. EX-SÓCIO RETIRANTE. LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE.

Ex-sócio só responde pelas obrigações da sociedade nos dois anos que se seguem à averbação da retirada no órgão competente, conforme o parágrafo único do art. 1003 do Código Civil.[60]

Contrariando todos os entendimentos, o Egrégio Tribunal carioca, por meio de um de seus órgãos, apresenta o seguinte precedente.

EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. Inexistindo amparo legal para a desconsideração da personalidade jurídica, à época em que o ex-sócio participava da sociedade ou mesmo para sua responsabilização após haver se retirado do quadro social, impõe-se sua exclusão do polo passivo da execução.[61]

No caso do julgado supra ementado, a douta Relatora entendeu que não era a hipótese de se aplicar a desconsideração com base no contido, no Código Civil ou no Código de Defesa do Consumidor, porque, “estes não vigiam à época em que o agravado retirou-se do quadro social da ré, fato este que ocorreu em 08/10/1989, sendo averbado na Junta Comercial de São Paulo em 16/10/1989 (...)”.

De toda sorte, tal julgado se mostrou único na Corte fluminense.

Sem entrar no mérito, como já informado acima, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica não nasceu no direito pátrio a partir da vigência dos diplomas legais citados pela Nobre Magistrada.

Por derradeiro, interessante julgado proferido pela Corte Regional piauiense:

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. PENHORA DE BEM PERTENCENTE A EX-SÓCIO. POSSIBILIDADE. Na medida em que o juízo da execução se convenceu da existência de fraude, evidenciada pela grande movimentação de sócios numa empresa pequena e em tão curto tempo, com cessão graciosa de suas cotas, é justificável a responsabilização de ex-sócios, mormente se continuaram a interferir nos destinos da empresa, ainda que sob outro título..[62]

No caso, a Turma Julgadora entendeu que a responsabilidade dos sócios se estendeu, além do período em que os mesmos, em tese, se retiraram da empresa, ante o princípio da primazia da realidade, pois estes continuavam a interferir no pleno funcionamento da empresa.

12. A desconsideração e o grupo econômico

Estabelece o Estatuto Obreiro, em seu artigo 2º, § 2º que,

Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas. (BRASIL, 1943)

Para ALICE MONTEIRO DE BARROS,

Grupo econômico é um conglomerado de empresas que, embora tenham personalidade jurídica própria, estão sob o controle administrativo ou acionário de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de outra atividade econômica, sendo solidariamente responsáveis para os efeitos da relação de emprego (art. 2º, § 2º, da CLT).[63]

Ensina CARLA TERESA MARTINS ROMAR[64]

A partir da definição legal de grupo econômico, Octávio Bueno Magano identifica os seguintes elementos componentes da estrutura de tal figura jurídica: “1) participantes (empresas); 2) autonomia dos participantes (personalidade jurídica); 3) relação entre participantes (relação de dominação, através da direção, controle ou administração da empresa principal sobre as filiadas); 4) natureza da atividade (industrial, comercial o qualquer outra de caráter econômico); 5) efeito (solidariedade); 6) objetivo sobre que recai (relação de emprego).

Sendo assim, para que se aplique a regra da solidariedade decorrente do chamado “grupo econômico”, é preciso que se configure, entre os outros requisitos previstos no § 2º, do artigo 2º da CLT, que haja uma relação entre os participantes, ou seja, que exista uma empresa dirigente e as empresas dirigidas (controladora e controladas). É preciso haver uma relação interna de subordinação entre as empresas do grupo.

Neste sentido, é o ensinamento de SERGIO PINTO MARTINS[65]:

Denota-se da orientação da CLT que o grupo econômico pressupõe a existência de pelo menos duas ou mais empresas que estejam sob comando único.

(...)

 A relação que deve haver entre as empresas do grupo econômico é de dominação, mostrando a existência de uma empresa principal, que é a controladora, e as empresas controladas. (...). O requisito principal é o controle de uma empresa sobre outra, que consiste na possibilidade de uma empresa exercer influência dominante sobre outra. (...).

Firmado o conceito de grupo econômico, os Tribunais Regionais do Trabalho vem entendendo ser plenamente possível se desconsiderar a personalidade de uma das empresas (a devedora, inadimplente e insolvente), para responsabilizar outra, componente do pool.

Neste sentido:

AGRAVO DE PETIÇÃO. EXECUÇÃO. GRUPO ECONÔMICO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ARTIGOS 50/CC E 28/CDC. A desconsideração da personalidade jurídica encontra sede não apenas no artigo 50 do CC, incidente nas hipóteses de utilização abusiva e fraudulenta do ente jurídico, mas também no artigo 28 do CDC, aplicável sempre que a personalidade jurídica se traduzir em obstáculo à satisfação dos créditos executados. A personalidade jurídica não constitui um direito absoluto, por estar sujeita às teorias da fraude contra credores e do abuso de direito. Exatamente para combater a fraude e o abuso de direito é que surgiu a doutrina da desconsideração ou superamento da personalidade jurídica.[66]

Do v. voto, insta destacar:

(...) quando um sócio ou os sócios se utilizam da sociedade como escudo para fraudes ou abusos, ao juiz é dado ignorar a existência da personalidade jurídica, a fim de que, naquele caso concreto, possa responsabilizar quem de fato cometeu a fraude ou o abuso, não importando, essa medida, em dissolução da entidade social, que fica inteiramente preservada. Daí a conclusão de que a personalidade jurídica não constitui um direito absoluto, por estar sujeita às teorias da fraude contra credores e do abuso de direito. Exatamente para combater a fraude e o abuso de direito é que surgiu a doutrina da desconsideração ou superamento da personalidade jurídica. Tal entendimento também é extensivo no caso de grupo econômico em que a vinculação entre empresas não se apresenta de modo evidente, mas somente perceptível pela verificação de seu quadro societário e pelas relações diretas de seus integrantes.

Para o julgador, a existência de um grupo econômico possibilita a extensão da responsabilidade pela quitação dos débitos trabalhistas entre as empresas que o compõe.

A bem da verdade, entendemos que não há que se falar em desconsideração da personalidade jurídica, mas sim, a extensão, por solidariedade de responsabilidade ante o contido no artigo 2º, § 2º da CLT.

Contudo, poder-se-á falar na desconsideração da personalidade jurídica das empresas, componentes do grupo econômico para se incluir os sócios daquelas outras, visando a quitação da obrigação.

CONCLUSÃO

De origem anglo-saxão, onde o Juiz Marshall, para discutir a competência da justiça federal norte americana, a qual abrangia apenas controvérsias entre cidadãos de Estados diferentes, pois não se podia considerar a sociedade um cidadão, então, levou-se em conta os diversos membros da pessoa jurídica, para se conhecer questão no âmbito da justiça federal.

Introduzida no ordenamento jurídico nacional, a partir do artigo do saudoso Rubens Requião, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, tem como finalidade afastar a pessoa jurídica inadimplente, possibilitando-se que, diante a verificação da existência do abuso de direito ou de fraude na condução da mesma, possa o Magistrado incluir seus sócios, presentes ou passados, no pólo passivo da demanda em curso, visando a satisfação do crédito executado.

Muito embora as pessoas naturais e jurídicas sejam, em regra, absolutamente diversas, com seus direitos e deveres próprios, foi se verificando, ao longo dos tempos que, o sócio-administrador de determinadas empresas, a utiliza com a finalidade de enriquecimento, em detrimento dos credores daquelas.

Inicialmente a teoria desconsiderava a personalidade jurídica da empresa, para incluir os seus sócios. Em evolução, atualmente, é possível que, se desconsidere a pessoa física, devedora, para que se ingresse no patrimônio das empresas as quais aquela é sócia, sendo denominada desconsideração da personalidade jurídica inversa, ou às avessas.

Inserida na legislação pátria, a doutrina anota dois tipos, ou duas correntes para a sua aplicação. A chamada Teoria Maior, baseada no Código Civil, onde deve ser comprovada a má ou fraudulenta gestão da empresa, para se possibilitar a desconsideração da sua personalidade, para se incluir o sócio-administrador, e, a chamada Teoria Menor, com fundamento na lei consumerista, onde basta a não localização de patrimônio e a insolvência da empresa.

De indiscutível aplicação no Direito Processual do Trabalho, verifica-se que, a Teoria Menor, baseada no Código de Defesa do Consumir é a que predomina, tendo em vista a colidência de princípios do direito obreiro e o consumerista.

De alcance amplo, como verificado no presente trabalho que, diante de sua limitação, traz apenas alguns exemplos, onde se pode analisar os julgados de todos os Tribunais Regionais do Trabalho brasileiros, em diversas situações.

A possibilidade de se desconsiderar a personalidade jurídica, seja da empresa ou da pessoa física, é um recurso à disposição do Poder Judiciário para se evitar manobras, muitas vezes ilícitas, que resultam em prejuízo de toda sorte ao trabalhador.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Amador Paes de. Execução de bens dos sócios: obrigações mercantis, tributárias, trabalhistas: desconsideração da personalidade jurídica (doutrina e jurisprudência). 11. ed., São Paulo: Saraiva, 2010.

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr., 2010.

BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2008.

CARRION, Valentin; CARRION, Eduardo. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2010.

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Sobre o autor
André Cruz

Possui graduação em Direito pela Universidade do Vale do Paraíba, Pós Graduação em Processo Civil, pela FMU-SP e Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. É mestre em Direito, área de concentração Direitos Sociais. Advogado e professor universitário.

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